segunda-feira, janeiro 31, 2011

"Eles terão que replantar tudo." Absurdo: Um dano permanente...

Belo Monte: Licença para confundir

por Míriam Leitão
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No último absurdo de Belo Monte, um presidente interino do Ibama deu uma licença parcial que vai provocar um dano permanente, a “supressão da vegetação”. O Ministério Público entrou ontem com uma ação contra a licença. O BNDES emprestou R$ 1,1 bilhão ao grupo, mas garante ao MPF que exigiu que a empresa nada fizesse no local antes da licença de instalação total.
O Ministério Público entrou com uma ação ontem contra a concessão da licença de instalação parcial. Na comunicação do Ibama, eles definiram essa concessão com o curioso nome de “licença específica” para os “sítios” de Belo Monte e Pimentel. Na lei, o que existe é licença prévia, que é um primeiro sinal ao empreendedor, entendido como aprovação do Estudo de Impacto Ambiental. No caso de Belo Monte, essa primeira licença foi concedida, mas com 40 exigências. Em seguida, cumpridas as exigências, é dada a licença de instalação.
O BNDES concedeu tempos atrás um empréstimo ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia, que fará a hidrelétrica de Belo Monte, exigindo, no entanto, que ela não faça qualquer intervenção no “sítio”. Só que as árvores do “sítio” começarão a ser derrubadas a partir dessa licença parcial.
O texto do documento do BNDES ao Ministério Público, que tenho em mãos, é claro. Diz que na minuta do contrato “figura a obrigação explícita para a beneficiária de não efetuar qualquer intervenção no sítio em que está prevista a construção da usina sem que tenha sido emitida a Licença de Instalação do empreendimento como um todo.”
O presidente substituto do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, me disse ontem que não foi concedida a licença de instalação do empreendimento.
— Essa é uma licença apenas para fazer trabalhos específicos. Instalar o canteiro de obras, escritório, terraplanagem, alojamentos de trabalhadores.
Na conversa, ele várias vezes falou da licença definitiva no condicional: “se” ela for concedida; “caso ela venha a ser aprovada.” Eu perguntei a ele o que aconteceria com a vegetação suprimida caso a licença não fosse concedida; como seria possível pôr de volta no mesmo lugar uma árvore centenária que pode ser derrubada a partir de agora?
— Eles terão que replantar tudo. Aquelas áreas para as quais foi concedida licença de supressão da vegetação estão alteradas. Não estamos falando de áreas tão intactas assim. Além do mais, é uma área pequena — disse Américo Tunes.
O terreno de 238 hectares tem até 64 hectares em área de preservação permanente. Pode não ser grande, mas deu mais ambiguidade ao processo. Pode-se instalar um canteiro de obras de uma obra que pode não ser feita. É permitido desmatar até área de preservação permanente, apesar de haver incerteza sobre a licença. O BNDES concedeu um adiantamento de mais de um bilhão de reais desde que não se mexa no “sitio”, e o “sítio” ganha o direito de ser mexido apesar de não ter ainda licença de instalação do empreendimento.
Américo Tunes alega que é comum essa concessão em etapas da licença de instalação. Ninguém acha que isso é comum. Especialistas em direito ambiental dizem que existem mesmo só aquelas três formas de licença que se conhece: prévia, de instalação e de operação. Essa figura do “específica” e “parcial” não existe na legislação.
O presidente do Ibama garante que o que ele concedeu não permite o início das obras:
— Só posso conceder essa licença depois que a empresa cumprir as 40 condicionantes que foram exigidas na licença prévia. Essa é uma obrigatoriedade legal que temos que respeitar. Temos consciência da nossa responsabilidade. Eu te asseguro que se elas não forem cumpridas, a licença não será concedida. Neste caso, a empresa terá que fazer a desinstalação do que foi autorizado agora e recuperar a área.
É o samba da licença doida. Ela é e não é, pode-se desmatar uma área, incluindo-se APP, pode-se fazer a terraplanagem de dois “sítios”, montar centro de alojamentos, lavanderia, almoxarifado, oficina de manutenção, borracharia, lubrificação, centro de conveniência, centro de atendimento ao trabalhador, portaria, central de carpintaria, canteiro industrial pioneiro, instalações provisórias de britagem e produção de concreto, sistema de abastecimento de água, esgotamento sanitário, 52 kms de estradas, sendo 42 kms de ampliação e 10 kms de novos trechos, áreas de estoque de solo e de madeira.
Tudo isso acima está escrito no documento oficial do Ibama, cujo presidente diz que a licença de instalação do empreendimento não tem data para ser concedida, depende dos técnicos, pode não sair, e, se não forem cumpridas as 40 condicionantes, não será concedida.
O Ministério Público perguntou ao BNDES quanto custa a obra e quanta energia ela vai produzir. O governo costuma dizer que são 11 mil MW e a um custo de R$ 19 bilhões. O banco respondeu: “a capacidade de geração estabelecida no contrato de concessão com a Aneel é de 4.571 MW médios de energia assegurada.” O valor de R$ 19 bi é do empréstimo pedido até agora. Segundo o BNDES, o custo previsto de Belo Monte é de R$ 25,8 bilhões e o banco pode financiar até R$ 24,7 bi. Ou seja, o BNDES poderia emprestar até 95,7% do total. Uma concentração de risco inaceitável na prática mais elementar da prudência bancária.
Tudo está sendo atropelado: técnicos do Ibama, meio ambiente, limites fiscais, precaução técnica, termos dos contratos com o BNDES, princípios jurídicos, normas democráticas. Na democracia, o administrador público convence, não passa o trator sobre controvérsias tão agudas.
(*) Míriam Leitão - O Globo.
Fonte: EcoDebate, 31/01/2011

os eventos que estão ocorrendo no Egito

Jornalista e blogueiro egípcio fala sobre rebelião
Hossam el-Hamalawy é um jornalista e blogueiro do site 3arabawy. Mark LeVine, professor da Universidade da Califórnia, conseguiu contactar Hossam por meio do Skype e conseguiu um informe em primeiro mão sobre os eventos que estão ocorrendo no Egito. Hossam destaca o papel que a juventude e o movimento sindical estão desempenhando nos protestos contra a ditadura egípcia e prevê momentos difíceis nas relações com os EUA. "Qualquer governo realmente limpo que chegue ao poder na região, entrará em um conflito aberto com os EUA, porque proporá uma redistribuição racional da riqueza e terminará com o apoio a Israel e a outras ditaduras".
Hossam el-Hamalawy é um jornalista e blogueiro do site 3arabawy. Mark LeVine, professor da Universidade da Califórnia, conseguiu contactar Hossam por meio do Skype e conseguiu um informe em primeiro mão sobre os eventos que estão ocorrendo no Egito.
Por que foi necessária uma revolução na Tunísia para levar os egípcios para as ruas em uma quantidade sem precedentes?
No Egito dizemos que a Tunísia foi mais um catalisador que um instigador, porque as condições objetivas para um levantamento existiam no país e durante os últimos anos a revolta estava no ar. Já tivemos duas mini-intifadas, ou “mini-Tunísia” em 2008. A primeira foi um levantamento em abril de 2008 em Mahalla, seguido por outro em Borollos, no norte do país.
As revoluções não surgem do nada. Não temos mecanicamente uma amanhã no Egito porque ontem ocorreu uma na Tunísia. Não é possível isolar esses protestos dos quatro últimos anos de greves de trabalhadores no Egito ou de eventos internacionais como a intifada al-Aqsa e a invasão do Iraque pelos EUA. A eclosão da intifada al-Aqsa foi especialmente importante porque nos anos 80 e 90 o ativismo nas ruas havia sido efetivamente impedido pelo governo como parte da luta contra insurgentes islâmicos. Só seguiu existindo nos campus universitários ou nas centrais dos partidos. Mas quando estourou a intifada em 2000 e a Al Jazeera começou a transmitir suas imagens, isso inspirou a nossa juventude a tomar as ruas, da mesma maneira que hoje a Tunísia nos inspira.
Como se desenvolvem os protestos?
É muito cedo para dizer como se desenvolveram. É um milagre que continuaram ontem depois da meia noite, apesar do medo e da repressão. A situação chegou a um ponto em que todos estão fartos, seriamente fartos. E mesmo que as forças de segurança consigam aplastar os protestos hoje não poderão aplastar os que ocorrerão na próxima semana, no próximo mês ou, mais adiante, durante este ano. Definitivamente há uma mudança no grau de coragem do povo. O Estado usou a desculpa do combate ao terrorismo nos anos 90 para acabar com todo tipo de dissenso no país, um truque utilizado por todos os governos, incluindo os EUA. Mas uma vez que a oposição formal a um regime passa das armas a protestos massivos, é muito difícil enfrentar esse tipo de dissenso. Pode-se planejar a liquidação de um grupo de terroristas que combate nos canaviais. Mas o que vão fazer diante de milhares de manifestantes nas ruas? Não podem matar a todos. Nem sequer podem garantir que os soldados o façam, que disparem contra os pobres.
Qual a relação entre eventos regionais e locais neste país?
É preciso entender que o regional é local no Egito. No ano de 2000, os protestos não começaram como protestos contra o regime, mas sim contra Israel e em apoio aos palestinos. O mesmo ocorreu com a invasão dos EUA no Iraque três anos depois. Mas uma vez que se sai para as ruas e se enfrenta a violência do regime, a pessoa começa a se fazer perguntas: por que Mubarak envia soldados para enfrentar os manifestantes ao invés de enfrentar Israel? Por que exporta cimento para Israel, que o utiliza na construção de assentamentos, ao invés de ajudar os palestinos. Por que a política é tão brutal conosco quando só tratamos de expressar nossa solidariedade com os palestinos de maneira pacífica? E assim os problemas regionais como Israel e Iraque passaram a ser temas locais. E, em poucos instantes, os manifestantes que cantavam slogans em favor dos palestinos começaram ma fazê-lo contra Mubarak. O momento decisivo em termos de protestos foi em 2004, quando o dissenso se tornou interior.
Na Tunísia, os sindicatos desempenharam um papel crucial na revolução, já que sua ampla e disciplinada organização assegurou que os protestos não fossem sufocados facilmente. Qual o papel do movimento dos trabalhadores do Egito no atual levantamento?
O movimento sindical egípcio foi bastante atacado nos anos oitenta e noventa pela polícia, que utilizou munição de guerra contra grevistas pacíficos em 1989 durante greves nas plantas siderúrgicas e, em 1994, nas greves das fábricas têxteis. Mas, desde dezembro de 2006, nosso país vive continuamente as maiores e mais sustentadas ondas de ações grevistas desde 1946, detonadas por greves na indústria têxtil na cidade de Mahalla, no delta do Nilo, centro da maior força laboral do Oriente Médio, com mais de 28 mil trabalhadores. Começou por temas trabalhistas, mas se estendeu a todos os setores da sociedade com exceção da polícia e das forças armadas.
Como resultado dessas greves, conseguimos obter dois sindicatos independentes, os primeiros de sua classe desde 1957, o dos cobradores de contribuições de bens imóveis, que inclui mais de 40 mil funcionários públicos e o dos técnicos de saúde, mais de 30 mil dos quais lançaram mês passado um sindicato independente daqueles controladas pelo Estado.
Mas é verdade que há uma diferença importante entre nós e a Tunísia. Ainda que fosse uma ditadura, a Tunísia tinha uma federação sindical semi-independente. Mesmo que sua direção colaborasse com o regime, os seus membros eram sindicalistas militantes. De modo que, quando chegou a hora das greves gerais, os sindicatos puderam se somar. Mas aqui no Egito tempos um vazio que pretendemos preencher rapidamente. Os sindicalistas independentes foram alvo de uma caça ás bruxas desde que trataram de se estabelecer; já há processos iniciados contra eles pelos sindicatos estatais e respaldados pelo Estado, mas eles seguem se fortalecendo apesar das continuadas tentativas de silenciá-los.
É certo que, nos últimos dias, a repressão foi dirigida contra os manifestantes nas ruas, que não são necessariamente sindicalistas. Esses protestos reuniram um amplo espectro de egípcios, incluindo filhos e filhas da elite. De modo que temos uma combinação de pobres e jovens das cidades junto com a classe média e os filhos filhas da elite. Penso que Mubarak conseguiu agrupar todos os setores da sociedade com exceção de seu círculo íntimo de cúmplices.
A revolução tunisiana foi descrita como fortemente liderada pela juventude e dependente para seu êxito da tecnologia das redes sociais como Facebook e Twitter. E agora as pessoas se concentram em torno da juventude no Egito como um catalisador importante. Trata-se de uma “intifada juvenil” e ele poderia ocorrer sem o Facebook e outras novas tecnologias midiáticas?
Sim, é uma intifada juvenil na rua. A internet desempenha um papel na difusão da palavra e das imagens do que ocorre no terreno. Não utilizamos a internet para nos organizar. A utilizamos para divulgar o que estamos fazendo nas ruas com a esperança de que outros participem da ação.
Como deve ter ouvido, nos EUA, o apresentador de programas de entrevistas Glenn Beck atacou uma acadêmica, Frances Fox Piven, por um artigo que ela escreveu chamando os desempregados a realizar protestos massivos por postos de trabalho. Ela recebeu inclusive ameaças de morte, algumas de pessoas sem trabalho que parecem mais felizes fantasiando sobre usar uma de suas numerosas armas do que lutando realmente por seus direitos. É surpreendente pensar no papel crucial dos sindicatos no mundo árabe atual, tendo em conta as mais de duas décadas de regimes neoliberais em toda a região, cujo objetivo primordial é destruir a solidariedade da classe trabalhadora. Por que os sindicatos seguiram sendo tão importantes?
Os sindicatos sempre são o remédio mágico contra qualquer ditadura. Olhe a Polônia, a Coréia do Sul, a América Latina ou a Tunísia. Os sindicatos sempre foram úteis para a mobilização das massas. Faz falta uma greve geral para derrotar uma ditadura, e hoje não há nada melhor que um sindicato independente para fazê-lo.
Há um programa ideológico mais amplo por trás dos protestos, ou o objetivo é mesmo livrar-se de Mubarak?
Cada um tem suas razões para sair às ruas, mas eu suponho que se nosso levante tiver êxito e derrubarmos Mubarak aparecerão divisões. Os pobres querem impulsionar a revolução para uma posição muito mais radical, impulsionar a redistribuição radical da riqueza e combater a corrupção, enquanto que os chamados reformistas querem colocar freios, pressionar mais ou menos por mudanças “desde cima” e limitar um pouco os poderes, mas mantendo alguma essência do Estado atual.
Qual é o papel da Irmandade Muçulmana e como influencia o cenário atual o fato de ter permanecido até aqui distante dos atuais protestos?
A Irmandade sofreu divisões desde a eclosão da intifada al-Aqsa. Sua participação no Movimento de Solidariedade à Palestina quando se enfrentou com o regime foi desastrosa. Basicamente, cada vez que seus dirigentes chegam a um compromisso com o regime, especialmente os acólitos do atual guia supremo, desmoralizam seus quadros da base. Conheço pessoalmente vários jovens que abandonaram o grupo. Alguns deles se uniram a outros grupos, outros seguem independentes. A medida que cresce o atual movimento de rua e os militantes da base participam, haverá mais divisões porque a direção superior não pode justificar por que não toma parte desse novo levante.
[N.T. Nesta segunda-feira (31), a Irmandade Muçulmana divulgou um comunicado rejeitando o novo governo e pedindo que prossigam as manifestações para a queda do regime do presidente Hosni Mubarak]
Qual o papel dos EUA neste conflito? Como as pessoas na rua avaliam suas posições?
Mubarak é o segundo maior beneficiário da ajuda externa dos EUA, depois de Israel. Ele é conhecido como o capanga dos EUA na região; é um dos instrumentos da política externa dos EUA, que implementa seu programa de segurança para Israel e assegura o fluxo sem problemas do petróleo enquanto mantem os palestinos confinados. De modo que não é nenhum segredo que esta ditadura goza do respaldo de governos dos EUA desde o primeiro dia, inclusive durante a enganosa retórica em favor da democracia protagonizada por Bush. Por isso, não há surpresa diante das risíveis declarações de Clinton, que mais ou menos defendiam o regime de Mubarak, já que um dos pilares da política externa dos EUA é manter regimes estáveis a custa da liberdade e dos direitos civis.
Não esperamos nada de Obama, a quem com sideramos um grande hipócrita. Mas esperamos que o povo estadunidense – sindicatos, associações de professores, uniões estudantis, grupos de ativistas – se pronunciem em nosso apoio. O que queremos é que o governo dos EUA se mantenha completamente fora do assunto. Não queremos nenhum tipo de apoio, simplesmente que corte imediatamente a ajuda a Mubarak e retire o apoio a ele, e também que se retire de todas as bases do Oriente Médio e deixe de apoiar o Estado de Israel.
Em última instância fará tudo o que for preciso para se proteger. De repente, pode adotar a retórica mais anti-americana que se possa imaginar se isso puder ajudar a salvar sua pele. No final das contas, está comprometido com seus próprios interesses e se avaliar que perderá o apoio dos EUA, se voltará em outra direção. A realidade é que, qualquer governo realmente limpo que chegue ao poder na região, entrará em um conflito aberto com os EUA, porque proporá uma redistribuição racional da riqueza e terminará com o apoio a Israel e a outras ditaduras. De modo que não esperamos nenhuma ajuda dos EUA. Só que nos deixem em paz.
(*) Mark LeVine é professor de história na universidade da Califórnia Irvine e pesquisador visitante sênior no Centro de Estudos do Oriente Médio na Universidade Lund, na Suécia. Seus livros mais recentes são Heavy Metal Islam (Random House) e Impossible Peace: Israel/PalestineSince 1989 (Zed Books). 
Traduzido do inglês para o Rebelión por Germán Leyens
(*) Traduzido do espanhol para a Carta Maior por Marco Aurélio Weissheimer
Fonte: Carta Maior, 31/01/2011

domingo, janeiro 30, 2011

uma idéia que não surge do ar

O estado das universidades brasileiras
Nossa juventude está sendo bombardeada por mensagens que endeusam o chamado "empreendedorismo". Os recipientes são estudantes das engenharias e ciências da computação, como também físicos, químicos e biólogos. Os apelos ao empreendedorismo deixam de mencionar que uma empresa de base tecnológica depende do aparecimento de uma idéia que não surge do ar, mas é pacientemente garimpada entre princípios científicos, experimentos e, principalmente, conhecimento de causa.
por Maurizio Ferrante (*)
Depoimento de um experiente leitor de quadros de avisos
Uma fonte de informações interessantes do estado atual da academia é representada pelos quadros de avisos de universidades. Entre anúncios tipo - aluga-se vaga em república feminina, vendem-se bicicleta com 12 marchas, geladeira semi-nova e um Gol 1998 em bom estado - aparecem chamadas vagamente relacionadas com estudo e carreira; por exemplo, avisos de palestras e cursos. 
Um tema que vem aparecendo mais e mais nos quadros de aviso, mas também em jornais e revistas que de vez em quando se ocupam de educação e afins, é o empreendedorismo. Assim mesmo: com dois ‘és’. Todos nós sabemos do que se trata: uma atitude independente e corajosa, que pressupõe espírito de iniciativa, destemor ao risco e, por fim, conhecimento técnico, atitudes “manageriais” e um bocado de ambição.
Com minha longa experiência de quadros de aviso de universidades posso atestar que nossa juventude está sendo bombardeada por mensagens que endeusam a tal atitude. Os recipientes são estudantes das engenharias e ciências da computação, como também físicos, químicos e biólogos. Não consigo me livrar da impressão de que as mensagens carreguem a silenciosa premissa de que seguir uma carreira acadêmica ou fazer carreira, primeiro em chão de fábrica e depois em atividades mais estratégicas, seja próprio dos menos capazes. Talvez esteja sendo injusto, mas é o que implica a adjetivação utilizada, que recobre de méritos o engenheiro (ou químico, ou físico...) empreendedor, e lhe aponta como inevitável o sucesso de sua pequena empresa, invariavelmente de base científica e com grande carga de inovação. 
Em torno dessa idéia, a partir de 1984 começam a nascer os parques tecnológicos, que hoje no Brasil são mais de duzentos (na minha cidade tem dois), alimentados por diversos tipos de financiamento; CNPq, Secretaria de Ciência e Tecnologia dos Estados, etc., e cujo desempenho – perdas e ganhos – nunca foi apresentado aos pagadores de imposto. Notável é a ausência quase que completa de capital de risco provindo de grandes empresas ou mesmo de investidores pessoas físicas. 
Sabemos que o tempo presente é a era dos serviços, natural sucessora da era da indústria, e o empreendedorismo, alardeado como a vocação dos mais capazes, passou a formar um mercado per se, sobre o qual se pode ganhar dinheiro. Isso levou à proliferação de parques tecnológicos, incubadeiras de novas empresas e entes do tipo, que logicamente necessitam de presidentes, diretores e administradores, perpetuando-se assim o ciclo do existo porque existo e quero continuar existindo. Das empresas amparadas por esses Parques e incubadeiras sabe-se pouco, e as perguntas que se colocam são: qual a taxa de mortalidade – Suíça ou de terceiro mundo? Qual o peso econômico das empresas? Qual o seu nível tecnológico médio? 
Lembro-me de quando visitei a Feira de um desses Parques, e surpreso me deparei com o estande de uma (hoje falida) fábrica de tratores exibindo o seu já então vetusto produto. Naturalmente há exceções, e muitas, e pontos de vista diferentes, mas a intenção deste artigo não é tanto discutir os prós e contras do empreendedorismo no plano econômico ou no de formador de estruturas tecnológicas consistentes, como de levantar questões sobre o efeito que esse pesadissimo marketing da carreira possa ter sobre os estudantes.
Os apelos ao empreendedorismo deixam de mencionar que uma empresa de base tecnológica depende do aparecimento de uma idéia que não surge do ar, mas é pacientemente garimpada entre princípios científicos, experimentos e, principalmente, conhecimento de causa. Lembro que em uma eleição passada, o mote que acompanhava um dos candidatos era “deixe o homem trabalhar”. Eu adaptaria essa frase aos estudantes universitários (e secundaristas também): “deixem o estudante estudar em paz”. Sem o distrair continuamente com palestras de empreendedorismo, ou de como elaborar um curriculum vitae, escrever uma patente, e coisas do tipo. Tudo isso está sendo ministrado antes do tempo, e os que seguem essa sereia (porque é mais fácil ouvi-la do que espremer o cérebro sobre um texto de termodinâmica) acabam perdendo a oportunidade de se preparar melhor e fundamentar melhor suas idéias, que aí sim serão criativas.
A falta de engenheiros no Brasil é muito grande; formamos 30.000 profissionais por ano, pouco se comparado com a China – 400 mil; Índia – 250 mil, e Coréia do Sul – país pequenino com 50 milhões de habitantes que forma 80 mil engenheiros. A urgência é grande, e uma meta da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – órgão do MEC) é a evolução daqueles 30 mil para 40 mil nos próximos três anos. Esses números dão razão à CNI (Confederação Nacional da Indústria) que prevê um excesso de 150 mil vagas em setores técnicos. 
Mas além da questão quantitativa, há a qualitativa: José Roberto Cardoso diretor da Escola Politécnica da USP faz notar que "... só um entre quatro engenheiros possui formação adequada...”. De fato, dependendo de como se conta há 1.087 cursos no país, dos quais a metade em escolas particulares, e uma olhada nas notas do ENADE dessa metade explica as palavras do professor.
Se ainda por cima desviamos antes do tempo um porcentual de estudantes desse mercado, e o distraímos com falsas preocupações, não estamos colaborando muito com a solução dos problemas, estamos?
(*) Professor do Departamento de Engenharia de Materiais, na Universidade Federal de São Carlos.
Fonte: Carta Maior, 28/01/2011

euforia pela entrada no serviço público...

O que é público não é de ninguém

por Daniel Simões Coelho

Nunca antes na história deste país houve tantos concursos como nestes últimos anos. A euforia pela entrada no serviço público criou um mercado promissor onde se destacam os cursos preparatórios, lojas de materiais didáticos, profissionais especializados e entre outros. Tanto assim, que hoje se diz que é mais difícil passar em um concurso que em um vestibular.
Os resultados de pesquisas de institutos respeitados mostraram que o desemprego reduziu significativamente nos últimos cinco anos. A renda dos brasileiros também apresentou um salto considerável, o que levou uma parcela da população a ingressar na tão sonhada classe média. Associado a esses fenômenos está o crescimento brasileiro, apesar de ainda tímido, a economia brasileira foi ovacionada pela estabilidade apresentada frente à última crise internacional.
O termo vestibulando está em desuso em favor do conceito de concurseiros. Verbete que meu MSO Word marcou em vermelho por não reconhecer em seu dicionário. A gramática, aliás, é bem vinda neste debate. O sufixo em “vestibulando” refere-se a algo em processo, ou seja, que em algum momento irá se concluir. Afinal, ninguém deseja ser um vestibulando por muito tempo. Por outro lado, o componente “eiro” é descrito nos manuais como formador de palavras que caracterizam carreira, profissões.
De fato, os concursados ao tomarem posse e exercício de seus cargos não pensam em parar e descansar. Prosseguem a vida como servidores públicos e concurseiros simultaneamente. Sempre em busca de um cargo melhor e, de preferência, com mais status.
O que motiva os jovens a desistir de seus sonhos, não prestarem vestibular e partirem para os cursos preparatórios de concursos? Estabilidade, salários médios maiores que da iniciativa privada e o sonho de trabalhar em uma empresa onde seu chefe não é o dono da empresa.
Esta é uma realidade bem diferente de décadas atrás, onde ser servidor público era quase que motivo de vergonha. Mas as coisas bem que mudaram. Algum tempo atrás fui buscar informações sobre financiamento de um apartamento. Inicialmente o consultor não acreditou na possibilidade de eu realmente está interessado, mas quando disse que era servidor público ele mudou totalmente o comportamento, quase me oferecendo um tapete vermelho para passar.
Quando digo que os jovens abrem mão de seus sonhos não estou afirmando que não seja um sonho ser servidor público. Mas eu, como um servidor público, vejo que a grande maioria está neste ramo pelos benefícios e não pela satisfação. Geralmente quem entra no quadro funcional do Estado após a faculdade se frustra ao saber que não exercerá sua profissão, mesmo que tenha feito concurso para tal cargo. Quantos bacharéis em Direito eu já vi trabalhando em serviços puramente administrativos.
Esse entusiasmo com o concurso me fez perguntar uma vez: Seria hipócrita um pensador liberal ser servidor público? Ainda não descobri a resposta, não que eu seja um pensador liberal, não que eu seja um pensador também.
Fonte: Academia Econômica, 29/01/2011

não tem muita coisa que me interesse

Não em Davos

por Paul Krugman
Anualmente, nesta época, pessoas ilustres e importantes – e muitos banqueiros também – se reúnem em Davos no Fórum Econômico Mundial. Eu compareço em raras ocasiões, mas na maioria das vezes não; deveria participar de uma conferência dentro das comemorações do 150º aniversário do MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts -, mas o Amtrak falhou comigo e estou a caminho de Nova Jersey vindo de Nova York.
Por que não estou em Davos? Basicamente porque ali não tem muita coisa que me interesse. Jamais achei que conversar com líderes empresariais e políticos fosse uma boa maneira de entender o que está realmente ocorrendo; talvez isso dê certo para algumas pessoas, mas na minha opinião examinar atentamente dados e conversar com jovens economistas inteligentes é um modo muito melhor de ter alguns insights.
E acho que isso é verdade. As convenções que prevalecem na mídia de negócios significam que temos muito mais material sobre o que as PMS (Pessoas Muito Sérias) dizem, e mesmo artigos que envolvem muitos dados são concebidos com base em citações opostas às PMS. A verdade é que essas Pessoas Muito Sérias no geral não sabem mais (às vezes sabem menos) do que qualquer um que estudou os assuntos e tem acesso à banda larga – com a vantagem adicional de não haver interesses particulares similares.
Portanto, este fim de semana, enquanto os grandes analisam o mundo nas alturas rarefeitas de Davos, eu também estarei fazendo isso nas planícies de Nova Jersey. Você tem alguma coisa contra?
Fonte: Estadão | Blogs, 28/01/2011

sábado, janeiro 29, 2011

“tragédia dos bens comuns”

O cuidado com os bens comuns
Assistimos, dia após dia, com uma velocidade e uma intensidade inimagináveis há uma década, à “tragédia dos bens comuns”: um empobrecimento contínuo e irremediável de recursos naturais, de bens e valores que compõem a biodiversidade natural, social e cultural do planeta. Essa é também uma das manifestações da crise da qual não conseguimos ver o fim, não tanto pelas tendências flutuantes das bolsas de valores ou pela lentidão da “reativação econômica”, mas sim porque não há sinais tangíveis de uma inversão de orientação na governabilidade mundial da economia. O artigo é o documento do encontro Terra Futura, uma importante iniciativa da sociedade civil italiana.
Terra Futura é uma importante iniciativa da sociedade civil italiana dedicada a debater questões globais. Todos os anos, mais de 70 mil pessoas visitam suas exposições e participam de seus debates. Este ano, o encontro que será realizado em Florença no mês de maio, terá como tema central os bens comuns. Apresentamos a seguir o documento conceitual do encontro que ainda está recebendo sugestões e sendo debatido.
“O que é comum à maioria dos indivíduos recebe o mínimo cuidado. Cada um pensa especialmente em si mesmo e quase nada no interesse comum”. 
Aristóteles, Política
Assistimos, dia após dia, com uma velocidade e uma intensidade inimagináveis há uma década, à “tragédia dos bens comuns” como a definiu Garret Hardin, no distante 1968: um empobrecimento contínuo e irremediável de recursos naturais, de bens e valores que compõem a inestimável biodiversidade natural, social e cultural do planeta; o aprofundamento de uma tendência ao consumo ilimitado destes bens que por sua natureza constituem um patrimônio inalcançável para alguns.
Essa é também uma das manifestações da crise da qual não conseguimos ver o fim, não tanto pelas tendências flutuantes da bolsa ou pela lentidão da “reativação econômica”, mas sim porque não há sinais tangíveis de uma inversão de orientação na governabilidade mundial da economia. Esta difícil atingir a percepção do limite dos recursos naturais e dos bens comuns que impulsione a construção de um terceiro e mais sustentável caminho, um caminho alternativo á privatização ou ao consumo irresponsável. Por isso, em meio à crise, os governos dos países que integram o G20 introduziram no sistema financeiro 13,6 bilhões de dólares sem condicionar a liberação desses recursos a mudanças estruturais nem destiná-los a investimentos para o desenvolvimento ou a redução dos desequilíbrios sociais. Foram recursos mobilizados rapidamente, apesar de ter sido declarado impossível, algum tempo antes, mobilizar um montante 20 a 30 vezes inferior, necessário para alcançar os Objetivos do Milênio.
O desenvolvimento insustentável
É a demonstração de um modelo de desenvolvimento que é insustentável não só porque não leva em conta que os recursos naturais são limitados, mas porque, acima de tudo, é desigual, fraco com os fortes e injusto com os fracos, insustentável de um ponto de vista social. O informe da Caritas, que a cada ano chama a atenção para a questão da exclusão social, destaca a relação direta da crise com o aumento da pobreza na Itália: 560 mil pessoais a mais, em relação a 2009, cruzaram a linha da pobreza em 2010. Incluem-se aí tanto desempregados como empregados, pessoas economicamente frágeis, que vivem em famílias numerosas com baixos níveis de educação, empobrecidas até se tornarem “sem teto”. Ao todo, são mais de 8 milhões de italianos.
O coração palpitante da crise que nos afeta há alguns anos é ao mesmo tempo social e político: constitui a demonstração do fracasso de um modelo de distribuição da riqueza em benefício dos ricos do planeta e de uma política que elevou à condição de paradigma a ideia de que a intervenção do Estado é sempre negativa para o bem estar das pessoas, que o gasto público é um desperdício e que não existem responsabilidades coletivas porque a “sociedade não existe”, como dizia Margaret Thatcher. E é uma crise que, justamente por seu caráter social e político, afeta em particular a Europa. De fato, o modelo social e político de bem estar renano ou europeu é o que sofreu as maiores deslegitimações pela financeiração da economia e pelas chamadas “reaganomics”, as políticas econômicas dos EUA durante a presidência de Ronald Reagan. Mas, ao mesmo tempo, a transformação da crise financeira em crise das finanças públicas, o crescimento da dívida dos Estados e o aumento do desemprego demonstram que o atual modelo europeu não assegurou estabilidade a vários países de seu entorno.
A crise da Europa Social
Tudo isso contribuiu para enfraquecer, até sua desaparição, o projeto político europeu, evidenciando a crise que a Europa está atravessando, uma crise de ideia de civilização, de modelo de desenvolvimento, de projeto de futuro. Por isso, hoje em dia vemos como única saída da crise a reconversão ecológica e social do desenvolvimento, como novo paradigma: um projeto político que tenha seu fundamento em uma nova centralidade dos bens comuns, retomando a ideia de um possível projeto comum da Europa, sobre novos fundamentos culturais. Apesar de as instituições e os governos europeus parecerem incapazes ou desinteressados em empreender este desafio, existe também outra Europa, dos cidadãos e das organizações sociais, que resistem à banalidade da tragédia dos bens comuns, que constroem propostas concretas e projetos para um desenvolvimento sustentável e justo e que não se resignam a aceitar as leis de um modelo de desenvolvimento fracassado que destrói o futuro de todos. 
O descuido e a indiferença em relação a tudo que é de interesse geral e de necessidade comum e, ao mesmo tempo, a obsessão para a exploração econômica destes bens, está mostrando suas contradições internas e demonstrando não ser confiável.
Uma mudança radical de direção
Em 2010, assistimos a um número impressionante de eventos extremos relacionados com um modelo de desenvolvimento destruidor dos bens comuns e com seu uso desequilibrado e irresponsável. Estes eventos nos sugerem que é urgente ter outro olhar, uma mudança radical de rota na forma de utilizar esses recursos. O desastre ecológico causado pelo acidente petrolífero da BP no Golfo do México mostrou a impotência inclusive dos EUA para prevenir o desastre e avaliar suas reais consequências. Os incêndios dos bosques russos; as mudanças climáticas produzidas pelo deslocamento de 260 quilômetros quadrados do maior iceberg do mundo na Groenlândia; temperaturas inéditas como os 37,2° na Finlândia ou os 54° no Paquistão. 

Mas 2010 também foi o ano em que, segundo avaliação da Global Footprint Network, cruzamos a fronteira crítica para além da qual o consumo global dos recursos naturais superou a taxa de regeneração dos mesmos por parte da natureza. Apesar de que há décadas a comunidade científica e o movimento ecológico venham assinalando o risco de superação desse ponto, não soubemos parar, moderar nosso consumo, estabelecer um limite, e fizemos a coisa mais irresponsável que poderíamos fazer: decidimos gastar as reservas de recursos de nossos netos, nos demos o direito de comer o futuro.
Para além do binômio público/privado
Portanto, os bens comuns são o centro de um conflito em torno do conceito de desenvolvimento, em torno do conceito de futuro do planeta, conflito que não pode ser resolvido em um debate entre propriedade pública e propriedade privada. É preciso empreender uma profunda reflexão política e cultural, uma coerente e contínua ação política para sua proteção, um consenso generalizado sobre a transformação da “tragédia” em “possibilidade”.
E não estamos falando só de recursos naturais que permitem a vida neste planeta – água, ar, solo, plantas, espécies animais – e que sofrem um manejo irresponsável diário, condenados a garantir níveis de vida insustentáveis para o ecossistema e injustos em escala global. Estamos nos referindo também a bens imateriais que, como os recursos naturais, são necessários para certa qualidade de vida e que, por serem de uso coletivo, têm um alto valor. Esses bens imateriais estão na base desses valores que constituem a essência da felicidade individual e coletiva das comunidades: a equidade social, o trabalho, a saúde, o pluralismo cultural, a segurança, a informação, o conhecimento, o espaço público para as religiões, o laicismo, o reconhecimento ativo dos direitos civis e sociais e a própria democracia.
A democracia dos bens comuns
O tema dos bens comuns renova uma questão fundamental da democracia, porque trata da igualdade de acesso aos bens primários. Igualdade entendida não só como direito universal a dispor dos bens comuns em quantidade suficiente para sobreviver, mas também como superação de lacunas – cada vez mais amplas e insustentáveis – causadas pelas diferentes disponibilidades econômicas, as quais afetam o acesso aos alimentos, ao conhecimento, aos serviços de saúde, a um trabalho digno.
Como a nossa (italiana) Constituição já estabeleceu de maneira iluminada (art. 3), igualdade, liberdade e dignidade constituem em sua unidade o novo núcleo da democracia, à luz dos problemas que a questão dos bens comuns propõe na era da globalização. A própria organização da produção, encabeçada pelas grandes empresas transnacionais, nos coloca diante de novos problemas relacionados com a democracia: essas empresas decidem como utilizar os recursos da terra, decidem onde, como e o quê produzir, determinando o destino de trabalhadores e consumidores, sem alguma forma real de controle ou regulação por parte das instituições estatais nem de democracia interna, e com disponibilidade de um volume de negócios superior aos PIBS de muitos países. Neste contexto só vale a liberdade absoluta das empresas, que aniquila totalmente as tentativas feitas por parte da Constituição para limitá-la com o fim de garantir a utilidade social (art. 41). Hoje em dia, as empresas se ocupam mais do setor financeiro que da produção, seus deslocamentos determinam o bem estar dos trabalhadores e decidem quem produz e quem consome no mundo. É preciso repensar a governabilidade dessas empresas e o papel desempenhado pelos diferentes setores sociais nas decisões sobre o destino dos bens comuns.
Para uma titularidade generalizada
Os bens comuns, tanto os naturais como os que se referem às relações entre os indivíduos têm que ser isentos da lógica do lucro. O lucro produz, em curto tempo, uma injusta distribuição de renda (ou seja, uma discriminação entre iguais) e também uma exploração intensiva e potencialmente ilimitada dos bens. Isso é incompatível com a própria natureza dos bens comuns, caracterizados por ter a “titularidade generalizada”: todos podem ter acesso a eles, mas ninguém pode possuí-los de forma exclusiva. No entanto, o direito de acesso tem que ser regulado para garantir o acesso das gerações futuras também. Deste modo o enfoque intergeneracional se enlaça com o tema político dos direitos de cidadania. Neste sentido, a ONU aprovou, na sessão n° 108 (julho de 2010), a resolução sobre o direito humano à água e à saúde.
Nela se recorda que 884 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e 1,5 milhão de crianças menores de 5 anos morrem a cada ano por causa de doenças provocadas pela carência de água potável. Trata-se de uma resolução muito importante, que retoma o trabalho do Conselho para os Direitos Humanos (UNHRC), o qual pede às organizações internacionais a destinação de recursos financeiros para os países em desenvolvimento com o objetivo de assegurar a todos o acesso à água limpa e potável.
Os bens comuns colocam, portanto, de maneira concreta, a questão da democracia – igualmente frágil, escassa e ameaçada – e dos direitos de todos: esses bens comuns devem ser acessíveis a todos – por serem direitos individuais de cada pessoa do planeta – e sua utilização tem que ser regulada e limitada para que não se esgotem.
É o sinal forte e claro de que já não é possível unir cada aspecto de nossa vida (até a própria fonte da vida) com a dimensão econômica das leis do mercado. Estamos assistindo à decadência do paradigma do mercado como mecanismo eficiente, justo e capaz de autoregulação. Ao contrário, levou à aceleração dos processos de globalização nos últimos cinquenta anos. 
Primeiro: defender o interesse público
É exatamente este o dilema dos bens comuns: como estabelecer e tornar efetivas as normas para seu uso, normas que tenham seu fundamento em novas formas de racionalidade, regras sociais e de reciprocidade. A mentalidade dominante mostra escassa eficácia frente à “tragédia dos bens comuns”, como demonstrou claramente o desastre do poço petrolífero da BP no Golfo do México que causou graves danos ao ecossistema e à saúde. Neste caso, o presidente Obama, sob muita pressão, conseguiu que a BP criasse um fundo de 20 bilhões de dólares para compensar os danos causados. Uma solução extrajudicial que, talvez, pode mostrar o caminho para a atuação do princípio (já obsoleto no debate público) de “quem contamina paga” em outros casos igualmente significativos: Bhopal e os 2.300 mortos causados pelo acidente químico da Union Carbide (1984); o lixo cheio de resíduos petrolíferos da Texaco na selva do Equador (1964-1990); os danos ambientais causados pelas extrações petrolíferas da Shell, da Exxon, e da Eni no delta do Niger. Que direito internacional pode ser usado para defender efetivamente os bens comuns dos interesses privados? O problema consiste em que a típica sanção reparadora por danos causados não vale no caso dos bens comuns porque os recursos naturais destruídos levam um longo tempo para se recuperar, período no qual a população sofre uma drástica limitação em sua utilização. 
Por estas razões, após 20 anos de referendum, continua-se lutando ativamente na Itália contra a energia nuclear para a produção de eletricidade: o custo em termos de recursos naturais limitados (água, território e materiais fósseis), o risco em caso de acidentes com danos de longo prazo à saúde e ao meio ambiente, a impossibilidade de gerir de forma segura os dejetos no médio e longo prazo, um verdadeiro custo imediato contra um longínquo e incerto benefício, o uso de recursos econômicos que poderiam ser investidos em energias renováveis. A direção para o futuro deve ser, diferentemente do que ocorreu no passado, a democratização e descentralização da produção de energia, com uma maior responsabilidade das comunidades e dos indivíduos.
A inanidade do mundo político
Os estudiosos mais perspicazes têm abordado esses temas já há algum tempo. Entre eles, o prêmio Nobel Elinor Ostrom, que sugeriu ideias e soluções importantes para um mundo político que, no entanto, parece surdo, cego e, sobretudo, inerte, ou seja, incapaz de realizar seus deveres e tomar as decisões necessárias. Tudo isso já foi demonstrado nas últimas reuniões de cúpula internacionais, tanto as gerais (como o G20 de Toronto), como as temáticas (a cúpula mundial sobre o clima em Copenhague ou a cúpula sobre os Objetivos do Milênio, na ONU).
Para chegar a um manejo responsável dos bens comuns são necessárias soluções inovadoras, que se afastem dos dogmatismos opostos: tanto de quem pretende que só o Estado tenha o direito de desempenhar o papel de comando e controle dos bens coletivos, como de quem sustenta que só a privatização dos recursos resolverá o problema. Estes dois enfoques se demonstraram dramaticamente ineficientes: nem o Estado nem o mercado, sozinhos, podem garantir o manejo equilibrado e responsável destes bens.
De Estado-Mercado a Comunidade-Redes
Apesar desse dilema permanecer aberto em nível global (onde as instituições supranacionais públicas se demonstram ineficazes e as privadas portadoras de interesses particulares), é preciso assinalar – e Terra Futura está fazendo isso há oito anos – que existem realidades e instituições externas ao sistema Estado-Mercado que vem gerindo, em nível local, sistemas sociais e de recursos naturais com resultados eficazes e sustentáveis no tempo. Há muitos exemplos concretos de comunidades de indivíduos e de redes de grupos que vem desenvolvendo várias e diferentes maneiras de gerir os bens coletivos, alternativas aos modelos públicos ou privatistas. Trata-se de experiências que se baseiam no modelo cooperativo (oposto às iniciativas unilaterais), em ações coletivas e na reciprocidade. Esyas escolhas implicam a capacidade de avaliar e levar em conta as razões dos outros indivíduos envolvidos, a decisão de cooperar a partir de relações de confiança, a consideração da escassez dos recursos e o estabelecimento de regras compartilhadas que aplicam incentivos ou sanções, segundo o caso. Estamos diante de novas formas de contrato social (que Elinor Olstrom analisou em seu “Governing the Commons”) que demonstram a viabilidade de alternativas em relação ao “Leviatã” burocrático (um Estado tanto intrometido quanto ineficiente) e à privatização como “única” via.
Governar os bens comuns
Muitas das linhas temáticas que caracterizaram as edições anteriores de Terra Futura convergem para o conceito de governo dos bens comuns: do tema da responsabilidade e da sustentabilidade para aquele do papel das alianças entre sujeitos da sociedade civil, dos temas sobre as mudanças climáticas, sobre a crise financeira, a legalidade e a crise social. Os bens comuns são a síntese de todas as contradições do modelo de desenvolvimento dominante até agora e que hoje vemos cair miseravelmente sob seu próprio peso. Tudo isso chega agora ao “nó górdio” que finalmente é preciso cortar: a exploração ilimitada e injusta dos recursos naturais gera desigualdade e enfraquece o impulso democrático em qualquer parte do mundo (como nos demonstrou o caso Eni-Nigéria). 
Os interesses individuais e particulares da política pisoteiam os direitos humanos fundamentais (um exemplo evidente é a discriminação contra a população romena, que foi enviada à fronteira pelo presidente francês Sarkozy, o qual, poucos dias depois, invocou a ajuda da ONU para combater a pobreza por meio da aplicação da Taxa Tobin). Ignora-se o direito de cada um ter um espaço público para praticar sua religião, com a ilusão de velar pela própria identidade (ameaçando lançar textos sagrados na fogueira e impedindo a construção de mesquitas). A exploração intensiva das terras e das produções agrícolas empobrece os recursos naturais, cria injustiças e conflitos sociais e impulsiona comportamentos irresponsáveis na política (o exemplo são as quotas de leite europeias na Itália ou o estímulo ao uso de organismos geneticamente modificados).
Por um novo contrato social de responsabilidade coletiva
Se é evidente que as contradições do modelo de desenvolvimento explodem em torno dos bens comuns, é certo também que tais bens têm oferecido a muitas comunidades no mundo e na Itália a oportunidade de encontrar soluções para diversos problemas, de elaborar projetos de desenvolvimento, sistemas sociais abertos e responsáveis, inovadores e sustentáveis, democráticos e participativos. Estas realidades demonstram uma verdadeira unidade, entendida não como simples fato formal, mas sim como uma autêntica unificação de destino entre biosfera e “sociosfera”, uma alternativa à degradação dos bens materiais e das relações.
Enquanto se realizam uma após outra as cúpulas entre governos que mostram sua submissão às lógicas do liberalismo econômico; enquanto as Nações Unidas parecem seguir atuando com métodos que não levam a lugar nenhum (a cúpula sobre a biodiversidade no Japão, em outubro de 2010, foi a última de uma longa cadeia de encontros – desde o do Rio em 1992 até Johannesburgo em 2002 – cujos resultados foram inversamente proporcionais às expectativas despertadas), nossa tenaz esperança se situa no que estão fazendo concretamente no mundo os cidadãos, indivíduos da sociedade civil organizada, empresas e governos locais. 
Todos estes sujeitos estão buscando a forma de construir uma sociedade mais justa e sustentável, na base dos valores e das relações no lugar da monetarização e da exploração cega do futuro.
Assistimos, dia após dia, com uma velocidade e uma intensidade inimagináveis há uma década, à “tragédia dos bens comuns” como a definiu Garret Hardin, no distante 1968: um empobrecimento contínuo e irremediável de recursos naturais, de bens e valores que compõem a inestimável biodiversidade natural, social e cultural do planeta; o aprofundamento de uma tendência ao consumo ilimitado destes bens que por sua natureza constituem um patrimônio inalcançável para alguns.
Milhares de arroios, um rio, Terra Futura
Finalmente, hoje, após anos em que só uns poucos iluminados pioneiros se atreviam a falar, começa a se construir o vasto e concreto projeto de reconversão econômica, ecológica e social do modelo de desenvolvimento e de redistribuição das riquezas entre as possíveis e necessárias soluções. Mas esse rio só conseguirá chegar ao mar se reunirmos todos os afluentes, todos os riachos em um grande estuário. É um compromisso importante e complexo porque não é suficiente somar fluxos. É preciso também equilibrar os muitos e diferentes projetos para ter um olhar global e, ao mesmo tempo, cuidar cada um de seus cursos d’água. É um grande trabalho que só poderá ser realizado unindo competências, experiências e sensibilidades diferentes (como ocorre há 8 anos entre os sócios de Terra Futura) e tornando as próprias comunidades protagonistas dessa mudança: só esse sujeitos têm as ferramentas e o interesse (e, portanto, a responsabilidade) para unir a multiplicidade de arroios e dar assim um novo nome ao mar do desenvolvimento, convertendo-o no mar da igualdade, da sustentabilidade e da justiça.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior, 28/01/2011

sexta-feira, janeiro 28, 2011

cascatas reviradas por letras e lanças

Sábios e Dementes
.
Quando um dia sequer sem ameaças
Dor e fome ainda morrem no corpo
Os caminhos demonstram violências
E ainda impunes se entrelaçam noutros
.
As mesmas promessas se arrastam
Anos a fio cortando fundo no osso
Sem panacéias que satisfaçam nada
É uma navalha o mais provido esboço
.
Mesquinharias, ambições e lucros
Impedem as necessidades da gente
Propiciam cicatrizes nos sonhos
Assim como as repetições dementes
.
Folias insanas, maus políticos, bravatas
Nos queima a todos através dos anos
Suja-se o bom gosto das almas
Que ainda acreditam nos planos
.
A hora dos consertos chega e se vai
Pelos filhos que tateiam esperanças
Em vendas manchadas por interesses vis
Até se acudir no balanço das mudanças
.
Ainda pisamos no olho da água doce
O mineral com vigor ainda borbulha
Espelho natural sem rancor se derrama
E nos alimenta com manancial ternura
.
Vale ainda os valores da sabedoria
Em cascatas reviradas por letras e lanças
Uma verdade com gosto de ruptura
No peito do ser que mantêm sua dança

desempenho do setor externo do Brasil

Nossas exportações: opção política ou vocação natural?

O governo deve alterar a política cambial, de forma a reverter a tendência à valorização artificial de nossa taxa de câmbio em relação às demais moedas importantes no mundo. Para com isso conseguirmos estimular as exportações brasileiras de maior conteúdo de valor e reduzir a invasão desproporcional de bens industriais estrangeiros.
Durante as últimas semanas foram divulgados os dados preliminares a respeito do desempenho do setor externo do Brasil durante o ano passado. Infelizmente, a análise inicial das informações publicadas pelo Ministério de Indústria e Comércio Exterior (MDIC) não oferece um panorama muito positivo a respeito das relações econômicas de nosso País com o resto do mundo.
Na verdade, os dados só confirmam a tendência observada ao longo dos últimos anos em relação ao tema. Por um lado, uma continuidade do crescimento moderado das exportações, não obstante as dificuldades enfrentadas com a taxa de câmbio bastante sobrevalorizada na relação do real com o dólar norte-americano e demais moedas importantes no comércio internacional. Por outro lado, um crescimento expressivo das importações, justamente em função dessa política cambial que estimula o ingresso de produtos importados a preços artificialmente reduzidos, o que estabelece sérias dificuldades para as empresas nacionais conseguirem concorrer em termos de preço e de qualidade.
Assim, as exportações totais saíram de US$ 73 bilhões em 2003, chegaram a US$ 137 bi em 2006 e fecharam 2010 no patamar de US$ 202 bi. Em princípio, um desempenho excelente, representando um crescimento de 276% ao longo dos dois mandatos do Presidente Lula.
No entanto, o quadro das importações acaba por relativizar um pouco o sucesso exportador. O total anual gasto com importados era de US$ 48 bilhões em 2003, saltando para US$ 91 bi em 2006 e atingindo a marca de US$ 182 bi no final do ano passado. Com isso, observou-se uma elevação das despesas com a importação da ordem de 380%. Ou seja, um índice mais de 100 pontos percentuais superior ao crescimento das exportações.
O resultado de tal performance reflete-se, obviamente, no ocorrido com o saldo (sempre positivo) da Balança Comercial, que vem a ser a diferença entre exportações e importações. Ele sai de US$ 25 bilhões em 2003, chega a alcançar US$ 45 bi em 2006 e termina 2010 com a – digamos assim - modesta marca de US$ 20 bi. Mas por que modesta?, alguém poderia perguntar com toda a razão. Bem, o fato é que o saldo comercial representava quase a metade do valor das importações em 2003 e 2006. Já em 2010, essa relação cai para apenas 11% do total das importações, revelando uma situação mais vulnerável em relação ao comércio exterior. Basta uma simples elevação de pouco mais de 10% nas compras externas para que e o saldo da Balança desapareça!
Além disso, é necessário analisarmos o desempenho do setor externo com uma lente mais apurada e buscarmos compreender algo de mais significativo nessa dinâmica econômica. Afinal, não há mais espaço para o Brasil se imaginar como uma sociedade autárquica em pleno século XXI, sem aprofundar as relações econômicas, sociais e culturais com os demais povos e nações do mundo. A abertura comercial e o aumento do fluxo de comércio com o exterior faz parte do jogo econômico nos tempos atuais. O segredo é saber como tais relações são definidas e em quais bases elas são operadas.
E aqui entram, então, as informações a respeito de qual é a composição das nossas exportações e das nossas importações. A triste constatação a que chegamos é que, apesar do longo processo histórico de industrialização e urbanização, nosso modelo continua ainda muito assentado na tradição de origem colonial, em que a divisão internacional do trabalho delegava aos chamados países periféricos as funções de produção e exportação de produtos primários, aqueles oriundos da agricultura, da pecuária e do extrativismo.
O antigo e conhecido ciclo em que os países ditos subdesenvolvidos e em desenvolvimento eram conhecidos pela exportação de matérias-primas e outros insumos necessários ao processo de industrialização, ao passo que os países desenvolvidos ficavam encarregados da produção industrial e do fornecimento de serviços. Com isso, assegurava-se a manutenção e a reprodução de um modelo caracterizado por uma profunda desigualdade. Importávamos mercadorias de alto valor agregado, em função do processo de industrialização e exportávamos bens básicos, sem quase nenhum valor adicionado. No limite, perpetuava-se um processo contínuo de transferência de renda e valor em direção dos países mais ricos. Exportava-se algodão para importar tecidos.
Essa realidade, aliás, era uma das bases objetivas para o movimento em prol de um processo de substituição das importações, com a meta de reduzir o grau de dependência econômica e tecnológica em relação ao exterior. Ou seja, a busca pela chamada internalização das forças produtivas e a instalação de um parque industrial moderno, capaz de produzir internamente aquilo que era importado dos países mais avançados. As décadas avançam, o País parece evoluir, mas algumas questões substantivas insistem em permanecer inatacadas. Hoje em dia, continuamos a exportar soja e açúcar para importar produtos industrializados de alto valor agregado.
Entre 2009 e 2010, houve um crescimento das exportações de US$ 153 bilhões para US$ 202 bi, correspondente a uma elevação de 32%. Já as importações cresceram proporcionalmente muito mais ao longo do mesmo período. Saíram de US$ 123 bi em 2009 e fecharam 2010 com US$ 182 bi, correspondendo a um aumento de 48%. 
Os dados das exportações exibem um crescimento também da parcela menos intensiva em valor agregado de nossa pauta. Ou seja, a soma de produtos básicos e de semi-manufaturados representava 54% do total exportado em 2009 e essa participação sobe para 57% no ano passado. A contrapartida de tal movimento foi a redução da parcela dos bens industrializados, de maior valor agregado. Ela saiu de 44% em 2009 e fechou 2010 com representando apenas 40% das exportações.
Os primeiros oito itens em importância de nossa pauta exportadora respondem por 43% do valor total do que o Brasil vende para o resto do mundo. A observação detalhada desses produtos só faz confirmar a preocupação acima levantada. A lista real parece contraditória com a imagem de um país moderno e que se pretende possuidor dos sintomas da industrialização. Aqui vão os principais itens responsáveis pelo nosso desempenho exportador:
1. Minério de ferro 14,3%
2. Petróleo 8,0%
3. Soja em grão 5,5%
4. Açúcar 4,6%
5. Frango 2,9%
6. Café 2,6%
7. Pastas de madeira 2,4%
8. Derivados de soja 2,3%
Sub-Total 43,0% 
As primeiras categorias de bens industriais surgem logo a seguir, com aviões e automóveis representando um subtotal de apenas 4,2%. Mas a lista retoma seu caráter preponderante de matéria-prima, de maneira que dos dezessete primeiros itens representando mais de 57% do total exportado apenas 7 % referem-se a quatro itens de maior valor agregado.
Já pelo lado das importações a situação é bastante distinta. Ao lado de alguns produtos ainda de característica primária, já despontam outros como automóveis e auto-peças (com saldo maior que as exportações dos bens de mesma natureza), circuitos micro-eletrônicos (em valor equivalente à nossa exportação de soja), produtos farmacêuticos (cujo valor equivale às exportações de frango), produtos siderúrgicos, aparelhos transmissores e receptores, motores, geradores, bombas, rolamentos, engrenagens, etc. Em resumo, um conjunto bastante desequilibrado, em que o Brasil é claramente deficitário em termos de incorporação de intensidade tecnológica e de valor econômico.
Em síntese, trata-se do resultado de uma opção política e de projeto de País. Caso o desejo seja realmente o de continuar reproduzindo o modelo ultrapassado da divisão internacional do trabalho, aí não há muito o que mudar. Basta deixar o sistema operando no automático, que nós vamos cada vez mais continuar exportando minério de ferro de ferro e importando produtos siderúrgicos elaborados, para ficar apenas na imagem emblemática do caminho sem futuro. 
No entanto, há outras alternativas. O Brasil tem muitas das condições necessárias para se converter em nação mais autônoma, com maior nível de desenvolvimento industrial internalizado. Espaço físico de um País de dimensões continentais. Contingente populacional de quase 200 milhões, que permite um ganho de escala para o atendimento de suas necessidades internas. Uma multiplicidade de biomas, a reserva estratégica da Amazônia (verde e azul) e um fenomenal potencial estratégico de água. Uma costa demais de 8 mil km de extensão. O que falta é a vontade política de utilizar esses elementos favoráveis na afirmação de um projeto de nação independente.
Além disso, não há mais espaço para aquelas teorias absurdas da “vocação natural exportadora dos países” do Terceiro Mundo. A médio e longo prazos o caminho passa, entre outros aspectos, por investimento pesado em educação e ciência e tecnologia, sem falar na implementação de um modelo efetivo de distribuição de renda e de redução das desigualdades sociais, econômicas e regionais. Mas a persecução de tal objetivo passa também, no curto prazo, por esquecer algumas decisões incompreensíveis e absurdas, como a que começa a esboçar a direção da Petrobrás, ameaçando abandonar a opção de priorizar a compra de equipamento nacional em suas operações industriais. Afinal, o importado é mais barato...
E, por fim, o mais importante de tudo: o governo deve alterar urgentemente a política cambial, de forma a reverter a atual tendência à valorização artificial de nossa taxa de câmbio em relação às demais moedas importantes no mundo. Para com isso conseguirmos estimular as exportações brasileiras de maior conteúdo de valor e reduzir a invasão desproporcional de bens industriais estrangeiros. Como tudo, trata-se de mais um ato que exige vontade e coragem políticas da parte de nossos governantes.
(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior, 27/01/2011

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