terça-feira, junho 28, 2011

"não acredite que tem realmente a ver com análises econômicas"

O forte desejo de purgar

27 de junho de 2011 | 15h39
por Paul Krugman
No ano passado foi a OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento das Nações Unidas; agora é a vez do BIS – Banco de Compensações Internacionais. E novamente, senhores muito sérios de uma organização internacional parecem determinados a encontrar razões para um aperto da política monetária em face de uma forte depressão econômica que continua persistente.
O BIS cita os preços cada vez mais altos das commodities e o implícito aumento da inflação com base nos spreads bancários. No caso de informes como este, contudo, a questão é que foram escritos e aprovados por comissões, o que significa que se baseiam em dados retroativos – e com certeza, os spreads bancários e a inflação dos preços das commodities estão narrando uma outra história no momento presente.
O informe da comissão afirma também que a produção potencial vem sendo permanentemente reduzida pela depressão econômica, afirmando em particular que “a destruição de capital humano devido ao desemprego a longo prazo” pesará no crescimento. Você pode achar que esta é uma das razões para adotar medidas urgentes com vistas a o nível de desemprego de longo prazo. Mas não.
E, inevitavelmente, constam também do informe os supostos paralelos com a década de 70. Salvo os próprios dados do BIS, nada sugere que exista algum paralelo, absolutamente. Existe uma única comparação (o Custo Unitário do Trabalho, ou ULC na sigla em inglês).
Note a diferença em escalas. Nos anos 70 havia uma importante espiral de preços dos salários; desta vez não há nada disso. Mas tanto faz.
E O BIS ainda emite uma série de alertas vagos sobre como as taxas de juro baixas desencorajam o comportamento responsável.
Algo está ocorrendo, e não acredite que tem realmente a ver com análises econômicas. Como outros, o BIS está claramente engajado num “Calvinball” monetário, criando regras e conceitos de improviso para justificar um aperto monetário, sejam quais forem as circunstâncias. Parece que há uma profundo desejo de infligir sofrimento, purgar o que há de imprestável ou qualquer coisa do gênero.
É assustador. E o mundo irá sofrer por isso.
Fonte: Estadão | Blogs, 27/06/2011

segunda-feira, junho 27, 2011

tema para uma atenção maior por parte da comunidade universitária

A Pós-Graduação nas Ciências Humanas e o paradigma da Medicina na era da especialização

por Celio Juvenal Costa*
As palavras que se seguem poderão soar conservantismo, serem até reacionárias, pois se trata de uma reflexão que nada contra a correnteza do que se pratica hoje nas universidades brasileiras. Assumo o risco de ser conservador neste momento, pois o contexto atual de formação dos mestres e doutores, atuais e futuros professores de nossas faculdades e universidades, é revelador de uma tendência que coloca em xeque a própria essência do termo universidade. A palavra de ordem hoje parece ser: especializar cada vez mais e mais cedo para se produzir um saber cada vez mais específico e competente.
Carlo Ginzburg, o autor de O Queijo e os Vermes, no texto intitulado Sinais: raízes de um paradigma indiciário,ao analisar o método mais conseqüente para o historiador, afirma: “Nas discussões sobre a ‘incerteza’ da medicina, já estavam formulados os futuros nós epistemológicos das ciências humanas”. Como não é intenção nesse momento discutir o posicionamento de Ginzburg, até porque o autor faz referência a outro teórico, só faço tomar emprestado essa relação entre ciências humanas e medicina para auxiliar na reflexão sobre a dicotomia, sempre permanente na academia, entre especialização e formação geral.
Salta aos olhos, hoje em dia, o grau de especialização que a medicina alcançou nos últimos tempos. Na área de traumatologia, por exemplo, dificilmente encontramos, em clínicas mais sofisticadas, um ortopedista que atenda pacientes que reclamam de dores em várias partes do corpo. Com certeza, há médicos especializados em pés, outros em joelhos, outros em dores lombares e assim por diante. Não está distante o dia em que encontraremos especialistas de joelho diferenciados, um para ligamentos, outro para menisco, outro para tendão etc. Sem dúvida, a crescente especialização nas várias áreas médicas traz inúmeros benefícios, pois um determinado problema tem como assistente um profissional que é profundo conhecedor daquele problema. Inclusive hoje já é bastante comum as pessoas em geral desconfiarem de profissionais das áreas médicas que ainda não se especializaram o suficiente.
No entanto, em nível mundial, existe, atualmente, uma discussão de fundo ético, sobre a validade dessa crescente especialização. Como exemplo desta verdadeira polêmica – infelizmente de primeiro mundo somente – temos o último livro da trilogia de Noah Gordon, intitulado Doutora Cole. Os dois primeiros livros de Gordon – O Físico e Xamã – são uma espécie de história da medicina nos séculos XII e XVIII, sob a forma de romance em que os personagens principais são membros de uma família de médicos que tinham o dom especial de prever a morte. Em Doutora Cole, ambientado nos anos noventa do nosso século, a primeira médica da história da família discute exatamente a polêmica acerca da especialização na medicina, polêmica traduzida pela sua opção em deixar sua especialidade e, com isso, abrir mão de um ótimo ganho anual, para ser médica de família numa cidade do interior dos Estados Unidos. A opção feita pelo autor entre as duas possibilidades do exercício da medicina torna-se clara quando a personagem principal do livro não se arrepende da decisão tomada a partir do momento que descobre que as doenças, em geral, que as pessoas apresentavam estavam sempre ligadas a um histórico familiar que não envolvia somente aspectos biológicos. Talvez a “incerteza” da medicina resida exatamente aí: na não certeza absoluta que quanto mais especializado for o profissional, melhor médico será. O que se passa hoje em nossas faculdades e universidade brasileiras não parece ser muito diferente dessa “incerteza” da medicina.
Assistimos nos últimos anos um crescente aumento dos cursos de mestrado e doutorado nas ciências humanas. Antes, praticamente só havia cursos de pós-graduação no eixo Rio-São Paulo; hoje o Brasil todo tem seus mestrados e doutorados, resultado natural da qualificação de professores durante as décadas de oitenta e noventa que, ao retornarem para suas universidades, passaram a vislumbrar a possibilidade de criar novos programas. Nos últimos anos, com a criação e a organização das agências nacionais de fomento e avaliação – Capes e CNPq – e o grande número de pós-graduações no Brasil, verificou-se a diminuição do tempo para os alunos integralizarem seus cursos. Com o recente aumento na oferta de cursos de doutorado, os prazos para a conclusão do curso de mestrado diminuíram praticamente na mesma proporção. Já se fala oficiosamente em diminuir também os prazos para o doutorado em virtude das pós-graduações se caracterizarem como programas conjuntos, onde é comum o aluno fazer os dois cursos no mesmo lugar. Outro fator determinante para o encurtamento da duração das dissertações e teses é a cobrança sistemática que as agências oficiais de fomento e avaliação fazem aos próprios programas de pós-graduação. Professores e alunos devem ter, segundo parâmetros pré-estabelecidos, uma gama de atividades que, somadas, indicam o grau de produtividade do programa e o habilita ou não a continuar existindo e recebendo financiamentos, bolsas, incentivos etc.
Nas universidades, até independente dos programas de pós-graduação, os professores estão submetidos a uma contínua avaliação de suas atividades, cuja produtividade o habilita a subir alguns degraus na carreira – como nas universidades estaduais do Paraná -, ou a ter um acréscimo ao seu salário – como nas universidades federais -. Sem pretender fazer uma análise profunda dessa realidade, o fato é que às vezes tem-se a impressão de que os professores têm que disputar, ano a ano – ou bienal, trienal, dependendo da universidade -, uma espécie de ATPtour[1] ou seja, têm que defender seus “pontos” de anos anteriores para não cair no ranking e ser penalizado. A palavra de ordem nas nossas universidades hoje em dia parece ser “corrida pela quantidade”; quantidade de artigos, bancas, eventos, cargos.
Paralelamente a esses novos instrumentos de quantificação e avaliação do desempenho docente, mas fazendo parte do mesmo contexto, encontra-se uma lógica de motivação pragmática da formação dos futuros cientistas e professores universitários. Os programas de Iniciação Científica, os grupos PET, os inúmeros projetos de pesquisa, ensino e extensão que são desenvolvidos em nossas universidades estão contribuindo positivamente para a inserção no mundo da ciência de milhares de estudantes que, desde cedo, tomam gosto pela carreira acadêmica e, quando chegam nos cursos de pós-graduação, encontram-se realmente bem preparados para fazer suas pesquisas. Como conseqüência deste fato, a média de idade dos novos mestres e doutores tem caído muito nos últimos anos. Hoje, em departamentos de universidades que há quinze anos atrás contavam com dois ou três doutores, a grande maioria já atingiu ou está na iminência de atingir esse grau acadêmico. Praticamente não há intervalos entre o final da graduação e o doutorado.
Pois bem! Apesar de comungar com a idéia de que é necessário que as nossas universidades e agências de fomento continuem investindo maciçamente na qualificação docente, resultando num incremento cada vez maior no número de mestres e doutores, gostaria de chamar a atenção para algo que me parece passar um tanto despercebido nesse processo. A “corrida” pela pós-graduação gera necessariamente, por parte do pós-graduando, uma opção por determinado tema, linha de pesquisa ou autor, que comumente se torna objeto de pesquisa tanto no mestrado como no doutorado. Com certeza, o resultado dessa formação é bastante satisfatório tendo em vista aquela especialidade escolhida. Com certeza também, os produtos excedentes da pesquisa – eventos, artigos, futuros projetos – serão da mais alta qualidade e merecedores de mais investimento. Essa especialização continua firme depois da pós, pois o recém mestre ou doutor, ao entrar ou retornar para uma universidade, vai continuar desenvolvendo suas atividades científicas no âmbito da especialidade, criando ou alargando grupos de pesquisa, orientando alunos da graduação etc.
No entanto, o resultado dessa especialização para o exercício da docência, principalmente na graduação, é que me preocupa. O aumento da especialização das ciências humanas acontece na proporção da desvalorização – consciente ou não – do professor que tem uma formação mais ampla, geral, universal.[2] Todos os professores, até por dever de ofício enquanto pesquisadores, acabam se tornando especialistas em algum tema e, a partir de dado momento, dedicam sua vida acadêmica ao desenvolvimento de estudos relativos àquele tema. No entanto, a grande maioria dos professores que tiveram sua qualificação em décadas passadas, são aqueles que têm uma formação mais geral e universal o que compreende um domínio competente do vasto campo de atuação.
Pensemos, por exemplo, o curso de Pedagogia e, mais especificamente, a área de Fundamentos da Educação. As disciplinas que compreendem essa área devem fornecer ao aluno uma visão histórica, filosófica, sociológica e psicológica da educação, comumente desde a antiguidade clássica até os dias atuais. Ora, deste vasto universo, os professores elegem, naturalmente, um tema para ser pesquisado com profundidade e por longos anos. No entanto, os professores que têm uma formação mais geral conseguem transmitir o conteúdo específico de uma dada disciplina sem perder a didática e a competência, pois, entendem que até para conseguir dar conta de um tema específico de pesquisa devem possuir uma visão de conjunto, uma visão universal. Um tema de pesquisa geralmente compreende uma pequena parte de uma disciplina, sendo que o restante dela obriga que o professor se preocupe com uma formação mais genérica para o pleno exercício de sua profissão.
O fato preocupante no atual contexto consiste em que a formação genérica dos nossos professores acaba sendo deixada de lado em prol da precoce e contínua especialização dos atuais e futuros professores das “safras” mais recentes. A conseqüência para a docência, principalmente nas salas de graduação, é a dificuldade em se trabalhar com tranqüilidade e competência toda uma gama de conteúdos que vai além daquilo em que se especializou. Não sou idealista a ponto de achar que todos os professores teriam que ter uma formação universal apurada, como a que encontramos em autores clássicos. Não posso, porém, me contentar com uma realidade que, em nome da produção em série de jovens cientistas em universidades, desloque para um segundo plano a formação ideal para o exercício da docência. Sempre nos colocamos como críticos do ensino fundamental que esfacela o conteúdo das disciplinas como se fossem gavetinhas separadas e que não proporcionam ao aluno uma visão inter e multidisciplinar. Raramente somos críticos de nós mesmos: ao não refletirmos sobre a especialização precoce e contínua de nossos professores universitários, corremos o risco de também criarmos tantas gavetinhas quanto nossas pesquisas permitirem.
A especialização na medicina já encontra resistência em algumas partes do mundo. Ninguém, em sã consciência, nega os efeitos altamente benéficos das pesquisas médicas resultantes das especialidades. No entanto, o que se critica é a lógica que está por detrás, ou seja, o enxergar o homem não como um conjunto orgânico, biológico, psicológico e social, mas como uma somatória de partes que podem ser tratadas separadamente. Essa lógica é a do capital. Essa lógica permite que os médicos, quanto mais especialistas forem, quanto mais competentes se mostrarem, mais ricos se tornam, mais status adquirem e mais se distanciam da grande maioria das pessoas que não possuem recursos para um tratamento tão sofisticado.
A lógica pragmática da produção precoce e contínua dos cientistas especialistas com certeza trará ótimos resultados para a ciência no Brasil, mas isto impede a preocupação com o reverso da medalha, pois há que se preocupar também com a formação dos nossos professores. O profissional da educação, cada vez mais especializado, está se tornando também um bom professor? Creio que a resposta a essa pergunta pode revelar uma situação no mínimo preocupante. A resposta, porém, a essa pergunta pode sugerir, também, que esse tema receba uma atenção maior por parte da comunidade universitária.

(*) Celio Juvenal Costa é Professor do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá e Doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. Publicado originalmente na REA, nº 06, novembro de 2001, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/006/06celio.htm
[1] Associação dos Tenistas Profissionais. O chamado ranking de entrada é estabelecido pelos pontos conseguidos nas últimas 52 semanas e devem ser defendidos no ano seguinte para não cair e deixar de ser convidado a participar de grandes e milionários torneios. Se um tenista ganha um torneio num ano e perde no ano seguinte, ele não só deixa de ganhar os pontos correspondentes ao campeão, mas perde aqueles que conquistou no ano anterior. Uma observação pertinente e justa se faz necessária: essa “metáfora” não é originalmente idéia minha e sim de um amigo igualmente preocupado com a questão tratada aqui.
[2] Ao não querer reeditar a histórica polêmica nos cursos de licenciatura é que não adjetivo como generalista o perfil do professor que se opõe ao especialista.
Fonte: Revista Espaço Acadêmico, 25/06/2011 

quarta-feira, junho 22, 2011

os implacáveis planos de ajuste neoliberal

A crise na Europa e uma esquerda desorientada

A conversão massiva ao mercado e a globalização neoliberal, a renúncia à defesa dos pobres, do Estado de bem estar e do setor público, a nova aliança com o capital financeiro, despojaram a social-democracia europeia dos principais traços de sua identidade. A cada dia fica mais difícil para os cidadãos distinguir entre uma política de direita e outra “de esquerda”, já que ambas respondem às exigências dos senhores financeiros do mundo. Por acaso, a suprema astúcia destes não consistiu em colocar a um “socialista” na direção do FMI com a missão de impor a seus amigos “socialistas” da Grécia, Portugal e Espanha os implacáveis planos de ajuste neoliberal?
Um dos homens mais poderosos do mundo (chefe da maior instituição financeira do planeta) agride sexualmente a uma das pessoas mais vulneráveis do mundo (modesta imigrante africana). Em sua desnuda concisão, esta imagem resume, com a força expressiva de uma foto de jornal, uma das características medulares de nossa era: a violência das desigualdades. O que torna mais patético o caso do ex-diretor gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e líder da ala direita do Partido Socialista francês, Dominique Strauss-Kahn é que, se confirmado, seu desmoronamento constitui uma metáfora do atual descalabro moral da socialdemocracia. Com o agravante de que revela, ao mesmo tempo, na França, as carências de um sistema midiático cúmplice.
Tudo isso deixa extremamente indignados muitos eleitores da esquerda na Europa, cada vez mais induzidos – como mostraram na Espanha as eleições municipais e autonômicas do dia 22 de março – a adotar três formas de rechaço: o abstencionismo radical, o voto na direita populista ou o protesto indignado nas praças.
Naturalmente, o ex-chefe do FMI e ex-candidato socialista à eleição presidencial francesa de 2012, acusado de agressão sexual e de tentativa de violação pela camareira de um hotel de Nova York no dia 14 de maio, goza de presunção de inocência até que a justiça estadunidense se pronuncie. Mas a atitude mostrada, na França, pelos líderes socialistas e muitos intelectuais de “esquerda”, amigos do acusado, precipitando-se diante de câmaras e microfones, para fazer imediatamente uma defesa incondicional de Strauss-Kahn, apresentando-o como o principal prejudicado, evocando complôs e “maquinações”, foi realmente vexatória.
Não tiveram nenhuma palavra de solidariedade ou de compaixão para com a suposta vítima. Alguns, como o ex-ministro socialista da Cultura, Jack Lang, em um reflexo machista, não hesitaram em diminuir a gravidade dos supostos fatos declarando que “afinal de contas, ninguém morreu” (1). Outros, esquecendo o sentido da palavra “justiça”, se atreveram a pedir privilégios e um tratamento mais favorável para seu poderoso amigo, pois, segundo eles, não se trata de “um acusado como outro qualquer” (2).
Tanta desfaçatez deu a impressão de que, no seio das elites políticas francesas, qualquer que seja o crime de que se acuse a um de seus membros, o coletivo reage com um respaldo articulado que mais parece uma cumplicidade mafiosa (3). Retrospectivamente, agora que ressurgem do passado outras acusações contra Strauss-Kahn de abuso sexual (4), muita gente se pergunta por que os meios de comunicação ocultaram esse traço da personalidade do ex-chefe do FMI (5). Por que os jornalistas, que não ignoravam as queixas de outras vítimas de assédio, jamais realizaram uma investigação de fundo sobre o tema. Por que se manteve os leitores na ignorância e se apresentou a este dirigente como “a grande esperança da esquerda” quando era óbvio que seu calcanhar de Aquiles podia, a qualquer momento, truncar sua ascensão.
Há anos, para conquistar a presidência, Strauss-Kahn recrutou brigadas de comunicadores de choque. Uma de suas missões consistia em impedir também que a imprensa divulgasse o luxuosíssimo estilo de vida do ex-chefe do FMI. Desejava-se evitar qualquer inoportuna comparação com a vida esforçada que levam milhões de cidadãos modestos lançados ao inferno social em parte precisamente pelas políticas dessa instituição.
Agora as máscaras caem. O cinismo e a hipocrisia surgem com toda sua crueza. E ainda que o comportamento pessoal de um homem não deva servir para prejulgar a conduta moral de toda sua família política, é evidente que contribui para se perguntar sobre a decadência da socialdemocracia. Ainda mais quando isso se soma a inúmeros casos, em seu seio, de corrupção econômica, e até de degeneração política (os ex-ditadores Ben Ali, da Tunísia, e Hosni Mubarak, do Egito, eram membros da Internacional Socialista!).
A conversão massiva ao mercado e à globalização neoliberal, a renúncia à defesa dos pobres, do Estado de bem estar e do setor público, a nova aliança com o capital financeiro e a banca, despojaram a social-democracia europeia dos principais traços de sua identidade. A cada dia fica mais difícil para os cidadãos distinguir entre uma política de direita e outra “de esquerda”, já que ambas respondem às exigências dos senhores financeiros do mundo. Por acaso, a suprema astúcia destes não consistiu em colocar a um “socialista” na direção do FMI com a missão de impor a seus amigos “socialistas” da Grécia, Portugal e Espanha os implacáveis planos de ajuste neoliberal? (6). 
Daí o cansaço popular. E a indignação. O repúdio da falsa alternativa eleitoral entre os dois principais programas, na verdade gêmeos. Daí os protestos nas praças: “Nossos sonhos não cabem em vossas urnas”. O despertar. O fim da inação e da indiferença. E essa exigência central”: “O povo quer o fim do sistema”.
Notas:
(1)    Declarações ao telejornal das 20h na cadeia pública France 2, dia 17 de maio de 2011. 
(2)    Bernard-Henri Lévy, “Defesa de Dominique Strauss-Kahn”, e Robert Badinter, ex ministro socialista da Justiça da França, declarações para a rádio pública France Inter, 17 de maio de 2011. 
(3)    Este coletivo já deu provas de sua tremenda eficácia midiática quando conseguiu mobilizar em 2009 a opinião pública francesa e as autoridades em favor do cineasta Roman Polanski, acusado pela Justiça estadunidense de ter drogado e sodomizado, em 1977, uma menina de 13 anos. 
(4)    Em particular, a formulada pela escritora e jornalista Tristane Banon. Leia-se: “Tristane Banon, DSK et AgoraVox: retour sur une omertà médiatique”, AgoraVox, 18 de maio de 2011. 
(5)    No próprio interior do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn já havia sido protagonista, em 2008, de um escândalo por sua relação adúltera com una subordinada, a economista húngara Piroska Nagy. 
(6)    “Seu perfil ‘socialista’ permitiu enfiar pílulas amargas na garganta de  muitos governos de direita ou esquerda, e explicar aos milhões de vítimas das finanças internacionais que a única coisa que tinham que fazer era apertar o cinto à espera de tempos melhores”, Pierre Charasse, “No habrá revolución en el FMI”, La Jornada, México, 22 de maio de 2011.
(*) Ignacio Ramonet fue director de Le Monde Diplomatique entre 1990 y 2008. Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior | Internacional, 21/06/2011

terça-feira, junho 21, 2011

os países europeus serão governados por governos de direita

Para Hobsbawm, crise explica deriva à direita na Europa

O blog do italiano Beppe Grillo entrevistou Eric Hobsbawm no dia do seu 94º aniversário. Hobsbawm, que faz questão de dizer que é um historiador, não um futurologista – fala, entre outros assuntos, sobre o que é hoje o marxismo e a crise na União Europeia. Hobsbawm acredita que, no futuro próximo, praticamente todos ou quase todos os países europeus serão governados por governos de direita, de um tipo ou de outro. Para ele, a crise econômica que se arrasta desde 2008, tem muito a ver com a deriva à direita na Europa. "Acho que, hoje, só quatro economias na Europa, na União Europeia, estão sob governos de centro ou de esquerda".
O blog de Beppe Grillo entrevistou Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores marxistas vivo. A entrevista aconteceu no dia do seu 94º aniversário, quando esteve em Roma para o lançamento da tradução italiana de seu livro How to Change the World - Why rediscover the inheritance of Marxism. Hobsbawm analisa a possibilidade de uma deriva rumo à direita nos próximos anos na Europa, por razões relacionadas com a depressão econômica, a ânsia por segurança e a estagnação da União Europeia, arcada sob o peso da obrigação de ser cada vez maior e maior e pela falta de visão política comum. Além disso, os movimentos de resistência têm crescido mais em regiões onde há um maior número de jovens – por exemplo no norte da África e nos países em desenvolvimento, não na Europa. Mas, acima de tudo, Hobsbawm, que faz questão de dizer que é um historiador, não um futurologista – fala-nos sobre o que é hoje o marxismo e sobre os seus efeitos.
1.      Sobre o marxismo hoje
Eric Hobsbawm: Sou o Eric Hobsbawm. Sou um historiador muito velho. Como tal, telefona-me no dia do meu 94º aniversário. Durante toda a minha vida escrevi principalmente sobre a história dos movimentos sociais, a história geral da Europa e do mundo dos séculos XIX e XX. Acho que todos os meus livros estão traduzidos para italiano e alguns foram até bastante bem recebidos.
Blog de Beppe Grillo: A nossa primeira pergunta é sobre o seu livro. O marxismo é considerado um fenômeno pós-ideológico. Poderia explicar-nos porquê? E quais serão as consequências dessa mudança? 
Eric Hobsbawm: Eu não usei exatamente a expressão “fenômeno pós-ideológico” para marxismo, mas é verdade que, no momento, o marxismo deixou de ser o principal sistema de crenças associado aos grandes movimentos políticos de massa em toda a Europa. Apesar disso, acho que sobrevivem alguns pequenos movimentos marxistas. Nesse sentido, houve uma grande mudança no papel político que o marxismo desempenha na política da Europa. Há algumas partes do mundo, por exemplo, a América Latina, em que as coisas não se passaram do mesmo modo. A consequência daquela mudança, na minha opinião, é que agora todos podemos concentrar-nos mais e melhor nas mudanças permanentes que o marxismo provocou, nas conquistas permanentes do marxismo. 
Essas conquistas permanentes, na minha opinião, são as seguintes: Primeiro, Marx introduziu algo que foi considerado novidade e ainda não se realizou completamente, a saber, a crença de que o sistema econômico que conhecemos não é permanente nem destinado a durar eternamente; que é apenas uma fase, uma etapa no desenvolvimento histórico que acontece de um determinado modo e deixará de existir e converter-se-á noutra coisa ao longo do tempo. 
Segundo, acho que Marx concentrou-se na análise do específico modus operandi, do modo como o sistema operou e se desenvolveu. Em particular, concentrou-se no curioso e descontinuo modo através do qual o sistema cresceu e desenvolveu contradições, que por sua vez produziram grandes crises.
A principal vantagem da análise que o marxismo permite fazer é que considera o capitalismo como um sistema que origina periodicamente contradições internas que geram crises de diferentes tipos que, por sua vez, têm de ser superadas mediante uma transformação básica ou alguma modificação menor do sistema. Trata-se desta descontinuidade, deste reconhecimento de que o capitalismo opera não como sistema que tende a se auto-estabilizar, mas que é sempre instável e eventualmente, portanto, requere grandes mudanças. Esse é o principal elemento que ainda sobrevive do marxismo. 
Terceiro, e acho que aí está a preciosidade do que se poderá chamar de fenômeno ideológico, o marxismo é baseado, para muitos marxistas, num senso profundo de injustiça social, de indignação contra a desigualdade social entre os pobres e os ricos e poderosos. 
Quarto, e último, acho que talvez se deva considerar um elemento – que Marx talvez não reconhecesse – mas que esteve sempre presente no marxismo: um elemento de utopia. A crença de que, de um modo ou de outro, a sociedade chegará a uma sociedade melhor, mais humana, do que a sociedade na qual todos vivemos atualmente. 
2.      Uma deriva à direita na Europa?
Blog: No norte da África e em alguns países europeus – Espanha, Grécia e Irlanda – alguns movimentos de jovens que nasceram na internet e usam redes, por exemplo Twitter e Facebook, estão aproximando-se da política. São movimentos que exigem mais envolvimento e mudanças radicais nas escolhas das sociedades. Mas, ao mesmo tempo, a Espanha tende à direita; a Dinamarca votou pelo encerramento das fronteiras com a Hungria; e na Finlândia, e até mesmo na França, com Marie Le Pen, estão surgindo partidos nacionalistas de extrema-direita. Não é isto uma contradição?
Eric Hobsbawm: Não, não acho. Acho que são fenômenos diferentes. Acho que, na maioria dos países ocidentais, hoje, os jovens são uma minoria politicamente ativa, largamente por efeito de como a educação é construída. Por exemplo: os estudantes sempre foram, ao longo dos séculos, elementos ativistas. Ao mesmo tempo, a juventude educada hoje é muito mais familiarizada com modernas tecnologias de informação, que transformaram a agitação política transnacional e a mobilização política transnacional.
Mas há uma diferença entre (a) esses movimentos de jovens educados nos países do ocidente, onde, em geral, toda a juventude é fenômeno de minoria, e (b) movimentos similares de jovens em países islâmicos e em outros lugares, nos quais a maioria da população tem entre 25 e 30 anos. Nesses países, portanto, muito mais do que na Europa, os movimentos de jovens são politicamente muito mais massivos e podem ter maior impacto político. O impacto adicional na radicalização dos movimentos de juventude acontece porque os jovens hoje, em período de crise econômica, são desproporcionalmente afetados pelo desemprego e, portanto, estão desproporcionalmente insatisfeitos. Mas não se pode adivinhar que rumos tomarão esses movimentos. No todo, os movimentos dessa juventude educada não são, politicamente falando, movimentos da direita. Mas eles só, eles pelos seus próprios meios, não são capazes de definir o formato da política nacional e todo o futuro. Creio que, nos próximos dois meses, assistiremos aos desdobramentos desse processo.
Os jovens iniciaram grandes revoluções, mas não serão eles que necessariamente decidirão a direção geral pela qual andarão aquelas revoluções. Cada direção, claro, depende do país e da região. Obviamente as revoluções serão muito diferentes nos países islâmicos, do que são na Europa ou, claro, nos EUA.
E é verdade que na Europa e provavelmente nos EUA pode haver uma deriva para a direita, na política. Mas isso, parece-me, será assunto da terceira pergunta.
     3.  A crise econômica
Blog: Sim, a próxima pergunta é sobre a crise econômica em que vivemos desde 2008. As crises de 29, 33, levaram o fascismo ao poder. Prevê algum risco de a crise atual ter os efeitos que tiveram as crises de 28, 29, 33?
Eric Hobsbawm: Bem, não há dúvidas de que a crise, a crise econômica que se arrasta desde 2008, tem muito a ver com a deriva à direita na Europa. Acho que, hoje, só quatro economias na Europa, na União Europeia, estão sob governos de centro ou de esquerda. Algumas daquelas devem perder. A Espanha provavelmente também se moverá em direção à direita. Nesse sentido, parece verdade. Não acho que haja aí qualquer risco de ascensão do fascismo, como nos anos 1930s. O perigo do fascismo nos anos 1930s foi, em grande medida, resultado da conversão de um país em particular, um país decisivo politicamente, nomeadamente a Alemanha sob a alçada de Hitler.
Não há sinal de que nada disso esteja a acontecer hoje. Nenhum dos países importantes, segundo me parece, dá qualquer sinal nessa direção. Nem nos EUA, onde há um forte movimento direitista, pode-se concluir que aquele movimento ganhe poder nas urnas. Nem, tampouco, no caso dos partidos e movimentos de extrema-direita nos países europeus. Apesar de serem fortes, têm-se mantido como fortes minorias sem grandes hipóteses de se tornarem maiorias. Mas, sim, creio que, no futuro próximo, praticamente todos ou quase todos os países europeus serão governados por governos de direita, de um tipo ou de outro. Recorde-se que um dos efeitos logo termo da crise econômica dos anos 1930s foi que praticamente toda a Europa tornou-se democrata e de esquerda, como jamais antes acontecera. Mas isso levou algum tempo. Portanto, há um risco, mas não é o mesmo risco que havia nos anos 1930. O risco é antes o de não se agir o suficiente para lidar com os problemas básicos, enaltecidos pelo capitalismo dos últimos 40 e enfatizados pelo renascimento dos estudos marxistas.
Blog: O que pensa sobre a União Europeia e sobre o que já foi conseguido? A União Europeia conseguirá consolidar-se ou voltará a ser uma simples reunião de estados?
Eric Hobsbawm: Acho que a esperança de que a União Europeia venha a ser algo mais que uma aliança de estados e área de livre comércio, essa, não tem grande futuro. Não irá muito além do que já foi até aqui, mas não acho que seja destruída.
Acho que o que já se fez, um grau de livre comércio, um grau muito mais importante de jurisprudência comum e lei comum permanecerão. A principal fraqueza da União Europeia, parece-me, razão do fracasso, foi o conflito entre a economia e a base social da União Europeia. Um conflito que resultou da tentativa para eliminar a guerra entre a França e a Alemanha e unificar economicamente as partes mais ricas e desenvolvidas da Europa. Esse objetivo foi alcançado. Tal foi misturado em seguida com um objetivo político associado à Guerra Fria e ao desenvolvimento após o fim deste período, nomeadamente o objetivo de extensão das fronteiras a todo o continente e mais além. Este processo dividiu a Europa em partes que já não são facilmente coordenáveis.
Economicamente, as grandes crises são ambas muito parecidas no que diz respeito às aquisições para a União Europeia desde os anos 1970s, na Grécia, em Portugal e na Irlanda, por exemplo. Mesmo politicamente, as diferenças entre os antigos estados comunistas e os antigos estados não comunistas da Europa enfraqueceram a capacidade de a Europa continuar a desenvolver-se. Se a Europa continuará a conseguir manter-se como está, eu não o sei. Não creio, contudo, que a União Europeia deixe de existir e acho que continuaremos a viver numa Europa mais coordenada do que a que conhecemos, digamos, desde a II Guerra Mundial. 
De qualquer modo, devo dizer que está fazendo-me perguntas enquanto historiador mas sobre o futuro. Infelizmente, os historiadores sabem tanto sobre o futuro quanto qualquer outra pessoa. Por isso, as minhas previsões não são fundadas em nenhuma especial vocação que eu tenha para prever o futuro.
Tradução: Coletivo Vila Vudu
Fonte: Carta Maior | Internacional, 18/06/2011 

segunda-feira, junho 20, 2011

grandes investimentos devem ser precedidos de grandes debates

REFLEXÕES SOBRE O TRANSPORTE COLETIVO
por Zilton Rocha
Graças à lucidez de Mário Leal Ferreira e outros houve, nos anos 40, uma preocupação com o pensar a cidade no seu todo. As avenidas de vale, por exemplo, foram planejadas naquele momento. Sem elas, como seria esta cidade?
Discute-se, hoje, qual a melhor opção de transporte coletivo. Penso que Salvador, seu povo, não merece continuar pagando preço tão alto pelo direito de ir e vir. Não podem os trabalhadores gastarem horas dentro de um ônibus. É desumano o estudante ficar um tempo quase igual a um turno de estudo dentro do transporte. Tempo imprescindível para freqüentar bibliotecas, pesquisar, praticar esporte, dormir melhor.
Portanto, é indiscutível a necessidade de grandes investimentos em transporte de massa em Salvador. Todavia, grandes investimentos devem ser precedidos de grandes debates envolvendo todos os interessados, Decisões equivocadas hoje podem exigir grandes investimentos amanhã.
Por isso os órgãos de controle estão levando em consideração a variável ambiental em suas auditorias. Os Tribunais de Contas (TCs) começam a intervir para evitar danos ambientais e desperdícios de dinheiro. Optar por ônibus e estimular o transporte individual implicará ter que construir viadutos, túneis etc., que estimularão o uso do carro e novas linhas de ônibus que exigirão investimentos em novos complexos viários.
Em 2010 houve o I Simpósio Internacional sobre Gestão Ambiental com a participação de estudiosos de vários países e representação de todos os TCs do Brasil, além de ministros do STJ, do TCU, diplomatas etc. Durante o evento o ministro do STJ Herman Benjamin afirmou:
"Eu sou juiz, mas nós do Judiciário chegamos muito tarde. Quando chegamos, o dano ambiental já ocorreu. Estou certo de que os Tribunais de Contas vão incorporar o componente da sustentabilidade porque aí estarão cuidando não só das contas da geração de hoje, mas também das gerações futuras."
Hoje em dia, em Salvador, estrangulamentos no trânsito ocorrem a qualquer hora em qualquer lugar. Os efeitos deletérios afetam a todos. Aos que usam carros, porque ficam presos em engarrafamentos. E é exatamente por causa dos automóveis que a grande maioria que utiliza o sistema de transporte coletivo amarga horas em ônibus superlotados, desconfortáveis, pachorrentos, que obrigam as pessoas a saírem de madrugada e chegarem tarde da noite em casa. O meio ambiente está deteriorado. A saúde das pessoas está comprometida. A qualidade de vida piora.
Instala-se o círculo vicioso. Mais automóveis exigem novos complexos viários. Doenças respiratórias, estresse e acidentes requerem a construção de novas unidades hospitalares, obrigando o poder público a investir cada vez mais para responder às necessidades da população. Muito oportuno e necessário o debate sobre qual a melhor opção de transporte coletivo: trilho ou pneu. Suponho que as variáveis: ambiental, saúde da população e rapidez no deslocamento preponderarão sobre custo. No Japão, por exemplo, gasta-se hoje mais tempo no planejamento do que na execução de obras. A Holanda, país menor que o Estado do Rio de Janeiro, tem no trem de ferro seu principal meio de transporte de massa, interligando suas cidades.
Espera-se, pois, que três ou quatro jogos da Copa não falem mais alto que os interesses dos quatro milhões de habitantes que vivem nesta cidade e no seu entorno. Quantos turistas estarão aqui? Cem, duzentos, mil? Quantos recebemos anualmente durante o carnaval? Quantos nos visitam durante o verão, todos os anos?
A população precisa ter voz na definição do modelo de cidade em que quer viver, não permitindo que seu destino seja definido por tecnocratas. Fóruns devem ser criados onde usuários, universidades, órgãos de classe, associações de bairro e o poder público possam discutir e definir as melhores opções a serem implementadas, tudo feito de forma participativa, democrática.
Lembremos Milton Santos: "Ela (a cidade) está desafiando a nossa imaginação para propor novas interpretações e, eventualmente, novos remédios."
(*) Zilton Rocha, Geógrafo, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
Fonte: Jornal A Tarde - Opinião – Artigos

essa "bomba do bem"

SE ESCOLA FOSSE ESTÁDIO E EDUCAÇÃO FOSSE COPA

por Jorge Portugal
.
Passei, nesses últimos dias, meu olhar pelo noticiário nacional e não dá outra: copa do mundo, construção de estádios, ampliação de aeroportos, modernização dos meios de transportes, um frenesi em torno do tema que domina mentes e corações de dez entre dez brasileiros.
Há semanas, o todo-poderoso do futebol mundial ousou desconfiar de nossa capacidade de entregar o "circo da copa" em tempo hábil para a realização do evento, e deve ter recebido pancada de todos os lados pois, imediatamente, retratou-se e até elogiou publicamente o ritmo das obras. Fiquei pensando: já imaginaram se um terço desse vigor cívico-esportivo fosse canalizado para melhorar nosso ensino público? É... pois se todo mundo acha que reside aí nossa falha fundamental, nosso pecado social de fundo, que compromete todo o futuro e a própria sustentabilidade de nossa condição de BRIC, por que não um esforço nacional pela educação pública de qualidade igual ao que despendemos para preparar a Copa do Mundo?
E olhe que nem precisaria ser tanto! Lembrei-me, incontinenti, que o educador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e hoje senador da República, encaminhou ao Senado dois projetos com o condão de fazer as coisas nessa área ganharem velocidade de lebre: um deles prevê simplesmente a federalização do ensino público, ou seja, nosso ensino básico passaria a ser responsabilidade da União, com professores, coordenadores e corpo administrativo tendo seus planos de carreira e recebendo salários compatíveis com os de funcionários do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal. Que tal? Não é valorizar essa classe estratégica ao nosso crescimento o desejo de todos que amamos o Brasil? O projeto está lá... parado, quieto, na gaveta de algum relator.
O outro projeto, do mesmo Cristovam, é uma verdadeira "bomba do bem". Leiam com atenção: ele, o projeto, prevê que "daqui a sete anos, todos os detentores de cargo público, do vereador ao presidente da República serão obrigados a matricular seus filhos na rede pública de ensino". E então? Já imaginaram o esforço que deputados (estaduais e federais), senadores e governadores não fariam para melhorar nossas escolas, sabendo que seus filhos, netos, iriam estudar nelas daqui a sete anos? Pois bem, esse projeto está adormecido na gaveta do senador Antônio Carlos Valladares, de Sergipe, seu relator. E não anda. E ninguém sabe dele.
Desafio ao leitor: você é capaz de, daí do seu conforto, concordando com os projetos, pegar o seu computador e passar um e-mail para o senador Valadares (antoniocarlosvaladares@senador.gov.br) pedindo que ele desengavete essa "bomba do bem"? É um ato cívico simples. Pela educação. Porque pela Copa já estamos fazendo muito mais.
(*) Jorge Portugal é educador, poeta e apresentador de TV. Idealizou e apresenta o programa "Tô Sabendo", da TV Brasil.
Fonte: Terra Magazine

quarta-feira, junho 15, 2011

a hiper-exploração de uma das últimas fronteiras do país

AMAZÔNIA: A ÚLTIMA FRONTEIRA DE EXPANSÃO DO CAPITALISMO BRASILEIRO*
publicado por Henrique Cortez – 07/06/2011
O Brasil assiste a um terceiro ciclo de expansão capitalista. Após o modelo nacional-desenvolvimentista encabeçado por Vargas a partir dos anos 30 que resultou no início das bases da industrialização brasileira; do modelo de industrialização associado ao capital transnacional encetado por Juscelino Kubitschek nos anos 50 que, com a vinda do capital de fora, acelerou o crescimento econômico; temos agora o modelo neodesenvolvimentista, iniciado por Lula e continuado por Dilma Rousseff.
Esse modelo [neodesenvolvimentista] em substituição ao modelo neoliberal levado a cabo por Fernando Henrique Cardoso retoma as bases dos modelos anteriores – período Vargas e JK – e vem reorganizando o capitalismo brasileiro. As bases do modelo neodesenvolvimentista se fazem a partir da recuperação do papel do Estado como indutor do crescimento econômico. Um Estado que alavanca a infraestrutura para assentar as cadeias produtivas do capital privado.
Uma das pontas de lança do modelo em curso é a hiper-exploração de uma das últimas fronteiras do país: a Amazônia legal. A região já foi palco de um primeiro ciclo de exploração, nos anos 70, a partir da tese da geopolítica de segurança dos militares que decidiram ocupá-la com o projeto de transferência de populações para a região. O ciclo desenvolvimentista em curso na região nesse momento, entretanto, é incomparavelmente maior e o aumento da violência e dos impactos ambientais e sociais na região está relacionado a essa nova dinâmica.
Ainda mais grave, e na raíz da tensão dos acontecimentos sociais e ambientais, está o fato de que o modelo de exploração é exógeno à região e implantado a custa das riquezas e populações locais. Os grandes projetos que chegam à região estão voltados para interesses externos. Por um lado, se tem a exportação de madeira, da soja, da carne, de ferro-gusa e alumínio, sobretudo para países que não querem arcar com os custos socioambientais dessas atividades que são pesados; por outro, e para viabilizar essa lógica econômica, se tem os grandes investimentos em projetos de infraestrura energética – hidrelétricas – e de apoio logístico – rodovias e hidrovias. A região presta-se ainda à expansão dos interesses do agronegócio – soja, etanol e pecuária.
Uma plataforma de exportação. É nisso que vem se transformando a Amazônia legal, uma região que produz commodities – primarização da economia – para outros países e para o consumo do Brasil desenvolvido, a região sudeste. É nesse contexto que se insere a construção de mega-hidrelétricas – Belo Monte, Complexo Madeira, Complexo Tapajós –, abertura de rodovias e hidrovias, ampliação da exploração de madeira e minérios, expansão da pecuária e das monoculturas da soja e da cana-de-açucar. A reforma do Código Florestal também se compreende a partir dessa dinâmica, o agronegócio quer liberdade de exploração, sem amarras e restrições.
Simultâneamente ao anúncio da licença de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e a aprovação da Reforma do Código Florestal, o país tomou conhecimento do recrudescimento da violência na região amazônica brasileira – cinco mortes em cinco dias. Esses fatos, aparentemente isolados, relacionam-se a partir da dinâmica expansionista do capitalismo brasileiro na região Norte do país.
Aprovação da flexibilização do Código Florestal, construção de mega-hidrelétricas, linhões de transmissão, abertura de rodovias, ampliação de hidrovias, intensificação da pecuária, monocultura da soja, chegada da cana-de-açucar, exploração da madeira e de minérios exercem enorme pressão sobre as populações locais, ribeirinhos, posseiros, extrativistas, pequenos agricultores, indígenas e desaguam em violência, devastação ambiental e impactos sociais.
Plataforma de exportação de commodities
O Ibama acaba de dar a licença para a construção que autoriza o início das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte. A obra é emblemática do modelo neodesenvolvimentista. Cientistas, pesquisadores, especialistas, ministério público, Ongs nacionais e internacionais, Igrejas e movimentos sociais têm questionado o projeto que configura-se economicamente perdulário, socialmente desastroso e ambientalmente devastador.
Onde é que estamos errando?, pergunta-se Telma Monteiro. Segundo a ativista ambiental, “a sociedade se esmera e vem a público mostrar as inconsistências dos projetos e seus respectivos objetivos. A comunidade científica transcende o seu papel nas análises e desconstrói os fundamentos do governo e seus técnicos. Os especialistas elaboram relatórios que demonstram claramente que vai haver prejuízo. Movimentos sociais e Ongs se posicionam difundindo as informações produzidas pela academia. Ministério público recorre ao judiciário. Os indígenas por seu lado bradam pela sua autodeterminação e direitos de escolher como querem viver. No entanto, assistimos abismados à continuidade daquilo que abominamos em nome de um desenvolvimento que não está muito bem explicado”, diz ela.
A obra tornou-se uma questão de Estado. “O governo não abre mão de Belo Monte”, avisa o ministro Gilberto Carvalho. O argumento do governo é de que a hidrelétrica é absolutamente indispensável para suprir a crescente demanda por energia. “Sem as hidrelétricas o Brasil pára”, tem sido o discurso do Estado. Não basta, porém Belo Monte, são necessários uma dezenas de outros projetos.
Apenas para a região da Grande Amazônia, o governo tem 19 projetos de usinas hidrelétricas. Para o país, o governo prevê até 2020 24 hidrelétricas. Na região amazônica, entre elas, destaca-se a construção do Complexo Madeira que faz pouco tempo foi notícia com a rebelião de Jirau. Outro megaprojeto que sobressaí na região é do Complexo Tapajós – o projeto prevê a construção de cinco usinas hidrelétricas no mesmo rio.
A Amazônia se tornou prioridade na expansão de fontes energéticas. A suspeição é de que a proliferação de hidrelétricas na região tem como objetivo central privilegiar, sobretudo, grandes empresas consumidoras de energia como Alcoa, Votorantim, Vale, Gerdau e CSN, entre outras. Empresas em sua maioria produtoras de commodities para exportação.
A energia produzida no Amazonas será ainda transportada por milhares de quilometros para abastecer a região sudeste. Os linhões do Madeira, por exemplo, sairão de Rondônia e irão atravessar o país em mais de 2.300 quilômetros para chegar a São Paulo, o que exige enormes investimentos e impactos ambientais. Para facilitar as coisas, há meses o governo trabalha em torno de um decreto federal que vai simplificar o procedimento de licenciamento ambiental para projetos de transmissão.
Não são, porém, apenas as hidrelétricas que pressionam os recursos naturais da região e as populações locais, outras “frentes” econômicas ameaçam o equilíbrio regional e provocam desastres sociais e ambientais. Destacam-se entre outros, a revitalização da rodovia 319 – com uma extensão de 880 km – 98% no estado do Amazonas – que liga Manaus-Porto Velho.
Ambientalistas são contra sua reabertura, que ligaria o arco do desmatamento em Rondônia à Amazônia Central, região onde a floresta ainda é bem preservada e a presença humana é pequena. Segundo Marina Silva, “podemos recuperar os trechos já consolidados da BR 319, mas no trecho não consolidado a recuperação [da estrada] não se justifica, pelo alto impacto ambiental e pela inviabilidade econômica. Serão milhões a serem investidos apenas para as pessoas passearem com seus carros, já que nesses trechos não há atividade produtiva. É melhor subsidiar a passagem de avião”, disse a senadora. A pavimentação, entretanto, nessa que é mais uma polêmica das obras do PAC na Amazônia foi decicida pelo governo Lula e deverá seguir em frente no governo Dilma.
A expansão das monoculturas da soja e da cana-de-açucar e a intensificação da pecuária na Amazonia Legal também pressionam enormente a região. O Brasil é hoje o maior exportador de carne bovina do mundo, de soja e de etanol. O conjunto dessas commodities está arrasando o bioma amazônico. Já faz algum tempo a floresta está virando capim, soja e, agora, ameaçada pela cana-de-açucar.
“O boi devora a Amazônia” estampou em manchete não faz tempo, o jornal francês Libération face ao crescimento galopante da pecuária em detrimento da floresta. Motosserras e tratores pondo abaixo extensas áreas de florestas, toras de todos os tamanhos circulando em caminhões com enorme dificuldade, córregos e nascentes soterradas. No lugar das imponentes árvores, a pecuária e a soja extensiva. Até onde a vista alcança, a floresta vem dando lugar ao pasto.
A intensificação da pecuária é coerente com a concepção desenvolvimentista do governo e têm sido uma doas grandes beneficiárias de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por detrás do contínuo desmatamento na região está principalmente a pecuária e também a soja. As duas commodities se constituem em grandes vilões do desmatamento. A aprovação da Medida Provisória 458, da qual já nem
mais se fala, e a aprovação agora, da reforma do Código Florestal, precisam ser compreendidas nesse contexto, são medidas que flexibilizam a legislação e ambiental e ampliam a potencialidade de exploração. Nos últimas semanas proliferaram as notícias do desmatamento na região por ocasião da expectativa da aprovação do Código Florestal. Alarmado com a situação, o governo chegou a criar um gabinete de crise para enfrentar o problema.
A ameaça da expansão da cana-de-açucar para a Amazônia, por ora, encontra-se bloqueada em função da Lei do Zoneamento Agroecológico da Cana. A lei assinada por Lula, entretanto, proíbe apenas novos empreendimentos nessas regiões. Dessa maneira, as nove usinas que já operam na Amazônia e na área do entorno do Pantanal mato-grossense, têm sua permanência e produção garantidas. A lei não surgiu tanto da vontade de preservação do governo, mas da pressão do mercado internacional, que poderia boicotar o etanol brasileiro. Revelou-se, pois uma tentativa mais de “esverdear” o biocombustível brasileiro, e dar uma resposta aos críticos internacionais e fazer passar uma imagem de um país preocupado com o ambiente. Ou seja, o argumento determinante foi o econômico e não o ambiental.
A agressiva expansão do capital na Amazônia está por detrás da violência crescente que se assiste na região, bem como dos anunciados desastres ambientais. Ao longo dos últimos anos, várias foram as posições e decisões que passaram a pressionar o bioma da Amazônia, muitos referidos aqui: intensificação da pecuária com subsídios do governo; aprovação da MP 452 (afrouxamento das regras de licenciamento ambiental para intervenções de reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais); aprovação da MP 458 (favorecendo a grilagem);alteração do Código Florestal; asfaltamento da BR-319; enfraquecimento do Ibama (órgão de fiscalização do meio ambiente); liberação açodada dos transgênicos; entusiasmo com a produção de etanol; postura vacilante em relação a proposta de retalhar a Amazônia Legal; hesitação frente à idéia de expansão da plantação de cana-de-açucar na região amazônica.
A mais grave de todas as decisões, entretanto, é a decisão da construção de hidrelétricas nos rios Madeira, Tapajós, Teles Pires e Xingu. Esses projetos são economicamente, socialmente e ambientalmente devastadores e claramente favorecem grandes grupos exportadores de commodities. O Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de descarbonização da economia investe em matrizes energéticas questionáveis. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantescas. Essa é também a lógica subjacente aos agrocombustíveis – que pressionam o bioma amazonico – e utilizam grandes extensões de terra, produção em larga escala, avançando sobre terras agricultáveis e voltadas para suprir preferencialmente o mercado externo.
Mortes na região amazônica: vidas ceifadas pela expansão do capital e a omissão do Estado
Em questão de duas semanas, cinco pessoas foram assassinadas em áreas de conflitos de terra no Pará e Rondônia. Três vítimas – o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo e o agricultor Erenilton Pereira dos Santos – moravam no assentamento Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna (PA). A quarta vítima, o líder do Movimento Camponês Corumbiara, Adelino Ramos, foi morta em Rondônia. No começo de junho, foi assassinado a tiros o agricultor Marcos Gomes da Silva, 33 anos, residente em Eldorado dos Carajás (PA). A execução se deu na presença da mulher e de outras três testemunhas, e os seis disparos foram feitos por dois homens encapuzados. As quatro primeiras vítimas foram mortas entre os dias 24 e 28 de maio.
O casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, era o mais conhecido de todos. Eles lutavam desde 2008 contra a devastação florestal e a exploração ilegal de madeira no entorno da comunidade de Maçaranduba, sudeste do Pará. A propriedade do casal tinha 80% da mata preservada. Eles viviam há 24 anos na região e faziam parte da Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), uma organização não governamental criada por Chico Mendes, assassinado no Acre na década de 80 por também defender a floresta amazônica.
Em palestra em novembro, no evento TEDx Amazônia, Zé Cláudio, também conhecido como Zé Castanha, denunciava o desmate. “É um desastre para quem vive do extrativismo como eu, que sou castanheiro desde os 7 anos da idade, vivo da floresta e protejo ela de todo jeito. Por isso, vivo com a bala na cabeça, a qualquer hora”. “Eu posso estar aqui conversando com vocês e daqui a um mês vocês podem saber a notícia de que desapareci”, disse ele também naquela ocasião.
Em outro momento, também em novembro do ano passado, o extrativista e líder ambiental contou como era conviver dia após dia com as ameaças de morte. Segundo Zé Cláudio, sua mulher sofria muito com a situação, mas era uma defensora da natureza ainda mais ferrenha que ele. “Quando eu paro um madeireiro, é ela quem fotografa com a máquina digital. Por isso que eles (quem os ameaçava) dizem: ‘Não pode matar ele e deixar ela. Não pode matar ela e deixar ele. Tem que matar os dois’”, justificando a razão pela qual matariam os dois.
Por conta das ameaças que recebia e das dificuldades de continuar o trabalho extrativista no assentamento, Zé Cláudio falava inclusive em deixar o local.
Longa lista de assassinados e ameaçados
As cinco últimas vítimas deste ano aumentam o já longo rosário de assassinatos, de lideranças mais ou menos conhecidas, passando por Chico Mendes (1988) e Ir. Dorothy Stang (2005), para citar apenas os dois casos de maior repercussão. O fato de terem sido mortos em épocas diferentes indica também a permanência histórica dos conflitos de terra em nosso país.
A CPT desde 1985 divulga, anualmente, o relatório sobre os conflitos no campo. Segundo a entidade, de 2000 a 2010, 1.855 pessoas foram ameaçadas pelo menos uma vez. Desse total, 207 pessoas foram ameaçadas mais de uma vez, sendo que 42 acabaram sendo assassinadas e 30 chegaram a sofrer tentativa de assassinato. De 2000 a 2010, foram assassinadas 401 pessoas em todo o país.
Na lista de marcados para morrer estão, entre outros, um sindicalista, um agricultor e dois vereadores de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, e dez líderes comunitários da região amazonense de Lábrea.
Já em março passado, um grupo de 13 ativistas, entre as quais freira Henriqueta Cavalcante, da Comissão de Justiça e Paz, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) estavam juradas de morte no Pará.
Os assassinatos ocorridos no Pará, fazem da região Norte a mais violenta do Brasil.
Governo dá sinais de reação
Diante das mortes, o governo federal começou a se mover, até porque os assassinatos, além do impacto interno, têm repercussões em nível internacional, chamuscando ainda mais a imagem do Brasil, especialmente em relação ao tratamento dado à Amazônia, com consequências econômicas.
Entre as iniciativas, estão as seguintes: a) Imediatamente, o governo começou a convocar diversos setores do governo, da sociedade civil (Comissão Pastoral da Terra – CPT) e os governadores, para discutir ações que devem ser tomadas com vistas a enfrentar a situação. Ao nível do governo, foram ou estão sendo mobilizados vários ministérios, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Força Nacional de Segurança Pública, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
No final de maio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi convidada a participar de audiência com a ministra da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, para discutir as ameaças de morte contra lutadores e lutadoras da terra e sobre a violência no campo e os assassinatos da última semana. A CPT vem há anos denunciando ações desse tipo em todo o país. Seu relatório anual, Conflitos no Campo Brasil, publicado anualmente há 26 anos, traz denúncias tanto de pessoas assassinadas e áreas em conflito, quanto de pessoas que são ameaçadas em todo o país.
b) Além disso, a presidenta entrou pessoalmente na questão, criando um grupo de trabalho interministerial, a ser coordenado pelo secretário geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para acompanhar a investigação dos assassinatos e acelerar ações de regularização fundiária e desenvolvimento sustentável nas áreas de conflito. A Operação Arco de Fogo, criada em 2008. Em reunião com vários ministros, convocada pela presidenta Dilma, o governo anunciou o envio de tropas à área do conflito.
c) Em outra ponta, o governo decidiu anunciar algumas medidas pontuas e burocráticas para deter a escalada de violência no campo. Retomou a Operação Arco de Fogo, criada em 2008 para coibir ações de extração ilegal de madeira na região da Amazônia e outros delitos ambientais. Está cogitando a criação de uma Área sob Limitação Administrativa Provisória (Alap), via decreto, que funcionaria como uma espécie de intervenção federal em áreas do Acre, Amazonas e Rondônia. O governo decidiu também dar prioridade à segurança de 30 agricultores e ambientalistas, que integram a lista de 1.813 pessoas ameaçadas por madeireiros entregue ao governo pela CPT. Esta lista poderá ser ampliada para 165 nomes.
Medidas tímidas e insuficientes
O sentimento generalizado é de que as medidas até agora anunciadas são tímidas e insuficientes, paliativas e até mesmo momentâneas, na medida em que não apontam para a implementação de políticas estruturais. No dizer do padre Ricardo Rezende, que trabalhou durante décadas na região e que também foi ameaçado de morte, o que o governo anunciou até agora são “medidas curativas”, mas, segundo ele, faltam “medidas preventivas” que ataquem “as raízes dos problemas: reforma agrária, sonegação de imposto, derrubada irregular de mata, grilagem de terra”.
Outro que cobra agilidade em políticas que ajam sobre as causas da violência na região é José Batista Afonso. “É preciso mais agilidade na demarcação de terras indígenas, regularização das terras de remanescentes de quilombos, das comunidades ribeirinhas, das áreas de proteção ambiental, além da fiscalização daquelas já existentes. Essa demarcação de territórios das comunidades da Amazônia é um passo no sentido de impor uma barreira de expansão dessas empresas ligadas ao grande capital, que estão na origem dessa violência. Então, é preciso atacar a questão de fundo, a reforma agrária também precisa ser prioridade”, insiste.
Lideranças sociais alertam também para a falta de impunidade reinante na região e que estaria na raiz de muita da violência. “Nos resta uma sensação de impunidade, de que este é um país sem lei”, afirma Mário Lúcio Reis, superintendente do Ibama do Amazonas. Também para dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, fundador da CPT e do CIMI e que conhece muito bem a região, as mortes “não são fatos isolados”, mas que representam mais “um episódio da guerra no campo. É fruto da impunidade e da corrupção marcantes sobretudo no Pará, campeão em violência no campo, em desmatamento e queimadas”, dom Pedro Casaldáliga.
A lentidão e conivência do governo estariam por trás das mortes das lideranças sociais ocorridas nas últimas semanas, alerta o diretor do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Atanagildo de Deus Matos. Para os bispos do Amapá e Pará, trata-se de mais uma amostra da “deficiência” do Estado brasileiro: “Diante desse triste e lamentável episódio, que escancara a deficiência do Estado Brasileiro em defender os filhos da terra que lutam em favor da vida, só nos resta exigir que esse crime não seja mais um impune”, diz nota da CNBB Regional Norte 2 (Amapá e Pará).
Em Nota Pública, a CPT responsabiliza o Estado pela morte do casal. “A Coordenação Nacional da CPT reafirma a responsabilidade do Estado por este crime. A vida das pessoas e os bens natureza nada valem se estes se interpuserem como obstáculo ao decantado “crescimento econômico”, defendido pelos sucessivos governos federais, pelos legisladores do Congresso Nacional que aprovam leis que promovem maior destruição do meio ambiente, e pelo judiciário sempre muito ágil em atender os reclamos da elite agrária, mas mais que lento para julgar os crimes contra os camponeses e camponesas e seus aliados. A certeza da impunidade alimenta a violência.”
Ampliando o leque, dom Pedro Casaldáliga a “omissão” do Estado em relação a “a três grandes dívidas: a reforma agrária, a política indigenista, a política doméstica e ecológica do consumo interno”.
Ausência ou omissão? No contexto de cobertura dos acontecimentos que envolvem o assassinato das lideranças camponesas e extrativistas, vale trazer a análise feita pelo Afonso Chagas, mestrando do PPG em Direito da Unisinos. Para ele, é incorreto afirmar que o Estado está ausente na região. “Afirmar a ausência do Estado, é uma visão minimalista, pelo fato de que o projeto de expansão agrícola da Amazônia foi muito bem ‘planejado’, tanto é que hoje, se tomarmos os estados da Amazônia legal, nunca o agronegócio encontrou tanto trânsito livre, principalmente o governamental, para se instituir e agir, não só em relação à ‘impunidade consentida’, mas sobretudo em polpudos financiamentos governamentais. A presença de ‘enclaves’ internacionais (Cargill, Monsanto, Bunge, Tractbel) e outros, não ocorreu sem um maciço implemento estatal, via BNDES.”
Mortes podem ter relação com a mudança do Código Florestal
Outra questão é saber se há uma relação direta ou indireta das mortes com a mudança do Código Florestal. Para o secretário Executivo do Ministério da Justiça, Luis Paulo Barreto, “não há nenhum dado, investigação apontando qualquer vinculação destes assassinatos com a tramitação do Código Florestal”, referindo-se à morte do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo.
Entretanto, de acordo com o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), José Batista Gonçalves Afonso, que está na região para acompanhar as investigações, há relação, sim. “A questão da regularização fundiária, aprovada em 2009, a questão da concessão de florestal, são leis que vem flexibilizando para que o capital avance sobre a floresta. Então, as leis têm favorecido isso e o Código Florestal vem nesse contexto”, afirma Batista Afonso.
O engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), lembra que com o esgotamento das áreas onde era possível retirar madeira e desmatar para fazer ocupações, as reservas, terras indígenas e assentamentos agroflorestais, transformam-se em alvos próximos para novos desmatamentos.
As investidas das madeireiras são sentidas inclusive no assentamento Praialta/Piranheira, onde morava e atuava o casal de extrativistas mortos. Ali, fiscais do Ibama e agentes da Polícia Federal comprovaram um cenário de devastação de espécies nobres de madeira, como angelim, ipê roxo, ipê amarelo e castanheira, árvore cujo corte é proibido por lei em razão de correr risco de extinção. Com o apoio de um helicóptero, eles localizaram extensas áreas de floresta desmatadas para a retirada ilegal de madeira. A derrubada é feita por empresas madeireiras e também por assentados.
Nestes locais, os próprios assentados não conseguem resistir às pressões para produzir carvão e cortar madeiras em áreas de proteção ambiental.
Bispos ameaçados
A violência não mira apenas nas lideranças camponesas e extrativistas. E não se produz exclusivamente pela questão agrária. Na última Assembleia geral da CNBB, três bispos do Pará ameaçados de morte, todos de origem estrangeira, passaram os dez dias sob proteção policial. O austríaco d. Erwin Kräutler, da prelazia do Xingu, o espanhol d. José Luís Azcona Hermoso, da prelazia de Marajó, e o italiano d. Flávio Giovenale, da diocese de Abaetetuba, foram constantemente vigiados por cinco agentes de segurança, que se revezavam dia e noite. As ameaças são decorrentes de denúncias de tráfico de mulheres, violência contra indígenas, tráfico de drogas e armas.
Violência contra indígenas
Na mesma assembleia geral, a Conferência Nacional dos Bispos Brasil (CNBB) afirmou, em nota de sua 49.ª Assembleia Geral, reunida em Aparecida, que 499 índios foram assassinados em conflitos de terra, no País, entre 2003 e 2010, e 748 estão presos atualmente “porque, diante de questões não resolvidas, são levados ao desespero e à agressividade”. Pelo menos 60 lideranças indígenas, segundo os bispos, respondem a processos em consequência de sua atuação em defesa de seus territórios.
“Temos observado que continua bastante recorrente o fato que, nos casos em que o intento de inviabilizar a demarcação de uma terra indígena não é atingido por meio de pressões políticas ou de ações judiciais, alguns segmentos político-econômicos apelam para a violência, promovem invasão das terras indígenas, atacam e assassinam as lideranças destes povos”, denuncia dom Erwin Kräutler, em pronunciamento feito ao episcopado brasileiro, reunido na 49ª assembleia geral. Este pronunciamento motivou e fundamentou a nota dos bispos em que declaram seu compromisso com a causa indígena.
Vida e bioma ameaçados
Impacto social
Entre as consequências da expansão do capitalismo na região amazônica, além da violência, encontram-se os impactos sociais e ambientais. Na questão social tome-se como exemplo o que vem acontecendo no entorno da usina hidrelétrica de Jirau e as consequências da construção de Belo Monte.
A região das obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, registra uma explosão de criminalidade e de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. O aumento dos problemas supera o ritmo do crescimento populacional. As usinas começaram a ser construídas no segundo semestre de 2008. A população de Porto Velho, onde estão as duas obras, cresceu 12,5% entre aquele ano e 2010. O número de homicídios dolosos na capital aumentou 44% no mesmo período.
Segundo Raiclin Silva, do Juizado da Infância, as áreas próximas aos canteiros tinham participação mínima nos resgates de menores e agora são metade do total. O número de estupros em Rondônia cresceu 76,5% de 2008 a 2010. A quantidade de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual subiu 18% no período. Mais de 37 mil funcionários, na maioria homens vindos de outros Estados, trabalham nas duas obras. “É como se houvesse um garimpo”, diz Silva.
“Jirau é um sinal de alerta ao governo e seus empresários”, diz nota da Aliança dos Rios da Amazônia, composta pelos Movimento Xingu Vivo para Sempre, Aliança Tapajós Vivo, Movimento Rio Madeira Vivo e Movimento Teles Pires Vivo. Segundo os movimentos, “Jirau concentra todos os problemas possíveis: em ritmo descontrolado, trouxe à região o ‘desenvolvimento’ da prostituição, do uso de drogas entre jovens pescadores e ribeirinhos, da especulação imobiliária, da elevação dos preços dos alimentos, das doenças sem atendimento, e de violências de todos os tipos”.
“Vi naqueles bares à beira do asfalto, entre uma quantidade inumerável de homens, mulheres jovens se oferecendo à prostituição, muita bebida, muita música e imaginei a quantidade de coisas indizíveis que acontecem ali e reconheço que também são parte do que está sendo produzido pelas usinas” – é o depoimento do Pastor Aluizio Vidal, presidente Regional do PSOL – RO, sobre o caos que vive Jaci-Paraná, cidade vizinha à obra.
Com a construção de Belo Monte, o quadro social não será muito diferente. Tome-se como referência a cidade de Altamira que deverá se transformar em um grande canteiro de obras.
No município, ao todo, a remoção deverá atingir pelo menos 19,2 mil habitantes, dos quais 16,4 mil estão no centro. Mais 2,8 mil estão espalhados pelo interior do município. Boa parte de Altamira, que ostenta a faixa de ser o maior município do mundo, vai ficar debaixo d’água. As áreas inundadas de Altamira e região serão usadas para abrigar tudo o que está relacionado à construção da usina, das ações de engenharia e infraestrutura da construção aos reservatórios da barragem da usina. A água também vai engolir regiões onde hoje funcionam 350 comércios e outras 85 pequenas indústrias – a maior parte delas ligadas à fabricação de tijolos.
Hoje Altamira tem 105 mil habitantes e de maneira geral, o cenário é desolador. Não há rede de esgoto e 18% das casas não têm instalações sanitárias. A coleta de lixo chega a atender pouco mais da metade das casas do município. Para ter acesso à água, mais de 70% dos habitantes recorrem a poços artesianos, os quais têm grande risco de contaminação, uma vez que o esgoto não é tratado e segue direto para o solo, em fossas improvisadas. Ironicamente, a cidade que será a sede da maior usina 100% nacional do país também sofre com abastecimento de energia. Apesar da Companhia Elétrica do Pará (Celpe) alimentar a região com energia desde há algumas décadas, os apagões são frequentes.
No quesito desmatamento, a região já está escolada, vítima de intensa ação de grilagem de terras e devastação ilegal. Os dados mais recentes do governo apontam que pelo menos 30% do território dos principais municípios que serão afetados diretamente pela usina – Altamira, Anapu, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Senador José Porfírio – já foram totalmente devastados. Com a proximidade da obra, pelas ruas de Altamira, é possível ver pichações em muros, com o protesto de que a cidade será vítima de um “belo monte de mentiras”.
Impacto ambiental
As hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo não são apenas um desastre social. Anunciam também um desastre ambiental. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantesca.
Assim como o país tolerou em décadas passadas agressões ao meio ambiente – Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica –, tudo leva a crer que caminhamos para outros erros. Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão a decisão da construção de Jirau, Santo Antônio, Belo Monte.
Com a construção a construção de Jirau e Santo Antonio, segundo o movimento Rio Madeira Vivo, “o rio Madeira e suas margens deixarão de atender ribeirinhos, indígenas e a população de Porto Velho com água, peixes, sedimentos e vida para se tornar um rio-mercadoria. Um rio morto, estéril, com águas podres, contaminado por mercúrio, multiplicador da malária. Um rio a serviço das indústrias eletrointensivas e do agronegócio, imprestável para o povo, para a pesca artesanal, para o lazer e para as culturas de várzea”. O movimento alerta ainda que “com as usinas, o patrimônio histórico da Estrada de Ferro Madeira–Mamoré e da Igrejinha de Santo Antonio será descaracterizado para sempre. Verdadeiros monumentos ambientais como as cachoeiras de Santo Antonio e de Teotônio desaparecerão”.
No caso de Belo Monte, a devastação sobre a floresta e o rio, ainda incalculáveis, jamais poderão ser recuperados. Segundo Oswaldo Sevá, professor no Departamento de Energia e na Pós-Graduação em Antropologia da Unicamp, em carta dirigida ao presidente Lula, a obra “em parte destruirá e em parte adulterará um dos locais mais esplêndidos do país, 100 quilômetros seguidos de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas e outras relíquias arqueológicas – um verdadeiro monumento fluvial do planeta: a Volta Grande do Xingu”.
Para além das hidrelétricas, as demais cadeias produtivas na região – exploração da pecuária, soja, madeira e mineração – também provocam estragos enormes. Soma-se, agora, a esse conjunto de agressões ao meio ambiente a aprovação da reforma do Código Florestal. As mudanças nas regras de preservação de mata nativa nas propriedades rurais, que constam do novo Código Florestal aprovado pela Câmara, ampliam em 22 milhões de hectares a possibilidade de desmatamento no País – o equivalente ao Estado do Paraná.
O número representa as áreas de reserva legal que poderão ser desmatadas legalmente caso o texto seja aprovado no Senado e sancionado pela presidente. Os cálculos foram feitos pelo professor Gerd Sparovek, do Departamento de Solos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), com base no texto do relator Aldo Rebelo (PC do B-SP) e na emenda 164, aprovados na Câmara na terça-feira. A conta leva em consideração a dispensa de recuperação da reserva legal, que é a área, dentro das propriedades rurais, que deve ser mantida com vegetação nativa e varia de 20% a 80% das terras.
A equação ambiental não é estratégica no governo neodesenvolvimentista. Apesar da intensa retórica, a temática ambiental está subordinada a agenda econômica. Pior ainda, a uma agenda econômica dependente de um padrão de desenvolvimento fordista. O Brasil permanece preso ao século XX, a uma concepção de industrialização tardia e tributária da Revolução Industrial.
A Amazônia manifesta que o Brasil não apenas está preso ao mantra do crescimento econômico, como vem optando por um crescimento predatório. A cobiça e a avidez dos interesses econômicos estão comprometendo aquilo que poderia ser o seu diferencial: a biodiversidade. O país está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, ancorada, sobretudo na crise climática. Nesta perspectiva, subordinar a biodiversidade da região amazônica ao produtivismo do sudeste e as plataformas de exportação de commodities é no mínimo uma opção questionável.
É possível outro modelo para a Amazônia?
“Manter a floresta em pé e garantir crescimento sustentável é uma equação que nós, Homo sapiens agricola, não sabemos decifrar. Isso nunca foi necessário ao longo da expansão de nossa subespécie. Não evoluímos para isto. (…) Chegamos ao século XXI convencidos de que podemos tudo”. Mas, “se continuarmos a ser apenas modernos, não temos futuro. A solução não é ser pós-moderno. (…) O futuro da Amazônia e da nossa espécie depende de uma evolução sociocultural nova: a transformação de Homo sapiens agricola em Homo sapiens sustentabilis, em menos de uma década”. A afirmação de Charles R. Clement, do Inpa, é citada pelo jornalista Washington Novaes para quem estamos diante de “um desafio imenso, que não se resolverá na Amazônia sem incorporar a visão da sociedade, e não apenas a visão econômica e tecnológica”.
“Temos de repensar a estratégia de avançar sobre a Amazônia”, afirmam Pedro Bara Neto, mestre em engenharia e Claudio Maretti, doutor em geografia. Falando sobre Belo Monte, os professores dizem que “é verdade que o projeto já não é o mesmo de 20 anos atrás e juramos não fazer nenhuma outra represa Xingu acima. Mesmo assim, fomos apressados, descuidados, arrogantes, oportunistas, pouco transparentes e indiferentes”.
Segundo eles, “fomos apressados para utilizar o lançamento de um grande projeto como instrumento político. Pela pressa, nos arriscamos em saltos de etapas críticas, tais como uma confiável investigação geológica ou o consentimento prévio das populações indígenas. Fomos arrogantes em negar que o projeto tinha problemas, que não estava pronto para ser leiloado, que requisitos legais e compromissos internacionais estavam sendo feridos, que não podemos impor a modicidade tarifária com preços irreais, que não podemos criar consórcios na última hora, para depois deixar o País perplexo ante os que dela não quiseram participar como investidores”!
Agora, dizem os pesquisadores, “estamos sendo oportunistas em eleger as licenças ambientais como entrave para acelerar o crescimento da infraestrutura do País, a mesma aceleração que tanto colaborou para os deslizes de Belo Monte. Não estamos sendo transparentes ao lidar com as consequências desse processo no custo final do empreendimento, com os cuidados daqueles que devem assegurar os compromissos assumidos ou dos que têm acionistas ou controladores privados e vão ser cobrados pelo uso dos seus recursos. Não estamos sendo muito claros com o povo brasileiro, que corre o risco de pagar a conta das empresas públicas envolvidas nesse triste enredo”.
O mesmo equívoco que podemos estar cometendo com as usinas do Madeira e do Xingu pode estar em curso com a aprovação do novo Código Florestal. Segundo Carlos Eduardo Young especialista em Desenvolvimento Sustentável e Instrumentos Econômicos para o Meio Ambiente, “o Brasil não terá ganhos econômicos com a aprovação das alterações do Código Florestal, que aguarda votação no Senado”.
Segundo o pesquisador as mudanças no Código Florestal apresenta equívocos e um deles se refere à ideia de que o desmatamento gera crescimento econômico. Para ele, em vez de desmatar as florestas e áreas de preservação, o Brasil pode beneficiar-se economicamente se optar pela conservação ambiental. “Todos os setores devem ter produtos certificados como, por exemplo, madeira sustentável certificada. Também é possível investir no turismo com visitação de áreas de preservação. No setor pesqueiro, por outro lado, há um enorme potencial para produtos oriundos de áreas de conservação”, exemplifica.
Young lembra que, se aprovadas, as mudanças no Código Florestal terão impacto negativo na posição brasileira em relação às questões ambientais. “O Brasil está buscando um papel de liderança na discussão sobre as mudanças climáticas e o calcanhar de Aquiles brasileiro é justamente o desmatamento, o qual torna o país um dos maiores emissores de CO2 do mundo”.
Recordando a assinatura da Lei Áurea, que aboliu com a escravidão no Brasil, o economista ironiza: “Se dependesse do atual Congresso Nacional, a Lei Áurea jamais seria assinada. Usariam os mesmos argumentos: vão faltar alimentos, o Brasil vai quebrar porque não vai mais exportar café, os ex-escravos vão ficar sem moradia, comida e ‘emprego’, o agronegócio vai ser prejudicado por ‘gente da cidade’ que não entende nada do campo”.
Por outro lado, e corroborando a análise de Carlos Eduardo Young, o geógrafo Eduardo Girardi destaca que o Brasil pode continuar expandindo a produção agropecuária por um período de mais 20 anos, a uma taxa de 4% ao ano, sem precisar tocar na floresta amazônica. Ele se baseia em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontavam em 1998 a existência de 55,8 milhões de hectares de terras da Amazônia Legal que poderiam ser exploradas mas não eram. Também considera que, entre 1998 e 2007, foram desflorestados na região 54,5 milhões de hectares – terras que se tornaram exploráveis – e que, entre 1996 e 2006, a área total de lavouras e de pastagens na mesma região foi ampliada em 23 milhões de hectares.
“Esses três dados nos permitem contradizer todo discurso que mencione a necessidade de desflorestamento na Amazônia, ou em qualquer outra região, para a obtenção de novas terras para a produção agropecuária”, diz Girardi. Para ele, a agropecuária pode continuar se expandindo com a melhor exploração das áreas já abertas. Essa deveria ser a preocupação deste e dos próximos governos, afirma.
A expansão do capitalismo na Amazônia coloca em xeque o conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo Rogério Almeida, “o próprio conceito é um problema. Como combinar desenvolvimento, que prima pelo uso intensivo dos recursos naturais, com a sustentabilidade, que possui pressupostos em oposição ao desenvolvimentismo? Avalio que as populações locais devam ser os protagonistas dos modelos de desenvolvimento. Temos várias Amazônias. O projeto não pode ser homogêneo para toda a região. Até hoje, temos vivenciado projetos criados nos centros mais desenvolvidos. A nossa condição ainda é colonial nas mais variadas dimensões”.
Caráter “colonial” do modelo que é lembrado por Afonso Chagas artigo para o IHU. Segundo ele, “a Amazônia em todos os seus Estados, tem os mesmos aparelhos estatais de qualquer outro Estado da federação, legislativo, policial, judiciário e em todos, perpassa ainda esta perspectiva patrimonialista, patriarcal e podemos dizer ‘sulista’ de encarar a terra, a natureza, os povos da terra e os movimentos sociais que ainda resistem”. Em sua opinião, “qualquer ‘força-tarefa’ ou esforço de rever estratégia de colonização ou ‘corrida para a Amazônia’ deve ser precedido deste contexto, visão e talvez ‘mea-culpa\’. Sojicultoures, grandes pecuaristas e mandantes de muitas mortes, se criaram à partir desta região e visão ‘centro-sulista’ da Amazônia”.
Na opinião de dom Erwin Kräutler com as propostas atuais de exploração na Amazonia, “o Brasil está perdendo uma enorme chance de inovar”. Dom Erwin defende que “o Brasil poderia dar ao mundo um exemplo de cuidado mais esmerado com o meio-ambiente e, ao mesmo tempo, de avanço na busca de fontes alternativas de energia, como a energia solar e eólica”.
A Amazônia não pode ficar refém da lógica do desenvolvimentismo, o que não significa a ausência de uma ativa presença do Estado. O Estado, porém, deveria contribuir na perspectiva de interromper o ciclo de “abandono” a que as populações locais estão submetidas e junto a ela desenvolver formas de desenvolvimento menos invasivas, que procure conjugar qualidade de vida com sustentabilidade.
(*) A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Fonte: Ecodebate, 07/06/2011 publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

na tela ou dvd

  • 12 Horas até o Amanhecer
  • 1408
  • 1922
  • 21 Gramas
  • 30 Minutos ou Menos
  • 8 Minutos
  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
  • A Chave Mestra
  • A Cura
  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
  • Amarcord
  • Amargo Pesadelo
  • Amigas com Dinheiro
  • Amor e outras drogas
  • Amores Possíveis
  • Ano Bissexto
  • Antes do Anoitecer
  • Antes que o Diabo Saiba que Voce está Morto
  • Apenas uma vez
  • Apocalipto
  • Arkansas
  • As Horas
  • As Idades de Lulu
  • As Invasões Bárbaras
  • Às Segundas ao Sol
  • Assassinato em Gosford Park
  • Ausência de Malícia
  • Australia
  • Avatar
  • Babel
  • Bastardos Inglórios
  • Battlestar Galactica
  • Bird Box
  • Biutiful
  • Bom Dia Vietnan
  • Boneco de Neve
  • Brasil Despedaçado
  • Budapeste
  • Butch Cassidy and the Sundance Kid
  • Caçada Final
  • Caçador de Recompensa
  • Cão de Briga
  • Carne Trêmula
  • Casablanca
  • Chamas da vingança
  • Chocolate
  • Circle
  • Cirkus Columbia
  • Close
  • Closer
  • Código 46
  • Coincidências do Amor
  • Coisas Belas e Sujas
  • Colateral
  • Com os Olhos Bem Fechados
  • Comer, Rezar, Amar
  • Como Enlouquecer Seu Chefe
  • Condessa de Sangue
  • Conduta de Risco
  • Contragolpe
  • Cópias De Volta À Vida
  • Coração Selvagem
  • Corre Lola Corre
  • Crash - no Limite
  • Crime de Amor
  • Dança com Lobos
  • Déjà Vu
  • Desert Flower
  • Destacamento Blood
  • Deus e o Diabo na Terra do Sol
  • Dia de Treinamento
  • Diamante 13
  • Diamante de Sangue
  • Diário de Motocicleta
  • Diário de uma Paixão
  • Disputa em Família
  • Dizem por Aí...
  • Django
  • Dois Papas
  • Dois Vendedores Numa Fria
  • Dr. Jivago
  • Duplicidade
  • Durante a Tormenta
  • Eduardo Mãos de Tesoura
  • Ele não está tão a fim de você
  • Em Nome do Jogo
  • Encontrando Forrester
  • Ensaio sobre a Cegueira
  • Entre Dois Amores
  • Entre o Céu e o Inferno
  • Escritores da Liberdade
  • Esperando um Milagre
  • Estrada para a Perdição
  • Excalibur
  • Fay Grim
  • Filhos da Liberdade
  • Flores de Aço
  • Flores do Outro Mundo
  • Fogo Contra Fogo
  • Fora de Rumo
  • Fuso Horário do Amor
  • Game of Thrones
  • Garota da Vitrine
  • Gata em Teto de Zinco Quente
  • Gigolo Americano
  • Goethe
  • Gran Torino
  • Guerra ao Terror
  • Guerrilha Sem Face
  • Hair
  • Hannah And Her Sisters
  • Henry's Crime
  • Hidden Life
  • História de Um Casamento
  • Horizonte Profundo
  • Hors de Prix (Amar não tem preço)
  • I Am Mother
  • Inferno na Torre
  • Invasores
  • Irmão Sol Irmã Lua
  • Jamón, Jamón
  • Janela Indiscreta
  • Jesus Cristo Superstar
  • Jogo Limpo
  • Jogos Patrióticos
  • Juno
  • King Kong
  • La Dolce Vitta
  • La Piel que Habito
  • Ladrões de Bicicleta
  • Land of the Blind
  • Las 13 Rosas
  • Latitude Zero
  • Lavanderia
  • Le Divorce (À Francesa)
  • Leningrado
  • Letra e Música
  • Lost Zweig
  • Lucy
  • Mar Adentro
  • Marco Zero
  • Marley e Eu
  • Maudie Sua Vida e Sua Arte
  • Meia Noite em Paris
  • Memórias de uma Gueixa
  • Menina de Ouro
  • Meninos não Choram
  • Milagre em Sta Anna
  • Mistério na Vila
  • Morangos Silvestres
  • Morto ao Chegar
  • Mudo
  • Muito Mais Que Um Crime
  • Negócio de Família
  • Nina
  • Ninguém Sabe Que Estou Aqui
  • Nossas Noites
  • Nosso Tipo de Mulher
  • Nothing Like the Holidays
  • Nove Rainhas
  • O Amante Bilingue
  • O Americano
  • O Americano Tranquilo
  • O Amor Acontece
  • O Amor Não Tira Férias
  • O Amor nos Tempos do Cólera
  • O Amor Pede Passagem
  • O Artista
  • O Caçador de Pipas
  • O Céu que nos Protege
  • O Círculo
  • O Circulo Vermelho
  • O Clã das Adagas Voadoras
  • O Concerto
  • O Contador
  • O Contador de Histórias
  • O Corte
  • O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante
  • O Curioso Caso de Benjamin Button
  • O Destino Bate a Sua Porta
  • O Dia em que A Terra Parou
  • O Diabo de Cada Dia
  • O Dilema das Redes
  • O Dossiê de Odessa
  • O Escritor Fantasma
  • O Fabuloso Destino de Amelie Poulan
  • O Feitiço da Lua
  • O Fim da Escuridão
  • O Fugitivo
  • O Gangster
  • O Gladiador
  • O Grande Golpe
  • O Guerreiro Genghis Khan
  • O Homem de Lugar Nenhum
  • O Iluminado
  • O Ilusionista
  • O Impossível
  • O Irlandês
  • O Jardineiro Fiel
  • O Leitor
  • O Livro de Eli
  • O Menino do Pijama Listrado
  • O Mestre da Vida
  • O Mínimo Para Viver
  • O Nome da Rosa
  • O Paciente Inglês
  • O Pagamento
  • O Pagamento Final
  • O Piano
  • O Poço
  • O Poder e a Lei
  • O Porteiro
  • O Preço da Coragem
  • O Protetor
  • O Que é Isso, Companheiro?
  • O Solista
  • O Som do Coração (August Rush)
  • O Tempo e Horas
  • O Troco
  • O Último Vôo
  • O Visitante
  • Old Guard
  • Olhos de Serpente
  • Onde a Terra Acaba
  • Onde os Fracos Não Têm Vez
  • Operação Fronteira
  • Operação Valquíria
  • Os Agentes do Destino
  • Os Esquecidos
  • Os Falsários
  • Os homens que não amavam as mulheres
  • Os Outros
  • Os Românticos
  • Os Tres Dias do Condor
  • Ovos de Ouro
  • P.S. Eu te Amo
  • Pão Preto
  • Parejas
  • Partoral Americana
  • Password, uma mirada en la oscuridad
  • Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
  • Perdita Durango
  • Platoon
  • Poetas da Liberdade
  • Polar
  • Por Quem os Sinos Dobram
  • Por Um Sentido na Vida
  • Quantum of Solace
  • Queime depois de Ler
  • Quero Ficar com Polly
  • Razão e Sensibilidade
  • Rebeldia Indomável
  • Rock Star
  • Ronin
  • Salvador Puig Antich
  • Saneamento Básico
  • Sangue Negro
  • Scoop O Grande Furo
  • Sem Destino
  • Sem Medo de Morrer
  • Sem Reservas
  • Sem Saída
  • Separados pelo Casamento
  • Sete Vidas
  • Sexo, Mentiras e Vídeo Tapes
  • Silence
  • Slumdog Millionaire
  • Sobre Meninos e Lobos
  • Solas
  • Sombras de Goya
  • Spread
  • Sultões do Sul
  • Super 8
  • Tacones Lejanos
  • Taxi Driver
  • Terapia do Amor
  • Terra em Transe
  • Território Restrito
  • The Bourne Supremacy
  • The Bourne Ultimatum
  • The Post
  • Tinha que Ser Você
  • Todo Poderoso
  • Toi Moi Les Autres
  • Tomates Verdes Fritos
  • Tootsie
  • Torrente, o Braço Errado da Lei
  • Trama Internacional
  • Tudo Sobre Minha Mãe
  • Últimas Ordens
  • Um Bom Ano
  • Um Homem de Sorte
  • Um Lugar Chamado Brick Lane
  • Um Segredo Entre Nós
  • Uma Vida Iluminada
  • Valente
  • Vanila Sky
  • Veludo Azul
  • Vestida para Matar
  • Viagem do Coração
  • Vicky Cristina Barcelona
  • Vida Bandida
  • Voando para Casa
  • Volver
  • Wachtman
  • Zabriskie Point