quarta-feira, dezembro 29, 2010

vou agora te contar

Dá-me a Tua Mão
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Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio. 
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Clarice Lispector

Issan, foi um show essa tarde... como esse blues!

segunda-feira, dezembro 27, 2010

jamais diga que não tem tempo para ler

A LITERATURA É CAPAZ DE TRANSFORMAR O SEU MUNDO?
por  Eliane Brum*
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Não sou muito dada a inícios convencionais de ano. Recomeço tantas vezes num ano só e sempre em datas imprevistas que não vejo muito sentido em festejar um dia específico do calendário. E o fato de não encontrar sentido na comemoração da data não me torna nem melhor nem pior do que ninguém. Mas como de algum modo a maioria das pessoas para – ou é parada – nessa época para pensar na vida e promover um recomeço simbólico, quero dar uma sugestão. Além das metas de sempre – parar de fumar, perder uns quilos, se matricular na academia de ginástica etc etc –, minha proposta é que cada um de nós se arrisque a descobrir a literatura. Tenha a coragem de chutar para o ano que passou a surrada desculpa do “não tenho tempo para ler” e se carregar para o futuro com espaço para o novo que vem das letras. Por quê? Por nada de útil. Por tudo o que importa.
No Paiol Literário, um evento que leva a Curitiba escritores para uma entrevista pública, há uma pergunta clássica e recorrente: “A literatura é capaz de transformar o mundo?” Ela vem entrelaçada a uma outra: “Qual é a importância da literatura na vida cotidiana de cada um?”. Quem criou essas duas perguntas no início do projeto, em 2006, foi José Castello – jornalista, crítico literário, escritor e uma das pessoas mais gentis que andam por esse mundo. Depois, Luís Henrique Pellanda, também jornalista e escritor, seguiu com elas ao substituí-lo no posto de entrevistador.
Perguntei a Pellanda se ele poderia emprestar algumas respostas colecionadas ao longo dos anos para publicar aqui nesta coluna. E ele, que também é um homem muito gentil, me enviou sete. Eu escolhi as três que mais me cutucaram com um dedo delicado, mas incisivo, para compartilhar com vocês nessa conversa de virada de ano. Acho que são respostas que dão coceira na alma. E coceiras da alma, na minha opinião, só se resolvem com arte. Com literatura.
Sérgio Sant’Anna, autor, entre outros, de Um Crime Delicado e O Voo da Madrugada, ambos publicados pela Companhia das Letras, respondeu que a literatura dá ao leitor uma possibilidade imperdível: “Ler não é só adquirir conhecimento ou experiência de vida. É também a possibilidade de ter outra vida, de viver o imaginário. E não é só o escritor que tem isso. O leitor também tem. Ele é um cara que vive dupla ou triplamente”.
E, em seguida: “A literatura é um ato de prazer, que não deve ter segundas intenções. Ela dá aos leitores um espaço muito maior. Se você está lendo um livro, se vê obrigado a criar junto com ele — algo que, na televisão, não existe. Na TV, você pega as coisas mais mastigadas, uma torrente de anúncios e de segundos interesses. É muito ruído.”
Silviano Santiago, autor, entre outros, de O Falso Mentiroso e Anônimos, ambos editados pela Rocco, diz que todo leitor é também escritor. Ele afirma: “É inegável que a literatura tem uma função, assim como todas as artes têm. O primeiro cuidado a ser tomado, se a gente fala da função da literatura, é não fazer uma divisão entre produtor e consumidor. Ou seja, não fazer distinção entre escritor e leitor. Acho que a literatura tem a mesma função para ambos. Não existe um escritor que não seja leitor. Todo leitor é, por sua vez, um produtor de texto. Nós, escritores, escrevemos em uma folha de papel ou na máquina ou no computador, enquanto o leitor escreve naquilo a que os jesuítas chamavam de ‘folha de papel em branco da mente’”.
Santiago diz também que, ao ler, o leitor se apropria daquele mundo e o torna seu. Não apenas seu por estar dentro dele, mas seu como ele mesmo. “O processo de leitura é um exercício de alteridade. É você entrar em um determinado mundo que não é o seu, no qual se entra muitas vezes por um processo de surpresa. Você não esperava aquilo de maneira alguma e, de repente, entra e se encanta com aquele mundo. Quanto mais se entra naquele mundo, mais se apropria dele, mais torna aquele mundo você mesmo. O leitor sensível, inteligente, sempre conseguirá ver as relações estreitas entre aquilo que está lendo e a possibilidade de transformação, seja da realidade imediata, a realidade do mundo, seja ainda e, sobretudo, de si próprio.”
A literatura nos dá muito. Mas não promete nada. É o que disse Luís Henrique Pellanda, autor de O Macaco Ornamental (Bertrand Brasil), ao trocar de lado e responder a uma pequena entrevista para esta coluna. “A literatura não promete felicidade alguma — pelo menos não do tipo clássico, ou seja, o tipo imaginário — e não nos oferece garantias de finais felizes, nada disso. Ela nos amplia a vista de casa, nos mostra o outro — igual e diferente de nós — e exige que nos comparemos a ele, que nos analisemos e, de alguma forma, promovamos reformas internas”.
Ao responder à sua própria pergunta sobre o poder de transformação da literatura numa crônica recente, Pellanda disse lindamente: “Literatura, para mim, pode ser simplesmente a maneira como reordenamos, há milênios, as mesmas histórias, fabulação sobre fabulação, mentira sobre mentira, verdade sobre verdade, e o uso pessoal — íntimo, social, político, intelectual, espiritual — que fazemos delas. Se a literatura é capaz de mudar o mundo? Eu diria que o mundo em que vivemos, bom ou ruim, já é o mundo da literatura. Só ela dá conta das nossas histórias de amor”.
Beatriz Bracher, autora, entre outros, de Antonio e Azul E Dura, ambos publicados pela Editora 34, respondeu à mesma pergunta em duas etapas. Na primeira, no Paiol Literário, ela disse: “A arte pode transformar o mundo ou não, como muitas outras coisas, como as ideias e a política. Mas não acho que ela tenha uma proeminência nesse aspecto. Ela pode transformar o mundo simplesmente por fazer parte dele. Ela está aí. Agora, essa crença de que a arte transformaria radicalmente o mundo, que criaria um novo homem, que nos traria uma espécie de iluminação — não acredito nisso”.
“Por que é importante ler?” – ela pergunta a si mesma. “Não sei. Acho que ler um livro é importante para você não estar aqui nem agora. Para você não ser você por um tempo. Para você ser os outros e habitar outros lugares durante o tempo em que estiver lendo. E, quando você voltar ao aqui e ao agora, a você mesmo, voltará com os olhos muito mais aguçados. Eu saio de um livro sempre muito comovida, ou tocada, ou agressiva. Sempre me transformo de alguma maneira. Fala-se muito que temos uma grande afeição ao caos, que o mundo é informe e que a arte daria forma às coisas. Na verdade, temos pânico do caos. Nós não conseguiríamos viver sem alguma ordem na nossa história. E o que a literatura faz é desordenar um pouco isso, mostrar outras maneiras de organizar nossa vida”.
Beatriz foi para casa e continuou provocada pela pergunta. Enviou então um email a Pellanda. E um bem bonito: “Por que é importante ler? No nono e último círculo do Inferno, de A Divina Comédia, estão os traidores de seus hóspedes. Dante conta que eles estão perpetuamente imersos no gelo apenas com a cabeça de fora e os rostos voltados para cima, impedidos de continuarem a chorar, pois as lágrimas do ‘primeiro pranto, qual viseira de cristal’, congelam-se depois de inundar ‘do olho a cava inteira’. Fiquei pensando se a literatura também não é a possibilidade de abaixar o rosto e chorar de olhos fechados. Desprender-se de uma só dor e poder chorar, inclusive, a dor de muitos outros”.
Como se pode abrir mão de algo assim? Viver sem essa possibilidade? É Pellanda quem nos sacode: “Não ler, em muitos casos, é sintoma de preguiça e falta de condicionamento. Um mal prosaico. Muita gente não lê por levar uma espécie de vida mental sedentária. Aceitam que sua fome tão humana de fabulação seja alimentada pela TV ou pelosblockbusters e, com isso, apenas engordam sua passividade. Digo, de cara, que quem não lê perde a chance de se mostrar ativo em relação ao seu mundo e ao seu tempo. Perde vitalidade. Perde uma ótima oportunidade de se treinar para uma vida mais rica e, quem sabe, feliz”.
No Brasil, um país onde se lê tão pouco e onde metade dos adolescentes tem dificuldades para interpretar um texto, acredito que é preciso profanar a literatura. Aprendi isso com o poeta Sérgio Vaz, criador da Cooperifa, o maior sarau de poesias do país. Os livros precisam deixar de ser sagrados e virar matérias das ruas, tocados por muitas mãos, marcados por lágrimas, suor e gordura. Antes de iniciar a leitura, é preciso apalpar, cheirar, bolinar o objeto que contém a história – ainda que isso seja feito virtualmente. É importante perder o medo dos livros, um excessivo respeito. Incinerar para todo o sempre a ideia de que a literatura é território restrito dos que supostamente sabem mais e torná-la matéria permanente das nossas vidas. Espécie de feijão e arroz da alma.
Não importa o que você lê nesse primeiro movimento, importa que você comece a ler. Leia por prazer. Leia por temor. Leia por coragem e por inocência, fingindo desconhecer que não será o mesmo depois do ponto final. Ninguém precisa começar lendo Proust – nem mesmo precisa ler Proust alguma vez na vida, embora eu ache que vale a pena. Leia aquilo que lhe dá prazer – ainda que seja um prazer vindo do incômodo – e crie uma história só sua com os livros, movida pela sua própria busca. Vá à livraria ou à biblioteca como se fosse a uma festa de gente desconhecida – e até esquisita – e veja com quem tem afinidade, quem lhe sorri, mostra a língua ou um naco da coxa.
O melhor da literatura é que ela não nos dá nenhuma resposta. Nos dá algo muito melhor: nos dá novas perguntas. Perguntei a Pellanda de onde veio a indagação que motivou este texto. Ele respondeu: “De onde vem uma pergunta? De nossa compulsão por saber das coisas, uma compulsão imortal, que nunca será saciada, pois jamais saberemos de nada. E não é ela, essa incerteza sedutora, que nos leva a escrever e a ler? Já se tornou um clichê dizer que a boa literatura não nos responde coisa alguma, e que somente nos faz mais perguntas, apenas perguntas, e irrespondíveis. É um lugar-comum, ok, mas está correto. A última frase de A Montanha Mágica, de Thomas Mann, é uma pergunta e a usei como epígrafe de meu primeiro livro de ficção. Depois de mais de oitocentas páginas, não se conclui nada, e o narrador de Mann se pergunta: ‘Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?’. Será? Não sabemos. Não há resposta possível, nunca houve. E a literatura é isso, fazer as perguntas difíceis, às vezes as constrangedoras. Como aquelas que as crianças nos fazem”.
Para mim não há vida sem literatura. E mais tarde, num outro dia, darei minha própria resposta à pergunta maior do Paiol Literário. Por enquanto, desejo a você que, em 2011, se arrisque mais. Leia. Se já tem intimidade com os livros, aprofunde-a. Tente um território novo. Fale sobre livros em vez de falar mal do chefe, do vizinho, do colega. Faça um favor a si mesmo: prometa que, no novo ano, jamais dirá que não tem tempo para ler.
Talvez a gente nunca saiba se a literatura é capaz de transformar o vasto mundo de fora. Mas podemos nos arriscar a descobrir – e esta é uma tarefa pessoal e intransferível – se a literatura é capaz de transformar o nosso mundo. O meu, o seu. Acredito profundamente que sim. Se tivermos a coragem de tentar, o mundo de dentro vai se alargar. E andaremos por aí carregando nosso próprio horizonte.
Termino com mais algumas ótimas frases de Luís Henrique Pellanda. E as pego emprestadas como meus votos de Ano-Novo:
– Quer dizer, você sabe ler e não lê? Onde é que você está com a cabeça? Achou seu espírito no lixo? Leia. Aproveite.
* Eliane Brum é Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê(Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua(Globo).
Fonte: Revista Época, em 27/12/2010

os mercados de commodities estão nos dizendo...

O mundo finito
por Paul Krugman – "New York Times"

Então, qual é o significado dessa disparada nas commodities?
Seria causada pela especulação descontrolada? Ou resultado da criação excessiva de dinheiro, e, portanto, prenúncio de uma inflação descontrolada no futuro próximo? Não e não.
O que os mercados de commodities estão nos dizendo é que vivemos em um mundo finito, no qual o rápido crescimento das economias emergentes pressiona a oferta limitada de matérias-primas, elevando seus preços. E os Estados Unidos são, em geral, apenas espectadores dessa história.
O retrospecto: na última ocasião em que os preços do petróleo e das commodities estiveram altos assim, dois anos e meio atrás, muitos comentaristas descartaram o pico de preços como uma aberração causada pela ação de especuladores. E se declararam confirmados quando os preços das commodities despencaram, no segundo semestre de 2008.
Mas aquele colapso de preços coincidiu com uma severa recessão mundial, que conduziu a uma queda acentuada na procura por matérias-primas. O grande teste viria quando a economia mundial se recuperasse. As matérias-primas voltariam, então, a se tornar dispendiosas?
Bem, aqui nos Estados Unidos a sensação é a de que a recessão persiste. Mas graças ao crescimento dos países em desenvolvimento, a produção industrial mundial recentemente superou seu pico anterior -- e, como seria de esperar, os preços das commodities voltaram a disparar.
Isso não significa necessariamente que a especulação não tenha desempenhado papel algum em 2007/8. Nem deveríamos rejeitar a ideia de que a especulação de alguma forma influencie os preços atuais; quem seria, por exemplo, o investidor misterioso que arrematou tamanha porção da oferta mundial de cobre? Mas o fato de que a recuperação econômica mundial tenha também trazido recuperação nos preços das commodities sugere fortemente que as flutuações recentes nos preços refletem fatores fundamentais.
E a quanto à possibilidade de que alta nos preços das commodities prenuncie uma disparada na inflação? Muitos comentaristas da direita vêm alegando há anos que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), ao imprimir muito dinheiro -- não é o que a instituição está fazendo, mas é disso que é acusada -- estaria criando uma inflação severa no futuro. A estagflação está a caminho, alertou o deputado Paul Ryan em fevereiro de 2009; Glenn Beck vem avisando sobre hiperinflação iminente desde 2008.
Mas a inflação continua baixa. O que resta a fazer, para aqueles que acreditam em ameaça inflacionária?
Uma resposta é a proliferação de teorias da conspiração, e de alegações de que o governo está ocultando a verdade quanto a aumentos de preços. Mas recentemente, muita gente na direita tem usado a alta nos preços das commodities como prova de que estavam certos desde sempre em seus alertas de que uma alta na inflação geral está a caminho.
É preciso imaginar o que esse pessoal da direita estava pensando dois anos atrás, quando os preços das matérias-primas estavam despencando. Caso a alta nos preços das commodities nos últimos seis meses seja prenúncio de inflação, por que a queda de 50% no segundo semestre de 2008 não causou deflação?
Desconsiderada essa incoerência, porém, o grande problema com aqueles que culpam o Fed pela alta no preço das commodities é que estão sofrendo de mania de grandeza quanto à economia dos Estados Unidos. Pois os preços das commodities são determinados em nível mundial, e o que os Estados Unidos fazem não é fator assim tão importante.
Um aspecto importante, hoje como em 2007/8, é que a principal força propulsora na alta dos preços das commodities não é demanda norte-americana, e sim demanda da China e outras economias emergentes. À medida que mais e mais pessoas em países antes pobres ingressam na classe média mundial, começam a comprar carros e a comer mais carne, o que eleva cada vez mais a pressão sobre a oferta mundial de petróleo e alimentos.
E a oferta simplesmente não acompanha o ritmo. A produção convencional de petróleo está estagnada há quatro anos; nesse sentido, ao menos, o pico produtivo do petróleo de fato chegou. É verdade que fontes alternativas, tais como o petróleo extraído de areias oleaginosas canadenses, continuam a se desenvolver. Mas elas têm custos relativamente elevados, tanto monetários quanto ambientais.
Além disso, nos últimos 12 meses, o clima extremo -- especialmente o calor e seca severos em algumas importantes regiões agrícolas -- desempenhou papel importante em promover alta nos preços dos alimentos. E, sim, há todo motivo para acreditar que a mudança no clima esteja tornando episódios climáticos como esses cada vez mais comuns.
Assim, quais são as implicações da alta recente nos preços das commodities? Trata-se, como eu disse, de um sinal de que estamos vivendo em um mundo finito, no qual as limitações de recursos se tornam cada vez mais severas. Isso não resultará no final do crescimento econômico, e muito menos em um colapso ao estilo Mad Max. Mas requererá que mudemos gradualmente a nossa maneira de viver, adaptando nossas economias e estilos de vida à realidade de recursos naturais mais dispendiosos.
Mas isso virá no futuro. Por enquanto, a alta nos preços das commodities resulta basicamente da recuperação mundial. Ela não se relaciona de maneira alguma à política monetária dos Estados Unidos. Pois a história em questão é mundial, e não se relaciona de maneira alguma a nós, em termos fundamentais.
Tradução de Paulo Migliacci
Fonte: Folha| Mercado, 27/12/2010

terceirizações e desrespeito ao controle social

Estados e municípios privatizam SUS de diversas formas

No 2º dia do Seminário Nacional da Frente contra a privatização da saúde, uma mesa-redonda reuniu representantes dos fóruns de saúde de São Paulo, Paraná, Londrina, Rio de Janeiro, Alagoas e Rio Grande do Norte e também do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os participantes denunciaram as diversas agressões que o sistema público de saúde vem sofrendo por parte do poder público nessas regiões. O Seminário foi realizado nos dias 22 e 23 de novembro na Uerj e contou com a participação de cerca de 400 pessoas.
A representante do CNS, Ruth Bitencourt, ressaltou a importância de os movimentos se articularem para defender o Sistema Único de Saúde (SUS) e estarem vigilantes para que os conselheiros de saúde não sejam cooptados. “Evidentemente os conselhos estão muito próximos do poder. Eu ressalto muito dentro do conselho que eu sou sociedade e tenho o direito constitucional de estar lá, questionando e fiscalizando porque este é o papel do conselho”, declarou. Ruth disse também que acredita que o Conselho precisa estar na rua fazendo mobilizações e pressionando o poder público e que é preciso ganhar a opinião pública para a causa da saúde. “Antes da 14ª Conferência Nacional de Saúde, no fim do ano que vem, é muito importante que pontencializemos as discussões regionais para discutir o SUS”, destacou.
Alagoas gasta mais com rede privada do que com pública
A professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Maria Valéria Correia, do Fórum de Saúde de Alagoas relatou que em seu estado a complementariedade do SUS é invertida. “O que acontece lá é uma privatização que temos chamado de legal, porque a complementaridade é permitida pelo artigo 199 da Constituição Federal e está prevista também no artigo 24 da lei 8080, que é a lei orgânica da saúde. Mas falamos que ela é invertida porque na verdade a rede privada hoje detém, através dos convênios da venda de serviços para o SUS, mas de 60% dos recursos públicos”, denunciou.
Desta forma, segundo a professora, instituições públicas carecem de recursos enquanto o Estado privilegia as instituições privadas ditas filantrópicas. “Por exemplo, a maternidade escola Santa Mônica, que é pública, precisa ser ampliada e já há um projeto que está engavetado de desapropriação de duas casas vizinhas para ampliá-la, enquanto isso, do outro lado, se compra muitos serviços da rede privada ao invés de ampliar a rede pública. E isso não tem se dado apenas em Alagoas, mas no Brasil inteiro”, criticou.
Em Alagoas, segundo Maria Valéria, 94% da população é usuária exclusiva do sistema público de saúde. Ela relatou que também tramita na Assembléia Legislativa do estado uma lei que cria as Organizações Sociais, modelos de gestão de serviços públicos que passam a ser entregues a instituições privadas, a exemplo do que já acontece em vários estados. A professora contou que a organização dos movimentos sociais reunidos no Fórum de Saúde de Alagoas tem conseguido barrar a aprovação da lei. “Eles dizem que as Organizações Sociais são um novo modelo, mas é uma forma mascarada de privatização, porque a OS é nada mais nada menos do que uma entidade privada que assume um serviço público. Fizemos um documento nacional que se chama “Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil”. Esse documento revela que onde existe OS tem alguma medida do Ministério Público Federal ou do Ministério Público Estadual ou de ambos investigando o desvio de recurso público e isso é um grande prejuízo”, afirmou.
No Paraná, terceirizações e desrespeito ao controle social
No mesmo dia em que começou o Seminário Nacional da Frente contra a Privatização da Saúde, o município de Curitiba, no Paraná, aprovou a lei que cria as Fundações Estatais de Direito Privado que podem gerir, entre outros serviços públicos, também os de saúde. “Esta lei foi aprovada ontem, mas o Paraná já tinha um modelo de terceirização e privatização que não é nem OS nem nada. Em algumas instituições tem Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) – embora não exista lei própria – ou contratação direta de terceirização de gestão, que não segue nenhum dos modelos. Falamos que esta situação é pior do que OS porque é camuflado, não se pode vincular a terceirização do Paraná a uma pauta nacional que já existe da luta contra as OS e as Oscip, porque ela mais complexa”, descreveu o representante do Fórum Popular de Saúde do Paraná, Prentici da Silva.
Prentici denunciou que estes contratos de terceirização são feitos sem passar pelo controle social. “São feitos por convênio de gaveta e aprovados na surdina”, questionou. Ele afirmou que, desta maneira, trabalhadores concursados e trabalhadores com contratos precarizados trabalham juntos. Os últimos sem qualquer garantia ou possibilidade de ter um plano de carreira. “Isso vai originar um serviço mais frágil à população. Quando falamos da contratação precarizada, não se trata da defesa corporativista, de estar falando apenas do interesse do trabalhador na carreira, no melhor salário, na estabilidade. Acreditamos que esses interesses – que não deixam de ser individuais do sujeito que é contratado por serviço público – também garantem o bem comum de toda a população através da estabilidade do serviço”, opinou Prentici.
São Paulo privatiza novas e antigas instituições
No início das privatizações, a lei das Organizações Sociais no estado de São Paulo dizia que apenas os novos hospitais poderiam ser geridos por OS. Mas recentemente, instituições antigas também têm sido privatizadas. “Foi aprovada uma lei no ano passado, proposta pelo governador José Serra, para que esse processo de privatização fosse ampliado para os hospitais antigos, que eram de administração direta. Logo em seguida foram entregues os hospitais Brigadeiro e o Instituto de Infectologia Emílio Ribas”, disse Ciro Maltsui, do Fórum Popular de Saúde de São Paulo.
Ciro relatou que a privatização do Instituto Emílio Ribas, por exemplo, já acontece há um tempo, mesmo antes da lei. Os serviços básicos, como o de segurança, limpeza e lavanderia, já haviam sido terceirizados.”Houve uma privatização muito danosa no Emílio Ribas, que é um hospital de infectologia, um centro de referência, que recebe pacientes de todo o país praticamente. Eles terceirizaram o laboratório e isso foi muito complicado porque o instituto necessitava de agilidade nas análises. Foi tudo terceirizado num único laboratório particular, que também é sob a forma de OS. E o pior de tudo é que a sede deste laboratório não fica nem em São Paulo, mas em Barueri, então, o resultado do exame que saía dentro de uma ou duas horas, demora às vezes um dia. Então, teve um prejuízo para a qualidade do atendimento”, afirmou. De acordo com o Fórum de São Paulo, alguns trabalhadores resistiram a essas mudanças, mas muitos sofreram assédio moral e inclusive foram realocados para outras funções e alguns até para outros hospitais. “Para coroar, a partir deste ano, toda a gestão do hospital foi transferida para uma OS”, acrescentou Ciro.
O que tem ocorrido, de acordo com o Fórum Popular de Saúde de São Paulo, é que o governo do estado está reformando as instituições antigas e entregando às OS. Foi o caso do hospital Brigadeiro, que passou a se chamar Hospital Estadual Eurícledes Hermínio. Ele desenvolvia um trabalho de referência com pacientes diabéticos, sobretudo com o tratamento de ‘pé diabético’ [uma situação típica em pacientes diabéticos], e agora se tornou um hospital de transplantes com um número menor de leitos. “A gente sabe que pé diabético não dá o mesmo ibope que transplante de órgãos. Não tenho dúvida de que transplante é importante e que existe um déficit hoje de transplante, mas não se pode cobrir a cabeça para descobrir os pés, é preciso criar um outro serviço”, comenta Ciro.
O militante relatou também que em São Paulo tem havido um processo de “quarteirização”, ou seja, o Estado terceiriza a gestão para uma OS que a assume, mas contrata uma série de outras empresas para gerir todo o serviço. “Até os serviços médicos estão sendo terceirizados. Muitas vezes, então, a OS acaba negociando, por exemplo, com a cooperativa de anestesistas, o que significa uma quarteirização do serviço fim, que é o serviço médico”, destacou. Desta forma, de acordo com Ciro, prevalece a produtividade do ponto de vista empresarial e não há nada garantindo a qualidade do atendimento. “O que eles cobram são números, tantas cirurgias e tantos atendimentos por mês, e se não atingir não recebem o financiamento que está no contrato. Então, quando não atingem a meta, acabam inventando, e, em outros momentos, se já estourou a meta, como não recebem a mais por atender mais gente, cessa-se o atendimento. Isso é perverso com a saúde da população”, reforçou.
Em Natal, UPA’s sem discussão com a comunidade
Para o Fórum Estadual em defesa da saúde pública e contra as privatizações do Rio Grande do Norte, se os R$ 6 milhões que foram investidos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) fossem aplicados em unidades básicas de saúde, a população seria muito mais beneficiada. “Mas fizeram isso de forma antidemocrática, sem diálogo com a sociedade”, relata Vânia Aguiar, do Fórum de Saúde do Rio Grande do Norte.
Ela relata que uma outra UPA será construída em uma área de lazer muita utilizada pela comunidade, no bairro Cidade da Esperança, na zona oeste de Natal. A praça já foi destruída sem que a população pudesse se manifestar. “Nas audiências públicas, os vereadores ficam tentando falar que nós somos contra as UPAs, mas não somos contra, só não queremos que ela seja feita tirando o pouco que a população tem e existem outros locais onde ela poderia ser construída”, diz Vânia. De acordo com a militante, as unidades de saúde de Natal também estão se tornando OS, sem que a população discuta. E no estado do Rio Grande do Norte, trabalhadores concursados não são chamados para compor o quadro defasado das unidades de saúde. Ao contrário disso, avançam as terceirizações.
Crise na saúde do Rio se arrasta
Para a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Maria Inês Bravo, do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, se o SUS der certo no Rio ele dará certo no Brasil todo, por isso a crise nunca termina. Ela explica: “Nós temos a maior rede de saúde pública do Brasil. Conseqüentemente, ao setor privado não interessa que o SUS dê certo no Rio. Então, esta crise vem se arrastando”.
A professora lembra que o Rio de Janeiro foi o primeiro a aprovar em 2007 o projeto de Fundações Estatais de Direito Privado e aprovou também em 2009 a proposta de Organizações Sociais e Oscips. Ela relata que neste ano as UPAs estão sendo transformadas em OS. “Com isso há a demissão de profissionais, insegurança e baixa qualidade de serviços, consequentemente há uma rede sucateada e um estado que não está realmente aplicando na saúde o quanto deveria. E também um estado e um município que resolvem tratar a saúde como caso de polícia. A secretaria de saúde é transformada em secretaria de saúde e segurança sem consultar o conselho e a população”, critica.
A professora denuncia que o Rio vive também um processo de fechamento de hospitais importantes, como o Hospital São Sebastião, de doenças infecciosas e parasitárias e também do hospital do Instituto de Assistência aos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj). Recentemente outro hospital – o Pedro II – foi fechado devido a um princípio de incêndio que, de acordo com o Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, foi criminoso. E a proposta é que o hospital reabra sob a gestão de uma OS. Segundo Maria Inês, está em curso também um processo de desvalorização do controle social e cooptação dos conselhos. “Temos a passos largos a privatização e uma situação de calamidade pública no Rio de Janeiro, que só irá se resolver com a mobilização e a organização da população”, diz.
*Reportagem de Raquel Júnia, da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 23/12/2010
Fonte: EcoDebate, 23/12/2010

"...de Cuba,(...) o maior segredo do mundo."

Médicos cubanos no Haiti deixam o mundo envergonhado
Números divulgados na semana passada mostram que o pessoal médico cubano, trabalhando em 40 centros em todo o Haiti, tem tratado mais de 30.000 doentes de cólera desde outubro. Eles são o maior contingente estrangeiro, tratando cerca de 40% de todos os doentes de cólera. Um outro grupo de médicos da brigada cubana Henry Reeve, uma equipe especializada em desastre e em emergência, chegou recentemente. Uma brigada de 1.200 médicos cubanos está operando em todo o Haiti, destroçado pelo terremoto e pela cólera. Enquanto isso, a ajuda prometida pelos EUA e outros países...
Eles são os verdadeiros heróis do desastre do terremoto no Haiti, a catástrofe humana na porta da América, a qual Barack Obama prometeu uma monumental missão humanitária dos EUA para aliviar. Esses heróis são da nação arqui-inimiga dos Estados Unidos, Cuba, cujos médicos e enfermeiros deixaram os esforços dos EUA envergonhados.
Uma brigada de 1.200 médicos cubanos está operando em todo o Haiti, rasgado por terremotos e infectado com cólera, como parte da missão médica internacional de Fidel Castro, que ganhou muitos amigos para o Estado socialista, mas pouco reconhecimento internacional.
Observadores do terremoto no Haiti poderiam ser perdoados por pensar operações de agências de ajuda internacional e por os deixarem sozinhos na luta contra a devastação que matou 250.000 pessoas e deixou cerca de 1,5 milhões de desabrigados. De fato, trabalhadores da saúde cubanos estão no Haiti desde 1998, quando um forte terremoto atingiu o país. E em meio a fanfarra e publicidade em torno da chegada de ajuda dos EUA e do Reino Unido, centenas de médicos, enfermeiros e terapeutas cubanos chegaram discretamente. A maioria dos países foi embora em dois meses, novamente deixando os cubanos e os Médicos Sem Fronteiras como os principais prestadores de cuidados para a ilha caribenha.
Números divulgados na semana passada mostram que o pessoal médico cubano, trabalhando em 40 centros em todo o Haiti, tem tratado mais de 30.000 doentes de cólera desde outubro. Eles são o maior contingente estrangeiro, tratando cerca de 40% de todos os doentes de cólera. Um outro grupo de médicos da brigada cubana Henry Reeve, uma equipe especializada em desastre e em emergência, chegou recentemente, deixando claro que o Haiti está se esforçando para lidar com a epidemia que já matou centenas de pessoas.
Desde 1998, Cuba treinou 550 médicos haitianos gratuitamente na Escola Latinoamericana de Medicina em Cuba (Elam), um dos programas médicos mais radicais do país. Outros 400 estão sendo treinados na escola, que oferece ensino gratuito - incluindo livros gratuitos e um pouco de dinheiro para gastar - para qualquer pessoa suficientemente qualificada e que não pode pagar para estudar Medicina em seu próprio país.
John Kirk é um professor de Estudos Latino-Americanos na Universidade Dalhousie, no Canadá, que pesquisa equipes médicas internacionais de Cuba. Ele disse: "A contribuição de Cuba, como ocorre agora no Haiti, é o maior segredo do mundo. Eles são pouco mencionados, mesmo fazendo muito do trabalho pesado."
Esta tradição remonta a 1960, quando Cuba enviou um punhado de médicos para o Chile, atingido por um forte terremoto, seguido por uma equipe de 50 a Argélia em 1963. Isso foi apenas quatro anos depois da Revolução.
Os médicos itinerantes têm servido como uma arma extremamente útil da política externa e econômica do governo, ganhando amigos e favores em todo o globo. O programa mais conhecido é a "Operação Milagre", que começou com os oftalmologistas tratando os portadores de catarata em aldeias pobres venezuelanos em troca de petróleo. Esta iniciativa tem restaurado a visão de 1,8 milhões de pessoas em 35 países, incluindo o de Mario Terán, o sargento boliviano que matou Che Guevara em 1967.
A Brigada Henry Reeve, rejeitada pelos norteamericanos após o furacão Katrina, foi a primeira equipe a chegar ao Paquistão após o terremoto de 2005, e a última a sair seis meses depois.

A Constituição de Cuba estabelece a obrigação de ajudar os países em pior situação, quando possível, mas a solidariedade internacional não é a única razão, segundo o professor Kirk. "Isso permite que os médicos cubanos, que são terrivelmente mal pagos, possam ganhar dinheiro extra no estrangeiro e aprender mais sobre as doenças e condições que apenas estudaram. É também uma obsessão de Fidel e ele ganha votos na ONU."
Um terço dos 75 mil médicos de Cuba, juntamente com 10.000 trabalhadores de saúde, estão atualmente trabalhando em 77 países pobres, incluindo El Salvador, Mali e Timor Leste. Isso ainda deixa um médico para cada 220 pessoas em casa, uma das mais altas taxas do mundo, em comparação com um para cada 370 na Inglaterra.
Onde quer que sejam convidados, os cubanos implementam o seu modelo de prevenção com foco global, visitando famílias em casa, com monitoração proativa de saúde materna e infantil. Isso produziu "resultados impressionantes" em partes de El Salvador, Honduras e Guatemala, e redução das taxas de mortalidade infantil e materna, redução de doenças infecciosas e deixando para trás uma melhor formação dos trabalhadores de saúde locais, de acordo com a pesquisa do professor Kirk.
A formação médica em Cuba dura seis anos - um ano mais do que no Reino Unido - após o qual todos trabalham após a graduação como um médico de família por três anos no mínimo. Trabalhando ao lado de uma enfermeira, o médico de família cuida de 150 a 200 famílias na comunidade em que vive.
Este modelo ajudou Cuba a alcançar alguns índices invejáveis de melhoria em saúde no mundo, apesar de gastar apenas $ 400 (£ 260) por pessoa no ano passado em comparação com $ 3.000 (£ 1.950) no Reino Unido e $ 7.500 (£ 4,900) nos EUA, de acordo com Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento.
A taxa de mortalidade infantil, um dos índices mais confiáveis da saúde de uma nação, é de 4,8 por mil nascidos vivos - comparável com a Grã-Bretanha e menor do que os EUA. Apenas 5% dos bebês nascem com baixo peso ao nascer, um fator crucial para a saúde a longo prazo, e a mortalidade materna é a mais baixa da América Latina, mostram os números da Organização Mundial de Saúde.
As policlínicas de Cuba, abertas 24 horas por dia para emergências e cuidados especializados, é um degrau a partir do médico de família. Cada uma prevê 15.000 a 35.000 pacientes por meio de um grupo de consultores em tempo integral, assim como os médicos de visita, garantindo que a maioria dos cuidados médicos são prestados na comunidade.
Imti Choonara, um pediatra de Derby, lidera uma delegação de profissionais de saúde internacionais, em oficinas anuais na terceira maior cidade de Cuba, Camaguey. "A saúde em Cuba é fenomenal, e a chave é o médico de família, que é muito mais pró-ativo, e cujo foco é a prevenção. A ironia é que os cubanos vieram ao Reino Unido após a revolução para ver como o HNS [Serviço Nacional de Saúde] funcionava. Eles levaram de volta o que viram, refinaram e desenvolveram ainda mais, enquanto isso estamos nos movendo em direção ao modelo dos EUA ", disse o professor Choonara.
A política, inevitavelmente, penetra muitos aspectos da saúde cubana. Todos os anos os hospitais produzem uma lista de medicamentos e equipamentos que têm sido incapazes de acesso por causa do embargo americano, o qual que muitas empresas dos EUA de negociar com Cuba, e convence outros países a seguir o exemplo. O relatório 2009/10 inclui medicamentos para o câncer infantil, HIV e artrite, alguns anestésicos, bem como produtos químicos necessários para o diagnóstico de infecções e órgãos da loja. Farmácias em Cuba são caracterizados por longas filas e estantes com muitos vazios. Em parte, isso se deve ao fato de que eles estocam apenas marcas genéricas.
Antonio Fernandez, do Ministério da Saúde Pública, disse: "Nós fazemos 80% dos medicamentos que usamos. O resto nós importamos da China, da antiga União Soviética, da Europa - de quem vender para nós - mas isso é muito caro por causa das distâncias."
Em geral, os cubanos são imensamente orgulhosos e apóiam a contribuição no Haiti e outros países pobres, encantados por conquistar mais espaço no cenário internacional. No entanto, algumas pessoas queixam-se da espera para ver o seu médico, pois muitos estão trabalhando no exterior. E, como todas as commodities em Cuba, os medicamentos estão disponíveis no mercado negro para aqueles dispostos a arriscar grandes multas se forem pegos comprando ou vendendo.
As viagens internacionais estão além do alcance da maioria dos cubanos, mas os médicos e enfermeiros qualificados estão entre os proibidos de deixar o país por cinco anos após a graduação, salvo como parte de uma equipe médica oficial.
Como todo mundo, os profissionais de saúde ganham salários miseráveis em torno de 20 dólares (£ 13) por mês. Assim, contrariamente às contas oficiais, a corrupção existe no sistema hospitalar, o que significa que alguns médicos e até hospitais, estão fora dos limites a menos que o paciente possa oferecer alguma coisa, talvez almoçar ou alguns pesos, para tratamento preferencial.
Empresas internacionais de Cuba na área da saúde estão se tornando cada vez mais estratégicas. No mês passado, funcionários mantiveram conversações com o Brasil sobre o desenvolvimento do sistema de saúde pública no Haiti, que o Brasil e a Venezuela concordaram em ajudar a financiar.
A formação médica é outro exemplo. Existem atualmente 8.281 alunos de mais de 30 países matriculados na Elam, que no mês passado comemorou o seu 11 º aniversário. O governo espera transmitir um senso de responsabilidade social para os alunos, na esperança de que eles vão trabalhar dentro de suas próprias comunidades pobres pelo menos cinco anos.
Damien Joel Soares, 27 anos, estudante de segundo ano de New Jersey, é um dos 171 estudantes norte-americanos; 47 já se formaram. Ele rejeita as alegações de que Elam é parte da máquina de propaganda cubana. "É claro que Che é um herói, mas aqui isso não é forçado garganta abaixo."
Outros 49.000 alunos estão matriculados no "Novo Programa de Formação de Médicos Latino-americanos", a ideia de Fidel Castro e Hugo Chávez, que prometeu em 2005 formar 100 mil médicos para o continente. O curso é muito mais prático, e os críticos questionam a qualidade da formação.
O professor Kirk discorda: "A abordagem high-tech para as necessidades de saúde em Londres e Toronto é irrelevante para milhões de pessoas no Terceiro Mundo que estão vivendo na pobreza. É fácil ficar de fora e criticar a qualidade, mas se você está vivendo em algum lugar sem médicos, ficaria feliz quando chegasse algum."
Há nove milhões de haitianos que provavelmente concordariam.
Fonte: Carta Maior, 27/12/2010

domingo, dezembro 26, 2010

frustrações têm valor pedagógico ?

EDUCAR FRUSTRANDO?
Formar o caráter de um jovem não significa apenas colocar limites, mas, sobretudo, autorizar
por Contardo Calligaris
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Em 14 de novembro, na avenida Paulista, um grupo de cinco jovens agrediu outros jovens sem razão aparente. 
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Não se sabe se o ato foi uma expressão de raiva homofóbica ou apenas a estupidez habitual de um grupinho de adolescentes soltos pelas ruas.
Em entrevistas na Folha, os pais de dois dos agressores se colocaram a eterna questão dos adultos quando os filhos aprontam além da conta: "onde foi que a gente errou?".
Em geral, muito mais do que nos erros dos pais, a origem da conduta criminosa (ou simplesmente estúpida) de um adolescente está no grupo ao qual ele pertence ou ambiciona pertencer.
Mas o que me importa hoje é que os pais, ao interrogar-se sobre o que fizeram de errado, concluíram que talvez eles tivessem colocado poucos limites nos filhos. Os jovens teriam se extraviado porque "faltou pulso".
Essa ideia é hoje um chavão: recusar, proibir, ou seja, frustrar os desejos dos jovens seria um ato formador do caráter. Aqueles a quem tudo seria dado não teriam noção da lei e dos limites; escravos de sua própria ânsia de satisfação imediata, eles não saberiam lidar com os contratempos da vida.
Nessa linha, como me lembrou uma leitora, Ana Lamanna, o psicanalista Wilfred Bion (em "The Theory of Thinking", teoria do pensamento, 1962) supunha que as frustrações fossem um requisito do pensamento.
Ao longo do desenvolvimento, inteligência e criatividade apareceriam à condição de que as vontades não fossem todas satisfeitas. Vulgo: a satisfação emburrece e as frustrações têm valor pedagógico.
Na semana retrasada, nesta coluna, mencionei a ideia, derivada de J. Bowlby e D.W. Winnicott (injustamente derivada, observou com razão um leitor, Davy Bogomoletz), de que a privação na infância estaria na origem da delinquência adulta.
Para a psicanálise, privação e frustração não são bem a mesma coisa, mas, para o leigo, surge uma certa contradição: afinal, ser frustrado ou privado estraga ou forma o caráter de nossos rebentos?
Outra leitora, Maria Chantal Amarante, antevendo essa contradição, propôs uma solução: "Frustrar as necessidades básicas deixa feridas imensas" (e pode, portanto e por exemplo, levar à delinquência), mas não por isso seria menos necessário "frustrar os desejos e vontades ilimitados das crianças de hoje", para que elas não "cresçam achando que podem tudo".
Como Maria Chantal, acho que muitas coisas devem ser recusadas às crianças -desde as que não são adaptadas à idade que elas têm até as que pediriam aos pais um sacrifício excessivo. No entanto, duas observações:
1) Podemos frustrar nossos filhos de pipoca e videogames, sobretudo quando eles parecem acreditar que tudo lhes é devido, mas imaginar que, com isso, a gente esteja lhes formando o caráter ou lhes ensinando a viver é puro melodrama.
Funciona assim: nós imaginamos que seríamos capazes de mimar as crianças a ponto de elas nunca aprenderem que a insatisfação é o regime normal do desejo.
Será que alguém tem tamanho poder? Não acredito, mas, aparentemente, fortes dessa ilusão, decidimos frustrá-las um pouco para salvá-las de nossa suposta (e duvidosa) capacidade de embrutecê-las à força de satisfação.
2) Também justificamos nossa decisão de recusar e proibir com a ideia de que isso estabeleceria, nas crianças, uma sólida e benéfica ideia de autoridade.
Cá entre nós, é preciso que a autoridade em geral e a nossa em particular sejam bem decadentes para que, a fim de serem levadas a sério, elas precisem privar as crianças de balas, cinema ou TV.
Mais importante: o que estabelece a autoridade e forma o caráter é mesmo o ato de recusar e proibir?
Ao procurarmos nossas falhas educativas (que sempre existem), seria bom não buscá-las só na falta de proibições e limites, mas também na falta de autorizações.
Pois, ao educar, o mais difícil talvez não seja impor limites e interdições. O mais difícil talvez seja transmitir às nossas crianças a coragem de desejar.
Proibir as saídas noturnas e o uso prolongado de computador é ótimo e necessário, mas a autoridade que forma o caráter de um jovem não é só a que diz não às suas vontades; é também a que o autoriza a dizer sim na hora daquelas escolhas de vida que são custosas e decisivas e diante das quais é fácil amarelar.
Fonte: Blog Contardo Calligaris, 16/12/2010

sábado, dezembro 25, 2010

o modelo do Oráculo de Delfos

A pitonisa falou

por Celso Ming
Na sua estratégia de comunicação, o Banco Central lembra o modelo do Oráculo de Delfos. Muitas vezes prefere ambiguidades e expressões vagas porque precisa preservar margens de manobra. A clareza nem sempre ajuda, especialmente quando é preciso mudar de repente a avaliação ou a dosagem da política de juros.
No século 5 a.C., relata Heródoto, Creso era o rei da Lídia (hoje Sudoeste da Turquia) e enfrentou a ameaça de Ciro II, da Pérsia, cujas forças acamparam na margem leste do Rio Hális. Na dúvida se sairia para combater o inimigo ou se permaneceria em segurança na cidadela de sua capital (Sardes), Creso consultou o Oráculo de Delfos. Envolta pelos vapores que emanavam do chão, a resposta da pitonisa foi antológica: “Se cruzares com teu exército o Rio Hális, destruirás um grande reino.” Animado pela mensagem do deus Apolo, Creso saiu a combater Ciro II e foi fragorosamente derrotado. Quando cobrou o Oráculo pelo acontecido, foi-lhe dito que o grande reino a ser destruído era o dele e não o de Ciro II.
Os bancos centrais sabem que precisam conduzir as expectativas dos remarcadores de preços de maneira a saberem que serão punidos com encalhe de mercadoria ou com rejeição do serviço que prestam se passarem a cobrar preços mais altos do que a economia está suportando. Vai daí a necessidade de clareza e transparência na comunicação.
Por outro lado, também se utilizam dos ensinamentos de Delfos. Seus oráculos, muitas vezes, servem para qualquer interpretação e, em certos momentos, mais confundem do que esclarecem. Quando tratam de matéria menos importante, não produzem consequências, mas, às vezes, complicam tudo.
Tortuoso como o caráter de Apolo, por exemplo, foi o texto da ata da última reunião do Copom, cuja essência parecia dizer que os juros poderiam não subir, embora a inflação se mostrasse excessivamente solta. O Banco Central enfatizou então que não olha para o curtíssimo prazo, mas que opera no âmbito da influência dos juros básicos (Selic), que têm entre seis e nove meses para produzir efeito. No entanto, apenas seis dias depois, o texto do Relatório de Inflação, cuja elaboração precedeu o da ata, tomou direção oposta. Lá ficou dito que a alta dos juros básicos seria iminente, mensagem reforçada pela entrevista do diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo.
É que, poucos dias antes, quando da elaboração da ata do Copom, o Banco Central optou por deixar saídas para qualquer que fosse a decisão futura. No entanto, foi tal a divergência de leituras entre os analistas que o entendimento lá no Banco Central passou a ser o de que, na redação do texto do Relatório da Inflação, seria melhor optar pela clareza do que deixar tudo imerso nos vapores das evasivas.
Nem todos os bancos centrais precisam ser como o da Suécia, que sempre antecipa seus movimentos. Mas se não dá para ser transparente num mundo tomado pela neblina, parece mais construtivo avisar que, num determinado momento, não é possível ter clareza sobre o que está acontecendo do que sair depositando fichas tanto no vermelho como no preto sobre a mesa da roleta.
Fonte: Estadão | Coluna do Ming, 23/12/2010

sexta-feira, dezembro 24, 2010

pois é, fica o dito e redito

uma ditadura anacrônica nos ameaça

As previsões de fim de ano e o futuro da internet

As previsões de fim de ano, por serem as cartomantes e profetas mais afeitos aos sortilégios do que à tecnologia, talvez devessem incluir um ou outro palpite quanto ao futuro da internet. O Departamento de Estado americano acaba de decretar a proibição de qualquer funcionário ou candidato a cargos no governo, de ler os documentos do WikiLeaks. É uma determinação que supõe a espionagem ou, máxime, um levantamento acurado dos subentendidos em qualquer texto para concursos a cargos públicos. Como ficará a questão da censura, e a liberdade de expressão deveria preocupar os defensores dos direitos civis, não apenas os quase todos que consideramos os EUA "a maior democracia do mundo".
Eric Hobsbawm, historiador inglês ainda vivo, logo que o neoliberalismo se impôs ao Ocidente como uma das consequências do fim do socialismo na URSS, augurou que os direitos trabalhistas estariam com seus dias contados. Não exagerou muito, já que todas as soluções para as crises na Europa e na Ásia estão a supor a diminuição dos salários e a "flexibilização das leis trabalhistas". Ademais, a censura não parece estranha nem mesmo a instituições de arte, como a Bienal de São Paulo. Por razões que o bom senso não nega, mas que a democracia não aceita, na feira de artes mais libertária que existe no País, uma moça que no ano retrasado pichou uma parede vazia da Bienal, pegou três meses de cadeia. Fica claro que o poder do mundo já não vê a democracia como um valor permanente ou absoluto. Há ameaças bem mais que previsíveis, a espreitar as diferenças.
Mas qual a importância da internet? Talvez na aparente liberdade que ela concede a quem quer que tenha um computador e a acesse. E que, em teoria, pode ter à mão todo o mundo do saber - da história, aos mais requintados cálculos matemáticos, além das informações sobre as fofocas entre diplomatas do mundo - incluindo-se os dos EUA. As previsões de fim de ano deveriam, por isso, incluir uma pitonisa da informática: ela nos contaria de que forma os filmes de ficção que previram um governo mundial a ditar o que podemos ou não ler, ou acreditar - se realizarão num contexto de controle virtual, da internet. 
Desde os tempos imemoriais, sempre houve a resistência do poder à democratização da informação. Uma das teorias mais alucinadas, e que ainda ocupa alguns especialistas ociosos, é a de que Mozart foi assassinado por conta de segredos maçônicos que ele teria deixado transparecer na sua ópera "A Flauta Mágica". A peça, de fato, tem a ver com alguns ritos maçônicos aos quais o músico tinha acesso por ser membro da tal sociedade secreta. Mas se quase ninguém, de sã consciência, leva a sério tal possibilidade. A Igreja Católica, por sua vez, jamais discutiu que seu "Index Librorum Proihibitorum" (índice dos livros proibidos) deveu-se à invenção da imprensa por Guttenberg.
Na medida em que a alfabetização se tornasse universal, censurar livros ou proibi-los aos católicos, seria a única maneira de manter intacta a visão vaticana do mundo. É infindável o número de livros que há séculos fazem uma das mais interessantes bibliotecas de quantas existem em qualquer país. É a que o Vaticano recolheu por séculos a fio, e que derrisoriamente recebia a denominação de "inferno" pelo próprio clero. Eram livros considerados heréticos, facultados apenas a teólogos e exegetas altamente confiáveis. Dela, entre milhares de livros constavam (e ainda constam, já que não se sabe que tenha sido desmobilizada) o indefectível "O Príncipe", de Maquiavel, mas também algumas obras-primas da literatura como a "Utopia" de Thomas Morus. Apesar de canonizado, o Vaticano nunca perdoou ao intelectual inglês, morto por Henrique VIII, ter inventado uma sociedade ideal sem a propriedade privada, destituída da luta de classes, e onde o coletivo se sobrepunha aos interesses individuais.
Pode-se discutir as razões da Igreja - e ela as têm além da censura - mas o fundamental era o acesso irrestrito aos livros: eles revelavam, por exemplo, como na "Religiosa", de Diderot, que os conventos não eram só rezas, ou auto-flagelação. Podiam, inclusive, eventualmente, ser depositários de moças para o deleite de reis e nobres, como foram, em certa época, principalmente para a aristocracia de Portugal. Não se deu por um descuido, enfim, que um católico fervoroso como o ex-ditador português Antônio de Oliveira Salazar defendesse o analfabetismo quase como programa de governo: os livros, no fundo, não ensinariam nada de útil aos cidadãos de seu país. Entre a difusão do pecado pelos livros, e a salvação da alma pela ignorância, o grande defensor do catolicismo preferia interditar a seus compatriotas "Os Maias", de Eça de Queirós, "Eurico, o Presbítero", de Alexandre Herculano, mas também "Os Lusíadas", de Camões.
No caso da Internet, pouco a conjeturar. No próximo ano, todo o aparato do poder, que inclui parte da grande imprensa - principalmente essa - terá certamente de se ver, mais que nunca, com a amplidão ilimitada da internet. Há que se prever o que será o futuro também aqui. Ao que tudo indica, o WiliLeaks, é apenas um começo de conversa. Por outro lado, a bola de cristal, ou o Anjo anunciador que levou a Igreja a inventar seu "Index", muito provavelmente não se revelará a qualquer visionário - ou cartomante, mais eficiente do que, as que animaram Anthony Burgess e Stanley Kubrik, a fazerem previsões apocalípticas como as revelados no filme "Laranja Mecânica". Na obra, a suposição da sociedade repressiva não se faz no mundo russo, ou chinês - o que confirmaria o "Império do Mal", de Ronald Reagan,- mas naquele falado em inglês, num meio ambiente prá lá de conhecido, de inequívoca extração cultural do Ocidente, nada estranho, em suma, aos Papai Noéis, aos Beethovens ou à Coca-Cola.
O previsível mundo novo, seria a reedição dos piores pesadelos do fascismo ou do estalinismo, mas não num contexto de filmes e romances de tipo "noir" como nos legaram os grandes cineastas do passado - Fritz Lang, ou Charles Chaplin, para só citar alguns. Ou escritores como Kafka e Orwell para, de novo, só mencionar uns poucos. Naqueles e nesses, o mundo é preto e branco; no mundo virtual nunca deixará de ser uma bela paisagem - até quando pode ser colorida - só que nos limites de uma tela de computador. O sociólogo Francisco de Oliveira, ao discutir a inevitável crise do capitalismo, lembrou, há anos, que o filósofo Theodor W. Adorno, previa o ressurgimento do fascismo exatamente nos Estados Unidos, não em outro país qualquer. 
Claro que tais assuntos não são matéria para pitonisas ou astrólogos de fim de ano - mas talvez interesse saber a forma com que o poder tratará a internet e a sua liberdade sem peias. A fogueira física dos livros - a cena famosa do "Dom Quixote", tão bem descrita no livro, quando o cura e o barbeiro queimam as obras que teriam enlouquecido o Cavaleiro da Triste Figura - é apenas um episódio exemplar do passado. Na Europa de Cervantes era corrente que os livros podiam abalar corações e mentes, o que não deixa de ser verdade ainda hoje. Santo Inácio de Loyola, criador da Companhia de Jesus, teria se convertido depois de ler "A Imitação de Cristo", de Tomas de Kempis - mas as tribos nômades e das cidades do Oriente Médio, que se juntaram ao Profeta, na formação do primeiro Império Islâmico, só o fizeram, no eco dos conceitos reunidos no Alcorão. 
Os militares de 64 no Brasil, palmilharam, sem escrúpulos, a esteira da Idade Média, e da Inquisição, ao proibirem jornais e livros (e filmes, e novelas, e peças de teatro e músicas) durante a ditadura. Como justificou um dos ministros militares da época, o ainda vivo Jarbas Passarinho, se os comunistas proibiam livros - por que não imitá-los, vetando-os também do lado de cá do mundo? Era a lógica da oposição de uma ditadura à outra, exatamente dentro da mesma dinâmica de interditos e de violências. Na era da internet isso, evidentemente, não é mais possível. Difícil para um regime medievalesco evitar o que não seja concreto, visível, ao alcance das mãos de um esbirro qualquer. 
No entanto, não só nas ditaduras, há também sempre o invisível da ficção de terror. Mesmo nos filmes e livros infantis, como "O Mágico de Oz" e "Alice no País das Maravilhas", os personagens são movidos por forças incorpóreas: conduzem-se como as Parcas da antiguidade helênica; elas tecem as existências inclusive dos deuses e nada as determina senão o Destino inexorável e inadivinhado - que, aliás, não valia só para os homens, senão também para as divindades. A internet, certamente, é também incorpórea, e num aspecto assemelha-se às parcas: em seu indeterminismo, ela traça destinos, denuncia crimes e encobre outros. Sob qualquer aspecto, porém, ela é a antítese do sistema de poder, da determinação ou do que ficou conhecido como "administração das vidas". 
Seu terreno invisível constitui-se, até agora, numa espécie de terra da liberdade, do "laissez-faire". Talvez a conclusão seja precipitada, mas é a primeira vez na história em que, uma vez ultrapassada a cultura oral - o retorno à oralidade pode-se fazer sem os ouvidos das paredes. Pelo menos é essa, por enquanto, a regra do jogo. 
Até quando?
Não para sempre, de certo. A invisibilidade da internet não é o mesmo que a opacidade do poder invisível. Esse talvez tenha como controlar as ingerências que ele próprio, o poder, nunca imaginou, embora o tenha gerado. Será, quem sabe, e - por enquanto - uma batalha virtual, mas a detenção física do dirigente do WikiLeaks, se não destrói sistemas, pode ser o mote para o seu controle. A China tem realizado ensaios aproveitáveis para quem quer que imagine uma internet devidamente domada - exequível, portanto, somente para os bem comportados. 
As previsões catastróficas talvez não requeiram pitonisas ou cartomantes - mas inventores, ficcionistas. Eles preverão que os sonhos do poder são inextinguíveis. E imprevisíveis. Nenhum marxista sincero calculava que a revolução bolchevique desse no estalinismo. Jacques-Louis Davi (748-1825), o grande pintor de Napoleão, ferrenho defensor da Revolução de 1789 na França, sonhava com que a democracia sobreviria ao Império napoleônico; morreu na Bélgica, exilado, a assistir o retorno dos Bourbons na França. 
As pitonisas e cartomantes são muito boas, parece, para preverem destinos individuais - não lêem nos astros ou nas cartas os caminhos da história. As tentativas de domar a internet são claramente uma tentativa de mudança na história. O lugar-comum de que a democracia é uma luta diária - talvez canse, mas não parece ter outro jeito de mantê-la. 
Guimarães Rosa dizia sofrer horrores à vista de um novo livro que começava a despontar em seu cérebro. É o que parece ficar ao fim de cada ano para os que sabem o que é uma ditadura anacrônica; a virtual que nos ameaça no futuro deve ser bem pior.
* Enio Squeff é artista plástico e jornalista.
Fonte: Carta Maior, 22/12/2010

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