terça-feira, outubro 29, 2013

Pegada Ecológica e Biocapacidade no Mundo

Consumo insustentável e a falsidade da superpopulação
Publicado em outubro 9, 2013 por Redação

Biocapacidade
 “O impacto da humanidade sobre o sistema que sustenta a vida sobre a Terra não depende simplesmente do número de pessoas que vivem no planeta, mas também do modo em que se comportam. Se considerarmos esse aspecto, o quadro muda totalmente: o problema demográfico existe principalmente nos países opulentos. Na realidade, existem muito ricos.”
A análise é do sociólogo polonês Zygmunt Bauman e da jornalista e pesquisadora mexicana Citlali Rovirosa-Madrazo, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 15-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
“Eles são sempre muitos. ‘Eles’ são aqueles que deveriam ser menos ou, ainda melhor, não ser, justamente. Ao contrário, nós nunca somos o suficiente. De ‘nós’, deveria haver sempre mais”. Eu escrevi isso em 2005, em Vidas Desperdiçadas (Ed. Zahar, 2005). A meu ver, tanto agora quanto então, a “superpopulação” é uma ficção estatística, um nome codificado que indica a presença de um grande número de pessoas que, ao invés de favorecerem o funcionamento fluido da economia, tornam mais difícil alcançar e superar os parâmetros utilizados para medir e avaliar o seu correto funcionamento. Esse número parece aumentar de modo incontrolável, acrescentando continuamente os gastos, mas não os ganhos.
Em uma sociedade de produtores, trata-se de pessoas cujo trabalho não pode ser utilmente (“proficuamente”) empregado, já que é possível produzir sem eles, de modo mais rápido, rentável e “econômico”, todos os bens que a demanda atual e potencial é capaz de absorver. Em uma sociedade de consumidores, essas pessoas são “consumidores defeituosos”: aqueles que não têm recursos para aumentar a capacidade do mercado dos bens de consumo e, ao contrário, criam um outro tipo de demanda, que a indústria orientada aos consumos não é capaz de interceptar e “colonizar” de modo rentável.
O principal ativo de uma sociedade dos consumos são os consumidores, enquanto o seu passivo mais fastidioso e custoso é constituído pelos consumidores defeituosos. Não tenho motivo para mudar de ideia com relação ao que escrevi anos atrás, nem para retirar a minha adesão ao que foi defendido por Paul e Ann Ehrlich. Observamos que se prevê que a “bomba demográfica” da qual os Ehrlich falam explodirá geralmente em territórios de mais baixa densidade de população. Na África, vivem 21 habitantes por quilômetros quadrado, contra 101 na Europa (incluindo as estepes e os “permafrosts” da Rússia), 330 no Japão, 424 na Holanda, 619 em Taiwan e 5.489 em Hong Kong.
Como observou há pouco tempo o vice-diretor da revista Forbes, se toda a população da China e a Índia se transferisse para os EUA continentais, resultaria disso uma densidade demográfica não superior à da Inglaterra, da Holanda ou da Bélgica. Porém, poucos consideram a Holanda um país “superpovoado”, enquanto os sinais de alarme soam continuamente para a superpopulação da África ou da Ásia, com exceção dos poucos “Tigres do Pacífico”.
Para explicar o paradoxo dos “Tigres”, afirma-se que, entre densidade demográfica e superpopulação, não há uma correlação estrita: a segunda deveria ser medida fazendo-se referência ao número de pessoas que devem ser sustentadas com os recursos possuídos por um dado país e à capacidade do ambiente local de sustentar a vida humana. Porém, como indicam Paul e Ann Ehrlich, a Holanda pode sustentar a sua altíssima densidade demográfica só porque muitos outros países não conseguem: nos anos 1984-1986, por exemplo, importaram 4 milhões de toneladas de cereais, 130 mil toneladas de óleos diversos e 480 mil toneladas de ervilhas, feijões e lentilhas – todos produtos que nos mercados globais têm uma avaliação e, portanto, um preço relativamente baixos, permitindo que a própria Holanda produza, por sua vez, outras mercadorias, como leite ou carne comestível, que notoriamente têm preços elevados.
Os países ricos podem se permitir uma alta densidade demográfica porque são centrais de “alta entropia”, que atraem recursos (e principalmente fontes energéticas) do resto do mundo, restituindo, em troca, as escórias poluentes e frequentemente tóxicas, produzidas por meio da transformação (o exaurimento, a aniquilação, a destruição) das reservas mundiais de energia. A população dos países ricos, mesmo sendo bastante exígua (com relação aos padrões mundiais), utiliza cerca de dois terços da energia total.
Em uma conferência de título eloquente (Too many rich people, “Muitos ricos”), proferida na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo (5 a 13 de setembro de 1994), Paul Ehrlich sintetizou as conclusões do livro escrito por ele juntamente com Ann Ehrlich, The Population Explosion, afirmando, sem meios termos, que o impacto da humanidade sobre o sistema que sustenta a vida sobre a Terra não depende simplesmente do número de pessoas que vivem no planeta, mas também do modo em que se comportam. Se considerarmos esse aspecto, o quadro muda totalmente: o problema demográfico existe principalmente nos países opulentos. Na realidade, existem muito ricos.

Fonte: (Ecodebate, 09/10/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

sexta-feira, outubro 25, 2013

Copom eleva juros mais uma vez!

O Comitê de Política Monetária (COPOM) deliberou pelo aumento da taxa SELIC de 9% para 9,5% ao ano.

Durante um mês que foi marcado pelas atenções voltadas para o polêmico leilão do Campo de Libra, o governo acabou logrando promover mais uma vez o aumento da taxa oficial de juros, sem ter provocado muito alarde com a medida. Em sua 178ª reunião, realizada entre os dias 9 e 10 de outubro, o Comitê de Política Monetária (COPOM) deliberou pelo aumento da taxa SELIC de 9% para 9,5% ao ano.
Trata-se da quinta vez consecutiva em que esse “encontro especial” dos integrantes da diretoria do Banco Central (BC) decide por elevar a taxa referencial, contribuindo para a implementação de uma política monetária ainda mais arrochada. A escalada teve início há pouco mais de 6 meses, quando a 174ª reunião de 17 de abril optou pelo aumento de 7,25% para 7,5%. Desde então, a cada reunião ordinária - que se realiza regularmente a cada 45 dias - um novo aumento de 0,5% veio acontecendo. Um desastre para o País, que corre o sério risco de apresentar mais um Pibinho para o ano que se encerra em pouco mais de 60 dias.

SELIC em alta contínua
Os detalhes dos argumentos a favor do aperto podem sofrer uma ou outra variação. Mas o essencial da leitura das atas oficiais, divulgadas pelo Comitê após cada sessão realizada, é a opção por uma maior rigidez monetária. Tudo se passa como se houvesse um fantasma da inflação a sobrevoar de forma permanente o ambiente econômico brasileiro. Ocorre, porém, que a realidade do acompanhamento dos índices de preços e do ritmo de atividade da economia apresenta um quadro bastante diverso. Passado o equívoco de avaliação da chamada “inflação do tomate” de alguns meses atrás, o fato é que nem mesmo as tendências de desvalorização cambial têm colocado em risco qualquer descontrole inflacionário. A inflação medida pelo IPCA permanece no interior do intervalo aceitável pelas próprias diretrizes macroeconômicas, entre 2,5% e 6,5% anuais.

O curioso é que as reclamações da própria Presidenta Dilma vinham no sentido contrário da escalada altista. Ela sempre comenta a respeito de uma falta de “disposição” dos empresários em realizar os investimentos necessários para a retomada da atividade econômica de forma mais sustentada.  Ocorre que os custos financeiros elevados contribuem para intimidar o investimento na esfera do produtivo, para postergar uma ousadia maior no campo da economia real. De um lado, em razão dos maiores custos dos empreendimentos, provocados pelos juros cada vez mais altos. Por outro lado, pelo incentivo ao parasitismo derivado da rentabilidade do recurso imobilizado no circuito financeiro.  No país que reina soberano dentre os paraísos do financismo, fica realmente difícil apelar para o investimento que gere emprego e renda.

Efeitos perversos da alta dos juros
Além disso, a elevação da SELIC termina por comprometer também as próprias finanças públicas. Ao contrário do que pretende o discurso conservador do financismo, a política monetária de juros estratosféricos termina por piorar o próprio equilíbrio das contas orçamentárias. Se Dilma havia dito que o pacto mais importante de seu governo era pela austeridade no gasto público, seus assessores na área econômica parecem não estar preocupados em cumprir com tal diretriz. Afinal, a despesa pública de pior qualidade de todas é aquela realizada com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. Dinheiro público jogado fora, literalmente.

Entre abril e outubro desse ano, como vimos, a SELIC subiu 2,25% ao ano. E esse é o indicador utilizado - vale a lembrança - para remunerar as despesas do endividamento público. Ora, se consideramos que o estoque total da dívida pública é da ordem de R$ 2 trilhões, apenas esses aumentos da taxa oficial provocaram uma despesa extraordinária de R$ 45 bilhões para o Tesouro Nacional. Apenas a título de comparação, o governo forçou a barra para a realização do leilão do Campo de Libra nas condições previstas no edital com o argumento de que haveria um bônus de R$ 15 bilhões a ser pago pelas empresas do consórcio vencedor. E esse seria um recurso importante para cumprir a meta de superávit primário. Ou seja, entra o valor por um lado, mais sai o triplo pelo ralo na mesma hora.

Já passou a hora de o governo mudar radicalmente a orientação de uso da política monetária. Está mais do que comprovada a ineficácia da elevação da taxa oficial de juros para qualquer tipo de ajuste da macroeconomia, onde a meta seja a da retomada do desenvolvimento. Juros elevados só fazem drenar recursos do Orçamento Geral da União para os setores que vivem do rentismo parasita. Com isso, ficam penalizadas as atividades da área social (saúde, educação, previdência social, entre outros), bem como as iniciativas de investimento em ciência e tecnologia, infra-estrutura e similares. Como a única preocupação do governo parece ser a do cumprimento de seu sacrossanto compromisso com o superávit primário, as demais despesas ficam sujeitas ao contingenciamento e a outros procedimentos de corte de verbas orçamentárias.

A alternativa do depósito compulsório
Se a equipe econômica está realmente convencida de que a abordagem liberal monetarista é a mais adequada, então que lance mão de outros instrumentos para inibir a demanda agregada e impeça o suposto risco da inflação. Mas que faça a opção pelo conservadorismo sem que isso implique um agravamento das finanças públicas. Qualquer manual de macroeconomia ensina que a política monetária pode ser implementada também por meio do depósito compulsório. Ou seja, o aumento da taxa de juros oficial não é o único meio para alcançar essa intenção de reduzir o ritmo da atividade econômica.

Mas o primeiro ponto é que a Presidenta seja informada de que aumentar a taxa SELIC vai na contramão de qualquer intenção desenvolvimentista ou mesmo de retomada da atividade econômica simplesmente. Caso contrário, vai ter de continuar a lançar mão dos equívocos de isenção tributária desenfreada e sem contrapartida. Ou então da concessão de benesses sob a forma de créditos subsidiados para os grandes conglomerados. Enfim, medidas que não resolvem o problema maior da valorização cambial e do elevado custo financeiro dos empreendimentos. E só carregam negativamente as finanças públicas, em razão da perda de receita que essas medidas provocam.

A alternativa ao aumento da taxa SELIC é mais neutra, do ponto de vista da política fiscal. Caso opte por promover um aumento nas alíquotas dos depósitos compulsórios do sistema financeiro, o governo não aumenta as despesas orçamentárias com juros e serviços da dívida pública. O resultado da decisão de impedir que os bancos aumentem ainda mais a base monetária da economia é o mesmo de um aumento da SELIC. Ele atua no sentido de inibir a demanda agregada, de impedir que o nível de consumo aumente para evitar supostos riscos de aumento dos preços.

Quem ganha com o aumento da SELIC?
A grande dúvida que permanece é relativa às razões que estariam a impedir, a todo o momento, que essa alternativa venha à tona no debate sobre as possibilidades de política econômica. Desde que o Plano Real foi lançado, o tripé fala explicitamente em juros elevados e não apenas em rigidez da política monetária. Isso porque os interesses do financismo focam em maiores ganhos para atividade financeira derivada do patamar oficial dos juros nas alturas. Elevação do depósito compulsório, pelo contrário, soa aos ouvidos da banca como sinônimo de maior intervenção e limitação à sua “liberdade” de sugar recursos do conjunto da sociedade para seus cofres privados.

Aos bancos não interessa que o governo eleve o depósito compulsório. O financismo, pelo contrário, joga todo seu poder na pressão para que o Brasil continue firme e forte na sua condição de campeão mundial da taxa de juros. Dessa forma, a cada aumento da SELIC, as taxas praticadas no balcão para clientes também são aumentadas. E com isso, fica assegurado que uma formidável quantia de recursos do Estado e da maioria da sociedade continuará sendo direcionada para o rentismo parasitário. 

Por outro lado, SELIC nas alturas segue sendo fator de grande estímulo para o capital especulativo internacional, que vem também abocanhar seu naco na extrema generosidade oferecida pela política econômica vigente em nossas praias.

Enfim, isso até que o FED - o Banco Central norte-americano - resolva subir um tiquinho de nada os juros nas terras de Obama. A partir desse momento, o fluxo se inverterá e parte desses recursos voltarão a buscar sua rentabilidade no lado de cima do Equador.

(*) Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

quinta-feira, setembro 12, 2013

no escurinho do cinema, quase incógnito

Copom sobe Selic na surdina
O Comitê de Política Monetária, em sua 177ª reunião ordinária, decidiu arrochar ainda mais a política monetária praticamente na surdina, quase sem nenhum alarido. Fez tudo no escurinho do cinema, quase incógnito. A taxa referencial de juros saiu dos 8,5% e foi para 9% ao ano.
Paulo Kliass
Muito pouca gente parece ter se dado conta do acontecimento. As páginas de economia dos jornalões e os minutos de televisão preferiram não comemorar muito o fato. Afinal, parte da população já começa a perceber os prejuízos que a grande maioria sofre a cada vez que o governo resolve pelo caminho da elevação da taxa oficial de juros. Apesar disso, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua 177ª reunião ordinária, decidiu arrochar ainda mais a política monetária praticamente na surdina, quase sem nenhum alarido. Fez tudo no escurinho do cinema, quase incógnito.
Em seu sexto encontro desse ano, realizado em 27 e 28 de agosto, o Comitê deliberou mais uma vez pelo aumento da taxa SELIC. Assim, a taxa referencial de juros saiu dos 8,5% e foi para 9% ao ano. Tratava-se da quarta elevação em reuniões seguidas, em uma trajetória de alta que começou em 17 de abril desse ano. Naquela época, a SELIC estava em 7,25% e desde então passou a sofrer a espiral um novo aumento a cada 45 dias, periodicidade de reuniões do colegiado.
Mas como aquela semana estava totalmente tomada por outros fatos da conjuntura política e econômica, pouca atenção foi dada à decisão. O governo parece completamente perdido no quesito “diretrizes de política econômica”. Fica um pouco girando feito biruta de aeroporto, à mercê das mudanças repentinas dos ventos e sem uma linha de conduta racional e coerente a seguir. As notícias do mundo real da economia não apresentavam nenhuma indicação de risco de descontrole das variáveis econômicas, que pudesse justificar a decisão pelo aumento dos juros oficiais. Essa alternativa não se colocava nem mesmo sob a ótica conservadora, resultado de uma suposta necessidade de promover um controle sobre um possível excesso de demanda.
Elevação da SELIC: o equívoco e o custo
Nesse caso, a estratégia de aumento da taxa oficial de juros obedeceu apenas e tão somente aos interesses da finança. Os únicos a lucrarem com essa política monetária extemporânea são os bancos e as demais instituições do sistema financeiro. De um lado, se beneficiam pela maior remuneração que passam a receber pela aplicação de seus ativos em títulos da dívida pública. E de outro lado, ganham muito mais ainda pela elevação das taxas cobradas nas operações de crédito e empréstimo concedidas a indivíduos, famílias e empresas. Em sumo, o que se vê é o governo estimulando e premiando a atividade parasitária do financismo em nossas terras, contra o empreendedorismo da economia real.
Ora, se a Presidenta Dilma estava insatisfeita com o quadro observado até então e reclamando que a economia não deslanchava, algum assessor tinha de lhe explicar que uma das razões para tanto era justamente o problema do elevado custo financeiro das atividades empresariais e o limite para maior nível de endividamento, atingido também pelo lado do consumo. Em tais condições, deve parecer óbvio - até para quem não estudou economia - que aumentar a taxa de juros tem o significado de um verdadeiro tiro no pé. Ganham os bancos e os especuladores. Perdemos todos os demais.
Por outro lado, o aumento da taxa de juros também apresenta uma fatura pesada para as próprias finanças públicas. A taxa SELIC é a que se utiliza, como piso mínimo, para calcular a remuneração dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Considerando-se que o total do estoque da dívida atual é de aproximadamente R$ 2 trilhões, conclui-se sem maiores dificuldades o tamanho da encrenca. Esse aumento de 0,5% implicará um dispêndio adicional de R$ 10 bilhões no orçamento anual da União, apenas a título de novas despesas com juros. Ora, se a própria Presidenta elegeu o Pacto nº 1 como sendo o de austeridade fiscal, fica evidente que seus próprios auxiliares diretos já começam a descumprir suas recomendações. Afinal, gastar recurso do Estado - supostamente escasso na atual conjuntura - com rubricas de dimensão financeira não pode ser considerado como bom sinal de rigor no controle da despesa pública.
Semana carregada: de Obama a Donadon
A conjuntura política e econômica estava bastante conturbada. A agenda estava tomada por uma série de eventos e processos de elevada sensibilidade. Terminaram por atrair mais a atenção do que essa reunião do COPOM. Já estava na pauta da política internacional a ameaça dos EUA em invadir a Síria, com a desculpa do suposto uso de armas químicas do governo de Assad contra as oposições. Ainda no plano das relações internacionais, veio à cena as “trapalhadas” dos responsáveis pela diplomacia brasileira na Bolívia, com a fuga espetacular do senador condenado pela justiça, com o auxílio e apoio do embaixador substituto. A saia justa custou o posto do Ministro Patriota e colocou a nossa Presidenta em dificuldades frente ao Presidente Morales e aos demais parceiros. Por outro lado, vale lembrar que as denúncias de espionagem que a sociedade e o governo brasileiros estão sendo vítimas por parte dos norte-americanos tampouco haviam sido esclarecidas, com a participação direta do Presidente Obama. Na política interna, o foco estava dividido entre dois pontos. De um lado, a negativa do STF em conceder os embargos dos condenados no caso do mensalão. De outro lado, a verdadeira vergonha nacional, patrocinada pelo plenário da Câmara dos Deputados, ao não proporcionar quórum para a cassação do deputado-presidiário Donadon.
Com uma coleção de itens tão candentes como esses, é até um pouco compreensível que “apenas mais uma reunião do COPOM” não estivesse tão à frente na lista de prioridades de cobertura e preocupação da grande imprensa. 
Mas o ponto a se indagar é que até pouco tempo antes do encontro, a queixa generalizada era que a economia continuava patinando e que o Brasil não conseguia decolar para patamares mais interessantes de seu ritmo de atividade. Mas, como costuma acontecer com certa frequência, as vozes ouvidas pelas editorias de economia dos meios de comunicação foram apenas aquelas vinculadas ao mundo do financismo. Criou-se, assim, mais uma vez o falso consenso em torno do modelito do monetarismo inescapável. 
A lógica embutida no raciocínio favorável a mais essa elevação da SELIC voltava-se para os possíveis riscos derivados do movimento de desvalorização cambial. Mas isso não representava novidade alguma. Essa hipótese já estava posta na mesa há muito tempo. Todos sabiam que o processo de valorização artificial de nossa moeda frente ao dólar norte-americano - e demais moedas estrangeiras consideradas “fortes” - estava com seus dias contados. Além de ser extremamente perverso para nossa economia, o real valorizado combinava apenas com o interesse do capital especulativo internacional, que para cá se dirige em busca da rentabilidade estratosférica. Mas o problema é que a equipe econômica há muito tempo se acomodou ao real sobrevalorizado. Os dividendos políticos fáceis derivados da farra dos eletrônicos chineses importados e da festa das famílias de classe média na ponte aérea para Miami devem ter falado mais alto. Valia manter a popularidade alta das pesquisas a qualquer custo.
Desvalorização cambial e a tensão no ar
No entanto, agora que a economia norte-americana começa a dar sinais de reaquecimento, a situação muda de figura. O FED (Banco Central dos EUA) cogita de um aumento na sua taxa básica de juros, depois de um longo período com taxas quase próximas a zero. Com isso, o diferencial de rentabilidade dos especuladores pelo mundo afora muda de patamar. Uma parte dos recursos sai do circuito terceiro-mundista e se volta para lá, em busca dessa alternativa de menor risco e menor remuneração. Esse movimento de redução da enxurrada de dólares em nossa direção provoca uma tendência de desvalorização do real, no caminho de uma taxa de câmbio mais realista. Normal, é isso mesmo que se espera de uma política cambial menos fantasiosa. O problema é que esse rearranjo provoca uma elevação de nossos preços internos, em razão da presença forte de produtos e componentes importados em nossa economia. E a inflação ameaçada, atiça os nervos dos monetaristas, que começam a clamar por elevação dos juros. O ciclo se fecha. E o COPOM resolve atender aos pleitos das finanças, aumentando outra vez os juros.
Mas o fato é que o governo perdeu a oportunidade de efetuar esse choque de câmbio necessário em um ambiente mais tranquilo, como até há poucos meses atrás. Agora terá de fazê-lo com mais cuidado, pois a inflação já havia iniciado um fase de alta, arriscando chegar na banda superior da meta. De qualquer forma, existem outros mecanismos de evitar o alastramento da alta de preços provocados pela desvalorização. E não será a elevação da SELIC a corrigir esse fato. Estão aí outros instrumentos, como o aumento do depósito compulsório dos bancos, a substituição de produtos importados mais sensíveis e a ação mais incisiva do governo junto às empresas e corporações. Afinal, o mais importante é não se deixar amedrontar pela chantagem e pelo pânico. 
Quem não se lembra da “terrível” semana da inflação do tomate, quando tudo parecia perdido, a nos orientarmos pelos editoriais dos grandes meios de comunicação. Amedrontado, o governo também havia cedido às pressões à época e aumentou a SELIC por conta disso. Mas a safra dos hortifrutigranjeiros obedece a uma dinâmica que nada tem a ver com as decisões do COPOM. Assim, logo depois o tomate voltou aos preços de antes, até mais baixos. O pequeno detalhe é que, apesar disso, a SELIC não baixou.
As informações oriundas da economia real tampouco são muito claras para se perceber uma tendência firme de retomada das atividades no patamar exigido pelo País. Apesar das boas notícias relativas ao PIB do segundo trimestre (crescimento de 1,5% na comparação com o mesmo período do ano passado), as estatísticas da produção industrial ainda são titubeantes. Em julho ela voltou a recuar 2%, acumulando um crescimento de apenas 0,6% ao longo de 12 meses. Muito pouco para as nossas necessidades! Frente a esse quadro, a elevação dos juros é um das poucas decisões que o governo deve evitar sem nenhuma vacilação.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 05/09/2013.


sexta-feira, julho 05, 2013

em marcha um projeto de “privatização radical” da saúde e da educação

Educação e Saúde: do discurso ao projeto concreto

A Presidenta Dilma apresentou uma lista cinco pactos, como forma de tentar pacificar o movimento que ganhou as ruas do País. Nesse conjunto há dois temas que merecem ocupar posição de destaque em qualquer projeto sério de desenvolvimento nacional de longo prazo: saúde e educação.
A Presidenta Dilma apresentou uma lista cinco pactos, como forma de tentar pacificar o movimento que ganhou as ruas do País nas últimas semanas. Nesse conjunto havia dois temas que merecem ocupar posição de destaque em qualquer projeto sério de desenvolvimento nacional de longo prazo. Refiro-me aqui à saúde e à educação.
A tradição histórica do Brasil republicano sempre apresentou um modelo de organização social onde tais funções deveriam ser asseguradas pelo Estado. 
No entanto, o processo político experimentado sob a ditadura militar provocou um fenômeno que muitos classificaram como sendo de uma “modernização conservadora”. Ainda que os governos que se sucederam a 1964 não tenham colocado explicitamente em marcha um projeto de “privatização radical” da saúde e da educação, o fato é que foi aberta uma larga avenida para que o setor privado passasse a operar com muita mais liberdade nesses dois domínios.
O avanço das empresas na oferta desse tipo de serviço dava início ao processo de mercantilização da saúde e da educação, em meio a processo semelhante ocorrido junto a outras categorias de serviços públicos. O ensino básico e médio foi sendo paulatinamente tomado por escolas privadas, ao passo em que a rede pública ia sendo também sucateada e desmantelada. Falta de verbas, baixo investimento em equipamento e estrutura, redução relativa dos salários de professores, enfim muitas foram as causas do redirecionamento das camadas médias urbanas em busca de um ensino supostamente de melhor qualidade. No ensino superior, o processo foi mais lento, mas também ali foi aberto um universo enorme para a acumulação de capital com a negociação da nova mercadoria, a chamada “educação universitária”.
Na área da saúde deu-se fenômeno semelhante. O processo de deterioração das condições de serviços públicos oferecidos à população combinou-se ao incremento da participação de empresas privadas na criação e na gestão de hospitais, laboratórios, clínicas, maternidades e toda a sorte de serviços associados ao setor. A contrapartida desse movimento inovador foi a consolidação de um ramo de grupos gerenciando as atividades de planos de saúde e de seguros de saúde, todos privados. Antes ocupado basicamente pelas instituições filantrópicas, o espaço privado passou a operar segundo a lógica explícita do capitalismo: geração de lucro como prioridade essencial.
O processo político da transição democrática, porém, veio a oferecer uma alternativa a essa tendência mercantilizante. O desenho final do modelo votado pela Assembleia Constituinte em 1988 consolidou um modelo de organização do País, onde saúde e educação ganham destaque especial, junto com outros serviços públicos. Passam a ser reconhecidas como direito de cidadania e uma obrigação do Estado perante a população.
O Título VIII da CF trata do conjunto dos dispositivos da Ordem Social. Dentre os inúmeros capítulos, seções e artigos, cabe destacar aqui os mais significativos a respeito desses itens que constam do pacto proposto por Dilma. O artigo 196 dá os contornos gerais da abordagem sobre a saúde, enquanto os seguintes tratam do sistema Único de Saúde, das responsabilidades compartilhadas entre União, Estados e Municípios e demais temas.
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Já a educação é definida no artigo 205, enquanto os demais itens dessa seção definem atribuições dos entes federados segundo o tipo de ensino considerado, a gratuidade no âmbito do ensino público, a natureza do ensino universitário e outros aspectos do sistema educacional.

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
A caracterização do modelo em termos políticos e institucionais é muito importante, mas não é condição suficiente para seu funcionamento. Outro aspecto essencial é o relativo à atribuição de fontes de recursos para a operação dos sistemas da saúde e da educação. E, desse ponto de vista, o Brasil conheceu um enorme retrocesso no período que se seguiu logo após a promulgação na Constituição cidadã. A partir de 1990, combinando com a eleição de Collor para a Presidência da República, consolidou-se o processo de liberalização e desregulamentação generalizadas. Era uma tentativa de desmonte do ente público – a implementação dos ajustes macroeconômicos impostos pelo FMI e aceitos pelos responsáveis pela política econômica dos sucessivos governos desde então.
Com isso, o Estado não apenas deixou de investir de forma adequada nas áreas que o texto constitucional considerava como obrigatoriedade, como também passou a organizar e estimular o ingresso da iniciativa nas mesmas: saúde e educação. Assim, a tensão pela disputa de dois projetos nacionais opostos se fazia presente a cada momento na dinâmica governamental e parlamentar, secundada pelo movimento social e suas entidades representativas.
De um lado, os que pautam sua ação pela crença de que os serviços públicos deveriam ser tratados como simples mercadorias, propugnando pela retirada do Estado da condição de agente oferecedor desse tipo de bens. No lado oposto, aqueles que defendem a particularidade dos direitos listados na Constituição e a necessidade imperiosa da administração pública estar bem aparelhada para oferecer esse tipo de serviço à população.
E assim, a disputa política se ampliou e se generalizou. De maneira que sempre estava pautada na agenda política nacional alguma ameaça aos sistemas ou alguma reivindicação a respeito do desenho do modelo e da origem das verbas para sua oferta pela estrutura do Estado. Avançar ou recuar quanto às diretrizes colocadas na Constituição passou a ser a regra das divergências.
Os governantes de plantão sempre tentam alguma manobra para evitar o chamado “engessamento” do orçamento. Para tanto costumam lançar mão de expedientes como contingenciamento de recursos, cortes horizontais na atribuição das verbas, atraso na liberação das dotações para Estados e Municípios, dentre tantas outras esperteza no manejo da contabilidade pública. Como não havia definições explícitas ou quantitativas de como obter recursos para cumprir o que determina a Constituição, a lógica fiscalista acaba prevalecendo sobre as necessidades políticas e sobre a ordem social.
Os defensores de uma administração pública em condições de cumprir com suas atribuições constitucionais operam no sentido de estabelecer nos textos legais os limites mínimos para assegurar verbas para saúde e educação. É daí que surgem, portanto, as soluções do tipo “10% do PIB para educação” ou “regulamentação da Emenda 29”. Mas nem sempre esses movimentos obtêm êxito em suas movimentações. Pelo contrário, chegam a perder espaços importantes, como foi o caso da extinção da Contribuição Provisória para a Movimentação Financeira (CPMF), que servia como importante fonte de recursos para o sistema de saúde pública.
A polêmica na área da saúde foi parcialmente resolvida pela aprovação da lei Complementar n° 141, ainda no ano passado. Apesar do texto final estar muito distante das reais necessidades do setor, pelo menos o vácuo jurídico criado pela chamada Emenda Constitucional n° 29 foi preenchido. Essa emenda foi concebida em 2000 para dar uma solução provisória até 2004 - mas a coisa foi sendo empurrada com a barriga até a sanção da lei regulamentadora em janeiro de 2012. O fato mais decepcionante é que a regulamentação estabelece apenas os mínimos obrigatórios para Estados e Municípios, deixando a União com os percentuais do PIB dos anos anteriores.
Por outro lado, a conjuntura atual oferece também perspectivas mais otimistas para os defensores de um modelo fundado na oferta desses serviços pelo próprio setor público. A bandeira de “10% do PIB para educação” pode se transformar em realidade por meio da tramitação Plano Nacional de Educação (PNE) no Congresso Nacional. Aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto se encontra em fase final de votação no Senado Federal.
Finalmente, os olhos todos se voltam para a votação do projeto de lei que destina os “royalties” do petróleo para a saúde e a educação, na proporção de 25% e 75%, respectivamente. Contra a orientação restritiva do Executivo, os parlamentares adotaram critérios mais amplos para a constituição dos recursos para esse fim. Como o projeto ainda depende de acertos em sua versão final nas votações entre Câmara e Senado, não se pode afirmar de forma definitiva os valores envolvidos.
Mas de qualquer maneira, isso significa um avanço em relação ao modelo estratégico de utilizar os recursos do pré-sal para um fundo que contribuirá para as futuras gerações de nosso País. É a possibilidade de sair do discurso para o projeto concreto. Agora, cabe muita atenção e sensibilidade para escapar das malandragens e encomendas de última hora, para fins de cálculo dos valores. Por exemplo, é necessário evitar que sejam incorporadas manobras como a de considerar os recursos transferidos paras empresas privadas de ensino superior (bolsas do Prouni) ou as despesas realizadas com planos e seguros de saúde privados no cômputo mais geral de gastos orçamentários com educação e saúde públicas.
Uma vez assegurados os recursos, deve-se dar continuidade ao processo de melhoria da gestão e maior eficiência na prestação dos serviços públicos. Afinal, ninguém é ingênuo a ponto de achar que são razoáveis os níveis de qualidade da saúde e da educação tal como oferecidas atualmente pelo Estado à sociedade brasileira. Os desafios são muitos e as tarefas são enormes. Mas aí já se trata de tema para outro artigo.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 04/07/2013.

quarta-feira, julho 03, 2013

Uma nova classe trabalhadora brasileira

Uma nova classe trabalhadora

Em artigo para livro '10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma' (Boitempo, 2013), a filósofa Marilena Chauí afirma que uma nova classe trabalhadora se constituiu no país num momento em que políticas econômicas e sociais avançaram em direção à democracia, mas as condições impostas pela economia neoliberal determinaram a difusão da ideologia da competência e da racionalidade do mercado. Com isso, ela se tornou propensa a aderir ao individualismo competitivo e agressivo difundido pela classe média.
1. Surpresas
Alguém que, nos anos 1950 e 1960, conhecesse as terríveis condições de vida e de trabalho das classes populares brasileiras e, naquela época, tivesse viajado por uns tempos pela Europa, seria duplamente surpreendido. Primeira surpresa: veria operários dirigindo pequenos carros (na França, o famoso “dois cavalos” da Renault; na Inglaterra, o “biriba” da Morris; na Itália, o Cinquecento da Fiat), passando as férias com a família (em geral em alguma praia), fazendo compras em lojas de departamento populares (na França, o Prixunic; na Inglaterra, o Woolworths e a C&A), enviando os filhos a creches públicas e, quando maiores, à escola pública de primeiro e segundo graus, às escolas técnicas e mesmo às universidades. Também veria que os trabalhadores tinham direito, assim como suas famílias, a hospitais públicos e medicamentos gratuitos e, evidentemente, possuíam casa própria. Era a Europa do período fordista do capitalismo industrial, portanto da linha de montagem e fabricação em série de produtos cujo custo barateado permitia o consumo de massa. Mas era, sobretudo, a Europa da economia keynesiana, quando as lutas anteriores dos trabalhadores organizados haviam levado à eleição de governantes de centro ou de esquerda e ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social, no qual uma parte considerável do fundo público era destinada, sob a forma de salário indireto, aos direitos sociais, reivindicados e, agora, conquistados pelas lutas dos trabalhadores. Segunda surpresa: a diferença profunda entre, por exemplo, a situação dos trabalhadores suecos – desde os salários e direitos sociais até os direitos culturais – e a dos espanhóis, portugueses e gregos, ainda submetidos a ditaduras fascistas e forçados a emigrar para o restante da Europa em busca de melhores condições de vida e de trabalho.
Entretanto, não passaria pela cabeça de ninguém dizer que os trabalhadores europeus haviam ascendido à classe média. Curiosamente, é o que se diz hoje dos trabalhadores brasileiros, após dez anos de políticas contrárias ao neoliberalismo.
2. A catástrofe neoliberal
Diante da classe trabalhadora que descrevemos acima, não foi por acaso, em meados dos anos 1970, quando o déficit fiscal do Estado e a estagflação abriram uma crise no capitalismo, que os ideólogos conservadores ofereceram uma suposta explicação para ela: a crise, disseram eles, foi causada pelo poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operários, que pressionaram por aumentos salariais e exigiram o aumento dos encargos sociais do Estado. Teriam, dessa maneira, destruído os níveis de lucro requeridos pelas empresas, desencadeado processos inflacionários incontroláveis e provocado o aumento colossal da dívida pública.
Feito o diagnóstico, também ofereceram o remédio: um Estado forte para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos populares, controlar o dinheiro público e cortar drasticamente os encargos sociais e os investimentos na economia, tendo como meta principal a estabilidade monetária por meio da contenção dos gastos sociais e do aumento da taxa de desemprego para formar um exército industrial de reserva que acabasse com o poderio das organizações trabalhadoras. Tratava-se, portanto, de um Estado que realizasse uma reforma fiscal para incentivar os investimentos privados, reduzindo os impostos sobre o capital e as fortunas e aumentando os impostos sobre a renda individual e, assim, sobre o trabalho, o consumo e o comércio. Finalmente, um Estado que se afastasse da regulação da economia, privatizando as empresas públicas e deixando que o próprio mercado operasse a desregulação, ou, traduzindo em miúdos, a abolição dos investimentos estatais na produção e do controle estatal sobre o fluxo financeiro, a drástica legislação antigreve e o vasto programa de privatização. Pinochet, no Chile, Thatcher, na Grã-Bretanha, e Reagan, nos Estados unidos, tornaram-se a ponta de lança política desse programa.
Com o encolhimento do espaço público dos direitos e a ampliação do espaço privado dos interesses de mercado, nascia o neoliberalismo, cujos traços principais podem ser assim resumidos:
1. A desativação do modelo industrial de tipo fordista, baseado no planejamento, na funcionalidade e no longo prazo do trabalho industrial, com a centralização e verticalização das plantas industriais, grandes linhas de montagens concentradas num único espaço, formação de grandes estoques orientados pelas ideias de qualidade e durabilidade dos produtos, e numa política salarial articulada ao Estado (o salário direto articulado ao salário indireto, isto é, aos benefícios sociais assegurados pelo Estado). Em contrapartida, no neoliberalismo, a produção opera por fragmentação e dispersão de todas as esferas e etapas do trabalho produtivo, com a compra e venda de serviços no mundo inteiro, isto é, com a terceirização e precarização do trabalho. Desarticulam-se as formas consolidadas de negociação salarial e se desfazem os referenciais que permitiam à classe trabalhadora perceber-se como classe e lutar como classe social, enfraquecendo-se ao se dispersar nas pequenas unidades terceirizadas, de prestação de serviços, no trabalho precarizado e na informalidade, que se espalharam pelo planeta. Desponta uma nova classe trabalhadora cuja composição e definição ainda estão longe de ser compreendidas.
2. O desemprego torna-se estrutural, deixando de ser acidental ou expressão de uma crise conjuntural, porque a forma contemporânea do capitalismo, ao contrário de sua forma clássica, não opera por inclusão de toda a sociedade no mercado de trabalho e de consumo, mas por exclusão, que se realiza não só pela introdução ilimitada de tecnologias de automação, mas também pela velocidade da rotatividade da mão de obra, que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas. Como consequência, tem-se a perda de poder dos sindicatos, das organizações e movimentos populares e o aumento da pobreza absoluta.
3. O deslocamento do poder de decisão do capital industrial para o capital financeiro, que se torna o coração e o centro nervoso do capitalismo, ampliando a desvalorização do trabalho produtivo e privilegiando a mais abstrata e fetichizada das mercadorias, o dinheiro, porém não como mercadoria equivalente para todas as mercadorias, mas como moeda ou expressão monetária da relação entre credores e devedores, provocando, assim, a passagem da economia ao monetarismo. Essa abstração transforma a economia no movimento fantasmagórico das bolsas de valores, dos bancos e financeiras – fantasmagórico porque não operam com a materialidade produtiva e sim com signos, sinais e imagens do movimento vertiginoso das moedas.
4. No Estado do Bem-Estar Social, a presença do fundo público sob a forma do salário indireto (os direitos econômicos e sociais) desatou o laço que prendia o capital à força de trabalho (ou ao salário direto). Esse laço era o que, tradicionalmente, forçava a inovação técnica pelo capital a ser uma reação ao aumento real de salário1 e, ao ser desatado, três consequências se impuseram: a) o impulso à inovação tecnológica tornou-se praticamente ilimitado, provocando expansão dos investimentos e agigantamento das forças produtivas cuja liquidez é impressionante, mas cujo lucro não é suficiente para concretizar todas as possibilidades tecnológicas, exigindo o financiamento estatal; b) o desemprego passou a ser estrutural não só pela introdução ilimitada de tecnologias de automação, mas também pela velocidade da rotatividade da mão de obra, que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas, ampliando a fragmentação da classe trabalhadora e diminuindo o poder de suas organizações; c) o aumento do setor de serviços também se torna estrutural, deixando de ser um suplemento à produção, visto que, agora, sob a designação de tecnociência, a ciência e a tecnologia tornaram-se forças produtivas, deixando de ser mero suporte do capital para se converter em agentes de sua acumulação; com isso, mudou o modo de inserção social do conhecimento científico e técnico, de maneira que cientistas e técnicos se tornaram agentes econômicos diretos. A força e o poder capitalistas encontram-se no monopólio dos conhecimentos e da informação.
5. A transnacionalização da economia reduz a importância da figura do Estado nacional como enclave territorial para o capital e dispensa as formas clássicas do imperialismo – colonialismo político-militar, geopolítica de áreas de influência etc. –, de sorte que o centro econômico, jurídico e político planetário encontra-se no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial, que operam com um único dogma: estabilidade monetária e corte do déficit público.
6. A distinção entre países de Primeiro e terceiro Mundo tende a ser acrescida com a existência, em cada país, de uma divisão entre bolsões de riqueza absoluta e de miséria absoluta, isto é, a polarização de classes surge como polarização entre a opulência absoluta e a indigência absoluta.
3. A mudança a caminho
Em política, há ações e acontecimentos com força para se tornar simbólicos. é assim que podemos contrapor dois momentos simbólicos que marcaram a política brasileira entre 1990 e 2002: o primeiro nos leva de volta ao “bolo de noiva”, que inaugurou a era Collor; o segundo, à pergunta singela feita pelo recém-eleito presidente da república aos âncoras do Jornal nacional da Rede Globo, na noite de 28 de outubro de 2002.
No final da campanha presidencial de 1989 e na fase de transição entre novembro de 1989 e janeiro de 1990, um fato novo marcou a política brasileira: em primeiro plano, tanto nos discursos como nos debates e na prática, veio a economista Zélia Cardoso de Melo com sua equipe técnica. As decisões fundamentais partiam desse grupo, que se reunia em Brasília num edifício apelidado “bolo de noiva” e de lá vieram medidas econômicas que definiram o governo de Fernando Collor, no qual o discurso político foi suplantado pelo técnico-econômico. Neste, surgia, imperial, uma nova figura: o mercado, cuja fantasmagoria só entraria em pleno funcionamento no período de 1994 a 2002, quando a população brasileira passou a ouvir curiosas expressões, tais como “os mercados estão nervosos”, “os mercados estão agitados”, “os mercados se acalmaram”, “os mercados não aprovaram”, como se “os mercados” fossem alguém!
Na noite de 28 de outubro de 2002, no final do Jornal nacional da Rede Globo de televisão, quando os âncoras falavam sobre as cotações das bolsas de valores, do dólar e do real, e sobre a agitação e calmaria dos “mercados”, o presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que estava sendo entrevistado, perguntou com um sorriso levemente irônico: “Vocês não têm outros assuntos? Cadê a fome, o desemprego, a miséria, a desigualdade social?”. Essa indagação singela, unida ao pronunciamento feito algumas horas antes, anunciando a criação da Secretaria de Emergência Social, cuja prioridade era o combate à fome, demarcou simbolicamente o novo campo da política no Brasil: os direitos civis, econômicos e sociais são prioritários e comandam as ações técnico-econômicas, pois a democracia é a única forma política em cujo núcleo está a ideia de direitos, tanto de sua criação pela sociedade, como de sua garantia e conservação pelo Estado.
O “bolo de noiva” simbolizou a entrada do país no modelo neoliberal. O pronunciamento e a pergunta do novo presidente da república simbolizaram a decisão de sair desse modelo.
Entre esses dois momentos, intercalam-se os governos de Fernando Henrique Cardoso, que tornaram esse modelo hegemônico ao realizar a chamada reforma e modernização do Estado, isto é, a adoção do neoliberalismo como princípio definidor da ação estatal (privatização dos direitos sociais, convertidos em serviços vendidos e comprados no mercado, privatização das empresas públicas, direcionamento do fundo público para o capital financeiro etc.). Para legitimar essa decisão política, foram mobilizadas as duas grandes ideologias contemporâneas: a da competência e a da racionalidade do mercado.
A ideologia da competência afirma que aqueles que possuem determinados conhecimentos têm o direito natural de mandar e comandar os que supostamente são ignorantes, de tal maneira que a divisão social das classes aparece como divisão entre dirigentes competentes e executantes que apenas cumprem ordens. Essa ideologia, dando enorme destaque à figura do “técnico competente”, tem a peculiaridade de esquecer a essência mesma da democracia, qual seja, a ideia de que os cidadãos têm direito a todas as informações que lhes permitam tomar decisões políticas porque são todos politicamente competentes para opinar e deliberar, e que somente após a tomada de decisão política há de se recorrer aos técnicos, cuja função não é deliberar nem decidir, mas implementar da melhor maneira as decisões políticas tomadas pelos cidadãos e por seus representantes.
Por sua vez, a ideologia neoliberal afirma que o espaço público deve ser encolhido ao mínimo enquanto o espaço privado dos interesses de mercado deve ser alargado, pois considera o mercado portador de racionalidade para o funcionamento da sociedade. Ela se consolidou no Brasil com o discurso da modernização, no qual modernidade significava apenas três coisas: enxugar o Estado (entenda-se: redução dos gastos públicos com os direitos sociais), importar tecnologias de ponta e gerir os interesses da finança nacional e internacional.
Essa ideologia propagou-se pela vida cotidiana brasileira, bastando observar o que acontecia nos noticiários dos meios de comunicação. As cotações das bolsas de valores do mundo inteiro, assim como as das moedas, o comportamento do FMI, do Banco Mundial e dos bancos privados passaram para as primeiras páginas dos jornais, para o momento “nobre” dos noticiários de rádio e televisão, alguns canais chegando mesmo a manter na tela faixas com a variação das cotações das bolsas de valores e das moedas minuto por minuto. A subida ou descida do valor do dólar, do euro e do real, o “risco Brasil”, as falas dos dirigentes do FMI, do Banco Central norte-americano, dos economistas ingleses, franceses e alemães passaram a ocupar o lugar de honra e, nos noticiários matinais, a exibição cotidiana da abertura do pregão da bolsa de valores em Wall Street assumiu a aparência de uma oração ou de uma missa, rivalizando com o que, no mesmo horário, se passava nas rádios e canais de televisão propriamente religiosos.
Ora, o neoliberalismo não é, de maneira nenhuma, a crença na racionalidade do mercado e o enxugamento do Estado, e sim a decisão de cortar o fundo público no polo de financiamento dos bens e serviços públicos (isto é, dos direitos sociais) e maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos pelo capital. A compreensão dessa verdade veio expressar-se na decisão dos eleitores de fazer valer a reivindicação por uma nova forma de gestão do fundo público, na qual a bússola é a defesa dos direitos sociais.
4. Uma nova classe trabalhadora brasileira
Estudos, pesquisas e análises mostram que houve uma mudança profunda na composição da sociedade brasileira, graças aos programas governamentais de transferência da renda, inclusão social e erradicação da pobreza, à política econômica de garantia do emprego e elevação do salário mínimo, à recuperação de parte dos direitos sociais das classes populares (sobretudo alimentação, saúde, educação e moradia), à articulação entre esses programas e o princípio do desenvolvimento sustentável e aos primeiros passos de uma reforma agrária que permita às populações do campo não recorrer à migração forçada em direção aos centros urbanos.
De modo geral, utilizando a classificação dos institutos de pesquisa de mercado e da sociologia, costuma-se organizar a sociedade numa pirâmide seccionada em classes designadas como A, B, C, D e E, tomando como critério a renda, a propriedade de bens imóveis e móveis, a escolaridade e a ocupação ou profissão. Por esse critério, chegou-se à conclusão de que, entre 2003 e 2011, as classes D e E diminuíram consideravelmente, passando de 96,2 milhões de pessoas a 63,5 milhões; já no topo da pirâmide houve crescimento das classes A e B, que passaram de 13,3 milhões de pessoas a 22,5 milhões. A expansão verdadeiramente espetacular, contudo, ocorreu na classe C, que passou de 65,8 milhões de pessoas a 105,4 milhões. Essa expansão tem levado à afirmação de que cresceu a classe média brasileira, ou melhor, de que teria surgido uma nova classe média no país.
Sabemos, entretanto, que há outra maneira de analisar a divisão social das classes, tomando como critério a forma da propriedade. No modo de produção capitalista, a classe dominante é proprietária privada dos meios sociais de produção (capital produtivo e capital financeiro); a classe trabalhadora, excluída desses meios de produção e neles incluída como força produtiva, é proprietária da força de trabalho, vendida e comprada sob a forma de salário. Marx falava em pequena burguesia para indicar uma classe social que não se situava nos dois polos da divisão social constituinte do modo de produção capitalista. A escolha dessa designação decorria de dois motivos principais em primeiro lugar, para afastar-se da noção inglesa de middle class, que indicava exatamente a burguesia, situada entre a nobreza e a massa trabalhadora; em segundo, para indicar, por um lado, sua proximidade social e ideológica com a burguesia, e não com os trabalhadores, e, por outro, indicar que, embora não fosse proprietária privada dos meios sociais de produção, poderia ser proprietária privada de bens móveis e imóveis. Numa palavra, encontrava-se fora do núcleo central do capitalismo: não era detentora do capital e dos meios sociais de produção e não era a força de trabalho que produz capital; situava-se nas chamadas profissões liberais, na burocracia estatal (ou nos serviços públicos) e empresarial (ou na administração e gerência), na pequena propriedade fundiária e no pequeno comércio.
É a sociologia, sobretudo a de inspiração estadunidense, que introduz a noção de classe média para designar esse setor socioeconômico, empregando, como dissemos acima, os critérios de renda, escolaridade, profissão e consumo, a pirâmide das classes A, B, C, D e E, e a célebre ideia de mobilidade social para descrever a passagem de um indivíduo de uma classe para outra.
Se abandonarmos a descrição sociológica, se ficarmos com a constituição das classes sociais no modo de produção capitalista (ainda que adotemos a expressão “classe média”), se considerarmos as pesquisas que mencionamos ao iniciar este texto e os números que elas apresentam relativos à diminuição e ao aumento do contingente nas três classes sociais, poderemos chegar a algumas conclusões:
1. Os projetos e programas de transferência de renda e garantia de direitos sociais (educação, saúde, moradia, alimentação) e econômicos (aumento do salário mínimo, políticas de garantia do emprego, salário-desemprego, reforma agrária, cooperativas da economia solidária etc.) indicam que o que cresceu no Brasil foi a classe trabalhadora, cuja composição é complexa, heterogênea e não se limita aos operários industriais e agrícolas.
2. O critério dos serviços como definidor da classe média não se mantém na forma atual do capitalismo porque a ciência e as técnicas (a chamada tecnociência) se tornaram forças produtivas e os serviços por elas realizados ou delas dependentes estão diretamente articulados à acumulação e reprodução do capital. Em outras palavras, o crescimento de assalariados no setor de serviços não é crescimento da classe média, e sim de uma nova classe trabalhadora heterogênea, definida pelas diferenças de escolaridade e pelas habilidades e competências determinadas pela tecnociência. De fato, no capitalismo industrial, as ciências, ainda que algumas delas fossem financiadas pelo capital, se realizavam, em sua maioria, em pesquisas autônomas cujos resultados poderiam levar a tecnologias aplicadas pelo capital na produção econômica. Essa situação significava que cientistas e técnicos pertenciam à classe média. Hoje, porém, as ciências e as técnicas tornaram-se parte essencial das forças produtivas e por isso cientistas e técnicos passaram da classe média à classe trabalhadora como produtores de bens e serviços articulados à relação entre capital e tecnociência. Dessa maneira, renda, propriedade e escolaridade não são critérios para distinguir entre os membros da classe trabalhadora e os da classe média.
3. O critério da profissão liberal também se tornou problemático para definir a classe média, uma vez que a nova forma do capital levou à formação de empresas de saúde, advocacia, educação, comunicação, alimentação etc., de maneira que seus componentes se dividem entre proprietários privados e assalariados, e estes devem ser colocados (mesmo que vociferem contra isso) na classe trabalhadora.

4. A figura da pequena propriedade familiar também não é critério para definir a classe média porque a economia neoliberal, ao desmontar o modelo fordista, fragmentar e terceirizar o trabalho produtivo em milhares de microempresas (grande parte delas, familiares) dependentes do capital transnacional, transformou esses pequenos empresários em força produtiva que, juntamente com os prestadores individuais de serviços (seja na condição de trabalhadores precários, seja na condição de trabalhadores informais), é dirigida e dominada pelos oligopólios multinacionais, em suma, os transformou numa parte da nova classe trabalhadora mundial.
Restaram, portanto, as burocracias estatal e empresarial, o serviço público, a pequena propriedade fundiária e o pequeno comércio não filiado às grandes redes de oligopólios transnacionais como espaços para alocar a classe média. No Brasil, esta se beneficiou com as políticas econômicas dos últimos dez anos, também cresceu e prosperou.
Assim, se retornarmos ao exemplo do viajante brasileiro na Europa dos anos 1950 e 1960, diremos que a nova classe trabalhadora brasileira começa, finalmente, a ter acesso aos direitos sociais e a se tornar participante ativa do consumo de massa. Como a tradição autoritária da sociedade brasileira não pode admitir a existência de uma classe trabalhadora que não seja constituída pelos miseráveis deserdados da terra, os pobres desnutridos, analfabetos e incompetentes, imediatamente passou-se a afirmar que surgiu uma nova classe média, pois isso é menos perigoso para a ordem estabelecida do que uma classe trabalhadora protagonista social e política.
Ao mesmo tempo, entretanto, quando dizemos que se trata de uma nova classe trabalhadora consideramos que a novidade não se encontra apenas nos efeitos das políticas sociais e econômicas, mas também nos dois elementos trazidos pelo neoliberalismo, quais sejam, de um lado, a fragmentação, terceirização e precarização do trabalho e, de outro, a incorporação à classe trabalhadora de segmentos sociais que, nas formas anteriores do capitalismo, teriam pertencido à classe média. Dessa nova classe trabalhadora pouco se sabe até o momento.
5. Classe média: como desatar o nó?
Uma classe social não é um dado fixo, definido apenas pelas determinações econômicas, mas um sujeito social, político, moral e cultural que age, se constitui, interpreta a si mesmo e se transforma por meio da luta de classes. Ela é uma práxis, ou como escreveu E. P. Thompson, um fazer-se histórico. Ora, se é nisso que reside a possibilidade transformadora da classe trabalhadora, é nisso também que reside a possibilidade de ocultamento de seu ser e o risco de sua absorção ideológica pela classe dominante, sendo
O primeiro sinal desse risco justamente a difusão de que há uma nova classe média no Brasil. E é também por isso que a classe média coloca uma questão política de enorme relevância.
Estando fora do núcleo econômico definidor do capitalismo, a classe média encontra-se também fora do núcleo do poder político: ela não detém o poder do Estado nem o poder social da classe trabalhadora organizada. Isso a coloca numa posição que a define menos por sua posição econômica e muito mais por seu lugar ideológico, e este tende a ser contraditório.
Por sua posição no sistema social, a classe média tende a ser fragmentada, raramente encontrando um interesse comum que a unifique. Todavia, certos setores, como é o caso dos estudantes, dos funcionários públicos, dos intelectuais e de lideranças religiosas, tendem a se organizar e a se opor à classe dominante em nome da justiça social, colocando-se na defesa dos interesses e direitos dos excluídos, dos espoliados, dos oprimidos; numa palavra, tendem para a esquerda e, via de regra, para a extrema esquerda e o voluntarismo. No entanto, essa configuração é contrabalançada por outra exatamente oposta. Fragmentada, perpassada pelo individualismo competitivo, desprovida de um referencial social e econômico sólido e claro, a classe média tende a alimentar o imaginário da ordem e da segurança porque, em decorrência de sua fragmentação e de sua instabilidade, seu imaginário é povoado por um sonho e por um pesadelo: seu sonho é tornar-se parte da classe dominante; seu pesadelo é tornar-se proletária. Para que o sonho se realize e o pesadelo não se concretize, é preciso ordem e segurança. Isso torna a classe média ideologicamente conservadora e reacionária, e seu papel social e político é o de assegurar a hegemonia ideológica da classe dominante, fazendo com que essa ideologia, por intermédio da escola, da religião, dos meios de comunicação, se naturalize e se espalhe pelo todo da sociedade. é sob essa perspectiva que se pode dizer que a classe média é a formadora da opinião social e política conservadora e reacionária.
Cabe ainda particularizar a classe média brasileira, que, além dos traços anteriores, é também determinada pela estrutura autoritária da sociedade brasileira. De fato, conservando as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira é marcada pelo predomínio do espaço privado sobre o público e, tendo o centro na hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência, e as desigualdades são naturalizadas. As relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade; e, entre aqueles que são vistos como desiguais, o relacionamento toma a forma do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação, e, quando a desigualdade é muito marcada, assume a forma da opressão. A divisão social das classes é sobredeterminada pela polarização entre a carência (das classes populares) e o privilégio (da classe dominante), que é acentuada e reforçada pela adoção da economia neoliberal. Visto que uma carência é sempre particular, ela se distingue do interesse, que pode ser comum, e do direito, que é sempre universal. Visto que o privilégio é sempre particular, não pode unificar-se num interesse comum e jamais pode transformar-se num direito, pois, nesse caso, deixaria de ser privilégio. Compreende-se, portanto, a dificuldade para instituir no Brasil a democracia, que se define pela criação de novos direitos pela sociedade e sua garantia pelo Estado.
Parte constitutiva da sociedade brasileira, a classe média não só incorpora e propaga ideologicamente as formas autoritárias das relações sociais, como também incorpora e propaga a naturalização e valorização positiva da fragmentação e dispersão socioeconômica, trazidas pela economia neoliberal e defendidas ideologicamente pelo estímulo ao individualismo competitivo agressivo e ao sucesso a qualquer preço pela astúcia para operar com os procedimentos do mercado.
Ora, por mais que, no Brasil, as políticas econômicas e sociais tenham avançado em direção à democracia, as condições impostas pela economia neoliberal determinaram, como vimos, a difusão por toda a sociedade da ideologia da competência e da racionalidade do mercado como competição e promessa de sucesso. Uma vez que a nova classe trabalhadora brasileira se constituiu no interior desse momento do capitalismo, marcado pela fragmentação e dispersão do trabalho produtivo, de terceirização, precariedade e informalidade do trabalho, percebido como prestação de serviço de indivíduos independentes que se relacionam com outros indivíduos independentes na esfera do mercado de bens e serviços, ela se torna propensa a aderir ao individualismo competitivo e agressivo difundido pela classe média. Em outras palavras, o ser do social permanece oculto e por isso ela tende a aderir ao modo de aparecer do social como conjunto heterogêneo de indivíduos e interesses particulares em competição. E ela própria tende a acreditar que faz parte de uma nova classe média brasileira.
Essa crença é reforçada por sua entrada no consumo de massa.
De fato, do ponto de vista simbólico, a classe média substitui a falta de poder econômico e de poder político, que a definem, seja pela guinada ao voluntarismo de esquerda, seja voltando-se para a direita pela busca do prestígio e dos signos de prestígio, como os diplomas e os títulos vindos das profissões liberais, e pelo consumo de serviços e objetos indicadores de autoridade, riqueza, abundância, ascensão social – a casa no “bairro nobre” com quatro suítes, o carro importado, a roupa de marca etc. Em outras palavras, o consumo lhe aparece como ascensão social em direção à classe dominante e como distância intransponível entre ela e a classe trabalhadora. Esta, por sua vez, ao ter acesso ao consumo de massa tende a tomar esse imaginário por realidade e a aderir a ele.
Se, pelas condições atuais de sua formação, a nova classe trabalhadora brasileira está cercada por todos os lados pelos valores e símbolos neoliberais difundidos pela classe média, como desatar esse nó?
6. Para finalizar
Se a política democrática corresponde a uma sociedade democrática e se no Brasil a sociedade é autoritária, hierárquica, vertical, oligárquica, polarizada entre a carência e o privilégio, só será possível dar continuidade a uma política democrática enfrentando essa estrutura social. A ideia de inclusão social não é suficiente para derrubar essa polarização. Esta só pode ser enfrentada se o privilégio for enfrentado e este só será enfrentado por meio de quatro grandes ações políticas: uma reforma tributária que opere sobre a vergonhosa concentração da renda e faça o Estado passar da política de transferência de renda para a da distribuição e redistribuição da renda; uma reforma política, que dê uma dimensão republicana às instituições públicas; uma reforma social, que consolide o Estado do bem-estar social como política do Estado e não apenas como programa de governo; e uma política de cidadania cultural capaz de desmontar o imaginário autoritário, quebrando o monopólio da classe dominante sobre a esfera dos bens simbólicos e sua difusão e conservação por meio da classe média.
Mas a ação do Estado só pode ir até esse ponto. A continuidade da construção de uma sociedade democrática só pode ser a práxis da classe trabalhadora e por isso é fundamental que ela própria, como já o fez tantas outras vezes na história e tão claramente no Brasil, nos anos 1980 e 1990, encontre, em meio às adversidades impostas pelo modo de produção capitalista, caminhos novos de organização, crie suas formas de luta e de expressão autônoma, seja o sujeito de seu fazer.
Crônicas paulistanas
Era a manhã de uma quinta-feira, no “bairro nobre” de Higienópolis, em São Paulo. Pelas ruas, uma passeata, alguns folhetos e cartazes: os moradores de classe média “alta” do bairro puseram-se em movimento para impedir a construção de uma estação de metrô em sua vizinhança, alegando que a presença cotidiana de trabalhadores em trânsito traria violência, perigo, sujeira e crime, ameaçando a ordem e a segurança da região.
Era um sábado à noite. Nos aeroportos de Congonhas e Guarulhos, centenas de passageiros enfrentavam uma situação caótica: voos atrasados, alguns cancelados, outros transferidos de um setor para outro dos aeroportos, sem aviso prévio. Muita confusão. Uma parcela dos passageiros, com valises estampando griffes famosas para marcar sua posição de “alta” classe média, manifestou coletivamente seu profundo desagrado e, aqui e acolá, ouvia-se o mesmo refrão: “é isto o presente de grego deste governo. Entupiu os aeroportos com a gentalha que deveria estar nas estações rodoviárias, onde é o seu lugar!”.
Era um domingo à tarde. Precisei ir ao banco para fazer uma retirada de dinheiro.
Para as despesas da semana. Meu genro me deu uma carona, mas ao chegar à agência bancária não lhe foi possível estacionar porque as três entradas para carros estavam obstruídas por um enorme automóvel prateado, cujos vidros escuros impediam-nos de saber se havia alguém ali. Desci no meio da rua e ao me dirigir ao banco voltei-me para o veículo prateado e indaguei em voz bem alta, pois não sabia se, além de escuros, impedindo a visão, os vidros também seriam blindados, impedindo a entrada de algum som:
– Há alguém aí? Vocês vão ao banco? Estão impedindo o estacionamento de outros carros!
Nenhuma resposta.
Entrei na agência bancária e ia começar uma operação quando uma moça, toda faceira, vestida, calçada e maquiada com todas as marcas grã-finas, se aproximou e gritou:
– Não tem educação, não? Vai gritando assim pela rua? Retruquei:
– Você ocupou todo o espaço disponível para o estacionamento dos carros e eu não sabia sequer se havia alguém no seu carro.
Nesse exato momento, entrou um homem (não tão moço quanto ela, mas também coberto de griffes da alta moda) e gritou:
– Você pensa que eu vou estacionar o meu Mercedes em qualquer lugar? Foi a conta. Do fundo das minhas entranhas veio o brado:
– Você é o típico representante da classe média paulistana! Fascista! Você é uma abominação política!
Por alguns segundos ele ficou sem ação, mas a moça não teve dúvidas: me bateu. Voltei-me para ela:
– Você vai passar da violência verbal para a violência física? Você é uma abominação ética!

Os dois se entreolharam perplexos e ele retomou a iniciativa:
– Você é uma velha feia!
Foi a sopa no mel. Repliquei:
– A minha idade é um fato da natureza, é um dado objetivo. Você não pode transformar um dado da natureza num xingamento. Você é uma abominação cognitiva!
Os dois ficaram imóveis por um momento e partiram sem dizer mais nada.
Na verdade, foram derrotados naquilo em que, certamente, são sempre vitoriosos: seu intento, típico de classe média, de fazer valer o “sabe com quem está falando?”. De fato, suas falas procuraram automática e imediatamente estabelecer uma relação de hierarquia, em que eles eram a parte superior e eu, a parte inferior do pedaço: não tenho educação, não sei o valor de um Mercedes, devo mesmo apanhar e sou uma velha feia diante de dois jovens (ele, nem tanto) elegantes e bonitos. O intento era me inferiorizar e me humilhar, isto é, me pôr no meu lugar. Afinal, o que é que estou pensando que sou?
Fonte: Carta Maior | Política, 02/07/2013.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22284

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