segunda-feira, maio 31, 2010

comemorando o niver

Terremotos

Abraços fazem terremotos no coração
Estremece partes quentes que derretem
Abalando toda estrutura e respiração

Cada natureza se entrega a essa corrente
O olhar e impulso alternam céu e solidão
Calados nesse momento simples e intenso

Esse tempo que parece fazer um favor cruel
Nos juntando nessa curta entrega infinita
Para depois nos lembrar o quanto amamos

quinta-feira, maio 27, 2010

técnicas e valores (III)

Ecoética e conhecimento a partir de uma postura hermenêutica*
*(continuação do resumo do capítulo, do livro Correntes da Ética Ambiental de M. L. Pelizzoli).

             É Gadamer principalmente que levanta “o problema filosófico de desenvolver uma nova ontologia do evento da compreensão”, a saber, apontando que o conhecimento se liga aos elementos de interesse existencial, social, histórico e da cultura/linguagem dos povos. [...] “A verdade zomba do homem metódico”; hermenêutica, portanto, designa, primeiramente, “o movimento básico da existência humana, constituída pela sua finitude e historicidade, e por conseguinte abrangendo a globalidade da sua experiência no mundo. [...] O movimento de compreensão é englobante e universal”.[1]
            É por isso que Gadamer vai adotar, como primeiro exemplo hermenêutico, a experiência da obra de arte, na medida em que ela, não se esgotando apenas no “horizonte subjetivo de interpretação”, não se esgota também na racionalidade científica, e, apesar disso, tem ou faz um sentido – nos atinge. Ela não pode ser também captada ou produzida de igual modo pela tecnologia nos moldes da modernidade.
            Ao pensar a História, o hermeneuta, busca aquilo que na tradição remete a uma visão de conhecimento menos dominadora e mais dialógico-dialética, com o sujeito deixando-se admirar e impressionar  mais pela Natureza, pela arte, pelo ser das coisas, o que só uma experiência existencial e concreta (e com o “Outro”) pode “compreender”. Essa visão dialética é eminentemente dialogal, ouve a Natureza e a Cultura, interage cautelosamente. Se a verdade da Ciência é interessada, levando à solidão (ego cogito) daquele que domina a natureza e os outros como objetos de conhecimento, a verdade dialético-hermenêutica é plural, aberta ao outro (mesmo passado), não reducionista, relevando sempre aquilo que fica fora dos limites da razão instrumental do “progresso”. Neste sentido, pensamos numa posição próxima de defesa do Outro contra a hegemonização violenta do Mesmo, como aponta o filósofo E. Levinas.
            No método reducionista, o tema a investigar “orienta”, controla e manipula a realidade, o “objeto”; na dialética, é o tema que levanta as questões a que irá responder [...] aquele que interroga descobre-se como sendo o ser que é interrogado pelo tema”, pela coisa real, o que leva sempre à auto reflexão. É por isso que no método tecnicista impera o “esquema sujeito-objeto”, a noção de causa-efeito linear e dura (simplificadora), onde o próprio sujeito “torna-se agora objeto”.[2]
            O mundo da vida, da sabedoria acumulada, dos saberes antigos, da experiência produtiva, do lidar com as pessoas como “humanos”, nas culturas diversas, estes elementos “abertos” não são apenas uma fonte de conhecimento preciosa, mas condição inseparável do conhecimento científico e das tecnologias, que devem respeitar os chamados saberes sustentáveis em primeiro lugar. Assim, é fundamental considerarmos o nosso mundo da tecnologia e do american way of life hoje como uma possibilidade de mundo entre tantas outras que já ocorreram e que poderão ocorrer. O “mundo da vida” não se acaba simplesmente porque robôs e computadores inteligentes e a tecnologia de controle total surgem; ele é ponto de partida e contém elementos de alteridade (singularidades humanas e da Natureza...) que não se dobram à objetificação da Vida.
            Não se trata, porém, de uma mera volta ao passado contra o conhecimento atual; não podemos ter nunca o entendimento do passado como tal; contudo, devemos considerar os elementos da tradição que estão sempre em jogo quando nos relacionamos e conhecemos. Não se trata de acabar com os pressupostos, pois eles não são elimináveis, mas sim iluminar a sua participação e torná-la produtiva. Para a hermenêutica, o significado de uma experiência liga-se à “tradição da interpretação” sobre a qual estamos assentados, assim como as “possibilidades futuras que se nos abrem”; tal tradição “é produto de relações, é o horizonte no interior do qual pensamos. [...] A autocompreensão não é uma consciência que flutua livremente [...]; é uma compreensão que já se situa na história e na tradição, e apenas pode compreender o passado alargando o seu horizonte” de modo a englobar aquilo que se apresenta.[3] É claro que ocorrem também os preconceitos negativos, que devem ser humanamente aceitos, porém confrontados – para ver se não nos aprisionam ou tornam nosso pensamento “ideologizado”.
            À lembrança de M. Buber, Gadamer fala de três tipos de relação Eu-Tu, tentando explicar a força da consciência histórica que nos habita; e o que nos serve também para pensar a relação com o Outro e a ecoética.
            Na primeira forma de relação, o Tu é um objeto dentro de um campo de conhecimento objetivo, e algo que tem um uso determinado para seus fins. As coisas, o Saber, “torna-se então um objeto separado de nós [...] Uma “objetividade” destas, orientada para o método, domina nas ciências naturais e também nas ciências sociais, exceto onde a fenomenologia se faz sentir”.[4]
            Na segunda forma de experimentar e compreender o Tu, ele é visto dentro de uma “projeção reflexiva”, é encarado como uma pessoa, “mas Gadamer mostra que esta relação ‘pessoal’ pode ainda manter-se prisioneira do Eu, sendo de fato uma relação entre o Eu e um Tu reflexivamente construído”. É uma relação guiada pela consciência dominadora, partindo do interioridade do Eu (do Mesmo); aí, por conseguinte, “há sempre a possibilidade de que cada parceiro da relação possa vencer a atividade reflexiva do outro”.[5]
            A terceira forma de relação “caracteriza-se por uma autêntica abertura ao Tu. É a relação que não projeta o significado a partir do eu mas que tem uma abertura que ‘permite’ que algo seja dito [...]”; aqui, nos posicionamos de modo que o outro tenha face, nos reclame. “A pessoa ‘que teve a experiência’ não só não tem um conhecimento meramente objetificado ‘como tem uma experiência’ não objetificável que a amadureceu e a fez aberta à tradição e ao passado”, ao Outro e à Natureza viva.[6] Aqui, sabe-se melhor lidar com a realidade; aprendeu-se o valor de lidar eticamente com as pessoas, na autenticidade e atitude de não-dominação (não-violência); indica sabedoria.
            [...]
Nós pertencemos a uma cultura, a um mundo, a uma tradição, e também a uma série de interações com os processos e ambientes que chamamos de Natureza. Ou seja, nada escapa a isso; não é possível ocultar o que produzimos e descartamos, bem como a nossa visão de ser humano e de mundo (de relação), que se refletem na concretude do dia-a-dia.



[1] Gadamer em Verdade e método, apud Palmer, p, 168s.
[2] Cf. Palmer, p. 170.
[3] Ibid., p. 186. Ainda: “A compreensão inclui sempre uma aplicação ao presente” (Gadamer).
[4] Ibid., p. 194s.
[5] Ibid. “A alteridade do outro e o passado do passado apenas são conhecidos do mesmo modo que o Eu conhece o Tu – através da reflexão. Ao pretender reconhecer o outro em todo o seu condicionalismo, ao pretender ser objetivo, aquele que conhece pretende realmente dominar” (Ibid., p. 195).
[6] Ibid., p. 196.

segunda-feira, maio 24, 2010

técnicas e valores (II)

Ecoética e conhecimento a partir de uma postura hermenêutica*
*(continuação do resumo do capítulo, do livro Correntes da Ética Ambiental de M. L. Pelizzoli).
Limites do paradigma holístico e espiritualizador

            Certamente, este é o século da Nova Física, que abala as bases do saber científico; reviravolta semelhante ocorre na Filosofia e nas ciências em geral. A redução da Natureza a elementos fundamentais compactos, materiais, últimos e manipuláveis isoladamente começa a ser questionada; isto em prol de uma visão dos fenômenos com uma dinâmica de relações mútuas e interdependentes. O mérito da linha que parte da teoria dos sistemas, do organicismo e de outras perspectivas holísticas semelhantes é mostrar que o universo material é uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados sem uma propriedade fundamental; “a consistência global das inter-relações determina a estrutura da rede toda”[1]. Não obstante, o cuidado com o deslize para sistemas evolutivos ainda objetificadores, biologicistas e de alguma forma determinísticos deve ser redobrado.
            No nosso entendimento de holismo, aplicado à ecoética, não pode se tratar de reduzir as partes ao todo – totalização -, numa inversão simples, mas de priorizar a inter-relação (com contexto e história) e o equilíbrio dinâmico entre sistema e “alteridade”, ordem e desordem, antigo e novo, um modo dialético de ralação, e como contínua auscultação (dialogação) e respeito para com a(s) realidade(s) em suas várias abordagens. Como exemplo concreto podemos citar a agricultura ecológica ou regenerativa. Antes de mais, ela é um diálogo de homem com a terra, permeando cultura e comunidade. (...).
            O caso dos organismos geneticamente modificados, como os transgênicos na agricultura e alimentação, é ainda um exemplo mais forte e mais grave. Os tecnocratas e megaempresários do ramo acusam os ambientalistas de serem “contra o progresso”, de terem uma visão arcaica, de alarme puritano; e ainda chegam a afirmar que os transgênicos vão ajudar a resolver o problema da fome no mundo! Na verdade, há uma série de falsidades e erros aí: primeiro é que a fome já poderia ter sido resolvida há muito, e isso sé ocorre com justiça social, distribuição de rendas e política (eco)ética para o campo e não com tecnologia elitista. Segundo, que pelos meios de aferição científica baseados no paradigma cartesiano, reducionista e não holístico não se poderá inferir nunca exatamente os males dos transgênicos, tais como as consequências futuras, os efeitos indiretos cumulativos nos organismos, a alteração do equilíbrio do ecossistema, da saúde humana e outros fatos imprevisíveis. Terceiro ponto, é que este modelo de manipulação de produtos agrotóxicos, insumos químicos e de organismos com modificação genética não leva em conta a questão social, a agricultura familiar, a manutenção das sementes e códigos genéticos programados pela própria Natureza durante milhões de anos, a policultura e permacultura, ou seja, uma visão menos capitalista e mais humana da produção.
            Numa perspectiva hermenêutica, trata-se de recuperar práticas e saberes “enterrados” pela sociedade industrial-tecnológica moderna. (...)... o questionamento dos paradigmas convencionais não nos deixa sem chão, e a imprevisibilidade propalada (epistemológica, científica, econômica) não é anárquica. Certamente que, no contexto, não se trata de mero retorno ao passado. É neste sentido que a abordagem ecológica encaminha eminentemente uma reviravolta e um resgate contextual, histórico e que traz a experimentação e a observação de uma forma equilibrada, respeitando o que se constitui como “mundo da vida” e como sabedoria.
            À luz da abordagem compreensivo-hermenêutica pode-se mostrar que, muias vezes, dentro da concepção holística e do ecologismo espiritualizado surgem problemas, no seguinte sentido: promulgação de um retorno mítico-primitivista e deificação da natureza, conjugados com o alarme da civilização da catástrofe irreversível, reforçando o narcisismo e inércia do meio social. Este último é um dos grandes males atuais. Ele reverte, visto a impossibilidade de enfrentar politicamente o Sistema, a artificialidade e a violência das estruturas modernas, reverte as energias do indivíduo para o cuidado de si, para o sobrevivencialismo. É o narcisismo patológico no seio do social, a minar toda ação política eficaz e toda ação socioecológica radical (que iria à raiz político-econômica e cultural, e dos valores). Trata-se de, frustradas as promessas do Eldorado, segurança e bem-estar no capitalismo avançado, evadir-se a um mundo das idéias idílicas ou espirituais desvinculadas dos problemas sociais. O propagado “reencontro consigo mesmo”, a “verdadeira natureza do eu”, “volta às origens”, ”volta a Deus”, sem dúvida, muitas vezes, entra nesta cilada.
            Faz-se necessário agora um “caminho do meio” equilibrante. Os risco políticos de uma deificação da Natureza realmente se apresentam. Como afirma Lasch: “Reforçada por outros meios – meios de comunicação social – tal propaganda do desastre tem um efeito cumulativo quase exatamente oposto ao efeito [...] pretendido. A infiltração da retórica da crise e da sobrevivência na vida cotidiana despotencializa a ideia de crise e deixa-nos indiferentes a apelos fundamentados na asserção de que algum tipo de emergência exige nossa atenção”[2]. A “transferência das preocupações ambientais da esfera pública para a esfera privada da subjetividade narcísico-sobrevivencial é o mais maligno dos efeitos que uma educação ambiental poderia ter, se entendermos essa última como uma interferência na realidade política”[3]. É preciso levar a sério tal alerta. Contudo, não é preciso excluir daí a questão da subjetividade e da espiritualidade.

Hermenêutica – Interpretação e relação compreensiva entre seres humanos e com o ambiente[4]

Em contrapartida à separação Sujeito-Objeto, a compreensão hermenêutica deve-se à inserção do homem no horizonte da história e da linguagem, que, por princípio, não podem ser dominados.[...] As perguntas abriram o espaço no qual a experiência pode revelar sentido; experiência esta que, em última instância, expõe o sujeito a si mesmo[5].
           
          A hermenêutica implica que, antes de se obter uma explicação das coisas, que é a base do procedimento científico moderno, definindo-as como um objeto palpável, em nome do rigor lógico do “de-finir” objetivo, trate-se de compreendê-las, trate-se de fazer outra aproximação à realidade, tomada como algo diferente, mas que revela o saber constituído e as tradições. Implica, portanto, não um modo fraco do conhecer, mas uma abordagem que sabe que a penetração direta do “real”, do “objeto’, é sempre permeada de interpretações por parte do sujeito; e sabe que é necessário fazer vários rodeios, desvios e resgates de elementos que aparentemente não teriam importância central ou mesmo que passam ocultos, pois o “objeto” envolve uma rede viva. Isto é necessário porque os procedimentos cartesiano e baconiano tendem ao reducionismo; eles restringem elementos que não cabem nos limites da explicação acabada, da teoria e então da experimentação laboratorial – sob condições determinadas que obrigam a natureza a dobrar-se, como matéria inerte em geral.
            Por aqui, vemos que nossa inteligência nunca tem um acesso direto às coisas, puro; e isso é uma questão relativa ao modo como conhecemos e formulamos a(s) “realidade(s)”, uma questão epistemológica, pela qual deve passar todo saber que não quer ser apenas dicotômico. O interpretar, apesar de fazer parte de nosso dia-a-dia, não é mero subjetivismo e intuicionismo, mas envolve um “fenômeno complexo e universal [...] voz que devemos ouvir e compreender [...] a compreensão é simultaneamente um fenômeno epistemológico e ontológico” – ou seja, diz da existência humana e de seu sentido que vão sendo construído no mundo. A compreensão “tem que se enraizar em modos de compreensão mais latos e primordiais que têm a ver com o nosso próprio ser-no-mundo [...] é um encontro histórico que apela para a experiência pessoal de quem está no mundo”[6].
            O fato de que vivamos num mundo de linguagem, rico em modos de significar, e que o encontro com as diferenças traz consigo formas diversas de cultura e de viver, mostra o quanto esse fenômeno é primordial. “A linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento – simultaneamente a concepção que ele tem de si e do mundo”. E essa linguagem revela nossa forma de relação com as coisas; é por isso que consideramos fundamental refletir sobre os (pré)conceitos e expressões que as pessoas utilizam, relativos à Natureza e ao Ambiente, Ética e Educação, Sujeito e Outro, e ver como eles se modificaram, o que exprimem originalmente, como podem ser mudados ou então resgatados, num trabalho com os discursos, com as práticas pedagógicas e com as teorias diversas. (continua)



[1] Capra (1988), p. 42.
[2] Lasch, 1986, apud Grun, p. 80.
[3] Grun, p. 80.
[4] Este tópico inspira-se em boa parte na obra Hermenêutica, de R. E. Palmer. Lembremos que “hermenêutica” vem do grego e significa “interpretar”. Traz, na origem, o sentido de: afirmar em voz alta, traduzir, transmutar uma mensagem cifrada; remonta ao deus-mensageiro Hermes, criador da linguagem e da escrita. Aponta assim para o processo de tomar algo compreensível, envolvendo sempre uma forma de linguagem aproximadora e não definitiva.
[5] Flickinger (1994), p. 405.
[6] Palmer, p. 21, grifo meu.

domingo, maio 23, 2010

técnica e valores (I)

Ecoética e conhecimento a partir de uma postura hermenêutica*
*(resumo do capítulo, do livro Correntes da Ética Ambiental de M. L. Pelizzoli).

Questões iniciais

Este capítulo tem cinco partes: análise do prisma de conhecimento e de “constituição de mundo” da chamada “visão cartesiana”, associada ao progresso e o que isso implica; analisa brevemente os limites da alternativa “holística” que vem sendo proposta e os riscos do espiritualismo; entra propriamente na perspectiva hermenêutica, aplicada ao modo como concebemos e nos relacionamos com a natureza; remetida a proposições a partir do Gadamer, as quais podem ser frutíferas para a (eco)ética; pensa na aplicação desta perspectiva histórica na Educação.
Sempre com um olhar hermenêutico, podemos começar a perguntar: em que implica a hegemonia do paradigma epistemológico da ciência moderna[1] – como vimos antes em sua cosmovisão cartesiano-baconiana-galileana da Revolução Científica – no seu sentido reducionista, aplicada às metodologias das várias disciplinas e perpassando a ênfase (axiomas, princípios, bases...) do saber em geral? (...) O que eles tem a ver hoje com a crise socioambiental?  Como começar a viabilizar a partir daí um trabalho em nível teórico-conceitual que contorne as impossibilidades geradas na visão dos paradigmas antiecológicos? Como gerar novos valores e ethos?

O paradigma “cartesiano objetificador”

É desde este prisma, relativo ao estatuto do saber técnico-científico moderno, que se centram investigações filosóficas, epistemológicas e críticas de tonalidade hermenêutica referentes aos procedimentos antiecológicos na civilização tecnoindustrial. Torna-se infrutífero repensar o saber, a ética e a Educação (socioambiental) sem revisitar os fundamentos do pensamento científico moderno e a motivação de seus modos de conhecimento, inatacáveis anteriormente. Tais parâmetros mostram toda sua força cultural no fato mesmo de que só diante das contradições reais – corrida bélica, envenenamento de ambientes, poluição visível, destruição irreversível de habitats naturais etc. – tais formas mentais começaram a ser investigadas, mesmo que com um instrumental precário.
Fazendo uma “arqueologia” das posturas antiecológicas se encontra o que já apontamos como “atitude objetificadora do ambiente”, espelhada na supremacia da razão instrumental, ou como pensamento unilateral do hegemônico (império do Mesmo sobre o Outro). Tal forma de inteligência, tal com a ave fênix renascente, reposiciona sempre de novo a racionalidade ocidental como dominação – diante da natureza e em relação ao Criador; torna-se um princípio absoluto, recriador de uma segunda natureza, cada vez mais tecnológico-artificial. O grande salto desta empossamento de homem como senhor da natureza e reprodutor de seus organismos – em escalas mecânico-tecnológicas – pode ser acompanhado nos frutos do cartesianismo epistemológico e da Revolução Científica, ponto crucial da lógica e da práxis reorganizadora e reapropriadora nas Ciências Naturais, e então da tecnologia, e assim da produção e economia, até chegar aos estilos de vida e consumo.
Nesta virada tem papel central o estabelecimento de padrões de apreensão da Natureza não mais qualitativos mas quantitativos; a linguagem matemática e as relações numéricas reordenam a visão de mundo (a natureza este escrita em linguagem matemática – Galileu). Este torna-se um modelo concebido por uma “lógica que pressupõe a redução de todos os fenômenos naturais a relações matemáticas”, a passar pela decomposição analítica investigadora e recriadora. O que se configura, bem demonstrado a partir da hermenêutica, é um instrumental de interferência na ordem autônoma da natureza de base reducionista e mecanicista, o qual proporcionará uma relação objetificante e não mais “viva” com o real. Onde estão agora, perguntava R. D. Lang, as cores, cheiros, sabores, intuições, tradições, sensibilidades, o “mundo da vida”? Como reafirma Mauro Grun, seguindo H. H. Flickinger, a reprodução desta trajetória que vai do orgânico ao mecânico, ao nível da teoria do conhecimento, representa a perda do ‘orgânico’ enquanto objeto de conhecimento. A consequência disto é que o conceito de vida é expulso da ciência. O paradigma mecanicista é incapaz de dar conta da vida enquanto processualidade[2].
       A epistemologia moderna não questionou a dicotomia ciência versus sabedoria. A “Nova Ciência” abala as propriedades “subjetivas”, estéticas, espirituais. O conhecimento será objetivo na medida em que domina e controla mais a natureza e mais se afasta do primitivo e selvagem. A Ciência e a própria Educação institucionalizada instrumentalizam um “antropocentrismo” instrumentalizante e um ethos antiecológico.
           Então, a chave de abordagem do real na base da linearidade causa-efeito e sujeito-objeto reducionista, dicotômica e mecanicista, chocou-se necessariamente com a base biológica e ecológica das culturas anteriores; ela “resolveu” terminantemente a complexidade e os mistérios da dinâmica do natural pela via da simplicidade da simbologia matemática quantificadora e da mecânica conjugada com a  experimentação científica. O reducionismo pressupõe que a “matéria é a base de toda a existência, e o mundo material é visto como uma profusão de objetos separados, montados numa gigantesca máquina”[3]. Por fim, a razão cartesiana “pressupõe a divisibilidade infinita do objeto. A indivisibilidade do espírito é a divisibilidade do objeto. É impossível opor duas autonomias. Se a razão é autônoma, a natureza não pode sê-lo[4]. E grave é quando as Ciências Humanas beberam desta fonte.
            É só neste século que se começa a perceber realmente que as verdades deste modelo são aproximações até restritivas do real (vide as novas complexidades trazidas pela Física quântica, ou pela abordagem ambiental) e excluem toda uma gama de fatores subjetivos, interconexões não-explícitas, contextos, e a concepção de uma natureza própria como tal em sua dinâmica viva. O novo paradigma que desponta pode ser chamado de dialógico, visando a recuperar a noção de interação efetiva (observador/observado, vivo/não-vivo, Eu/Outro) com o que se chama de “real”, e com o “ambiente”; sua força ainda é menor que a do cartesianismo/reducionismo, do status quo, mas a visão de ambiente ecológico, das inter-relações e da (auto)produtividade da vida como criação contínua cresce a cada dia.
            Neste sentido, por um lado, ainda estamos nas mãos da Ciência e da tecnologia, as quais precisam reincorporar o caráter humano dos valores, o nível ético, estético e a problemática social. Como afirma Hoesle, “a crise do mundo contemporâneo está ligada ao fato de que a racionalidade científica, que ficou autônoma, se julga a própria razão e considera qualquer outra forma de racionalidade como uma forma deficiente do conhecimento do tipo das ciências naturais”. E, adiantando já um tema central aqui, apontamos: “A dissolução dos valores pela absolutização da racionalidade contemporânea é certamente uma das causas da crise ecológica, que, entrementes, ameaça não só a natureza exterior do homem, mas também a própria natureza interior do homem, e que tem, assim, causas espirituais profundamente enraizadas”[5]. Se acirrarmos a situação é possível que, como diz Bornheim, a “técnica se torne até mesmo numinosa: ela pode salvar, mas representa o perigo [...] esconde em seu bojo o perigo da destruição. De certo modo, é ela que passa a dominar e a decidir, revelando nisto uma margem de irracionalidade surpreendente, que a aproxima do incontrolável”[6].
           Entrementes, não se trata de colocar todo o peso da questão no procedimento científico, mas antes trabalhar a dicotomização entre técnica e valores na própria prática e organização civil – educacional, ética, institucional. Por conseguinte, no entrecruzamento das duas instâncias não se pode passar ao largo do modelo que se conjuga material e economicamente em tal processo, espraiando-se em todos os níveis da sociedade, que é a forma capitalista neoliberal da Economia centralizadora e a permanência do seu status quo[7]. (continua)



[1] A palavra epistemologia tem uma importância fundamental, na medida em que as críticas em jogo vão à raiz dos processos de conhecimento que servem de base para a ciência e que se passam para as sociedades; pergunta-se pelo sentido do conhecimento, no que ele implica, ao que leva; igualmente, favorece a reflexão ética implícita no Saber.
[2] Continuando, “segundo Galileu, os cientistas deveriam se restringir aos corpos materiais – formas, quantidades e movimento. A consequência disto é a perda da sensibilidade estética, dos valores e da ética” (Grun, p. 27).
[3] Capra (1982), p. 44.
[4] Grun, p. 32, grifo meu.
[5] Hoesle, p. 589s. In: Stein & De Boni (orgs.), grifo meu.
[6] Bornheim, p. 167. In: Stein & De Boni (orgs.).
[7] Cf. aqui o nosso capítulo sobre o ecossocialismo.

quinta-feira, maio 20, 2010

por que não a China? (II)

O FUTURO DA HISTÓRIA HUMANA COMO UMA CIÊNCIA*
*resumo desse capítulo, do livro de Jared Diamond “Armas, Germes e Aço”, pp. 404-427.

(continuação)
Agora, compare esses acontecimentos na China com o que ocorreu quando as frotas de exploração começaram a sair da Europa politicamente fragmentada. Cristóvão Colombo, um italiano de nascimento, transferiu sua lealdade para o duque de Anjou, na França, depois para o rei de Portugal. Quando este recusou seu pedido de embarcações para explorar o oeste, Colombo voltou-se para o duque de Medina-Sedonia, que também recusou, depois para o conde de Medina-Celi, que fez o mesmo, e, finalmente, para o rei e a rainha de Espanha, que negaram seu primeiro pedido, mas acabaram cedendo a seu novo apelo. Se a Europa estivesse unificada sob qualquer um dos três primeiros governantes, sua colonização das Américas poderia ter sido natimorta.
De fato, justamente porque a Europa era fragmentada, Colombo teve êxito em sua quinta tentativa de persuadir um das centenas de príncipes europeus a patrociná-lo. Depois que a Espanha iniciou assim a colonização européia da América, outros Estados europeus viram a riqueza fluindo para a Espanha, e outros seis passaram a participar da colonização da América. A história se repetiu com o canhão da Europa, a iluminação elétrica, a imprensa, as armas de fogo pequenas e outras incontáveis inovações: cada uma, no início, era rejeitada ou combatida em algumas partes da Europa por razões idiossincráticas, mas depois que era adotada em uma área, acabava se difundindo pelo resto da Europa.
Essas consequências da desunião da Europa formam um acentuado contraste com as consequências da unidade da China. De vez em quando a corte chinesa decidia interromper outras atividades além da navegação ultramarina: ela abandonou o desenvolvimento de uma sofisticada máquina de fiar movida a água, retrocedeu à beira de uma revolução industrial no século XIV, destruiu ou praticamente aboliu os relógios mecânicos depois de ser líder mundial na fabricação de relógios e retirou-se da indústria de dispositivos mecânicos e da tecnologia em geral depois do fim do século XV. Esses efeitos potencialmente prejudiciais da unidade foram desencadeados novamente na China moderna, durante a loucura da Revolução Cultural nas décadas de 1960 e 1970, quando uma decisão de um ou de alguns líderes fechou todas as escolas no país inteiro durante cinco anos.
A freqüente unidade da China e a eterna desunião da Europa têm uma longa história. As regiões mais produtivas da China moderna uniram-se politicamente pela primeira vez em 221 a.C. e assim permaneceram a maior parte do tempo desde então. A China só teve um sistema de escrita desde os primórdios da alfabetização do mundo, uma única língua dominante por muito tempo e uma unidade cultural significativa durante dois mil anos. Por outro lado, a Europa nunca chegou nem perto de uma unificação política: ela ainda estava dividida em mil pequenos Estados independentes no século XIV, 500 em 1500, caiu para um mínimo de 25 Estados na década de 1980, e está agora com quase 40 no momento em que escrevo esta frase. A Europa ainda tem 45 línguas, cada uma com seu próprio alfabeto modificado, e uma diversidade cultural ainda maior. As divergências que continuam a frustrar até tentativas modestas de unificação européia pela Comunidade Econômica Européia (CEE) são sintomas do arraigado compromisso da Europa com a desunião.
Consequentemente, a verdadeira dificuldade para se compreender por que a China perdeu a primazia política e tecnológica para a Europa é entender a unidade crônica da China e a desunião crônica da Europa. A resposta é sugerida novamente pelos mapas. A Europa tem um litoral muito recortado, com cinco grandes penínsulas que são quase ilhas em seu isolamento, todas as quais desenvolveram línguas, grupos étnicos e governos independentes: Grécia, Itália, Ibéria, Dinamarca e Noruega/Suécia. O litoral da China é muito mais homogêneo, e só a península coreana próxima atingiu importância isolada. A Europa tem duas ilhas (a Inglaterra e a Irlanda) suficientemente grandes para afirmarem sua independência política e manter suas próprias línguas e etnicidades, e uma delas (a Inglaterra) bastante grande e fechada para se tornar uma importante potência independente. As duas ilhas maiores da China, Taiwan e Hainan, têm cada uma menos da metade da área da Irlanda; nenhuma das duas era independente e importante até Taiwan se destacar nas últimas décadas; e o isolamento geográfico do Japão o manteve, até recentemente, muito mais isolado politicamente do continente asiático do que a Inglaterra do continente europeu. A Europa é dividida em unidades lingüísticas, étnicas e políticas independentes por altas montanhas (Alpes, Pirineus, Cárpatos e as montanhas da fronteira norueguesa), ao passo que as montanhas da China a leste do planalto tibetano são barreiras muito menos assustadoras.  A área central da China é limitada de leste a oeste por dois extensos sistemas fluviais navegáveis em vales aluviais ricos (os rios Yang-Tsé e Amarelo), e é unida de norte a sul por conexões relativamente fáceis entre essas duas redes fluviais (finalmente ligadas por canais). Em consequência, a China foi dominada muito cedo por duas imensas áreas geográficas centrais de alta produtividade, apenas vagamente separadas uma da outra e, que acabaram fundidas em um único núcleo. Os dois maiores rios da Europa, o Reno e o Danúbio, são menores e ligam uma pequena parte da Europa. Ao contrário da China, a Europa tem muitos núcleos pequenos espalhados, nenhum suficientemente grande pra dominar os demais, e cada um é o centro de Estados cronicamente independentes.
Quando a China foi finalmente unificada, em 221 a.C., nenhum outro Estado independente teve oportunidade de surgir e persistir por muito tempo na China. Embora períodos de desunião tenham ocorrido várias vezes após esta data, eles sempre acabavam em reunificação. Mas a unificação da Europa resistiu aos esforços de conquistadores determinados com Carlos Magno, Napoleão e Hitler; nem mesmo o império romano em seu auge conseguiu controlar mais que metade da área da Europa.
Assim, a ligação geográfica e a existência de barreiras internas apenas modestas deram à China uma vantagem inicial. China setentrional, China meridional, o litoral e o interior contribuíram com culturas agrícolas, criações de gado, tecnologias e características culturais diferentes para a China unificada. Por exemplo, o cultivo do milhete, a tecnologia do bronze e a escrita surgiram na China setentrional, enquanto o plantio do arroz e a tecnologia do ferro fundido apareceram na China meridional. Em grande parte deste livro, enfatizei a difusão da tecnologia que ocorre na ausência de grandes barreiras. Mas a conectividade da China acabou se tornando uma desvantagem, porque uma decisão tomada por um déspota podia, e repentinamente conseguiu, deter a inovação. Já a balcanização geográfica da Europa resultou em muitos pequenos Estados independentes e rivais, e centros de inovação. Se um Estado não tratasse de descobrir uma determinada inovação, outro o faria, obrigando os Estados vizinhos a fazer o mesmo, do contrário seriam conquistados ou deixados para trás no aspecto econômico. As barreiras da Europa eram suficientes pra evitar a unificação política, mas insuficientes para deter a expansão de tecnologia e idéias. Nunca houve um déspota que pudesse fechar a torneira para toda a Europa, como aconteceu na China.
Essas comparações sugerem que a conexão geográfica provocou efeitos positivos e negativos na evolução tecnológica. (...). Naturalmente, outros fatores contribuíram para que a história tivesse rumos diversos em partes diferentes da Eurásia. (...) Fatores ambientais incluem também a localização geográfica intermediária do Crescente Fértil, controlando as rotas de comércio que uniam a China e a Índia à Europa, e a localização mais distante da China em relação a outras civilizações avançadas da Eurásia, fazendo a China praticamente uma ilha gigantesca dentro de um continente. O isolamento relativo da China é especialmente importante para sua adoção das tecnologias, e depois para a rejeição delas, que tanto lembram a rejeição na Tasmânia e em outras ilhas (Capítulos 13 e 15). Mas essa breve discussão pode, pelo menos, mostrar a importância dos fatores ambientais para os padrões da história de menor escala e de prazo mais curto, assim como para seu padrão mais geral.
As histórias do Crescente Fértil e da China também oferecem uma lição saudável para o mundo moderno: as circunstâncias mudam, e a primazia passada não é garantia de primazia futura. Alguém pode se perguntar se o raciocínio geográfico usado ao longo deste livro acabou se tornando totalmente irrelevante no mundo moderno, agora que as idéias se difundem imediatamente para todos os lugares pela Internet e as cargas são habitualmente despachadas de avião da noite para o dia entre os continentes. Pode parecer que as regras completamente novas se apliquem à competição entre os povos do mundo, e que, por isso novas potências estejam emergindo, com Taiwan, Coréia, Malásia e, especialmente o Japão.
Refletindo, nós vemos, entretanto, que as regras supostamente novas são apenas variações das antigas. Sim, o transistor, inventado na Bell Labs, no leste dos Estados Unidos, em 1947, saltou quase 12 mil quilômetros para iniciar a indústria eletrônica no Japão, mas não deu um salto menor para fundar novas indústrias no Zaire ou no Paraguai. As nações que surgem com novas potências ainda são aquelas que estavam incorporadas, milhares de anos atrás, aos velhos centros de domínio baseados na produção de alimentos, ou que foram repovoadas por povos desses centros. Ao contrário do Zaire ou do Paraguai, o Japão e outras novas potências conseguiram explorar o transistor rapidamente porque suas populações já tinham uma longa história de alfabetização, maquinaria de metal e governo centralizado. Os dois centros de produção de alimentos mais antigos do mundo, o Crescente Fértil e a China, ainda dominam o mundo moderno, ou por meio de seus Estados sucessores imediatos (a China moderna), ou por meio de Estados situados em regiões vizinhas influenciados por esses dois centros (Japão, Coréia, Malásia e Europa), ou por Estados repovoados ou governados por emigrantes deles (Estados Unidos, Austrália, Brasil). As perspectivas de domínio mundial dos africanos subsaarianos, aborígines australianos e ameríndios permaneceram obscuras. A mão do curso da história em 8000 a.C. recai pesadamente sobre nós.

quarta-feira, maio 19, 2010

por que não a China? (I)

O FUTURO DA HISTÓRIA HUMANA COMO UMA CIÊNCIA*
*resumo desse capítulo, do livro de Jared Diamond “Armas, Germes e Aço”, pp. 404-427.

Naturalmente, os continentes diferem em inúmeras características ambientais que afetam as trajetórias das sociedades humanas. Mas uma simples relação de todas as diferenças possíveis não constitui uma resposta à pergunta de Yali.[1] Apenas quatro conjuntos de diferenças me parecem ser os mais importantes.
O primeiro conjunto consiste nas diferenças continentais entre as espécies selvagens de plantas e animais disponíveis como material inicial para a domesticação. Isto porque a produção de alimentos era decisiva para acumular excedentes de alimentos que poderiam alimentar os especialistas não-produtores de alimentos, e para a formação de grandes populações que desfrutam de uma vantagem militar apenas pela quantidade, antes mesmo de elas terem desenvolvido qualquer vantagem tecnológica ou política. Por essas duas razões, todos os avanços de sociedades politicamente centralizadas, economicamente complexas, socialmente estratificadas, além do nível de pequenas tribos centralizadas emergentes, estavam baseados na produção de alimentos.
(...)
Em cada continente, a domesticação de animais e plantas concentrou-se em alguns locais especialmente favoráveis, que correspondem a uma pequena fração da área total do continente. Também, no caso das inovações tecnológicas e das instituições políticas, a maioria das sociedades adquire muito mais de outras sociedades do que as inventa. Assim, a difusão e a migração dentro de um continente contribuem de modo essencial para o desenvolvimento de suas sociedades, que, a longo prazo, tendem a compartilhar seus avanços (até onde os ambientes permitem) por causa dos processos exemplificados de modo simples pelas Guerras do Mosquete dos maoris na Nova Zelândia. Ou seja, as sociedades que no início não tem uma vantagem, ou a adquirem das sociedades que a têm ou (se não conseguirem adquiri-la) são substituídas por essas outras sociedades.
(...)
(...), a seguinte pergunta já deve ter ocorrido aos leitores: porque havia sociedades européias dentro da Eurásia, em vez das sociedades do Crescente Fértil, da China ou da Índia, aquelas que colonizaram a América e a Austrália, eram líderes em tecnologia e passaram a ter um predomínio político e econômico no mundo moderno? Um historiador que tivesse vivido em qualquer período entre 8500 a.C. e 1450, e que tivesse tentado prever as futuras trajetórias históricas, teria seguramente considerado o predomínio europeu como o resultado menos provável, pois a Europa era a mais atrasada dessas três regiões do Velho Mundo durante grande parte desses dez mil anos. De 8500 a.C. até a ascensão da Grécia, e em seguida a da Itália depois de 500 a.C., quase todas as principais inovações na Eurásia ocidental – a domesticação de animais, a domesticação de plantas, a escrita, a metalurgia, a roda, a formação do Estado etc. – surgiram no Crescente Fértil ou perto dele.
Até a proliferação dos moinhos movidos a água depois do ano 900, a Europa, a oeste ou ao norte dos Alpes, não deu nenhuma contribuição importante para a tecnologia ou a civilização do Velho Mundo. A Europa era, em vez disto, uma receptora dos progressos do mediterrâneo oriental, do Crescente Fértil e da China. Mesmo no período de 1000 a 1450, o fluxo predominante de ciência e tecnologia era para a Europa, a partir das sociedades islâmicas que se estendiam da Índia ao norte da África, e não ao contrário. Durante esses mesmos séculos, a China liderou o mundo em termos de tecnologia, depois de ter iniciado a produção de alimentos quase ao mesmo tempo que o Crescente Fértil.
Por que, então, o Crescente Fértil e a China acabaram perdendo a grande liderança de milhares de anos para a Europa retardatária? Naturalmente, é possível apontar fatores imediatos por trás da ascensão da Europa: o desenvolvimento de uma classe mercantil, o capitalismo e a patente para proteger as invenções, o fracasso em impor déspotas absolutos e uma taxação esmagadora, e sua tradição greco-judaica-cristã de investigação empírica crítica. Mas para todas essas causas imediatas deve-se levantar a questão da causa final: por que esses fatores imediatos surgiram na Europa, e não na China ou no Crescente Fértil?
Para o Crescente Fértil, a resposta é clara. Depois que perdeu a vantagem que obtivera graças à concentração disponível na região de plantas e animais selvagens domesticáveis, o Crescente Fértil não tinha nenhuma outra instigante vantagem geográfica. O desaparecimento dessa vantagem inicial pode ser rastreado em detalhes, como a mudança de impérios poderosos para oeste. Depois da ascensão dos estados do Crescente Fértil no quarto milênio antes de Cristo, o centro do poder permaneceu inicialmente no Crescente Fértil, alternando-se entre impérios como os da Babilônia, os hititas, a Assíria e a Pérsia. Com a conquista pela Grécia de todas as sociedades avançadas, do leste da Grécia à Índia, sob o comando de Alexandre o Grande, no fim do século IV a.C., o poder fez finalmente sua primeira mudança irrevogável para o oeste. Depois ele seguiu mais para oeste com a conquista romana da Grécia no século II a.C., e depois da queda do império romano, o poder deslocou-se de novo, para a Europa ocidental e setentrional.
O principal fator por trás dessas mudanças fica óbvio quando se compara o Crescente Fértil moderno com suas descrições antigas. Hoje, as expressões “Crescente Fértil” e “líder mundial em produção de alimentos” são absurdas. Grandes áreas do antigo Crescente Fértil são agora desérticas, semidesérticas, estepes, solos muito erodidos ou salinizados, impróprios para a agricultura. A atual riqueza efêmera de alguns países da região, baseada num único recurso não-renovável - petróleo -, oculta a pobreza fundamental que vem de longa data.
Em tempos antigos, no entanto, grande parte do Crescente Fértil e da região mediterrânea oriental, incluindo a Grécia, era coberta por florestas. A transformação da região, de um bosque fértil em arbustos carcomidos ou desertos foi esclarecida por paleobotânicos e arqueólogos. Suas florestas foram derrubadas para a agricultura, ou cortadas para a obtenção de madeira para construção, ou queimadas como lenha. Por causa de baixa pluviosidade e, consequentemente, baixa produtividade primária (proporcional à chuva), a recuperação da vegetação não conseguia acompanhar o ritmo de sua destruição, principalmente pela presença de muitas cabras pastando. Sem as árvores e a cobertura de grama, sobreveio a erosão e os vales encheram-se de lodo, enquanto a agricultura de irrigação no ambiente de baixa pluviosidade favorecia a salinização. Esses processos, que começaram na era neolítica, continuaram nos tempos modernos. Por exemplo, as últimas florestas perto da antiga capital nabatéia de Petra, na moderna Jordânia, foram derrubadas pelos turcos otomanos durante a construção da ferrovia de Hejaz, pouco antes da Primeira Guerra Mundial.
O Crescente Fértil e as sociedades mediterrâneos ocidentais tiveram, portanto, o azar de nascer em um ambiente ecologicamente frágil. Cometeram um suicídio ecológico destruindo sua própria base de recursos. O poder deslocava-se para o oeste à medida que cada sociedade mediterrânea oriental, por sua vez, enfraquecia, a começar pelas mais antigas, no leste (o Crescente Fértil). A Europa setentrional e ocidental foi poupada deste destino, não porque seus habitantes foram mais sábios, mas porque eles tiveram a sorte de viver em um ambiente mais resistente, com mais chuva, em que a vegetação volta a crescer depressa. Grande parte da Europa setentrional e ocidental ainda pode sustentar sua agricultura intensiva hoje, sete mil anos depois da chegada da produção de alimentos. De fato, a Europa recebeu as culturas agrícolas, as criações de gado, tecnologia e os sistemas de escrita do Crescente Fértil, que aos poucos foi deixando de ser um centro importante de poder e inovação.
Foi assim que o Crescente Fértil perdeu sua grande liderança inicial em relação à Europa. Porque a China também perdeu a liderança? Seu atraso, a princípio, é surpreendente, porque este país desfrutava de vantagens inegáveis: o surgimento da produção de alimentos quase ao mesmo tempo que no Crescente Fértil; uma diversidade ecológica de norte a sul e da costa às altas montanhas do planalto tibetano, dando origem a um conjunto variado de culturas agrícolas, animais e tecnologia; uma extensão grande e produtiva, alimentando a maior população humana regional do mundo; e um ambiente menos seco ou ecologicamente menos frágil que o do Crescente Fértil, permitindo que a China ainda sustente uma produtiva agricultura intensiva depois de quase dez mil anos. Mas seus problemas ambientais estão aumentando hoje e são mais graves que os da Europa ocidental.
Todas essas vantagens tornaram a China medieval capaz de liderar o mundo em tecnologia. A longa lista de seus primeiros inventos tecnológicos importantes inclui o ferro fundido, a bússola, a pólvora, o papel e a imprensa, e muitos outros já citados. Ela também liderou o mundo em poder político, navegação e controle dos mares. No início do século XV, enviou frotas valiosas, formadas de centenas de embarcações de até 400 pés (cerca de 120 metros) com até 28 mil tripulantes no total, pelo oceano Índico até a costa da África, décadas antes de três frágeis caravelas de Colombo cruzarem o estreito oceano Atlântico para a costa leste das Américas. Por que os barcos chineses não seguiram para o oeste, dando a volta no cabo ao sul da África e colonizando a Europa, antes de Vasco da Gama e suas três frágeis caravelas contornarem o Cabo da Boa Esperança para o leste e iniciassem a colonização européia da Ásia oriental? Por que os barcos chineses não cruzaram o Pacífico para colonizar a costa ocidental das Américas? Em resumo, por que a China perdeu sua liderança tecnológica para a tão atrasada Europa?
O fim das tropas valiosas da China nos dá uma pista. Sete dessas frotas saíram da China entre 1405 e 1433. Elas foram depois paralisadas por causa de uma típica aberração da política local, que poderia ocorrer em qualquer lugar do mundo: uma luta pelo poder entre duas facções na corte chinesa (os eunucos e seus adversários). Enviar e capitanear frotas era a marca da primeira facção. Por isso, quando a segunda facção venceu a luta pelo poder, deixou de enviar as frotas, acabou por desmantelar os estaleiros e proibiu o tráfego de embarcações transoceânicas. O episódio lembra a legislação que sufocou o desenvolvimento da iluminação elétrica pública em Londres na década de 1880, o isolacionismo dos Estados Unidos entre a Primeira e a Segunda Guerras, e muitos retrocessos em muitos países, todos motivados por questões políticas locais. Mas na China havia uma diferença, porque a região inteira estava politicamente unificada. Uma decisão parou as frotas em toda a China. Essa decisão temporária tornou-se irreversível, porque não sobrou um estaleiro para construir barcos que provassem a loucura daquela decisão temporária, e para servir como argumento para a construção de outros estaleiros. (continua)


[1] Pergunta feita por Yali, notável político local da Nova Guiné, em julho de 1972, a Jared Diamond, com sua curiosidade insaciável de quem só estudara até a escola secundária. Na nova Guiné, todos os bens (objetos – machados de aço, fósforos, remédios, roupas, bebidas e guarda-chuvas) trazidos pelos colonizadores brancos - que chegaram e impuseram um governo central - eram conhecidos pelo coletivo de “cargo”. Com um olhar penetrante lançado, Yali indagou: “Por que vocês, brancos, produziram tanto ‘cargo’ e trouxeram tudo a Nova Guiné, mas nós, (...), produzimos tão pouco ‘cargo’?” (DIAMOND, 1997, pp.13-15).

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