quinta-feira, setembro 17, 2015

A financeirização caracteriza a política do capitalismo neoliberal tardio


Financeirização, o ácido que corrói a democracia

Michael Peters argumenta que a dívida tornou-se um procedimento sofisticado de domesticação populacional na contramão de uma postura mais ética

Por: Márcia Junges e Ricardo Machado | Tradução Walter O. Schlupp

Ao pensarmos a biopolítica devemos compreender as radicais mudanças entre o que o conceito representava na Grécia Antiga, depois na Modernidade com o renascimento e, contemporaneamente, em um espaço global marcado pelo neoliberalismo. “O nascimento da biopolítica assume uma forma mais radical com o neoliberalismo como racionalização do governo via meios econômicos, em que sujeitos com direitos são obrigados a ser livres, isto é, fazer opções dentro de um estado limitado onde o bem-estar é reduzido ou modificado a cada viravolta do mercado ou de arranjos semelhantes a mercado”, analisa o professor pesquisador Michael Peters, em entrevista por e-mail àIHU On-Line.
Disto decorre que a relação credor-devedor, longe de ser uma mera operação econômica, trata-se de um processo ético e político capaz de criar um “novo” tipo de sujeito social: o endividado. “Dívida tem prioridade sobre a troca, ao se passar a entender que o capitalismo financeiro e a economia da dívida neoliberal se baseiam e atuam por meio da produção moral de indivíduos endividados. O neoliberalismo é o mecanismo de controle mais eficiente que, através de dívida, mantém sob controle a resistência por parte dos trabalhadores e estudantes”, pondera o professor. “A financeirização é uma nova modalidade de subjetividade que cria normas e valores que estruturam a nossa vida diária. Um aspecto dominante é seu elemento especulativo, onde cada vez mais os cidadãos comuns ‘jogam nos mercados’”, avalia. Ao pensar a situação das populações da União Europeia – UE, Michael Peters critica. “A política financeira e os interesses que impelem o processo financeiro muitas vezes são implementados por organismos não diretamente eleitos pelos cidadãos da UE, nem responsáveis perante eles. O pacto de crescimento, o pacto para o euro e os diferentes memorandos de entendimento parecem sacrificar a soberania fiscal, necessariamente comprometendo também a possibilidade de qualquer cosmopolitismo democrático.”
Michael Peters é doutor em Filosofia da Educação pela University of Auckland, Nova Zelândia. É professor de Educação na University of Illinois. É editor de "Educational Philosophy and Theory" (Blackwell) e "Policy Futures in Education and E-Learning". 
No dia 22-09, às 9 horas, no Anfiteatro Pe. Werner, o professor apresenta a teleconferência A Biopolítica Pós-Colonial no Império do Capital: Linhas foucaultianas de investigação nos Estudos Educacionais, evento que integra a programação do XVII Simpósio Internacional IHU / V Colóquio Latino-Americano de Biopolítica | III Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação. Saberes e Práticas na Constituição dos Sujeitos na Contemporaneidade
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que consiste a biopolítica pós-colonial no Império do Capital?
Michael Peters - "Biopolítica pós-colonial no Império do Capital" foi o título de uma palestra que dei no ano passado em Bogotá, na Colômbia, numa conferência sobre Foucault  organizada pelo professor Carlos Noguera. Usei esse título sintético para sinalizar três linhas de pesquisa segundo Foucault que eu achei mais significativas, especialmente na última década. Tentei rastrear os seguintes pontos: o discurso do pós-colonialismo que data de Edward Said;  a noção de biopolítica na obra de Giorgio Agamben;  e o modo pelo qual Antonio Negri  e Michael Hardt  usam Foucault no seu trabalho. Em cada caso, temos um grande e importante teórico que deu início a um novo discurso e inventou uma nova linguagem para falar sobre o mundo, mas que ainda deve algo a Michel Foucault. 
Edward Said
Said foi significativamente influenciado por Foucault em sua compreensão do colonialismo como discurso, sendo que o trabalho de Foucault sobre a ordem do discurso proporcionou a ele os meios para analisar as relações de poder que existem no Orientalismo: a construção discursiva do Ocidente sobre o Oriente, a qual nos diz muito sobre o Ocidente e sua imagem distorcida. Enquanto o próprio Foucault escreveu surpreendentemente pouco sobre o colonialismo, seus métodos podem ser fácil e proveitosamente aplicados: o colonialismo é o exemplo paradigmático de um sistema de biopolítica que se transformou ao longo dos anos. 
Agamben
Pensando na América Latina e na variação histórica nos processos coloniais entre a Espanha e Portugal, pode-se argumentar que o sistema colonial, como o "campo" de Agamben, envolveu a própria substância do controle da "vida, morte e cópula", como T.S. Eliot  diria, [ou seja], sobre todos os aspectos da vida e da morte. Ao mesmo tempo, a biopolítica do colonialismo passou por muitas transformações diferentes durante sua história de 500 anos na América Latina. No entanto, podemos dizer que abordagens da biopolítica nos ajudam a entender o funcionamento de administrações coloniais.
Antonio Negri e Michael Hardt
Negri e Hardt, em comparação, examinaram formas de capitalismo pós-moderno e as maneiras pelas quais o neoliberalismo serve para inventar e sustentar novas formas de autocapitalização, onde tudo, inclusive o trabalho, é teorizado no lado do capital. Eles também falam com mais otimismo sobre os bens comuns e o desenvolvimento do trabalho imaterial.
Biopolítica pós-colonial no Império do Capital era, então, um termo complexo que incluía três conceitos e três conjuntos de teóricos para resumir as pistas mais promissoras na pesquisa baseada no trabalho de Foucault que leva a uma melhor compreensão do nosso mundo contemporâneo e sua emergência em algo diferente. Na verdade, também fornece um meio para falar sobre os últimos 500 anos da história do mundo de uma forma que Foucault ignorava — a história dos Outros do Ocidente —, história do mundo como história do colonialismo enquanto lógica dominante para tipos evolutivos de ordem mundial. Eu naturalmente não estou dizendo que esta é uma história sem consequências para hoje; implícitas nas relações coloniais são as sementes de instituições de hoje; implícitos no arranjo político são modelos de administrações do Estado, formas de educação moderna, sistemas de transporte destinados a explorar recursos, atitudes sociais, sistemas de classe e assim por diante. Biopolítica realmente serve como abordagem que pode abarcar toda a transformação dos sistemas mundiais.

IHU On-Line - Quais as relações que podemos estabelecer entre a biopolítica num mundo globalizado e a governamentalidade neoliberal?
Michael Peters - Devemos lembrar que as preleções de Michel Foucault no Collège de France sobre Governamentalidade Neoliberal foram intituladas "O Nascimento da Biopolítica", onde ele discute o liberalismo pós-guerra alemão e a reconstrução da economia alemã, de um lado, e o liberalismo da escola de Chicago e o desenvolvimento da teoria do capital humano sob Gary Becker,  por outro. Governamentalidade é um conceito que Foucault usa para analisar a "arte de governar" — racionalidade do governo — com base na produção da subjetividade dos cidadãos, direcionada para o controle biopolítico das populações. Foucault utiliza esse conceito para analisar a sociedade grega antiga, a modernidade e sua forma mais recente na roupagem do neoliberalismo. Ele se refere a um novo tipo de poder exercido pelo Estado para produzir cidadãos autônomos (auto significando si-mesmo, nomos significando lei), ou seja, cidadãos autorreguladores. O nascimento da biopolítica também se ocupa do nascimento do Estado moderno e com a introdução de uma nova forma de conhecimento chamada economia política, que se torna a base para o controle do Estado sob o neoliberalismo.
Nascimento da biopolítica
O nascimento da biopolítica assume uma forma mais radical com o neoliberalismo como racionalização do governo via meios econômicos, em que sujeitos com direitos são obrigados a ser livres, isto é, fazer opções dentro de um estado limitado onde o bem-estar é reduzido ou modificado a cada viravolta do mercado ou de arranjos semelhantes a mercado. Isso envolve a "responsabilização" dos indivíduos, tornando-os responsáveis por si mesmos mediante ênfase sobre a escolha individual na praça. Excelente exemplo disso é o desenvolvimento da teoria do capital humano por Schultz e mais tarde por Becker, da terceira geração da Escola de Chicago,  fornecendo uma análise de educação, crime, casamento e bem-estar social em termos de capital humano, responsabilizando os cidadãos por cuidarem de si próprios, deixando o Estado livre para privatizar todos os ativos estatais, permanecendo como legislador ou regulador do sistema dentro do qual a escolha é exercida [pelo cidadão]. Parece que não há fim para este processo: primeiro, as empresas estatais, depois os ativos estatais são privatizados; segundo, o Estado do bem-estar social [welfare state] é desmontado e as instituições sociais são privatizadas parcial ou completamente; terceiro, parcerias público-privadas são vistas como meio de inserir a lógica da privatização mais fundo no tecido social.
O capital humano, primeiro sugerido por Becker em 1962, muda de investimento do Estado no indivíduo para investimento do indivíduo em si mesmo, com base no tedioso argumento de que a educação, especialmente nos níveis superiores, não é um bem público, mas privado; ou seja, [trata-se de] ganho individual mais para seu próprio avanço com base na educação, sendo que as coisas exteriores [externalities] são mínimas e difíceis de se medir.

IHU On-Line - Como podemos compreender o paradoxo entre o aprofundamento da biopolítica e da governamentalidade e os limites que se apresentam à autonomia do sujeito em nosso tempo?
Michael Peters - Esta análise leva naturalmente à sua terceira pergunta. É fácil ver-se a aplicação do argumento de Foucault, especialmente nos países ocidentais que se afastaram do ensino universitário livre para autofinanciamento e financeirização dos estudantes conduzidos pelo consumidor, onde os alunos assumem dívida para frequentar a universidade e ficam endividados ao longo de seu estudo e carreira. Atualmente, a dívida dos estudantes, por exemplo, nos EUA, expandiu-se para mais de US$ 1,3 trilhão, a segunda maior forma de 'hipoteca' depois da habitação e maior do que a atual dívida no cartão de crédito. Neste sentido, o neoliberalismo em sua última fase, desde meados da década de 2000, representa uma nova etapa na evolução do capitalismo enquanto desenvolvimento da financeirização e da sociedade da dívida. A relação credor-devedor torna-se um processo ético e político de criação de sujeitos endividados e, portanto, de criar um certo tipo de subjetividade com o nascimento da cultura de financiamento. Dívida tem prioridade sobre a troca, ao se passar a entender que o capitalismo financeiro e a economia da dívida neoliberal se baseiam e atuam por meio da produção moral de indivíduos endividados. O neoliberalismo é o mecanismo de controle mais eficiente que, através da dívida, mantém sob controle a resistência por parte dos trabalhadores e estudantes.

IHU On-Line - Em que consiste a economia biopolítica da dívida? Qual é a importância do mecanismo da dívida no capitalismo financeirizado?
Michael Peters - Tanto para as sociedades quanto para os indivíduos, a economia biopolítica da dívida leva a que a dívida e as finanças substituam a força de produção sob o capitalismo industrial, onde a economia global acaba se estruturando em torno de crédito e taxas de crédito. Assim, a atual batalha da Grécia é um exemplo paradigmático de como os direitos e a democracia são dominados por relações de crédito e débito, por decisões tomadas pelos grandes bancos e agências internacionais que emprestam enormes quantias. Como indica David Graeber  (2011) em Debt: The First 5,000 Years [Dívida: Os Primeiros 5000 Anos]:
Todos os estados-nação modernos são construídos sobre gastos deficitários. Dívida passou a ser a questão central da política internacional. Mas ninguém parece saber exatamente o que é, ou como pensar sobre isso... Se a história mostra alguma coisa, é que não há melhor maneira de justificar relações fundadas na violência, para fazer tais relações parecerem morais, do que reformulando-as na linguagem da dívida-acima-de-tudo, porque isso imediatamente faz parecer que é a vítima que está fazendo algo errado (p. 6).
Na Islândia vimos um certo padrão emergindo, em seguida, nos países mediterrâneos europeus Espanha, Irlanda, Portugal, Chipre e Grécia. A crise financeira levou à reestruturação dos bancos, a seus formidáveis resgates pelos governos e às políticas de "austeridade", onde os benefícios sociais são reduzidos, a idade da aposentadoria é aumentada, e a educação, privatizada. O centro global real é naturalmente Wall Street e a City de Londres, que fixam as taxas interbancárias e têm sido condenadas por fraude maciça após a desregulamentação do setor financeiro. O último empréstimo de US$ 85 bilhões para a Grécia, argumentam muitos economistas, servirá para pagar os empréstimos existentes, e sem crescimento e com desemprego elevado, há pouca probabilidade de se colocar a dívida nacional e do governo sobre uma base sustentável.

IHU On-Line - A partir da contribuição de Nietzsche em "A Genealogia da Moral", como se apresentam hoje as novas modalidades de subjetivação em conexão com uma economia geral da dívida?
Michael Peters - A grande contribuição de Nietzsche é a de ter previsto [sic] a antiga conexão entre dívida, culpa e moralidade da punição enquanto pagamento. Diz ele que [o termo alemão para] "culpa" [Schuld] foi derivado de "dívida" [Schulden], e "punição" tornou-se "pagamento", da época do "sujeito legal" no mundo antigo. Seria o prazer do credor, que pode exigir toda espécie de condições para, finalmente, tomar o que lhe agrada, até mesmo tendo, de certa forma, prazer com a violação do endividado? O conceito moral de obrigação, juntamente com a culpa, a consciência e o dever, têm seu início nesta relação contratual, marcada com sangue e tortura. Dívida torna-se uma nova forma de subjetividade. Devemos perguntar quais formas assume o sujeito endividado e como isso configura formas de relação de poder onde a economia moral é a base da economia geral. Podemos ver isso na criação de prisões para devedores nos dias de hoje, onde pessoas pobres são detidas e encarceradas por inadimplência.

IHU On-Line - Em que medida podemos falar de uma financeirização que atinge todos os setores de nossa vida? Quais são suas implicações fundamentais?
Michael Peters - A financeirização da vida começou com o surgimento do cartão de crédito no início dos anos 1950, mas tornou-se extremamente importante em nossa vida como meio de se viver: comprar mantimentos ou mesmo qualquer mercadoria, determinar as taxas de crédito [sic], tomar empréstimos, investir em si mesmo na educação, etc. O cartão de crédito é um método de pagamento baseado na promessa de pagamento. Crédito tornou-se um método de crédito rotativo e, em meados da década de 1960, tinha-se tornado uma característica arraigada de nossas vidas. Na década de 1990 o cartão de crédito era um fenômeno global e agora vemos os primeiros passos rumo a cartões digitais. Claro que todos nós sabemos das consequências de não pagar a dívida, a qual, com juros elevados, pode levar à falência. É uma característica necessária da sociedade de consumo. O cartão de crédito representa apenas um aspecto da financeirização. A financeirização é uma nova modalidade de subjetividade que cria normas e valores que estruturam a nossa vida diária. Um aspecto dominante é seu elemento especulativo, onde cada vez mais os cidadãos comuns "jogam nos mercados." Acabamos de ver as consequências disso com o mercado de ações interno chinês, onde a volatilidade levou a um declínio de US$ 3 trilhões em pouco mais de três semanas. Cada vez mais, novos instrumentos financeiros são inventados, como o surgimento de derivativos financeiros. 
Economia real e economia financeira
Tem-se uma ideia do poder desses sistemas ao se fazer uma comparação entre a economia real produtiva (cerca de US$ 70 trilhões de dólares na escala global) e o mercado de derivados financeiros (US$ 1,3 quatrilhão, cerca de 10 a 14 vezes mais que o PIB mundial). Capital entra na esfera privada, que gira em torno de lucrar com finanças em vez de ativos ou de trabalho próprio de cada um. Negociar títulos lastreados em hipotecas leva à financeirização da casa. O risco torna-se um modo de ser, uma forma de cálculo diário, medido em termos de altos e baixos do mercado de ações ou [em termos] dos próprios fundos de pensões. Chegamos a entender imóvel como investimento e uma forma de capital, ao invés de uma casa, e negociamos para cima ou para baixo. A dívida das famílias é delicadamente equilibrada conforme usamos débito e crédito como meio de prover educação e aposentadoria futura.

IHU On-Line - A partir do conceito de economia da dívida, como analisa a hegemonia da economia sobre a política em nosso tempo? 
Michael Peters - Esta é uma questão importante, porque as obrigações de dívida internacionais, encargos, reestruturação, consolidação escapam das exigências da democracia em nível mundial e conflitam com a vontade das pessoas em nível local. Bancos e agências internacionais de crédito, que atuam em concerto, interferem com as estruturas democráticas nacionais, ignorando as pessoas e passando por cima de governos que tenham atrasado pagamentos. 
Chipre
Por exemplo, a crise de Chipre estava fortemente relacionada a um tipo de capitalismo financeiro neoliberal que é cosmopolita, mas não democrático. A orientação de Bruxelas sempre tem visado o pacto para o euro, que aponta o caminho para a austeridade fiscal institucionalizada, dando prioridade ao pagamento das dívidas. Esses objetivos monetizados também ajudam a desestabilizar a negociação salarial coletiva e a promover cortes nos gastos públicos e nas pensões. Na crise espanhola, a estratégia de austeridade da União Europeia - UE mais parecia ser socorro [bailouts] para os bancos privados mediante garantias estatais para saldar a dívida para com credores estrangeiros, em detrimento de seus próprios recursos [estatais]. 
Esta é uma visão ético-política em que interesses financeiros têm conseguido uma espécie de aprisionamento institucional com a finalidade de socializar as perdas de bancos privados. A política financeira e os interesses que impelem o processo financeiro muitas vezes são implementados por organismos não diretamente eleitos pelos cidadãos da UE, nem responsáveis perante eles. O pacto de crescimento, o pacto para o euro e os diferentes memorandos de entendimento parecem sacrificar a soberania fiscal, necessariamente comprometendo também a possibilidade de qualquer cosmopolitismo democrático. Esta é uma receita para agitação social com forte sentimento anti-UE entrar no discurso político dominante, acompanhada do desejo de autonomia econômica local. Isto certamente também pode ser analisado em termos de sentimentos cosmopolitas com componente ético-político, particularmente quando esses sentimentos populares acabam punindo a relação com o resto da Europa.
América Latina
Na América Latina, a crise da dívida na década de 1980 — a década perdida — também demonstrou o que acontece quando a dívida externa excede a capacidade de ganho e a capacidade de pagamento da dívida. Eu gostaria de ouvir de estudiosos brasileiros se o enorme empréstimo estrangeiro utilizado para financiar a industrialização foi uma estratégia sensata. Essa dívida inchou por um fator de quatro em menos de uma década. Quanto eu saiba, as rendas caíram, o desemprego aumentou, o crescimento estagnou e a inflação brasileira subiu para níveis perigosos. Hoje, a presidente Dilma Rousseff enfrenta uma dívida externa cada vez maior, de quase US$ 350 bilhões, numa combinação de altas taxas de juros e uma taxa crescente de inflação, atualmente acima de 8%. Juntamente com a desaceleração na China (maior parceiro comercial do Brasil) e na Rússia, isso leva os críticos a reavaliar o potencial dos mercados emergentes, dos quais se esperava que "salvassem" o Ocidente, e a refletir sobre o futuro papel dos BRICs. 
Nessas situações de crise financeira, a democracia facilmente pode ser suspensa, revogada ou podada com legislação de emergência. Quão robusta a democracia moderna é perante a finança internacional é uma questão interessante, inclusive porque operam em diferentes ciclos de tempo: uma é instantânea, a outra reage num ciclo eleitoral.

IHU On-Line - Que formas políticas e de resistência surgem a partir do cenário de desterritorialização da dívida?
Michael Peters - A resistência à dívida como movimento popular está aumentando em todo o mundo, motivada pela prepotência, pela natureza fraudulenta de boa parte do sistema bancário internacional, e pela injustiça da dívida com seus cronogramas de amortização. Por exemplo, a Rede Cidadã para Fiscalização da Dívida Internacional – ICAN,  com seu slogan "Não devemos — Não pagamos", entende dívida como mecanismo central do sistema capitalista, que "representa uma ameaça para ativos monetários, mas também baseia seu crescimento no abuso da força de trabalho, da natureza, na violação dos direitos humanos, na conquista de países 'em desenvolvimento' e na relegação do trabalho frustrante a determinados setores, com discriminação de gênero". Trata-se de um movimento internacional antidívida e antiausteridade. Existem muitos movimentos específicos, inclusive o movimento antidívida-de-estudantes nos EUA, além de um número cada vez maior de movimentos internacionais que associam a questão da dívida a apelos por justiça social.  

IHU On-Line - Em que aspectos a recusa do pagamento das dívidas a países credores é uma forma de resistência contra um dispositivo de poder econômico? Nesse sentido, como analisa o caso da Grécia?
Michael Peters - A recusa em pagar a dívida era central para a estratégia da esquerda na Grécia. Um relatório recente do parlamento grego argumenta em termos inequívocos:
Todas as provas que apresentamos neste relatório mostram que a Grécia não só não tem a capacidade de pagar essa dívida, mas também não deve pagar essa dívida; em primeiro lugar, porque a dívida resultante do regime da Troika é uma violação direta dos direitos humanos fundamentais dos moradores da Grécia. Assim, chegamos à conclusão de que a Grécia não deve pagar essa dívida, porque é ilegal, ilegítima e odiosa. 
Muitos economistas têm argumentado sistematicamente que o alívio da dívida tem que ser uma parte importante da recuperação econômica da Grécia. A situação está muito fluida. Como se sabe, o primeiro-ministro Alexis Tsipras pediu novas eleições, a fim de debelar a revolta em suas próprias fileiras e reforçar o apoio ao programa de resgate. Muitos dentro de Syriza  estão questionando sua meia-volta.
Resultado das eleições
Seja qual for o resultado das eleições, uma questão candente é a insustentabilidade da dívida grega e sua incapacidade de pagar, o que sugere que o problema não vai desaparecer e que agora é estrutural, no sentido de que ele não vai ser resolvido pelos resgates em curso. Infelizmente os abutres estão esperando para comprar ativos estatais gregos a preço de banana. Entretanto, os problemas da Grécia não são exclusivos — eles são parte de um problema maior de uma cultura financeira global emergente caracterizada por risco, incerteza, especulação e volatilidade, o que significa que, com a mesma rapidez com que um mercado cai, de repente pode subir novamente montado numa nova bolha. Volatilidade marca o mercado financeiro global, e suas consequências estão castigando a população local, que pode perder tudo muito rapidamente e só conseguirá existir precariamente na marginalidade.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Michael Peters - Num artigo que escrevi alguns anos atrás, “The Crisis of Finance Capitalism and the Exhaustion of Neoliberalism” ["A Crise do Capitalismo Financeiro e o Esgotamento do Neoliberalismo"], relacionei o seguinte:
O colapso sistemático das instituições financeiras globais é, em parte, resultado de uma série de problemas inter-relacionados, que evidenciam as numerosas dimensões da crise do capitalismo financeiro e o esgotamento do modelo neoliberal de desenvolvimento:
1. O fracasso e subsequente recapitalização, nacionalização ou resgate de grandes bancos, o que suscita uma era de "política de austeridade" na Europa;
2. O enorme crescimento do mercado global de derivativos e consequente expansão excessiva dos sistemas bancários nacionais em comparação com a "economia produtiva";
3. O aumento dos níveis insustentáveis de dívida soberana e nacional, resultando em sequestro [de bens de inadimplentes] e políticas de flexibilização quantitativa nos Estados Unidos;
4. A tentativa feita de regulamentar as estratégias de evasão fiscal por parte das empresas multinacionais;
5. A evasão fiscal por indivíduos ricos num sistema de paraísos fiscais e trustes internacionais;
6. O excesso de bônus e ações preferenciais dadas aos CEOs, mesmo quando houve mau desempenho;
7. A forma como a UE (agindo junto com o Banco Central Europeu e o FMI) exerceu pressão fiscal e econômica considerável sobre os governos democraticamente eleitos no sentido de mudar as políticas;
8. O rápido crescimento das novas tecnologias da informação, que produz uma nova complexidade mundial de negociação de alta frequência (HFT) a uma velocidade que escapa do controle eficaz ou regular das agências nacionais e regionais;
9. A perda de confiança e o desalinhamento dos incentivos no âmago da cultura financeira dos mercados de ações;
10. A cultura fraudulenta e criminosa nos níveis mais altos da indústria financeira, onde se inclui a manipulação deliberada da taxa de câmbio Libor, com poucas condenações penais, exceto para esquemas Ponzi e corretagem de insider. 
Posteriormente, escrevi um artigo intitulado “Speed, Power and the Physics of Finance Capitalism” ["Velocidade, Potência e a Física do Capitalismo Financeiro"], onde observei:
A financeirização caracteriza a política do capitalismo neoliberal tardio, permitindo-lhe extrair valor dos bens comuns: invadir a previdência social e o seguro-saúde, privatizar a educação e infraestrutura, monetizar a medicina e o seguro médico, hipotecar maciçamente a dívida dos estudantes, confiscar fundos dos depositantes, tirar recursos das empresas estatais. Estas todas são as formas de enclausuramento [enclosure] que permitem uma pequena mas poderosa minoria saquear o bem comum, da mesma forma como essa elite global saqueou a riqueza pessoal da maioria via bolha imobiliária, com enorme queda nas posses de todas as famílias, exceto de muito, muito poucos. O capitalismo das finanças impõe-se ao capitalismo industrial, mas o que se impõe ao capitalismo financeiro? Esta é a primeira crise planetária de tal magnitude global e está ligada intimamente a uma crise ecológica, social e de desemprego mais ampla. Tanto a escala quanto a velocidade de seu desenvolvimento inexorável pode indicar que nada consegue salvar o sistema, e as coisas devem continuar assim até o colapso final inevitável.  


quarta-feira, setembro 09, 2015

retornemos às palavras dos índios Guarani e Yanomami, que justificam porque estão preocupados com o futuro da humanidade

O fogo da morte no corpo da terra

"Os Guarani e os Kaiowá têm conexão direta com os territórios específicos, consideram-se uma família só, dado que o território é visto por estes indígenas como humano. Eles possuem um forte sentimento religioso de pertencimento ao território, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão religiosa de que foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo", escreve Ruben Caixeta, citando Tonico Benites, em artigo publicado originalmente no catálogo da edição 2012 do Festival do Filme Documentário e Etnográfico e reproduzido por Pise A Grama.
Ruben Caixeta é antropólogo e professor da UFMG, cofundador e coorganizador do forumdoc.bh - Festival do Filme Documentário e Etnográfico.
Eis o artigo.
Enquanto comemoramos os 20 anos de demarcação da Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, constatamos a luta desesperada dos índios Guarani Kaiowá pela sobrevivência num pequeno pedaço de terra no Mato Grosso do Sul. Nos últimos meses fomos sacudidos e chocados por imagens e palavras: de um lado, a terra nos era mostrada como um “ente vivo” que merece respeito e cuidado dos humanos; de outro, a terra era reduzida a objeto a ser usado e transformado em mercadoria pelo homem.
Num artigo publicado em outubro de 2012, José Ribamar Bessa Freire conta-nos que os Guarani, no primeiro século da era cristã, saíram da região amazônica, onde viviam, e caminharam em direção ao sul do continente. Dois mil anos depois, um italiano, nascido em 1948 na Toscana, atravessou o oceano Atlântico com sua família, veio para Porto Alegre, de lá para Curitiba, se naturalizou brasileiro e se instalou, finalmente, no Mato Grosso do Sul, onde encontrou os Guarani, que lá estavam há quase 2 milênios. O italiano, André Puccinnelli, recém-chegado, se tornou governador do Estado em 2007.
A partir de 1915, os índios do Mato Grosso do Sul começaram a ver seus espaços restringidos a pequenas reservas pelo Estado brasileiro, através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), para que as terras indígenas fossem disponibilizadas em prol do avanço das frentes de colonização pastoril e agrícola. Tal como o governador André Puccinnelli, os fazendeiros, pecuaristas e agronegociantes que chegaram ao Mato Grosso do Sul e ocuparam as terras dos índios eram, na sua maioria, provenientes dos estados do sul.
O confinamento dos Guarani em pequenas reservas se intensificou nos anos de 1970: alguns deles foram parar em acampamentos em beiras de estrada, outros se dispersaram no meio dos brancos ou em terras estrangeiras, enquanto aumentavam as fazendas de gado, plantações de cana, soja e outras lavouras de grande extensão.
Numa carta de 17 de março de 2007, os professores e líderes Kaiowá disseram: “o fogo da morte passou no corpo da terra, secando suas veias. O ardume do fogo torra sua pele. A mata chora e depois morre. O veneno intoxica. O lixo sufoca. A pisada do boi magoa o solo. O trator revira a terra. Fora de nossas terras, ouvimos seu choro e sua morte sem termos como socorrer a Vida.” Um aluno Guarani de José Ribamar Bessa, ao entrevistar um velho guarani daaldeia de Cantagalo, ouviu o seguinte depoimento: “Esta terra que pisamos é um ser vivo, é gente, é nosso irmão. Tem corpo, tem veias, tem sangue. É por isso que o Guarani respeita a terra, que é também um Guarani. O Guarani não polui a água, pois o rio é o sangue de um Karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não percebe. É uma pessoa, tem alma. Quando um Guarani entra na mata e precisa cortar uma árvore, ele conversa com ela, pede licença, pois sabe que se trata de um ser vivo, de uma pessoa, que é nosso parente e está acima de nós”.
Os índios Guarani Kaiowá têm sofrido a violência na pele. Os números são alarmantes. Segundo um relatório doConselho Indígena Missionário (CIMI), entre 2003 e 2010 foram assassinados 452 indígenas no Brasil, sendo 250 deles só no Mato Grosso do Sul. Segundo o Mapa da Violência, elaborado pelo Instituto Sangari e pelo Ministério da Justiça, a proporção de suicídios no país é de 4,9 para 100 mil pessoas – número que é 6 vezes maior entre a população indígena do estado do Amazonas e 34 vezes maior entre a população indígena do Mato Grosso do Sul. Entre a população jovem indígena, a taxa de suicídio chega a 446 casos para 100 mil pessoas no Mato Grosso do Sul.
Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a taxa de 12,5 para cada 100 mil pessoas é muito elevada. A conclusão é de que os índices de suicídios dos indígenas no Mato Grosso do Sul “não têm comparação nem no contexto internacional entre os países com taxas de suicídio consideradas trágicas; não resta dúvida de que, neste campo, deveríamos ter condições de formular, de forma rápida e emergencial, políticas e estratégias em condições de enfrentar esse flagelo”.
Enquanto tais políticas não são formuladas e muito menos colocadas em prática pelo Estado, os índios Guarani Kaiowá, desesperados, enfrentam a bala e o poder político e econômico dos fazendeiros num movimento de reocupação de suas terras. Na última década, de forma mais intensa, os Guarani prepararam-se para voltar a habitar as margens de cinco rios: BrilhantesDouradosApaIguatemi e Hovy. Foi o que fez um grupo de 170 índios Kaiowá, que ocuparam há cerca de um ano e meio 2 hectares de mata na beira do rio Hovy, no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul. O lugar é denominado por eles Pyelito Kue-Mbarakay, que significa na língua guarani “terra dos ancestrais”.
No mês de setembro de 2012, o juiz federal Sergio Henrique Bonacheia determinou a expulsão dos indígenas da terra reocupada, alegando que não importava “se as terras em litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima”.
Esse foi o estopim para que os Guarani Kaiowá se mobilizassem e escrevessem uma carta, que teve ampla circulação nas redes sociais, na qual declaravam o desejo de resistência e, ao mesmo tempo, escancaravam as intenções da “nossa” justiça e do nosso tipo de sociedade hegemônica: se seriam de fato expulsos de suas terras, marginalizados em alguma beira de estrada, considerados irrelevantes ou obstáculos ao “progresso e ao desenvolvimento”, então que os fazendeiros e a justiça assumissem sua real face, sua violência e seu desprezo. Eis duas passagens da carta:
1) “(…) avaliamos a nossa situação e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos acampados a 50 metros do rio Hovy, onde já ocorreram quatro mortes, sendo que dois morreram por meio de suicídio e dois em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de 1ano, estamos sem assistência nenhuma, isolados, cercados de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia a dia para recuperar o nosso território antigo Pyelito kue-Mbarakay”.
2) “(…) ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais”.
Depois dessa mobilização, a ordem de despejo foi cancelada ou adiada. O governo corre de um lado para o outro para evitar que a violência manche sua imagem. Não se discute nem se vislumbra tocar nos pontos essenciais que permitem tal violência: o modelo de desenvolvimento em curso, a estratégia de exportação de bens primários (dentre outros, soja e minérios).
Na lógica do crescimento acelerado, para se incluir o Brasil na órbita central do sistema capitalista e financeiro mundial, é preciso “desentravar” terras ocupadas pelos índios, quilombolas, ribeirinhos ou por todos aqueles que não estão dispostos a se render a qualquer custo ao mercado ou a transformar suas terras, rios e florestas em lagos para hidrelétricas, em plataformas de exploração de minério, em pastos para bois ou em lavouras de cana-de-açúcar e soja. Enquanto isso, o governo pretende “apagar as marcas” da violência do sistema capitalista-desenvolvimentista e acalmar movimentos de base e minoritários ao conceder migalhas financeiras e de poder àqueles órgãos responsáveis por proteger e fazer respeitar os grupos minoritários e os direitos difusos: FunaiFundação Cultural PalmaresSecretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Para defender seus próprios interesses, latifundiários e empresas mineradoras se aliam a uma esquerda caduca e erguem uma bandeira cara à ditadura militar: acusam os índios e seus aliados dos movimentos sociais e ambientalistas de estarem a serviço de uma conspiração internacional contra a soberania da nação. Não sem cinismo, calam-se em relação às grandes multinacionais da exploração mineral, das sementes e defensivos agrícolas. Afirmam que as terras indígenas somam 12 ou 13% do território nacional. Omitem que a maior parte dessas terras está localizada na Amazônia, em região de difícil acesso (e, por enquanto, inacessível à exploração mineral e agrícola), e que, para todo o resto do país, apenas 1,5% das terras foram demarcadas para os índios, sendo que, por exemplo, no Mato Grosso do Sul, onde vive boa parte dos Guarani Kaiowá, o território demarcado para os indígenas representa apenas 0,4% da superfície.
A fome dos ruralistas pela terra não tem limite. Depois da tragédia anunciada pela carta dos índios Guarani de Pyelito Kue-Mbarakay, a presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA)Kátia Abreu, assim escreveu na Folha de São Paulo: “É simplificação irreal e equivocada resumir o drama pelo qual passam os 170 índios da etnia guarani-kaiowá a uma simples demanda por terra. […]
Falar em terra é tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder público. […] Mais chão não dá a ele [ao índio] a dignidade que lhe é subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo.” Como já disse Henyo Barreto, não deixa de ser impressionante como o argumento dos ruralistas é expropriatório: a terra é uma questão e necessidade para eles, não para os índios. Mais do que isso, a senadora Abreu está convicta de que os “empreendedores do setor agropecuário” são vítimas: “ocorre aí uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro, desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e outra atrás”. E faz uma ameaça: “Se for da vontade do governo e do povo brasileiro dar mais terra ao índio, que o façam. Mas não à custa dos que trabalham duro para produzir o alimento que chega à mesa de todos nós”.
O que a ruralista está querendo é que os seus pares sejam indenizados se porventura a terra que eles ocuparam dos índios for revertida para uso dos índios. No entanto ela não pronuncia uma palavra sequer sobre a indenização aos índios pelas mortes, expropriações, migrações forçadas e tantas outras sequelas que lhes foram deixadas pelo “empreendedor” agrícola com a conivência do Estado.
Bessa Freire talvez não imaginasse que estava indo além da metáfora quando disse que a relação que o índio tem com a terra é uma relação de “cuidado”, como se cuida de uma flor, enquanto a relação do colonizador ocidental com a terra pode ser descrita com a analogia do estupro: ela deve ser “desbravada”, “desflorada”, “penetrada”.  Uma reportagem do UOL, no dia 5 de novembro de 2012, ouviu de uma índia guarani de 23 anos, da aldeia Pyelito Kue-Mbarakay, que, no final de outubro de 2012, foi coagida por oito pistoleiros para que ela os levasse até os líderes indígenas, e, como se negou, foi vítima de um estupro coletivo.
Alguns dias depois, no Acre, a Polícia Civil prendia Assuero Doca Veronez, acusado de fazer parte de uma rede de prostituição infantil. Assuerro é o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Acre e foi vice-presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura (CNA), liderada pela senadora Kátia Abreu. A polícia gravou, com autorização judicial, mais de 2,8 mil horas que revelam uma rede intricada de exploração sexual de mulheres, dentre elas meninas entre 14 e 17 anos, sendo que alguns envolvidos chegavam a oferecer mais de R$ 2 mil para ter uma relação sexual com virgens. No dia 5 de novembro de 2012, por determinação do desembargador Francisco Djalma, Veronez foi libertado.
Em julho de 2010, ao lado do ex-governador do Acre, Binho Marques (PT), e dos atuais senadores Jorge Viana (PT) eKátia Abreu (PSD), Assurero Veronez teria dito na inauguração da sede da Federação da Agricultura do Acre: “Eu vejo as imagens da boiada do Acre correndo pelos pastos e eu sinto o meu coração estalar. Eu sinto o peito encher de orgulho e admiração pelo meu país, pelo que nós conseguimos com essa pecuária maravilhosa, construída pelo esforço único e exclusivo dos pecuaristas do Brasil”. E, em seguida, ouvido as elogiosas palavras da amiga Kátia Abreu: “Pode existir alguém no país que conheça de meio ambiente igual ao Assurero. Nunca ninguém mais do que ele. Há 13 anos este homem luta incansavelmente para ver a legislação ambiental modificada. Quero declarar ao Acre a gratidão de 5 milhões de produtores rurais a um acreano de coração, que é o Assurero Doca Veronez”.
A título de contraponto, retornemos às palavras dos índios Guarani e Yanomami, que justificam porque estão preocupados com o futuro da humanidade e porque querem guardar e cuidar bem da terra que lhes foi deixada pelos ancestrais.
Tonico Benites:
Os Guarani e os Kaiowá têm conexão direta com os territórios específicos, consideram-se uma família só, dado que o território é visto por estes indígenas como humano. Eles possuem um forte sentimento religioso de pertencimento ao território, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão religiosa de que foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo. Portanto, eles podem até morrer para salvar a terra. Há um compromisso irrenunciável entre os Guarani e Kaiowá e o guardião/protetor da terra, há um pacto de diálogo e apoio recíproco e mútuo: os Guarani e Kaiowá protegem e gerenciam os recursos da terra e, por sua vez, o guardião da terra vigia e nutre os Guarani e Kaiowá.
David Kopenawa Yanomami:
Se no centro desta cidade [em referência a Nova Iorque, quando por lá passava] as casas são altas e belas, nas suas bordas, elas estão em ruínas. As pessoas que vivem nestes lugares não têm comida e suas roupas são sujas e rasgadas. Quando andei no meio delas, me olharam com os olhos tristes. Isso me dá dó. Os brancos que criaram as mercadorias pensam que são gentes engenhosas e de valor. No entanto, eles são avaros e não têm nenhuma preocupação com aqueles que, dentre eles, são desprovidos de tudo. Como eles podem pensar ser grandes homens e se achar tão inteligentes? Eles não querem saber de nada destes miseráveis que, no entanto, fazem parte deles. Eles os jogam fora e os deixam sofrer sozinhos. Eles nem mesmo os olham, e se contentam, de longe, em lhes atribuir o nome de pobres.
Se destruirmos a terra, será que seremos capazes de recriar uma outra? Quando conheci a terra dos brancos isso me deixou inquieto. Algumas cidades são belas, mas seu barulho não para nunca. Eles correm por elas com carros, nas ruas e mesmo com trens debaixo da terra. Há muito barulho e gente por toda parte. O espírito se toma obscuro e emaranhado, não se pode mais pensar direito. É por isso que o pensamento dos brancos está cheio de vertigem e eles não compreendem nossas palavras. Eles não fazem mais que dizer: “Estamos muito contentes de rodar e de voar! Continuemos! Procuremos petróleo, ouro, ferro!”. O pensamento desses brancos está obstruído, é por isso que eles maltratam a terra, desbravando-a por toda parte, e a cavam até debaixo de suas casas. Eles não pensam que ela vai acabar por desmoronar. Eles não temem cair no mundo subterrâneo. Porém, é assim. Se os “brancos-espíritos-tatus-gigantes” [mineradoras] entram por toda parte sob a terra para retirar os minérios, eles vão se perder e cair no mundo escuro e podre dos ancestrais canibais.
Queremos que a floresta permaneça como é, sempre. Queremos viver nela com boa saúde e que continuem a viver nela os espíritos xapïripë, a caça e os peixes. Cultivamos apenas as plantas que nos alimentam, não queremos fábricas, nem buracos na terra, nem rios sujos. Queremos que a floresta permaneça silenciosa, que o céu continue claro, que a escuridão da noite caia realmente e que se possam ver as estrelas.

o aspecto mais relevante de uma dívida pública é capacidade dela ser paga por quem a criou

Déficit nominal: a falsa polêmica

A existência ou não do tal déficit primário revela-se como um falso debate. A verdadeira questão é a de como o governo balanceará o orçamento.


O governo da Presidente Dilma acaba de entregar ao Congresso Nacional a sua proposta inicial de Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o exercício de 2016. Essa é uma determinação prevista no art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, que fixa o limite de final de agosto para o envio de tal peça pelo Executivo ao Legislativo.

Tendo em vista o ambiente geral de crise econômica e política em que o País se encontra mergulhado, todo e qualquer elemento que encerra algum tipo de dúvida é imediatamente utilizado pelos órgãos de comunicação para amplificar as dificuldades de fato existentes.

O aspecto mais comentado no momento atual refere-se ao fato do governo haver encaminhado aos parlamentares uma proposição orçamentária já incluindo, a priori, um déficit primário nominal. Mas, afinal, qual é o grande problema envolvido em tal estratégia adotada pela equipe econômica? Por que essa iniciativa tem gerado tantas críticas, em particular dos “analistas” vinculados ao financismo e que encontram todo o espaço necessário para se manifestar nos grandes meios de comunicação? Como de pode perceber, o bombardeio é implacável e os editoriais alardeiam a pecha de “irresponsabilidade”, para dizer o mínimo.

Então, vamos por partes. Os conceitos de déficit e superávit nominais estão associados a uma forma específica de abordar as finanças públicas de um país. Na verdade, foi um artifício criado pelo establishment financeiro internacional a partir da década de 1980, quando houve uma explosão das dívidas externas contraídas pelos países em desenvolvimento. Como o aspecto mais relevante de uma dívida pública é capacidade dela ser paga por quem a criou, não importa tanto a dimensão da mesma.

Assim, o fundamental para os detentores dos títulos é ter a segurança de que o credor vai cumprir as cláusulas contratuais, ou seja, a garantia de que ele vai pagar os juros e serviço de forma periódica, tal como previsto inicialmente. Para conferir maior grau de coerção a tal comportamento esperado, foram forjados os conceitos acima mencionados. Como a estrutura de despesa dos estados nacionais comporta um conjunto amplo de gastos, a malandragem articulada pelos representantes do financismo foi desvincular as despesas orçamentárias financeiras das demais, que passaram a ser chamadas de “reais”.

Ao estabelecer a necessidade de que os governos persigam a meta de superávit primário, o sistema financeiro apenas diz que uma política econômica só será considerada “responsável” se apresentar um saldo de receitas mais elevado do que as despesas vinculadas a investimentos, a programas sociais, a pagamento de pessoal e similares. O pagamento de juros e serviços da dívida pública não entra nessa conta de austeridade. Assim, o governo é forçado a realizar um esforço fiscal enorme e obtém recursos sobrantes para assegurar as despesas financeiras. Uma inversão total de prioridades de gasto público, em especial para um país ainda tão carente de infraestrutura e políticas sociais, como o nosso.

Na situação atual, as dificuldades para fechar as contas públicas em equilíbrio estão evidentes. No entanto, não existe apenas uma única opção possível de corte de gastos em programas estratégicos. O ajuste também pode ser obtido por meio de arrecadação de receitas tributárias. Mas o debate foi marcado por uma reação negativa da oposição e de setores da base aliada em aprovar, por exemplo, a volta da CPMF ou outros tributos sobre o patrimônio.  Ao que tudo indica, a estratégia do Executivo foi, então, de compartilhar com o Congresso Nacional a busca de solução. Ao enviar a PLOA com um déficit primário escancarado, abre-se o debate de como cobri-lo.

Ocorre que essa é uma falsa polêmica. O aspecto que importa na questão orçamentária é como se dará a sua execução ao longo do exercício. Muitas vezes, como está acontecendo com 2015, a previsão é bastante otimista, com hipóteses exageradas a respeito de volume de receitas esperadas e despesas realizadas. Com isso, as variáveis não se confirmam ao longo do ano fiscal e o resultado é revelado ao final. Por outro lado, exibir com orgulho e pompa a obtenção de um resultado positivo na lógica do “primário” nada mais significa senão que o governo foi ultra eficiente na sua subserviência aos ditames dos interesses do financismo. Bate no peito com a firme convicção de que fez uma gestão fiscal dita responsável, ao anunciar um superávit primário de x% do PIB. Só não diz à população que isso tem o sentido de transferir as centenas de bilhões de reais envolvidos nessa porcentagem às elites e às instituições do sistema financeiro. O povo que pague essa conta.

O tão alardeado cálculo de déficit nominal envolvido na PLOA/2016 é de R$ 30 bilhões, algo equivalente a 0,5% do PIB. Afinal, nada alarmante para um total de receitas previsto de R$ 1,4 trilhão. Há muitas alternativas possíveis para viabilizar a cobertura de tal diferença. O que se faz necessário é ter a coragem política para enfrentar as resistências oferecidas pelo poderoso cartel da banca e de todos os setores que se acomodaram com a vida fácil do parasitismo rentista.

As informações divulgadas pelo próprio Ministério da Fazenda evidenciam como são tratadas as prioridades no que se refere à condução da política econômica. De um lado, a repetição “ad nauseam” do suposto sacrifício que se impõe a todos os setores da sociedade e a necessidade premente de cortes em saúde, educação, direitos trabalhistas, previdência social, investimentos públicos e por aí vai. E de outro lado, a execução do orçamento assegurando a destinação de recursos para o pagamento de juros da dívida. O Relatório do Tesouro Nacional nos fornece informações inquietantes a esse respeito.

Na tabela relativa ao acompanhamento da evolução do cálculo do superávit primário, a linha que trata do pagamento de juros exibe uma média mensal superior a R$ 31 bilhões, apenas para o período janeiro-junho do presente ano. Vale destacar que o segundo semestre envolverá carga ainda maior desse tipo de despesa. Apenas alguns exemplos: em fevereiro esse tipo de gasto foi de R$ 51 bi, em março foi de R$ 64 bi, em maio foi R$ 44 bi. Ora, ao considerar o gasto com juros considerado “intocável”, a alternativa tecnocrática fica mesmo por conta de redução das rubricas com benefícios previdenciários, que foram responsáveis por uma despesa um pouco maior para o mesmo período.

Realmente, deve ser uma gastança exagerada esses 32 milhões de famílias que são sustentadas com a “fortuna” de um salário mínimo (sm) mensal - situação de quase 70% dos beneficiários do INSS. Caso consideremos a faixa de até 2 sm, a porcentagem chega a 85% do total. Já os beneficiários da política de juros se restringem a uma pequena parcela de nossa população, que também se beneficia do caráter regressivo de nossa estrutura tributária e contribuem com uma carga menor de impostos.

A existência ou não do tal déficit primário revela-se, portanto, como um falso debate. A verdadeira questão é saber como o Congresso Nacional vai enfrentar a necessidade de buscar o equilíbrio nas contas do orçamento. Pode repetir a fórmula até agora utilizada e se manter na distribuição dos cortes nas áreas sociais ou na privatização de patrimônio público. Mas pode também buscar outra solução, chamando os beneficiados do andar de cima a darem a sua contribuição. Seria o caso, por exemplo, de sugerir uma inflexão na política de juros elevados e reativar um tributo nos moldes da CPMF.


* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Fonte: http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Deficit-nominal-a-falsa-polemica/34398

terça-feira, setembro 01, 2015

Culpa e medo têm sido o prato cotidiano que se oferece à sociedade, na abordagem da mudança climática.


A possível Ética do Antropoceno

"Não se trata de censurar os movimentos sociais ou os cientistas pelas denúncias que fazem nem de sugerir que elas sejam atenuadas. Mas, se não forem compreendidas as razões culturais e cognitivas da convivência tolerante com a mudança climática, as chances de avanço serão muito limitadas", escreve Ricardo Abramovay, graduado em Filosofia, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia, em artigo publicado por Outras Palavras, 29-08-2015.
Eis o artigo.
O ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, na chácara onde vive. “É preciso cultivar um conjunto de virtudes que permitirão uma vida significativa, de cooperação social e respeito à natureza”, diz Abramovay.
Para lutar contra mudança climática é preciso mostrar que uma vida digna, porém frugal, pode ser muito mais prazerosa e estimulante que o “conforto” ligado ao consumismo.
A psicologia climática e a filosofia ética convidam os ativistas socioambientais a repensar seu trabalho. A comunicação sobre mudança climática, nos últimos anos, vem enfatizando os eventos extremos, o derretimento das geleiras, as inundações, as secas e um assustador conjunto de catástrofes que já atingem a vida no planeta. Além disso, como o sistema de preços não sinaliza o real custo do que se produz e consome, parte cada vez maior da sociedade tem um padrão de vida que só se mantém por não respeitar os limites ecossistêmicos além dos quais a própria reprodução social está ameaçada.
Culpa e medo têm sido o prato cotidiano que se oferece à sociedade, na abordagem da mudança climática, seja nos comunicados do IPCC, seja na mensagem da esmagadora maioria das organizações não governamentais.
Não se trata de censurar os movimentos sociais ou os cientistas pelas denúncias que fazem nem de sugerir que elas sejam atenuadas. Mas, se não forem compreendidas as razões culturais e cognitivas da convivência tolerante com a mudança climática, as chances de avanço serão muito limitadas.
O problema não está apenas no negacionismo climático e sim na timidez da mobilização social para interromper o caminho desastroso que se está tomando. É aqui que tanto a filosofia ética como a psicologia climática oferecem contribuições decisivas. E estas contribuições, mesmo que se refiram especificamente à mudança climática, são fundamentais para a esmagadora maioria dos temas socioambientais contemporâneos.
São ao menos dois os pontos de convergência entre a filosofia ética e a psicologia climática. O primeiro, enfatizado no indispensável livro de Dale Jamieson [1], tem por eixo a noção de responsabilidade. Mesmo que haja elementos empíricos demonstrando a imensa desigualdade social na ocupação do espaço carbono, é muito difícil conceber o consumo dos bens que dão origem às emissões como moralmente suspeito, no mesmo sentido, por exemplo, de um roubo ou um assassinato. Diferentemente de um roubo ou um assassinato, não há intenção de destruir o sistema climático no ato de consumo e isso não é moralmente irrelevante, por uma razão decisiva para a qual a psicologia climática, segundo o recém-publicado livro de Per Espen Stoknes [2], chama atenção: a culpa e o medo são péssimos conselheiros.
O tiro da culpa e do medo costuma sair pela culatra, mostra Stoknes, sob a forma de uma autojustificação complacente que vai desde o “todos-agem-assim” até a minimização idealizada dos impactos provocados pelo consumo de cada um de nós. Com isso, diz Stoknes, a dissonância cognitiva entre o que dizem os cientistas e as condutas dos indivíduos aumenta. Esse fosso é ampliado tanto pelo interesse de muitas empresas em persistir na oferta de bens e serviços altamente emissores como pela dificuldade de os indivíduos nem sequer vislumbrarem mudanças na maneira como vivem. O que se torna ameaçador, então, é menos a mudança climática do que a chamada para que seu enfrentamento traga alterações nos modos de vida. A inércia no comportamento dos indivíduos e das organizações (privadas e públicas) é especialmente forte quando se trata dos padrões sociais de consumo.
A resposta a este problema, para Jamieson, não está na economia, na atribuição de preços ao uso dos recursosecossistêmicos, mesmo que isso seja, em princípio, importante: “A economia — diz ele — tem muito a dizer sobre incentivos e custos, mas pouco ou nada sobre as finalidades que nós devemos perseguir”. E é por isso que Jamieson se empenha na formulação de uma ética do Antropoceno, um conjunto de virtudes que poderão permitir uma vida significativa, de cooperação social e respeito à natureza, apesar de toda a destruição que marca o mundo atual e que vai marcar seu futuro ainda por muito tempo.
É interessante, aqui também, a convergência com a psicologia climática. Muito mais que a culpa, o medo ou ainformação científica, o principal elemento capaz de fortalecer a mobilização social contra a aceleração da mudança climática é a esperança de que a vida sob uma economia de baixo carbono possa ser melhor do que a propiciada pelo conforto ligado aos atuais padrões de consumo, intensivos em combustíveis fósseis e comprometedores dosecossistemas.
Longe de exprimir crença cega no poder da ciência e da técnica, esta mudança de foco é que vai permitir que ética e política – “como viver uma vida significativa sob o Antropoceno?”, pergunta Jamieson – ocupem centro da luta contra oaquecimento global.
Notas
[1] Reason in a Dark Time: Why the struggle against climate change failed and what it means for our future. Oxford University Press. 2014.
[2] What We Think About When We Try Not to Think About Global Warming. Toward a New Psychology of Climate Action. Chelsea Green Publishing. 2015

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  • O Preço da Coragem
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  • O Som do Coração (August Rush)
  • O Tempo e Horas
  • O Troco
  • O Último Vôo
  • O Visitante
  • Old Guard
  • Olhos de Serpente
  • Onde a Terra Acaba
  • Onde os Fracos Não Têm Vez
  • Operação Fronteira
  • Operação Valquíria
  • Os Agentes do Destino
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  • Os homens que não amavam as mulheres
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  • Password, uma mirada en la oscuridad
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