segunda-feira, dezembro 29, 2008

roteiros

Leituras de memórias

É espantoso o colorido da diversidade dos dizeres populares, do vocabulário presente no dia-a-dia das pessoas simples, as interpretações, as leituras feitas da realidade, muitas delas tem um significado impar.  Na real, algumas frases e construções de idéias chegam à memória nesse momento de escrever, são revelaçoes emblemáticas de nossa “cultura” popular pela expressividade nos sentimentos existentes nas palavras.

Do orgulho: “Se tivesse dois bicos de asas nem pisaria no chão sairia voando”.

O menino tem um irmão que teimosamente mantém um carro, mesmo sem renda regular. Um carro é como uma família, dá despesa. Mas sua mãe o ajuda, quando precisa de uma carona para ir ao médico ela paga a gasolina, é o preço "necessário" da corrida. Sua irmã vive presa a uma cadeira de rodas desde a adolescência, e sua a mãe só a vê quando ela encosta na frente de sua casa carregada pelo marido "dono" de um jipe rústico e de suspensão dura, que não faz bem nenhum as feridas da bunda dela. Elas tem entre si uma antiga mágoa que não cicatrizou, feridas no coração nunca perdoadas. 

A diarista que trabalha para a velha mãe deles fala com indignação sobre o bem vestido filho que "aluga" o carro, e acha graça irônica da senhora mãe deles, que tem de pagar pelos favores do filho, mas a "senhora" mãe tem uma grande paixão por ele. O sol da sua praia. Que orgulho tem asa, tem, mas só um bico de asa, o vício da acomodação também. Para muitos deixar ficar como está é muito confortável, as aparências sustentam as ilusões.

Da ignorância: “Quem não nasce pra sela serve pra cangalha”.

Por volta de abril 1964, o menino estudante ouviu o discurso do Golpe, na voz com sotaque claro nordestino do general Castello Branco; o pequeno "de cara de tamanca ralada" parou na passagem da porta do armazém, que ao mesmo tempo funcionava como padaria, bodega, tabacaria, armarinho, latrina de cachorro vira-latas e bêbados etc., pensou nas palavras do “cabeça chata” sem compreender o significado do verbo no futuro, e continuou olhando para seus tamancos, pouco suspeitando da gravidade daquele movimento de reação autoritária aos ventos das mudanças que começaram a se formar desde antes do governo Goulart.

A radicalização dos fatos falaria por si. Nenhuma publicação sobre as perseguições aos críticos do “modelo” imposto, comentários sobre as leis arbitrárias decorrentes da mentira chamada “revolução”, nada poderia ser ventilado da nova geopolítica ditada pelos interesses estadunidenses, o “projeto nacional” baixado pelo peso dos decretos das estrelas generais para o "país do futuro". O que sobreveio disso tudo caiu como chumbo grosso sobre a cabeça dos atores armados pelas idéias e também dos inocentes... Quem deve ter admirado o fato foi o pai do menino de cabeça raspada em cuia, um pai-militar, soldado de carreira sem muito estudo. Seus superiores o mandaram para por ordem em uma delegacia da pequena cidade do sertão alagoano, Colônia de Leopoldina. Lá chegou a presenciar umas seções de uso da palmatória de madeira, utilizada na tortura de presos, culpados humildes, ladrões de galinha.

O menino de calção caque e tamancos queria trancar os sentimentos, seus olhos, mas via tudo apertando as suas mãos que pareciam arder, juntas, trêmulas e avermelhadas, como se estivessem experimentando as mesmas dores do castigado pela perversidade do delegado. Um borra-botas, segundo sua avó.

Da curiosidade: “Pedra que rola não junta limo”.

A “secretária” da avó do menino pegava a vassoura de cabo comprido envernizado para limpar algumas pucumãs, que pairavam na cumeeira da casa de praia onde o "calça curta" junto com seus irmãos passavam as férias. Uma casa bonita, com um santo de azulejo na fachada, construída bem no meio de um loteamento na orla do Trapiche da Barra em Maceió. Tempos de alegria, das tardes de jogos e brincadeiras após a lição de casa feita com o mesmo interesse que tanto tinha pelos divertidos momentos de construir caminhões de lata de óleo e rodas de carretéis de madeira.


sexta-feira, dezembro 26, 2008

recriando

Ferramenta para mosquito

Mexo as pernas me afastando de um inconveniente mosquito zombeteiro. A tarde se estende cortada pelos meus deveres e passo o tempo recriando coisas nos pensamentos, o dia vai dando lugar às trocas de luzes do entardecer. Me acompanha um calor forte, clima estranho, que faz transpirar mais, dando a pele uma sensação de umidade viscosa, colante, anfíbia. Toda água do banho se evapora num minuto de mormaço, fico nu, o ar é quente, nem preciso usar a toalha para me enxugar. Arre égua!

O silêncio bordeja como uma companhia, inerente, contribuindo na dinâmica criativa, ele está comigo sem ser convidado. Só o que impressiona meus martelos e bigornas é o tal mosquito, me sinto quase um surdo no espaço que compartilho com o chatonildo, faço gestos indecifráveis sobre o teclado do desktop e num impulso começo a dançar no meio da sala. Um vôo sopitado, dá até para ouvir o zim zim do maldito mosquito que perturba em tréguas meu silencio interior. Reticente, ando devagar até o banheiro, molho as mãos numa sabida técnica infalível aprendida há poucos dias, não por acaso, retorno com as mãos cobertas de água, permitindo superfícies adequadas, aderentes, assim colidindo no extermínio, tornando mais rápida a ação de espremer o irritante inseto sugador de meu sangue, logo, lá está, então, ele entre os dedos, num rápido bote manual, o sucesso da captura, visivelmente eficaz, sem qualquer chance para o escape, nem pela usual mimetização com as variadas entranhas do ambiente, ou pelos vôos no invisível, nas entrelinhas das sombras, rasgos dos objetos ou passagens de cantos, escurinhos camuflantes. Essa foi uma descoberta de uma ferramenta para exterminar os meus mosquitos, só os que convivem no meu espaço. Agora continuo meu olhar na leitura e escrevendo escuto algo.

Estancada a caça ao pernilongo um lindo canto desperta a minha atenção, é clássico, acompanhado por uma música ao piano. Faz parte de um fundo musical de um documentário sobre o século XX. Que século! Diz-se que aconteceu por importância nos últimos 20 anos de uma só vez... Uma bomba tecnológica, incrível transformação do mundo, e ainda em expansão, com efeitos colaterais duradouros sem horizonte palpável de conclusão, pelas profundas alterações no meio ambiente e as incoerentes razões de continuidade dos padrões e contradições que mantém em seu movimento criador-destrutivo. Exegese, busca de paradigmas diferentes, descoberta de outro padrão de transformação da natureza, reaprendizado do viver entre si e para si, de novas formas de relações sociais essenciais a existência, de preservação da natureza vital? Ora, esqueci a água do café no fogo, espere que eu volto. Continue lendo...

Os homens criam as ferramentas as ferramentas recriam os homens. [McLuhan]
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olho vivo - resenha de livros

 “O Olho da Rua: Uma Repórter em Busca da Literatura da Vida Real”.
De Eliane Brum.
 
Globo, 422 págs., 2008

Se você procurar na grande imprensa quem está praticando a arte narrativa do real com regularidade, consistência e alta qualidade, no Brasil de hoje, será quase impossível não se deparar com o nome de Eliane Brum, repórter especial da revista “Época”. Há um bom tempo, Eliane vem escrevendo matérias com forte marca de trabalho autoral, num modo de olhar o mundo todo seu e num estilo narrativo muito próprio, optando na maioria das vezes por pautas que passam ao largo do interesse da mídia.

Este seu terceiro livro é uma excelente antologia da sua produção, reunindo dez dessas matérias. Dar-lhes o benefício de alcançar existência atemporal, superando a efemeridade do periódico, condição que o livro-reportagem oferece, já seria um grande mérito da autora. Mas, criteriosa e exigente consigo mesma, Eliane não se contenta apenas em reproduzir os textos originais. Pensando especialmente em estudantes de jornalismo – futuros praticantes da arte da qual ela é expoente, espero –, acrescenta um alentado making of a cada reportagem, comentando os bastidores de sua feitura, dissecando seus procedimentos, desnudando a alma, diante do leitor, quanto aos erros e acertos de percurso.

Todos os textos constroem-se em torno de personagens anônimos, numa tradição do Jornalismo Literário ao qual a autora chegou intuitivamente, preferindo colocar em primeiro plano as pessoas que quase nunca ocupam as páginas dos jornais, vivendo na marginalidade social de uma civilização profundamente injusta. Esquecidas pelo resto do mundo, ganham um tratamento exemplar de dignidade humana nas histórias que revelam a grandiosidade compassiva das parteiras do Amapá, a honrável luta contra o tempo dos idosos do asilo carioca, a batalha por uma vida cotidianamente normal dos habitantes da favela paulistana, as oscilações entre o céu e o inferno de um dono de garimpo no Norte, a coragem silenciosa da aposentada que está condenada pela doença a viver seus últimos dias sabendo que vai morrer.

Um dos segredos dessa arte é unir os conteúdos da realidade apurada com precisão à forma narrativa de requinte literário que diz muito à mente do leitor, mas particularmente transmite mais ainda ao seu coração. O uso de representação simbólica que condensa numa frase a essência de uma história, a alma de uma vida, é um dos instrumentos utilizados com maestria por Eliane. Assim, as parteiras “nasceram do ventre úmido da Amazônia”; o desempregado Hustene Alves Pereira, apenas um número nas estatísticas oficiais, está “debruçado sobre o abismo metropolitano”; e dona Noêmia é resgatada da velhice solitária pela filha que a faz atravessar o portão de ferro para fora do asilo, “a vida inteira espremida numa mala de mão”.

Ouvir, ver, cheirar, apalpar e sentir realidades, intensamente imersos no mundo dos outros, é um atributo dos praticantes da arte. Mas é também virtude, em ocasiões especiais, voltar-se para dentro, sem preconceitos, buscando com lâmpada de explorador de cavernas os próprios demônios dos subterrâneos escuros. Essa preciosidade absolutamente sincera a autora nos dá, em um de seus textos.

E confessa: “Sou alguém que tenta viver duvidando o tempo todo das certezas, das minhas e das alheias. E por isso estou sempre em carne viva. Neste livro, como na vida, tudo o que tenho a oferecer sou eu mesma. Espero que seja suficiente”. (EPL)

* texto publicado no site da ABJL – Associação Brasileira de Jornalismo Literário na seção Olho Vivo, resenha de livros.

terça-feira, dezembro 23, 2008

lembranças

Pedras de rio

Torcendo nossa boca aos cacos do ofício,
Por vezes engolindo sapo cansávamos.
Aos trancos do transito mal planejado
Grifados na pressa sem sentido horário.

Comentávamos a preguiça despejada ontem,
Domingo mormaço em onze-horas florindo.
Após uma chuva fina saída da lua plena
Que caía pintando de luz prateada de rio.

A meia banda da varanda era na esquina,
Toda nossa vista da rede de rendas
Cheia pela gente em silencio que sorria
Nas manhãs que nascíamos feito sementes.

Girando a cabeça buscávamos pirilampos
E muita coisa no céu até caírem as estrelas.
Um nó na garganta à colher nossa alegria
Chapada na íris azul do pé da página do dia.

domingo, dezembro 21, 2008

partindo

Anjos de Vidro

Olhei aquela mulher como se mirasse uma borboleta
Visão condensada de calor nos volteios de sua pele
Só por um momento invadi uns seus pensamentos
Depois disso cada hora de hoje abre-se como flores

Senti meu movimento transformar-se em um aviso
Indo me ver partir e agradecer o presente desse gesto
Convidando respostas por anjos de vidro em festa
Filhos e amores brilhando nos anéis de nossos dedos

Avancei em passos de uma dança ainda não passada
Certas palavras permaneceriam precisando serem ditas
Mais uma vez nossas asas deixavam no ar impressões
Donde saíam grãos de olhares acendendo nossas vidas

domingo, dezembro 14, 2008

poema que viaja

Ternário

 

Com passos mais ritmados salto o aroma levitado de fúcsias

Espalho sementes de sol pelas ranhuras de minha bagagem

Brincadeiras de roda desfazem as máscaras abrindo os sonhos

E as marcas apontam a direção nessa cidade de olhar distante

 

Sons de raios iluminam os amores que dobraram a esquina

Decerto para continuar caminhando mais perto da nova luz

Esqueço os pesos que me arrastavam para um passado cego

Ou me nego a enxergar além do corpo desse tempo incerto

 

Vaga-lumes e borboletas ensaiaram o concerto dentro de mim

Suporto a terra sob o ar em paixão de labareda tempestuosa

Beijando a boca molhada que diz ao vento a vela que permanece

Assim como dar a mão ao outro que se entrega quando pede


sexta-feira, dezembro 12, 2008

comportamentos

Uma crise "cultural"


Investidores tentam prever não a economia, mas o comportamento dos outros investidores
por Contardo Calligares

QUASE SEMPRE, antes de eu pegar no sono, o noticiário da CNN International anuncia a abertura dos mercados asiáticos; aprendo assim, por exemplo, que Tóquio, Seul, Hong Kong e os australianos abriram em forte queda.

Escuto essa notícia como ruído de fundo, enquanto leio; no entanto, se tivesse dinheiro investido em ações aqui no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa, seria diferente: eu prestaria a maior atenção, mas por razões que surpreenderiam um investidor de, digamos, 50 anos atrás. Explico:

O investidor de 50 anos atrás acharia ótimo saber com tamanha prontidão o que acontece nas Bolsas dos quatro cantos do mundo e, provavelmente, ele pensaria assim: "Se os asiáticos estão liqüidando suas posições é porque algo deve ter acontecido que afeta setores-chave das economias locais; vou tentar descobrir de que se trata e quais os efeitos para as empresas nas quais eu investi meu capital".

O investidor de hoje pensaria mais ou menos assim: "Daqui três, quatro ou cinco horas, segundo o fuso horário, de Connecticut à Califórnia, milhões de americanos ligarão seu notebook enquanto tomam o primeiro café do dia. Eles saberão da queda das bolsas asiáticas e logo digitarão as ordens de venda das principais posições de suas contas. Não lhes importará saber a razão pela qual as Bolsas asiáticas caíram e se isso tem ou não implicações imediatas para seus investimentos, só lhes importará estar entre os primeiros a vender. Pois bem, vou vender antes deles".

O protótipo do investidor moderno nasceu nos anos 90: era o "day-trader", o investidor-diarista. Em geral, não se tratava de profissionais do mercado financeiro, mas de pessoas que abandonavam seus vários ofícios para se dedicar a fazer frutificar o pequeno (ou grande) capital de sua poupança. Eram chamados diaristas, porque vendiam todas suas posições e voltavam para o dinheiro líquido ao fim de cada dia.

Eles trabalhavam em lan houses especializadas, que garantiam uma ligação à internet muito rápida, e se serviam de corretoras que ofereciam cotações em tempo real e operações a um custo fixo, entre US$ 10 e US$ 20. O "day trader", ao longo do dia, observava as flutuações do mercado e pegava breves caronas nas tendências ascendentes. Por isso, ele nem precisava saber o que produziam as empresas nas quais estava "investindo", pois, de fato, ele não investia em empresa alguma, ele apenas apostava que os investidores, comprando, sustentariam um movimento de alta o tempo suficiente para ele entrar e sair, realizando assim lucros rapidíssimos (embora, claro, pequenos).

Os diaristas sumiram da praça, mas seu espírito parece dominar os investidores desde então. Eis como: o saber que o investidor hodierno mais preza não é o saber sobre o andamento da economia produtiva, sobre as fusões, o comércio, as mudanças tecnológicas, os lucros das empresas etc. Para o investidor hodierno, tudo isso importa menos do que um saber, quase psicológico, sobre o comportamento do mercado, ou seja, sobre o comportamento dos próprios investidores -dele mesmo e de seus colegas.

Como é que se chegou a essa mudança, que separou de vez o mercado fincanceiro da dita "economia real"? Uma história explica qual é e como funciona o saber preferido por nós modernos (investidores ou não).

Em algum lugar da Nova Inglaterra, os colonos, recém-chegados e instalados no alto de uma colina, receavam que seu primeiro inverno em terra americana fosse muito frio. Eles cortaram bastante madeira e, enfim, recorrereram à sabedoria dos índios, que acampavam na colina em frente à deles. Foram consultar o xamã: "Como será o inverno?". "Será muito frio", respondeu o xamã. Os colonos cortaram mais madeira, aumentando seu estoque. No fim de novembro, eles decidiram consultar novamente o xamã, que desta vez respondeu: "Será muito, muito, muito frio". Os colonos não hesitaram: serraram e empilharam madeira até não poder mais. Já em dezembro, só para garantir, eles voltaram a interrogar o xamã, que desta vez respondeu que seria o inverno mais frio de todos os tempos. Os colonos iam voltar preocupados para suas barracas e, claro, amontoar mais madeira quando um deles perguntou para o xamã: "Mas como você faz para saber como será o inverno?". "É simples", respondeu o xamã, "olho para as casas dos colonos lá na colina em frente. Se eles cortam muita madeira, é que o inverno será frio".

quarta-feira, dezembro 10, 2008

fragmentos de uma crítica

O texto abaixo foi recortado de uma leitura feita nesse momento em que procuro me aprofundar sobre as visões e correntes da ética ambietal, sobre  "desenvolvimento sustentável" e meio ambiente. É um trecho do artigo "O marxismo e o 'desenvolvimento sustentável'" do Pierre Cise, escrito para a revista A Verdade nº 58/59 de abril de 2008, que tratou do tema O Ecologismo contra a Ecologia e Questões climáticas e o capitalismo.

Todo o discurso sobre o ecologismo e o “desenvolvimento sustentável” tende a demonstrar que a ação do homem sobre a natureza é a única responsável pelos danos que foram causados a esta última. Trata-se de uma visão deliberadamente estreita do problema.

O marxismo dá um lugar muito importante à relação do homem com a natureza e aos efeitos mútuos dessa relação. Desde o início dos tempos, o homem, ele próprio produto da natureza, confronta-se com ela para a sua sobrevivência e a reprodução de sua espécie, em uma relação a que se dá o nome de trabalho.

Engels indica em sua obra “A Dialética da Natureza”, principalmente no magnífico capitulo intitulado “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, que “o trabalho é a condição fundamental primeira de toda vida humana, e o é a tal ponto que, em certo sentido, é preciso dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem”. O que Marx igualmente diz em “O Capital”: “(...) o trabalho é a condição indispensável da existência do homem, uma necessidade eterna, o mediador da circulação material entre a natureza e o homem”.[1]

Com efeito, nessa relação, o homem utiliza as leis da natureza (da qual, lembremos, ele próprio é originário) para seus próprios fins, a saber, sua sobrevivência. Nesse processo, ele alarga seus horizontes, a percepção de seu meio ambiente, o conhecimento de propriedades e fenômenos novos que ele utiliza, por sua vez, para avançar no domínio de suas condições de subsistência e escapar às condições de seu meio ambiente.

Essa relação homem-natureza não é unilateral. Não se trata, de um lado, de um homem pré-existente, colocado ali por não se sabe qual mão invisível e encarregado de não se sabe qual missão divina, e, de outro lado, uma natureza também pré-existente, provida de quantidade limitada de meios, espécie de despensa de mantimentos na qual seria preciso retirar os produtos com parcimônia, a fim de que não se esvazie completamente. A relação homem-natureza é uma inter-relação. O homem age sobre a natureza, ação que por sua vez age sobre o homem e lhe abre novas perspectivas.

Em “O Capital”, Marx explica: “O trabalho é em primeiro lugar um ato que se passa entre o homem e a natureza. O homem desempenha ele próprio diante da natureza o papel de uma potência natural (...). Ao mesmo tempo que age por meio desse movimento sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica sua própria natureza, e desenvolve as faculdades que nele adormeciam”.

Essa ação do homem sobre a natureza é, portanto, também uma ação de transformação da natureza que tem necessariamente um impacto sobre o seu meio ambiente. A vocação do homem não é a de manter essa natureza que lhe foi dada, como querem nos fazer crer os dogmas religiosos[2], mas a de transformá-la para responder às suas necessidades de sobrevivência. Desde tempos imemoriais, o homem melhorou sua relação com a natureza, ao desenvolver técnicas de produção que modificaram profundamente o meio ambiente: agricultura (abrangendo o desmatamento, a irrigação etc.), a criação de animais (abrangendo a seleção de espécies), a pesca, a destruição de parasitas, a produção de ferramentas, a produção industrial, o comércio etc. Isso teve como conseqüência igualmente desenvolver, por meio da ciência, um melhor conhecimento sobre o meio ambiente, novas possibilidades de utilizá-lo e, portanto, de dominá-lo.

Nessa relação sempre renovada, o homem utiliza-se de meios de trabalho com os quais modifica os objetos segundo a sua vontade, segundo um caminho cada vez mais consciente, planificado. O objeto torna-se produto, ou seja, passa de um objeto natural a um objeto humano. Como disse Marx, “qualquer elemento da riqueza material não fornecido pela natureza deve sempre sua existência a um trabalho produtivo especial que teve por objetivo adaptar as matérias naturais às necessidades humanas”[3]. Mesmo o carvão e o petróleo, riquezas materiais dadas pela natureza, só se transformam em carvão e petróleo, ou seja, em matérias-primas, pelo trabalho do homem, e, por isso, tornam-se objetos humanos e não um dom de Deus.

O Relatório Brundtland e as encíclicas papais, ao insistir sobre o caráter definitivamente limitado, ou seja, pré-determinado de nossos conhecimentos, não levam em conta essa interação entre homem e a natureza. Nos anos 70, todos os especialistas asseguravam que o essencial das reservas de petróleo se esgotaria no decorrer dos anos 1990-2000. Hoje, nos dizem que isso ocorrerá daqui a 40 ou 50 anos. Por quê? Porque, confrontados a essa questão, pesquisadores e engenheiros desenvolveram novas técnicas que permitiram identificar melhor novos recursos e explorar da melhor maneira os recursos existentes. E isso ocorre em muitas outras áreas.

No entanto, apesar desses avanços da ciência no domínio da natureza, assiste-se a uma degradação generalizada das relações dos homens com a natureza, que se exprimem na presença persistente da fome, das epidemias, e também no recuo da pesquisa fundamental em favor da pesquisa aplicada à produção (ou seja, à realização do lucro), sem falar dos questionamentos de todas as conquistas da humanidade e, evidentemente, dos danos causados ao meio ambiente.

Por que tudo isso? Porque a relação do homem com a natureza evolui também e, sobretudo, em um contexto que é o das relações dos homens entre si.

Assim, Marx explica em “O Capital”: “Ao produzir, os homens não estão apenas em relação com a natureza. Eles só produzem se colaborarem de uma certa maneira e fizerem intercâmbio de suas atividades. Para produzir, estabelecem entre si ligações e relações bem determinadas: seu contato com a natureza, ou, dito de outra forma, a produção, se efetua unicamente no quadro dessas ligações e dessas relações sociais”.

Essa relação com a natureza se move no quadro de relações sociais, de estruturas que podem estimulá-las ou freá-las, ou até mesmo destruí-la. Para Marx, a produção é sempre social. Como ele indica em “Contribuição à Crítica da Economia Política”, ela é sempre “apropriação da natureza por parte do indivíduo no interior e por intermédio de uma forma social determinada”. E essa forma social são as relações sociais de produção.

O homem das cavernas e o cientista em seu laboratório desenvolvem ações sobre a natureza que têm uma base comum. A primeira é uma relação simples com a natureza, a outra uma relação muito mais complexa. Por que uma é simples e a outra complexa? Porque essa relação fundamental de ambos com a natureza realiza-se sob formas históricas diferentes, ou seja, no quadro de relações sociais diferentes, em um nível diferente de desenvolvimento das forças produtivas, de onde deriva que há diferentes capacidades de dominar a natureza. Em outras palavras, a qualidade da interação homem-natureza é totalmente marcada pelas relações de produção e integra seus desenvolvimentos e suas contradições.

Com efeito, se as relações de produção permitem o desenvolvimento das forças produtivas, o equilíbrio entre a sociedade e a natureza se restabelece no processo de reprodução num grau sempre renovado. Desde que essas relações de produção não permitem mais esse desenvolvimento das forças produtivas, e mesmo as transformam em forças destrutivas, a reprodução da sociedade se faz num nível mais degradado, em uma relação mais desequilibrada, mais destrutiva com a natureza, provocando uma desintegração parcial da própria sociedade.

O regime capitalista, como relação social de produção fundada sobre a propriedade privada dos meios de produção e sobre a exploração da força de trabalho, não escapa a essa situação.

Em “A Dialética da Natureza”, Engels explica: “Assim como o capitalista só se interessa pelo lucro obtido com a venda de suas mercadorias, sem se preocupar com o que ocorre com essa mercadoria após a venda, no regime capitalista, a busca do lucro imediato oculta os efeitos posteriores dessa busca. (...) A ciência social da burguesia, a economia política clássica, ocupa-se principalmente dos efeitos sociais imediatamente buscados pelas ações orientadas rumo à produção e à troca. (...) Diante da natureza, como da sociedade, só se considera, no modo de produção atual, o resultado mais próximo, mais tangível; e as conseqüências longínquas das ações que visam a esse resultado imediato são muito diferentes, e, mais freqüentemente de fato opostas.

Isso que Engels escreveu é muito importante. A dinâmica do capitalismo, no curso de sua emergência como modo de produção dominante, constituiu uma poderosa alavanca no processo de domínio da natureza, de submissão da natureza às necessidades do homem. Mas essa dinâmica era baseada no lucro, mais precisamente na busca do efeito imediato do processo de valorização do capital, sem ver seus efeitos posteriores sobre a relação homem-natureza. O progresso cientifico, que visa principalmente a conhecer as conseqüências a mais longo prazo de nossas ações imediatas sobre a natureza e a aprender a dominá-las, é cada vez mais submetido a essa exigência de lucro. A própria ciência dirige-se cada vez mais em direção à pesquisa desse efeito imediato. Em uma sociedade na qual como disse Engels, “o lucro a ser realizado pela venda torna-se o único motor”, então, nos diz Marx, “a ciência torna-se uma forma produtiva imediata”.

(...) A tendência fundamental do imperialismo de destruir as forças produtivas não pode permitir uma reprodução em um nível superior – e nem no mesmo nível – dessas forças produtivas, e portanto uma relação melhorada com a natureza. Isso se tornou uma realidade palpável nos últimos 50 anos, (...).

“O lucro a ser realizado pela venda torna-se o único motor”. Esse lucro tem por referência hoje a enorme rentabilidade exigida pelo capital financeiro, as taxas de rendimentos da especulação. A ciência, e a ciência da ecologia, em particular, só é tolerada se estiver totalmente compatível com esse quadro.

As estatísticas e os dados econômicos oficiais demonstram que o esforço de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em matéria de ciência do meio ambiente mantém-se constantemente marginal.

(...)

Assim, a pesquisa destinada a avaliar os efeitos a longo prazo das ações imediatas e, como dizia Engels, “a elucidar as conseqüências sociais indiretas e longínquas de nossa atividade produtiva, e com isso [nos dar a] possibilidade de dominar e de regular essas conseqüências”, é de fato sacrificada em favor do objetivo imediato que é o lucro, sabendo-se que este, na era imperialista, só se realiza por meio da destruição das forças produtivas, incluindo essa “força produtiva imediata” que é a ciência.

A poluição do ar, da água, dos solos e subsolos, a exploração extrema dos recursos naturais, a destruição de espécies vivas, a destruição das florestas etc. são uma expressão desse movimento à destruição das forças produtivas que integra o processo de conjunto da ofensiva generalizada contra o valor da força de trabalho, principal força produtiva, degradando suas condições de reprodução. Quando o homem tem cada vez menos condições de se alimentar, de ter cuidados médicos; quando ele não pode trabalhar porque é demitido ou o consideram “muito caro”; quando se empurram homens esfomeados e desprovidos de tudo a se matar entre si nas “guerras étnicas”; quando se destroem os meios de resistir aos ciclones e inundações em virtude das políticas de ajuste estrutural do Banco Mundial e do FMI ou da destruição dos serviços públicos; quando as verbas para pesquisa fundamental estão em baixa constante; não há deterioração da relação do homem com a natureza? O sistema capitalista e suas instituições não são os responsáveis?

(...)

“Desenvolvimento sustentável” e corporativismo

Ao ocultar de forma deliberada a questão das relações de produção, os defensores do ecologismo e do “desenvolvimento sustentável” querem apagar a luta de classes. Para eles, não há exploradores nem explorados, mas apenas homens em geral. Para eles, não há diferença entre o camponês expulso de sua terra que vai, com outros, afundar-se na mata e explorá-la de forma anárquica e destrutiva, para sobreviver, e a multinacional que vai pilhar essa mesma mata para suas necessidades de lucro. Todos são responsáveis? Na realidade, o camponês fustigado por nossos ecologistas pode muito bem morrer, desde que ele não toque nesse “bem comum” que é a natureza. Quanto à multinacional, poderá sempre continuar a obter lucros sob a cobertura de meios “ecologicamente responsáveis” abençoados por esses mesmos ecologistas. Eis aí o verdadeiro rosto da equidade no reino do “desenvolvimento sustentável”.

(...)

O “desenvolvimento sustentável” e os lucros, especulação e destruição

Sempre desempenhando seu papel na ofensiva corporativista do capital financeiro, o “desenvolvimento sustentável” é também uma fonte de lucro para este. E isso não data de hoje. Bem antes da “moda ecologista” atual, Marx dedicou várias páginas do Livro III, seção 1, de “O Capital” à questão da reutilização dos resíduos da produção e do consumo (em uma palavra, os dejetos) como meio para os capitalistas de economizar o capital constante e obter mais lucro.

O tratamento de águas usadas, de dejetos industriais e domésticos, a fabricação de aparelhos de filtragem de fumaça e de gás etc. estiveram na origem da constituição de poderosos grupos industriais e financeiros. Na França, isso diz respeito, por exemplo, aos grupos Suez (que, aliás, sob injunção da União Européia, deve ceder seu pólo ambiental para se fundir com a EDF) e Véolia (ex-Générale des Eaux).

Hoje os grandes grupos industriais e financeiros absorveram perfeitamente as questões ligadas ao meio ambiente e sua degradação, com a ajuda da economia política. Isso de maneira nenhuma desqualifica as preocupações legitimas que se exprimem a respeito dessas questões na população. Mas essas preocupações são diluídas em um quadro que, ao isolar cuidadosamente a questão do meio ambiente da do regime econômico e social que produz a sua destruição, ao reduzi-la a uma questão de comportamento individual, ao lhe dar nenhum caráter de classe e, ao contrário, ao fazer dela um quadro de associação capital-trabalho, fornece condições inteiramente satisfatórias aos capitalistas para desenvolver aquilo que já é designado como o “negócio verde”.

Na França, o total dos negócios do setor da ecologia industrial representa 30 bilhões de euros nos setores de recuperação dos dejetos, do tratamento das águas e das energias renováveis. Apenas no setor de coleta e tratamento de dejetos, os grupos Véolia e Suez fizeram negócios de 9 bilhões de euros em 2006, ou seja, dez vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. No setor de energias renováveis, houve o ingresso das maiores companhias petrolíferas, e o crescimento é tal que muitos observadores temem uma “bolha” do mesmo tipo da formada há menos de dez anos na internet.

Mas, depois de tudo, se poderia considerar (e alguns o consideram efetivamente) que se os capitalistas conseguem seu lucro nos setores que visam a “salvar o planeta” de desastres ecológicos, isso representa finalmente uma solução equitativa para todos, uma solução “ganhador-ganhador”, como se diz hoje. Mas na verdade não é nada disso. Apesar dos esforços da ecologia política, o capitalismo em seu estágio imperialista não pode esconder sua verdadeira natureza, inclusive quando investe nas questões do meio ambiente. Aqui, como em outras áreas, são a destruição e a especulação que dominam. Peguemos apenas dois exemplos para ilustrar isso.

O primeiro exemplo é o mercado de permissão de emissão de gases de efeito estufa, principalmente o CO2 (dióxido de carbono). O mercado de emissão foi criado no quadro do Protocolo de Kyoto, cujo objetivo era diminuir, até 2012, as emissões de gases do efeito estufa ao nível registrado em 1990. O princípio definido pra alcançar esse objetivo é a utilização de permissão de emissões negociáveis no mercado. No quadro de uma cota de emissões de gases de efeito estufa fixado pelo próprio Estado, permissões de emissões de gases de efeito estufa são distribuídas às empresas situadas em sítios industriais pré-selecionados. Essa permissão representa o direito de emitir na atmosfera uma certa quantidade de gases estufa (expressa em toneladas equivalentes de petróleo ou mais simplesmente em toneladas). Cada empresa tem a mesma cota. Se uma delas consegue emitir menos gás, e, portanto, não utiliza a totalidade de sua cota de permissão, pode revender essas permissões excedentes a uma outra empresa que tenha esgotado sua cota.

Para organizar e facilitar as negociações de permissão de emissões, bolsas foram criadas. Uma das principais foi criada pela própria União Européia em janeiro de 2005. Em 2006, 1 bilhão de toneladas de CO2, num valor total de 18 bilhões de euros, foram negociados nesse mercado, do qual participaram 10.600 empresas. Um mercado muito lucrativo porque, por exemplo, representa 16% do total dos lucros, antes dos impostos, do grupo químico francês Rhodia. Mas um mercado cuja eficácia no plano ambiental é mais do que contestada, mesmo entre seus mais fervorosos adeptos. Isso por uma razão simples: estando afastada qualquer regulamentação estatal, os mercados e seus atores ficam encarregados de fixar por si próprios suas regras. Ou seja, nunca vão fazer nada que altere seus lucros, muito pelo contrário!

Essa é a resposta que o imperialismo dá às questões do meio ambiente: a especulação financeira.

Um exemplo nos é dado pelos biocombustíveis, principalmente o mercado de etanol, fabricado a partir do milho (Estados Unidos) ou da cana-de-açúcar (Brasil). Os maiores grupos financeiros e industriais, em primeiro lugar as companhias petrolíferas, se atiram sobre esse nicho “ecológico-responsável” muito rentável e muito “promissor”. Diretamente, ou por meio de filiais, apropriam-se de amplas explorações agrícolas, expulsando os camponeses locais e obstruindo qualquer possibilidade de aquisições de terras para os camponeses sem terra. O grande especulador George Soros investiu 900 milhões de dólares  no Brasil na produção de etanol. “Eu sou um especulador do etanol, e digo isso, mesmo se a palavra é pejorativa no Brasil”, declarou Soros.

Mas os efeitos dessa investida são dramáticos. A cultura exclusiva de plantações destinadas aos biocombustíveis destrói as produções locais direcionadas às populações dos países concernidos e os transforma em importadores de produtos antes cultivados localmente. Ela submete ainda mais a economia desses países às ordens dos mercados de matérias-primas dominados pelas potências imperialistas. E, em termos estritamente ecológicos, os camponeses, principalmente os criadores de animais, expulsos de suas terras para que sejam plantados o milho ou a cana-de-açúcar, ou ainda as palmeiras (para a fabricação de biodiesel), não tem outra alternativa para sobreviver a não ser o desflorestamento para fazer pastar seu gado.

Quanto aos outros países, àqueles que não produzem essas matérias-primas para os biocombustíveis, as conseqüências também são terríveis. Um relatório do Banco Mundial publicado em maio de 2007 assinalava o fato de que o direcionamento da produção de milho e de outros cereais para a produção de biocombustíveis é um dos fatores determinantes para a alta de preços de cereais que vemos hoje. Um quarto da produção de milho dos Estados Unidos (primeiro produtor mundial) é destinado atualmente à produção de etanol. Uma situação que contribuiu amplamente par o aumento do preço do milho, que foi de 75% desde o verão de 2006, e que pesa de forma muito grande sobre os países, principalmente os africanos, onde esse cereal faz parte da alimentação de base da população.

Essa é a outra resposta do imperialismo: a destruição e a pilhagem.

(...)

O ecologismo e o “desenvolvimento sustentável” são um elo da ofensiva corporativista geral desenvolvida pelo capital financeiro contra tudo aquilo que funda a humanidade, inclusive, apesar das aparências, sua relação com a natureza.


[1] MARX, Karl. “O Capital”. Livro I, Seção 1, primeiro capítulo.

[2] Ver “Eglise et Ecologie” (“Igreja e Ecologia”), por Alain Demairé, em http://ecologiechretienne.free.fr, principalmente essa citação do professor Youli Schreider em 1995,...

[3] MARX, Karl. "O Capital". Livro I, Seção 1, primeiro capítulo.


terça-feira, dezembro 02, 2008

guerra contra Gaia

Eles não amam a vida
Leonardo Boff - 02/12/2008

Hoje assistimos algo absolutamente inédito e de extrema irracionalidade: a guerra contra a Terra. Sempre se faziam guerras entre exércitos, povos e nações. Agora, todos unidos, fazemos guerra contra Gaia: não deixamos um momento sem agredi-la, explorá-la até entregar todo seu sangue.

A busca de uma saída para a crise econômico-financeira mundial está cercada de riscos. O primeiro é que os países ricos busquem soluções que resolvam seus problemas, esquecendo do caráter interdependente de todas as economias. A inclusão dos países emergentes pouco significou, pois suas propostas mal foram consideradas. Prevaleceu ainda a lógica neoliberal que garante a parte leonina aos ricos. O segundo é perder de vista as demais crises, a ecológica, a climática, a energética e a alimentar. Concentrar-se apenas na questão econômica, sem considerar as outras, é jogar com a insustentabilidade a médio prazo. Cabe recordar o que diz a Carta da Terra: "nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções includentes" (Preâmbulo). O terceiro risco, mais grave, consiste em apenas melhorar as regulações existentes em vez de buscar alternativas, com a ilusão de que o velho paradigma neoliberal teria ainda a capacidade de tornar criativo o caos atual. O problema não é a Terra. Ela pode continuar sem nós e continuará. A magna quaesto, a questão maior, é o ser humano voraz e irresponsável que ama mais a morte que a vida, mais o lucro que a cooperação, mais seu bem estar individual que o bem geral de toda a comunidade de vida. Se os responsáveis pelas decisões globais não considerarem a inter-retro-dependência de todas estas questões e não forjarem uma coalizão de forças capaz de equacioná-las aí sim estaremos literalmente perdidos.
Na verdade, se houvesse um mínimo de bom senso, a solução do cataclismo econômico e dos principais problemas infra-estruturais da humanidade seria encontrada. Basta proceder a um amplo e geral desarmamento já que não há confrontos entre potências militares. A construção de armas, propiciada pelo complexo industrial-militar, é a segunda maior fonte de lucro do capital. O orçamento militar mundial é da ordem de um trilhão e cem bilhões de dólares/ano. Já se gastaram somente no Iraque dois trilhões de dólares. Para este ano, o governo norte-americano encomendou armas no valor de um trilhão e meio de dólares.
Estudos de organismos de paz revelaram que com 24 bilhões de dólares/ano - apenas 2,6% do orçamento militar total - poder-se-ia reduzir pela metade a fome do mundo. Com 12 bilhões - 1,3% do referido orçamento - poder-se-ia garantir a saúde reprodutiva de todas as mulheres da Terra.Com grande coragem, o atual Presidente da Assembléia da ONU, o padre nicaragüense Miguel d’Escoto, denunciava em seu discurso inaugural em meados de outubro: existem aproximadamente 31.000 ogivas nucleares em depósitos, 13.000 distribuidas em vários lugares no mundo e 4.600 em estado de alerta máximo, quer dizer, prontas para serem lançadas em poucos minutos.
A força destrutiva destas armas é aproximadamente de 5.000 megatons, força que é 200.000 vezes mais avassaladora que a bomba lançada sobre Hiroshima. Somadas com as armas químicas e biológicas, pode-se destruir por 25 formas diferentes toda a espécie humana. Postular o desarmamento não é ingenuidade, é ser racional e garantir a vida que ama a vida e que foge da morte. Aqui se ama a morte.
Só este fato mostra que a atual humanidade é feita, em grande parte, por gente irracional, violenta, obtusa, inimiga da vida e de si mesma. A natureza da guerra moderna mudou substancialmente. Outrora "morria quem ia para a guerra". Agora não, as principais vítimas são civis. De cada 100 mortos em guerra, 7 são soldados, 93 são civis, dos quais 34, crianças. Na guerra do Iraque já morreram 650.00 civis e apenas cerca de 3.000 soldados aliados. Hoje assistimos algo absolutamente inédito e de extrema irracionalidade: a guerra contra a Terra. Sempre se faziam guerras entre exércitos, povos e nações. Agora, todos unidos, fazemos guerra contra Gaia: não deixamos um momento sem agredi-la, explorá-la até entregar todo seu sangue. E ainda invocamos a legitimação divina para o nosso crime, pois cumprimos o mandato: "multiplicai-vos, enchei e subjugai a Terra"(Gen 1,28).Se assim é, para onde vamos?
Não para o reino da vida.

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