Capital financeiro e mudança climática
Falta hoje um regime regulatório internacional que permita pensar que a economia mundial poderá reduzir sua pegada de carbono na atmosfera na velocidade exigida. O Protocolo de Kioto é uma ficção. E no setor financeiro é onde estão concentradas forças que se oporão fortemente a um acordo que evite o perigo da mudança climática catastrófica. (Na foto, a nevasca que acaba de atingir os EUA, apenas três meses após a tormenta tropical Sandy).
Alejandro Nadal – SinPermiso
As forças do capital financeiro dificultarão muito o enfrentamento das
mudanças climáticas. Alguns dizem que a estrutura do setor financeiro não
facilitará a transição para uma economia de baixo nível de carbono. O problema
é mais grave: o sistema financeiro é um potente obstáculo para prevenir uma
catástrofe derivada do aquecimento global.
Para avaliar a dimensão do perigo, é importante recordar alguns dados.
Na atualidade, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera alcança
as 394 partes por milhão (ppm). O CO2 é o gás de efeito estufa mais comum (não
é o único, nem o mais potente). Os modelos mais desenvolvidos sobre mudança
climática indicam que só abaixo das 450 ppm de CO2 se tem uma probabilidade de
manter o aumento de temperatura dentro da classe dos graus centígrados. Os
cientistas consideram que esse patamar não deve ser rebaixado caso se queira
evitar uma mudança climática catastrófica.
Estudos científicos consideram que para aumentar significativamente a
probabilidade de permanecer abaixo deste patamar a economia mundial deveria
limitar suas emissões para o período 2000-2050 a 886 gigatoneladas de
dióxido de carbono (GtCO2). Na primeira década do século se emitiram 321 GtCO2,
de modo que só nos resta um volume disponível de 565 gigatoneladas para o
período 2010-2050.
Dados da organização Carbontracker Initiative revelam que se se
extraíssem e queimassem as reservas mundiais conhecidas de combustíveis fósseis
(carvão, petróleo e gás) teríamos emissões superiores as 2.795 GtCO2. Ou seja,
essas reservas contém cinco vezes mais carbono do que o teto acima mencionado
de 565 GtCO2. Extrair e usar essas reservas poderia levar à concentração de CO2
na atmosfera para as 700 ppm, o que mudaria o planeta tal como o conhecemos.
Agora, as reservas de combustíveis fósseis das 200 empresas mais
importantes de carvão, petróleo e gás no mundo (empresas cotizadas em bolsas de
valores) tem reservas com um potencial de carbono de 745 GtCO2. Isso quer dizer
que se estas empresas extraírem e queimarem suas reservas estaremos rebaixando
para 180 GtCO2 o volume que nos resta disponível para o período 2010-2050 (as
565 GtCO2 acima mencionadas). O problema é ainda mais sério porque estas cifras
não incluem as empresas estatais e tampouco levam em conta as gigantescas
reservas de gás natural que existem no xisto nos Estados Unidos e em vários
outros países.
O problema é que as reservas nas mãos destas companhias já estão
anotadas em seus balanços com um enorme valor monetário. Uma avaliação destas
empresas admite que essas reservas serão efetivamente realizadas, o que
significa que serão extraídas e utilizadas. Do ponto de vista contábil, ninguém
está preocupado se a utilização dessas reservas é suficiente para ultrapassar o
perigoso patamar dos graus centígrados. A mudança climática não é um conceito
contábil.
Para dizê-lo de outro modo, se existisse uma autoridade capaz de
aplicar a restrição das 565 GTCO2 para os próximos quarenta anos, estas
empresas somente poderiam queimar umas 150 GtCO2. O restante, carbono não
injetado na atmosfera, seria de ativos sem valor e se traduziria em perdas
colossais para os investidores que comprometeram recursos nessas empresas.
Essas 200 empresas do mundo da energia fóssil têm um valor em bolsa
equivalente a 7,4 trilhões de dólares. Os países com maior potencial de gases
de efeito estufa nas reservas de empresas que operam em bolsas são Rússia,
Estados Unidos e Reino Unido. E nas bolsas de valores de Londres, São Paulo, Moscou,
Toronto e do mercado australiano até 30% da capitalização de mercado está
vinculada a combustíveis fósseis.
Estamos na presença de um conflito de dimensões históricas: de um lado
está a comunidade científica advertindo para não se queimar essas reservas de
combustíveis fósseis e do outro estão as empresas e investidores que tem
interesse em realizar seus ativos (extrair e usar essas reservas). Quem
prevalecerá? Nos últimos 30 anos, o setor financeiro do mundo foi capaz de
dominar a política macroeconômica. Com efeito, as prioridades da política
monetária e fiscal do mundo inteiro respondem hoje (inclusive em meio à crise)
às necessidades do capital financeiro. Por que seria diferente no que diz
respeito às políticas sobre mudanças climáticas?
Hoje carecemos de um regime regulatório internacional que permita
pensar que a economia mundial poderá reduzir sua pegada de carbono na atmosfera
na velocidade exigida. O Protocolo de Kioto é uma ficção e a única coisa que
resta é um “compromisso” para se chegar a um acordo em 2015 que deverá entrar
em vigor em 2020. No setor financeiro estão concentradas forças que se oporão
com tudo a um acordo que evite o perigo da mudança climática catastrófica.