A revolta da burguesa assalariada
por Slavoj Zizek - Blog da Boitempo*
Embora os protestos sociais em curso nos países
ocidentais desenvolvidos pareçam indicar o renascimento de um movimento
emancipatório radical, uma análise mais detalhada nos compele a elaborar uma série
de distinções precisas que, de alguma forma, embaçam essa clara imagem.
Três coisas caracterizam o capitalismo de hoje: a
tendência de longo prazo de transformação do lucro em renda (em suas duas
principais formas: a renda do “conhecimento comum” privatizado e a renda pelos
recursos naturais); o papel estrutural mais forte do desemprego (a própria
chance de ser “explorado” em um emprego duradouro é percebida como um
privilégio); e a ascensão de uma nova classe que Jean-Claude Milner chama de
“burguesia assalariada” [Veja Jean-Claude Milner, Clartes de tout, Paris,
Verdier, 2011].
Para explicar a relação entre estas
características, comecemos com Bill Gates: como ele se tornou o homem mais rico
do mundo? Sua riqueza não tem nada a ver com o custo de produção daquilo que a
Microsoft vende (pode-se até mesmo argumentar que a Microsoft paga a seus
trabalhadores intelectuais um salário relativamente alto), isto é, a riqueza de
Gates não é o resultado de seu sucesso em produzir bons softwares por preços
mais baixos do que seus concorrentes ou por uma “maior exploração” de seus
trabalhadores intelectuais contratados.
Se este fosse o caso, a Microsoft teria ido a
falência há muito tempo: as pessoas teriam optado massivamente por programas
como Linux que são de graça e, de acordo com especialistas, de melhor qualidade
que os programas da Microsoft. Por que, então, existem milhões de pessoas que
ainda compram Microsoft? Porque a Microsoft se impôs como um padrão quase
universal, “quase” monopolizando o setor, uma espécie de personificação direta
daquilo que Marx chamou de General
Intellect (Intelecto Coletivo), o conhecimento coletivo em todas as suas
dimensões, da ciência ao prático know how.
Gates se tornou o homem mais rico em algumas
décadas através da apropriação da renda pela permissão de que milhões
participem na forma do “intelecto coletivo” que ele privatizou e controla.
Deve-se transformar criticamente o aparato
conceitual de Marx: por causa de sua negligência em relação à dimensão social
do “intelecto coletivo”, Marx não vislumbrou a possibilidade de privatização do
próprio “intelecto coletivo”. É isto que está no coração da luta contemporânea
pela propriedade intelectual: a exploração tem cada vez mais a forma de renda,
ou, como diz Carlo Vercellone, o capitalismo pós-industrial é caracterizado
pelo “tornar-se renda do lucro” [Veja Capitalismo cognitivo, editado por Carlo
Vercellone, Roma, manifestolibri, 2006].
Em outras palavras, quando, por conta do papel
crucial do “intelecto coletivo” (conhecimento e cooperação social) na criação
de riqueza, as formas de riqueza se tornam cada vez mais desproporcionais em
relação ao tempo de trabalho diretamente empregado na produção, o resultado não
é, como Marx parecia esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a transformação
gradual do lucro gerado pela exploração da força de trabalho em renda
apropriada pela privatização do “intelecto coletivo”.
O mesmo acontece com os recursos naturais: sua
exploração é uma das maiores fontes de renda hoje, acompanhada da luta permanente
pra saber quem ficará com esta renda – os povos do Terceiro Mundo ou as
corporações ocidentais (a suprema ironia é que, para explicar a diferença entre
força de trabalho – que, em seu uso, produz mais-valia sobre seu próprio valor
– e outras mercadorias – que somente consomem seu próprio valor em seu uso e,
portanto, não envolvem exploração -, Marx menciona como exemplo de uma
mercadoria ordinária o petróleo, a própria mercadoria que hoje é a fonte de
extraordinários “lucros”…).
Aqui também não faz sentido vincular as altas e
baixas do preço do petróleo com altos e baixos custos de produção ou preços do
trabalho explorado – custos de produção são negligenciáveis, o preço que
pagamos pelo petróleo é a renda que pagamos para os proprietários deste recurso
por conta de sua escassez e oferta limitada.
A consequência deste crescimento na produtividade
alavancado pelo impacto exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a
transformação do papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente
inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria
natureza do capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital ,
Londres, Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente um papel
qualitativamente diferente.
Naquilo que, possivelmente, é o ponto extremo da
“unidade dos opostos” na esfera da economia, é o próprio sucesso do capitalismo
(crescimento produtivo etc.) que produz desemprego (produz mais e mais
trabalhadores inúteis) – o que deveria ser uma benção (menos trabalho duro
necessário) se torna uma sina. O mercado global é, assim, em relação a sua
dinâmica imanente, “um espaço no qual todos já foram, um dia, trabalhadores
produtivos, e no qual o trabalho, em todos os lugares, foi aos poucos retirando-se
do sistema” [Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic, Londres, Verso
Books, 2009, p. 580-1].
Isso é, no atual processo de globalização
capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade além da
clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos considerar em
relação a categoria do desemprego “aquelas enormes populações, que ao redor do
mundo foram ‘expulsas da história’, que foram deliberadamente excluídas dos
projetos modernizadores do capitalismo de primeiro mundo e apagadas como casos
terminais sem esperança” [Jameson, em Representing Capital ,
p. 149]: os assim chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou
de desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos, objetos
da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos personagens) da “guerra
contra o terror”.
A categoria dos desempregados deve assim ser
expandida para agregar uma população de largo alcance, dos temporariamente
desempregados, passando pelos não mais empregáveis, até pessoas vivendo nas
favelas e outras formas de guetos (todos aqueles desconsiderados pelo próprio
Marx como “lúmpem-proletariado”) e, finalmente, áreas inteiras, populações ou
estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços em branco nos
mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também
uma nova perspectiva de emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em
Multidão: guerra e democracia na Era do Império [Rio de Janeiro: Record, 2005]
onde eles pretendem radicalizar Marx, para quem o capitalismo corporativo
altamente organizado já era uma forma de “socialismo dentro do capitalismo”
(uma espécie de socialização do capitalismo, com os proprietários tornando-se
cada vez mais supérfluos), de maneira que seria necessário apenas cortar a
cabeça do proprietário nominal e nós teríamos socialismo.
Para Hardt e Negri, entretanto, a limitação de Marx
foi estar historicamente limitado ao trabalho industrial mecanicamente
industrializado e hierarquicamente organizado, razão pela qual a sua visão de
“intelecto coletivo” seria como uma agência central de planejamento; somente
hoje, com a elevação do trabalho imaterial ao padrão hegemônico, a
transformação revolucionária se torna “objetivamente possível”. Esse trabalho
imaterial se desdobra entre dois pólos: trabalho (simbólico) intelectual
(produção de ideias, códigos, textos, programas, figuras etc. por escritores,
programadores…) e trabalho afetivo (aqueles que lidam com afecções corpóreas,
de médicos a babás e aeromoças).
O trabalho imaterial é hoje hegemônico no sentido
preciso em que Marx
proclamou que, no capitalismo do século XIX, a produção industrial em larga
escala era hegemônica, como a cor específica dando o tom da totalidade – não
quantitativamente, mas cumprido um papel chave, emblematicamente estrutural.
Assim, o que surge é um inédito vasto domínio dos “comuns”: conhecimento
compartilhado, formas de cooperação e comunicação etc. que não podem mais ser
contidos na forma da propriedade privada – por quê? Na produção imaterial, os
produtos já não são objetos materiais, mas novas relações sociais
(interpessoais) – em suma, a produção imaterial já é diretamente biopolítica,
produção de vida social.
A ironia é que Hardt e Negri se referem aqui ao
próprio processo que os ideólogos do capitalismo “pós-moderno” celebram como a
passagem da produção material para a simbólica, da lógica
centralista-hierárquica para a lógica da autopóiese e da auto-organização,
cooperação multi-centralizada etc. Negri é aqui efetivamente fiel a Marx: o que
ele tenta provar é que Marx estava certo, que a ascensão do intelecto coletivo
é, em longo prazo, incompatível com o capitalismo.
Os ideólogos do capitalismo pós-moderno estão
afirmando exatamente o oposto: é a teoria marxista (e sua prática) que
permanecem dentro dos limites de uma lógica hierárquica e sob controle
centralizado do Estado, e assim não conseguem lidar com os efeitos sociais da
nova revolução informacional. Existem boas razões empíricas para esta
afirmação: de novo, a suprema ironia da história é que a desintegração do
Comunismo é o exemplo mais convincente da validade da tradicional dialética
marxista entre forças produtivas e relações de produção com a qual o marxismo
contou na sua tentativa de superar o capitalismo.
O que arruinou efetivamente os regimes comunistas foi sua inabilidade em acomodar-se à nova lógica social sustentada pela “revolução informacional”: eles tentaram dirigir esta revolução com um novo projeto de planejamento estatal centralizado de larga escala. O paradoxo, assim, é que aquilo que Negri celebra como chance única de superação do capitalismo, é exatamente o que os ideólogos da “revolução informacional” celebram como ascensão de um novo capitalismo “sem fricção”.
O que arruinou efetivamente os regimes comunistas foi sua inabilidade em acomodar-se à nova lógica social sustentada pela “revolução informacional”: eles tentaram dirigir esta revolução com um novo projeto de planejamento estatal centralizado de larga escala. O paradoxo, assim, é que aquilo que Negri celebra como chance única de superação do capitalismo, é exatamente o que os ideólogos da “revolução informacional” celebram como ascensão de um novo capitalismo “sem fricção”.
A análise de Hardt e Negri possui três pontos
fracos que, em sua combinação, explicam como o capitalismo pode sobreviver ao
que deveria ser (em termos marxistas clássicos) uma nova organização da
produção que o tornaria obsoleto. Ela subestima a extensão do sucesso do
capitalismo contemporâneo (pelo menos em curto prazo) de privatizar o
“conhecimento comum”, assim como a extensão com que, mais do que a burguesia,
são os próprios trabalhadores que se tornam “supérfluos” (número cada vez maior
deles torna-se não somente desempregado, mas estruturalmente inempregável).
Além disso, mesmo que seja verdade, em princípio,
que a burguesia está progressivamente se tornando desfuncional, deve-se
qualificar esta afirmação – desfuncional para quem? Para o próprio capitalismo.
Isto quer dizer que, se o velho capitalismo envolvia idealmente um empreendedor
que investia dinheiro (seu ou emprestado) em produção organizada e dirigida por
ele próprio, recolhendo o lucro, hoje está surgindo um novo tipo ideal: não
mais o empreendedor que possui sua própria empresa, mas o gerente especialista
(ou um conselho administrativo presidido por um CEO) de uma empresa de
propriedade dos bancos (também dirigidos por gerentes que não possuem os
bancos) ou investidores dispersos. Neste novo tipo ideal de capitalismo sem
burguesia, a velha burguesia desfuncional é refuncionalizada como gerentes
assalariados – a nova burguesia recebe cotas, e mesmo se ela possui uma parte
na empresa, eles recebem as ações como parte da remuneração pelo trabalho
(“bônus por sua gerência bem sucedida”).
Esta nova burguesia ainda se apropria da
mais-valia, mas da forma mistificada daquilo que Milner chama de
“mais-salário”: em geral, a eles é pago mais do que o salário mínimo do
proletário (este ponto de referência imaginário – frequentemente mítico – cujo único
verdadeiro exemplo na economia global de hoje é o salário de um trabalhador
numa sweat-shop na China ou na Indonésia), e é esta diferença em relação aos
proletários comuns, esta distinção, que determina seu status. A burguesia no
sentido clássico, assim, tende a desaparecer. Os capitalistas reaparecem como
um subconjunto dos trabalhadores assalariados – gerentes qualificados para
ganhar mais por sua competência (razão pela qual a “avaliação”
pseudo-científica que legitima os especialistas a ganharem mais é crucial hoje
em dia).
A categoria dos trabalhadores que recebem
mais-salário não está, obviamente, limitada aos gerentes: ela se estende a
todos os tipos de especialistas, administradores, funcionários públicos,
médicos, advogados, jornalistas, intelectuais, artistas… O excesso que eles
recebem tem duas formas: mais dinheiro (para gerentes etc.), mas também menos
trabalho, isto é, mais tempo livre (para alguns intelectuais, mas também para
setores da administração estatal).
O procedimento de avaliação que qualifica alguns
trabalhadores para receberem mais-salário é, claramente, um mecanismo
arbitrário de poder e ideologia sem nenhuma ligação séria com a competência
real – ou, como diz Milner, a necessidade de mais-salário não é econômica, mas
política: para manter uma “classe média” com o propósito de estabilidade
social. A arbitrariedade da hierarquia social não é um erro, mas todo o seu
propósito, de forma que a arbitrariedade da avaliação cumpre um papel homólogo
à arbitrariedade do sucesso de mercado. Isto é, a violência ameaça explodir não
quando existe muita contingência no espaço social, mas quando se tenta eliminar
esta contingência.
É neste nível que se deve buscar pelo que se pode
chamar de, em termos um tanto vagos, a função social da hierarquia. Jean-Pierre
Dupuy [em La marque du sacre, Paris, Carnets Nord, 2008] concebe a hierarquia
como um dos quatro procedimentos (“dispositivos simbólicos”) cuja função é
fazer com que a relação de superioridade não seja humilhante para os
subordinados: a hierarquia (a ordem externamente imposta de papéis sociais em
clara contraposição ao valor imanente dos indivíduos – eu, portanto,
experimento meu menor status social como totalmente independente do meu valor
intrínseco); a desmistificação (o procedimento crítico-ideológico que demonstra
que as relações de superioridade/inferioridade não estão fundamentadas na
meritocracia, mas são resultado de lutas objetivamente ideológicas e sociais:
meu status social depende de processos sociais objetivos, não de méritos – como
diz Dupuy sarcasticamente, a desmistificação social “cumpre o mesmo papel, em
nossas sociedades igualitárias, competitivas e meritocráticas do que a
hierarquia nas sociedades tradicionais” [p. 208] – isto nos permite evitar a
conclusão dolorosa de que “a superioridade do outro é o resultado de seus
méritos e conquistas”; a contingência (o mesmo mecanismo, porém sem a sua forma
crítico-social: nossa posição em escala social depende de uma loteria natural e
social – sortudos são aqueles que nascem com melhores disposições e em famílias
ricas); a complexidade (superioridade ou inferioridade dependem de um processo
social complexo independente das intenções ou méritos dos indivíduos – digamos,
a mão invisível do mercado pode causar o meu fracasso ou o sucesso do meu
vizinho, mesmo que eu tenha trabalhado muito mais e seja muito mais
inteligente).
Ao contrário do que parece, todos estes mecanismos
não contestam ou sequer ameaçam a hierarquia, mas a tornam palatável, uma vez
que “o que desencadeia o turbilhão da inveja é a ideia de que o outro merece a
sua sorte e não a ideia oposta, a única que pode ser abertamente expressa”
[p.211]. Dupuy extrai desta premissa a conclusão (óbvia, para ele) de que é um
grande erro pensar que uma sociedade que seja justa e que se perceba como justa
será assim livre de todo o ressentimento – ao contrário, é precisamente em tal
sociedade que aqueles que ocupam posições inferiores encontraram uma válvula de
escape para seu orgulho ferido em violentas explosões de ressentimento.
Aí reside um dos maiores impasses da China hoje: o
objetivo ideal das reformas de Deng Xiaoping era introduzir um capitalismo sem
burguesia (como classe dominante); agora, entretanto, os líderes chineses estão
descobrindo dolorosamente que o capitalismo sem hierarquia estável (conduzida
pela burguesia como nova classe) gera permanente instabilidade – portanto, que
caminho tomará a China? Mais genericamente, esta é possivelmente a razão pela
qual (ex-)comunistas reaparecem como os mais eficientes gestores do
capitalismo: sua histórica inimizade com a burguesia enquanto classe se encaixa
perfeitamente na tendência do capitalismo contemporâneo em direção a um
capitalismo gerencial sem burguesia – em ambos os casos, como Stalin disse a
muito tempo, “os quadros decidem tudo” (está surgindo também uma diferença
interessante entre a China de hoje e a Rússia: na Rússia os quadros
universitários eram ridiculamente mal pagos, eles de fato se confundiam com os
proletários, enquanto na China eles são bem remunerados com um “mais-salário”
como meio de garantir sua docilidade).
Além disso, esta noção de “mais-salário” também nos
permite lançar novas luzes sobre os atuais protestos “anti-capitalistas”. Em
tempos de crise, o candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais
baixos da burguesia assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre
nenhum papel econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do
proletariado são seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam
nominalmente dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente
protestam contra a gradual corrosão de sua posição econômica (politicamente)
privilegiada.
Lembremos da fantasia ideológica favorita de Ayn
Rand (de seu Atlas Shrugged), a de “criativos” capitalistas em greve – esta
fantasia não encontra sua realização perversa nas greves de hoje, que em sua
maioria são greves da privilegiada “burguesia assalariada” motivada pelo medo
de perder seu privilégio (o excedente sobre o salário mínimo)? Não são
protestos proletários, mas protestos contra a ameaça de ser reduzido à condição
proletária. Isto quer dizer: quem ousa se manifestar hoje, quando ter um
emprego permanente já se tornou um privilégio? Não os trabalhadores mal pagos
(no que sobrou) da indústria têxtil etc. mas o estrato de trabalhadores
privilegiados com empregos garantidos (muitos da administração estatal, como a
polícia e os fiscais da lei, professores, trabalhadores do transporte público
etc.). Isto também vale para a nova onda de protestos estudantis: sua maior
motivação é o medo de que a educação superior não mais lhes garanta um
mais-salário na vida futura.
Está claro, obviamente, que o enorme renascimento
dos protestos no último ano, da Primavera Árabe ao Leste Europeu, do Occupy
Wall Street à China, da Espanha à Grécia, não devem definitivamente ser
desconsiderados como uma revolta da burguesia assalariada – eles guardam
potenciais muito mais radicais, de forma que devemos nos engajar numa análise
concreta caso a caso. Os protestos estudantis contra a reforma universitária em
curso no Reino Unido são claramente opostos às barricadas do Reino Unido em
agosto de 2011, este carnaval consumista de destruição, a verdadeira explosão
dos excluídos.
Em relação aos levantes do Egito, pode-se
argumentar que, no começo, houve um momento de revolta da burguesia assalariada
(jovens bem educados protestando contra a falta de perspectiva), mas isto foi
parte de um amplo protesto contra um regime opressivo. Entretanto, até que
ponto o protesto conseguiu mobilizar trabalhadores e camponeses pobres? Não
seria a vitória eleitoral dos islâmicos também uma indicação da base social
estreita do protesto secular original?
A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas
surgiu uma nova “burguesia assalariada” (especialmente na administração estatal
superdimensionada) graças à ajuda financeira e empréstimos da União Europeia, e
muitos dos protestos atuais, mais uma vez, reagem à ameaça de perda destes
privilégios.
Além disso, esta proletarização da baixa “burguesia
assalariada” vem acompanhada do excesso oposto: as remunerações irracionalmente
altas dos grandes executivos e banqueiros (remunerações economicamente
irracionais, uma vez que, como demonstraram as investigações nos Estados
Unidos, elas tendem a ser inversamente proporcionais ao sucesso da empresa). É
verdade, parte do preço pago por essa super remuneração é o fato dos executivos
ficarem totalmente disponíveis 24 horas por dia, vivendo assim num estado de
emergência permanente. Mais do que submeter estas tendências a uma crítica
moralista, deveríamos interpretá-las como a indicação de como o próprio sistema
capitalista não é mais capaz de encontrar um nível interno de estabilidade
autorregulada e de como esta circulação ameaça sair do controle.
(*) Artigo publicado originalmente no blog da Boitempo
Traduzido por Chrysantho Sholl e Fernando
Marcelino
Fotos: Recriação do jogo Monopoly instalada
por Banksy no acampamento do Occupy London