segunda-feira, janeiro 30, 2012

a personificação direta do “intelecto coletivo”

A revolta da burguesa assalariada

Em tempos de crise, o candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais baixos da burguesia assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre nenhum papel econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do proletariado são seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam nominalmente dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente protestam contra a gradual corrosão de sua posição econômica (politicamente) privilegiada.
Embora os protestos sociais em curso nos países ocidentais desenvolvidos pareçam indicar o renascimento de um movimento emancipatório radical, uma análise mais detalhada nos compele a elaborar uma série de distinções precisas que, de alguma forma, embaçam essa clara imagem.
Três coisas caracterizam o capitalismo de hoje: a tendência de longo prazo de transformação do lucro em renda (em suas duas principais formas: a renda do “conhecimento comum” privatizado e a renda pelos recursos naturais); o papel estrutural mais forte do desemprego (a própria chance de ser “explorado” em um emprego duradouro é percebida como um privilégio); e a ascensão de uma nova classe que Jean-Claude Milner chama de “burguesia assalariada” [Veja Jean-Claude Milner, Clartes de tout, Paris, Verdier, 2011].
Para explicar a relação entre estas características, comecemos com Bill Gates: como ele se tornou o homem mais rico do mundo? Sua riqueza não tem nada a ver com o custo de produção daquilo que a Microsoft vende (pode-se até mesmo argumentar que a Microsoft paga a seus trabalhadores intelectuais um salário relativamente alto), isto é, a riqueza de Gates não é o resultado de seu sucesso em produzir bons softwares por preços mais baixos do que seus concorrentes ou por uma “maior exploração” de seus trabalhadores intelectuais contratados. 
Se este fosse o caso, a Microsoft teria ido a falência há muito tempo: as pessoas teriam optado massivamente por programas como Linux que são de graça e, de acordo com especialistas, de melhor qualidade que os programas da Microsoft. Por que, então, existem milhões de pessoas que ainda compram Microsoft? Porque a Microsoft se impôs como um padrão quase universal, “quase” monopolizando o setor, uma espécie de personificação direta daquilo que Marx chamou de General Intellect (Intelecto Coletivo), o conhecimento coletivo em todas as suas dimensões, da ciência ao prático know how. 
Gates se tornou o homem mais rico em algumas décadas através da apropriação da renda pela permissão de que milhões participem na forma do “intelecto coletivo” que ele privatizou e controla.
Deve-se transformar criticamente o aparato conceitual de Marx: por causa de sua negligência em relação à dimensão social do “intelecto coletivo”, Marx não vislumbrou a possibilidade de privatização do próprio “intelecto coletivo”. É isto que está no coração da luta contemporânea pela propriedade intelectual: a exploração tem cada vez mais a forma de renda, ou, como diz Carlo Vercellone, o capitalismo pós-industrial é caracterizado pelo “tornar-se renda do lucro” [Veja Capitalismo cognitivo, editado por Carlo Vercellone, Roma, manifestolibri, 2006]. 
Em outras palavras, quando, por conta do papel crucial do “intelecto coletivo” (conhecimento e cooperação social) na criação de riqueza, as formas de riqueza se tornam cada vez mais desproporcionais em relação ao tempo de trabalho diretamente empregado na produção, o resultado não é, como Marx parecia esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a transformação gradual do lucro gerado pela exploração da força de trabalho em renda apropriada pela privatização do “intelecto coletivo”. 
O mesmo acontece com os recursos naturais: sua exploração é uma das maiores fontes de renda hoje, acompanhada da luta permanente pra saber quem ficará com esta renda – os povos do Terceiro Mundo ou as corporações ocidentais (a suprema ironia é que, para explicar a diferença entre força de trabalho – que, em seu uso, produz mais-valia sobre seu próprio valor – e outras mercadorias – que somente consomem seu próprio valor em seu uso e, portanto, não envolvem exploração -, Marx menciona como exemplo de uma mercadoria ordinária o petróleo, a própria mercadoria que hoje é a fonte de extraordinários “lucros”…). 
Aqui também não faz sentido vincular as altas e baixas do preço do petróleo com altos e baixos custos de produção ou preços do trabalho explorado – custos de produção são negligenciáveis, o preço que pagamos pelo petróleo é a renda que pagamos para os proprietários deste recurso por conta de sua escassez e oferta limitada.
A consequência deste crescimento na produtividade alavancado pelo impacto exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a transformação do papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria natureza do capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital, Londres, Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente um papel qualitativamente diferente. 
Naquilo que, possivelmente, é o ponto extremo da “unidade dos opostos” na esfera da economia, é o próprio sucesso do capitalismo (crescimento produtivo etc.) que produz desemprego (produz mais e mais trabalhadores inúteis) – o que deveria ser uma benção (menos trabalho duro necessário) se torna uma sina. O mercado global é, assim, em relação a sua dinâmica imanente, “um espaço no qual todos já foram, um dia, trabalhadores produtivos, e no qual o trabalho, em todos os lugares, foi aos poucos retirando-se do sistema” [Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic, Londres, Verso Books, 2009, p. 580-1]. 
Isso é, no atual processo de globalização capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade além da clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos considerar em relação a categoria do desemprego “aquelas enormes populações, que ao redor do mundo foram ‘expulsas da história’, que foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do capitalismo de primeiro mundo e apagadas como casos terminais sem esperança” [Jameson, em Representing Capital, p. 149]: os assim chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos, objetos da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos personagens) da “guerra contra o terror”. 
A categoria dos desempregados deve assim ser expandida para agregar uma população de largo alcance, dos temporariamente desempregados, passando pelos não mais empregáveis, até pessoas vivendo nas favelas e outras formas de guetos (todos aqueles desconsiderados pelo próprio Marx como “lúmpem-proletariado”) e, finalmente, áreas inteiras, populações ou estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços em branco nos mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também uma nova perspectiva de emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em Multidão: guerra e democracia na Era do Império [Rio de Janeiro: Record, 2005] onde eles pretendem radicalizar Marx, para quem o capitalismo corporativo altamente organizado já era uma forma de “socialismo dentro do capitalismo” (uma espécie de socialização do capitalismo, com os proprietários tornando-se cada vez mais supérfluos), de maneira que seria necessário apenas cortar a cabeça do proprietário nominal e nós teríamos socialismo. 
Para Hardt e Negri, entretanto, a limitação de Marx foi estar historicamente limitado ao trabalho industrial mecanicamente industrializado e hierarquicamente organizado, razão pela qual a sua visão de “intelecto coletivo” seria como uma agência central de planejamento; somente hoje, com a elevação do trabalho imaterial ao padrão hegemônico, a transformação revolucionária se torna “objetivamente possível”. Esse trabalho imaterial se desdobra entre dois pólos: trabalho (simbólico) intelectual (produção de ideias, códigos, textos, programas, figuras etc. por escritores, programadores…) e trabalho afetivo (aqueles que lidam com afecções corpóreas, de médicos a babás e aeromoças). 
O trabalho imaterial é hoje hegemônico no sentido preciso em que Marx proclamou que, no capitalismo do século XIX, a produção industrial em larga escala era hegemônica, como a cor específica dando o tom da totalidade – não quantitativamente, mas cumprido um papel chave, emblematicamente estrutural. Assim, o que surge é um inédito vasto domínio dos “comuns”: conhecimento compartilhado, formas de cooperação e comunicação etc. que não podem mais ser contidos na forma da propriedade privada – por quê? Na produção imaterial, os produtos já não são objetos materiais, mas novas relações sociais (interpessoais) – em suma, a produção imaterial já é diretamente biopolítica, produção de vida social.
A ironia é que Hardt e Negri se referem aqui ao próprio processo que os ideólogos do capitalismo “pós-moderno” celebram como a passagem da produção material para a simbólica, da lógica centralista-hierárquica para a lógica da autopóiese e da auto-organização, cooperação multi-centralizada etc. Negri é aqui efetivamente fiel a Marx: o que ele tenta provar é que Marx estava certo, que a ascensão do intelecto coletivo é, em longo prazo, incompatível com o capitalismo. 
Os ideólogos do capitalismo pós-moderno estão afirmando exatamente o oposto: é a teoria marxista (e sua prática) que permanecem dentro dos limites de uma lógica hierárquica e sob controle centralizado do Estado, e assim não conseguem lidar com os efeitos sociais da nova revolução informacional. Existem boas razões empíricas para esta afirmação: de novo, a suprema ironia da história é que a desintegração do Comunismo é o exemplo mais convincente da validade da tradicional dialética marxista entre forças produtivas e relações de produção com a qual o marxismo contou na sua tentativa de superar o capitalismo. 

O que arruinou efetivamente os regimes comunistas foi sua inabilidade em acomodar-se à nova lógica social sustentada pela “revolução informacional”: eles tentaram dirigir esta revolução com um novo projeto de planejamento estatal centralizado de larga escala. O paradoxo, assim, é que aquilo que Negri celebra como chance única de superação do capitalismo, é exatamente o que os ideólogos da “revolução informacional” celebram como ascensão de um novo capitalismo “sem fricção”.
A análise de Hardt e Negri possui três pontos fracos que, em sua combinação, explicam como o capitalismo pode sobreviver ao que deveria ser (em termos marxistas clássicos) uma nova organização da produção que o tornaria obsoleto. Ela subestima a extensão do sucesso do capitalismo contemporâneo (pelo menos em curto prazo) de privatizar o “conhecimento comum”, assim como a extensão com que, mais do que a burguesia, são os próprios trabalhadores que se tornam “supérfluos” (número cada vez maior deles torna-se não somente desempregado, mas estruturalmente inempregável). 
Além disso, mesmo que seja verdade, em princípio, que a burguesia está progressivamente se tornando desfuncional, deve-se qualificar esta afirmação – desfuncional para quem? Para o próprio capitalismo. Isto quer dizer que, se o velho capitalismo envolvia idealmente um empreendedor que investia dinheiro (seu ou emprestado) em produção organizada e dirigida por ele próprio, recolhendo o lucro, hoje está surgindo um novo tipo ideal: não mais o empreendedor que possui sua própria empresa, mas o gerente especialista (ou um conselho administrativo presidido por um CEO) de uma empresa de propriedade dos bancos (também dirigidos por gerentes que não possuem os bancos) ou investidores dispersos. Neste novo tipo ideal de capitalismo sem burguesia, a velha burguesia desfuncional é refuncionalizada como gerentes assalariados – a nova burguesia recebe cotas, e mesmo se ela possui uma parte na empresa, eles recebem as ações como parte da remuneração pelo trabalho (“bônus por sua gerência bem sucedida”).
Esta nova burguesia ainda se apropria da mais-valia, mas da forma mistificada daquilo que Milner chama de “mais-salário”: em geral, a eles é pago mais do que o salário mínimo do proletário (este ponto de referência imaginário – frequentemente mítico – cujo único verdadeiro exemplo na economia global de hoje é o salário de um trabalhador numa sweat-shop na China ou na Indonésia), e é esta diferença em relação aos proletários comuns, esta distinção, que determina seu status. A burguesia no sentido clássico, assim, tende a desaparecer. Os capitalistas reaparecem como um subconjunto dos trabalhadores assalariados – gerentes qualificados para ganhar mais por sua competência (razão pela qual a “avaliação” pseudo-científica que legitima os especialistas a ganharem mais é crucial hoje em dia). 
A categoria dos trabalhadores que recebem mais-salário não está, obviamente, limitada aos gerentes: ela se estende a todos os tipos de especialistas, administradores, funcionários públicos, médicos, advogados, jornalistas, intelectuais, artistas… O excesso que eles recebem tem duas formas: mais dinheiro (para gerentes etc.), mas também menos trabalho, isto é, mais tempo livre (para alguns intelectuais, mas também para setores da administração estatal).
O procedimento de avaliação que qualifica alguns trabalhadores para receberem mais-salário é, claramente, um mecanismo arbitrário de poder e ideologia sem nenhuma ligação séria com a competência real – ou, como diz Milner, a necessidade de mais-salário não é econômica, mas política: para manter uma “classe média” com o propósito de estabilidade social. A arbitrariedade da hierarquia social não é um erro, mas todo o seu propósito, de forma que a arbitrariedade da avaliação cumpre um papel homólogo à arbitrariedade do sucesso de mercado. Isto é, a violência ameaça explodir não quando existe muita contingência no espaço social, mas quando se tenta eliminar esta contingência. 
É neste nível que se deve buscar pelo que se pode chamar de, em termos um tanto vagos, a função social da hierarquia. Jean-Pierre Dupuy [em La marque du sacre, Paris, Carnets Nord, 2008] concebe a hierarquia como um dos quatro procedimentos (“dispositivos simbólicos”) cuja função é fazer com que a relação de superioridade não seja humilhante para os subordinados: a hierarquia (a ordem externamente imposta de papéis sociais em clara contraposição ao valor imanente dos indivíduos – eu, portanto, experimento meu menor status social como totalmente independente do meu valor intrínseco); a desmistificação (o procedimento crítico-ideológico que demonstra que as relações de superioridade/inferioridade não estão fundamentadas na meritocracia, mas são resultado de lutas objetivamente ideológicas e sociais: meu status social depende de processos sociais objetivos, não de méritos – como diz Dupuy sarcasticamente, a desmistificação social “cumpre o mesmo papel, em nossas sociedades igualitárias, competitivas e meritocráticas do que a hierarquia nas sociedades tradicionais” [p. 208] – isto nos permite evitar a conclusão dolorosa de que “a superioridade do outro é o resultado de seus méritos e conquistas”; a contingência (o mesmo mecanismo, porém sem a sua forma crítico-social: nossa posição em escala social depende de uma loteria natural e social – sortudos são aqueles que nascem com melhores disposições e em famílias ricas); a complexidade (superioridade ou inferioridade dependem de um processo social complexo independente das intenções ou méritos dos indivíduos – digamos, a mão invisível do mercado pode causar o meu fracasso ou o sucesso do meu vizinho, mesmo que eu tenha trabalhado muito mais e seja muito mais inteligente). 
Ao contrário do que parece, todos estes mecanismos não contestam ou sequer ameaçam a hierarquia, mas a tornam palatável, uma vez que “o que desencadeia o turbilhão da inveja é a ideia de que o outro merece a sua sorte e não a ideia oposta, a única que pode ser abertamente expressa” [p.211]. Dupuy extrai desta premissa a conclusão (óbvia, para ele) de que é um grande erro pensar que uma sociedade que seja justa e que se perceba como justa será assim livre de todo o ressentimento – ao contrário, é precisamente em tal sociedade que aqueles que ocupam posições inferiores encontraram uma válvula de escape para seu orgulho ferido em violentas explosões de ressentimento.
Aí reside um dos maiores impasses da China hoje: o objetivo ideal das reformas de Deng Xiaoping era introduzir um capitalismo sem burguesia (como classe dominante); agora, entretanto, os líderes chineses estão descobrindo dolorosamente que o capitalismo sem hierarquia estável (conduzida pela burguesia como nova classe) gera permanente instabilidade – portanto, que caminho tomará a China? Mais genericamente, esta é possivelmente a razão pela qual (ex-)comunistas reaparecem como os mais eficientes gestores do capitalismo: sua histórica inimizade com a burguesia enquanto classe se encaixa perfeitamente na tendência do capitalismo contemporâneo em direção a um capitalismo gerencial sem burguesia – em ambos os casos, como Stalin disse a muito tempo, “os quadros decidem tudo” (está surgindo também uma diferença interessante entre a China de hoje e a Rússia: na Rússia os quadros universitários eram ridiculamente mal pagos, eles de fato se confundiam com os proletários, enquanto na China eles são bem remunerados com um “mais-salário” como meio de garantir sua docilidade). 
Além disso, esta noção de “mais-salário” também nos permite lançar novas luzes sobre os atuais protestos “anti-capitalistas”. Em tempos de crise, o candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais baixos da burguesia assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre nenhum papel econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do proletariado são seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam nominalmente dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente protestam contra a gradual corrosão de sua posição econômica (politicamente) privilegiada. 
Lembremos da fantasia ideológica favorita de Ayn Rand (de seu Atlas Shrugged), a de “criativos” capitalistas em greve – esta fantasia não encontra sua realização perversa nas greves de hoje, que em sua maioria são greves da privilegiada “burguesia assalariada” motivada pelo medo de perder seu privilégio (o excedente sobre o salário mínimo)? Não são protestos proletários, mas protestos contra a ameaça de ser reduzido à condição proletária. Isto quer dizer: quem ousa se manifestar hoje, quando ter um emprego permanente já se tornou um privilégio? Não os trabalhadores mal pagos (no que sobrou) da indústria têxtil etc. mas o estrato de trabalhadores privilegiados com empregos garantidos (muitos da administração estatal, como a polícia e os fiscais da lei, professores, trabalhadores do transporte público etc.). Isto também vale para a nova onda de protestos estudantis: sua maior motivação é o medo de que a educação superior não mais lhes garanta um mais-salário na vida futura.
Está claro, obviamente, que o enorme renascimento dos protestos no último ano, da Primavera Árabe ao Leste Europeu, do Occupy Wall Street à China, da Espanha à Grécia, não devem definitivamente ser desconsiderados como uma revolta da burguesia assalariada – eles guardam potenciais muito mais radicais, de forma que devemos nos engajar numa análise concreta caso a caso. Os protestos estudantis contra a reforma universitária em curso no Reino Unido são claramente opostos às barricadas do Reino Unido em agosto de 2011, este carnaval consumista de destruição, a verdadeira explosão dos excluídos. 
Em relação aos levantes do Egito, pode-se argumentar que, no começo, houve um momento de revolta da burguesia assalariada (jovens bem educados protestando contra a falta de perspectiva), mas isto foi parte de um amplo protesto contra um regime opressivo. Entretanto, até que ponto o protesto conseguiu mobilizar trabalhadores e camponeses pobres? Não seria a vitória eleitoral dos islâmicos também uma indicação da base social estreita do protesto secular original? 
A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas surgiu uma nova “burguesia assalariada” (especialmente na administração estatal superdimensionada) graças à ajuda financeira e empréstimos da União Europeia, e muitos dos protestos atuais, mais uma vez, reagem à ameaça de perda destes privilégios.
Além disso, esta proletarização da baixa “burguesia assalariada” vem acompanhada do excesso oposto: as remunerações irracionalmente altas dos grandes executivos e banqueiros (remunerações economicamente irracionais, uma vez que, como demonstraram as investigações nos Estados Unidos, elas tendem a ser inversamente proporcionais ao sucesso da empresa). É verdade, parte do preço pago por essa super remuneração é o fato dos executivos ficarem totalmente disponíveis 24 horas por dia, vivendo assim num estado de emergência permanente. Mais do que submeter estas tendências a uma crítica moralista, deveríamos interpretá-las como a indicação de como o próprio sistema capitalista não é mais capaz de encontrar um nível interno de estabilidade autorregulada e de como esta circulação ameaça sair do controle.
(*) Artigo publicado originalmente no blog da Boitempo
Traduzido por Chrysantho Sholl e Fernando Marcelino
Fotos: Recriação do jogo Monopoly instalada por Banksy no acampamento do Occupy London 
Fonte: Carta Maior | Internacional| 30/01/2012

“Quem controla a água controla a vida”

"Acesso à água desencadeará as grandes guerras do século." Boaventura de Sousa Santos

Se as guerras do século XX foram motivadas pela exploração do petróleo, os conflitos do século XXI estarão centrados no controle dos hídricos, previu o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Quem controla a água controla a vida”, disse.
A reportagem é de Micael Vier B. e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 27-01-2012.
Boaventura apresentou palestra em São Leopoldo, hoje, no Fórum Social Temático 2012, evento preparatório para a Cúpula dos Povos da Rio + 20. Ele fez um apelo para que o tema da água motive a agregação dos movimentos sociais, reunindo em torno dele povoados rurais e urbanos, movimentos de mulheres e indígenas.
Ao sinalizar dois grandes paradigmas em torno da temática, o sociólogo disse que enquanto comunidades consideram a água um bem comum vinculado à sua história, identidade e espiritualidade, a tese defendida pelo Banco Mundial submeteu a exploração da água às leis do mercado.
As dimensões do problema revelam que 17% da população mundial não possuem acesso à água potável, enquanto 40% dos moradores do planeta não têm saneamento básico. Mesmo Manaus, cidade cercada com a maior quantidade de água doce no mundo, apresenta problemas de coleta e tratamento de esgoto.
Em países do continente africano, afirmou Boaventura, o problema aflige diretamente a população feminina, na medida em que muitas mulheres chegam a consumir seis horas diárias na busca por alguns litros de água. “Essas pessoas realizam um esforço extraordinário para garantir a sustentabilidade de suas famílias”, enfatizou.
Dados oferecidos na palestra indicam que entre 40 a 90 milhões de pessoas foram deslocadas de suas propriedades no último século em decorrência de grandes projetos de mineração e barragem, a exemplo do que ocorre atualmente no Estado do Pará com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Como alternativa, Boaventura enalteceu o surgimento de um novo conceito de segurança humana, pautado pela democratização da água, pelo respeito ao valor atribuído a ela pelas diferentes culturas e por um processo de implementação do que denominou de uma “cultura da água”, a começar nas escolas.
Segundo o sociólogo, daqui a dez anos a humanidade estará travando esse mesmo diálogo em torno do ar, que já começa a ser explorado enquanto mercadoria, embora seja, assim como a água, uma falsa mercadoria na medida em que não é produzido pelo homem, mas a ele concedido de forma gratuita.
Fonte: Ecodebate, 30/01/2012 publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

sexta-feira, janeiro 27, 2012

a face mais evidente e mais importante do sistema globalizado é a do universo financeiro

Ainda há espaço para bancos bons?

Qual o cliente que não se sente lesado por estar pagando mais de 200% ao ano em cada momento que entra no vermelho em sua conta corrente? Qual empresário industrial não se sente prejudicado com as absurdas taxas cobradas em seus empréstimos, em níveis muito superiores à já elevada taxa oficial da SELIC?
A péssima imagem do financeiro
Um dos problemas derivados da profunda crise por que passa o sistema econômico mundial nos tempos atuais é o aumento contínuo da descrença em suas próprias instituições. Como a face mais evidente e mais importante do sistema globalizado é a do universo financeiro, todas as ações e organizações a ele ligadas acabam tendo sua própria credibilidade colocada em xeque. Falou em qualquer coisa que leve o adjetivo “financeiro”: pronto! Entrou em estado de “desgraça”.
A coisa acaba ficando mais complicada, pois nas manchetes do mal-feito acabam confundindo-se todos os elementos do próprio sistema. A crise foi provocada pela ação irresponsável das grandes corporações financeiras. Os maiores beneficiários da crise são os grandes bancos. As bolsas de valores e de mercadorias representam o lócus por excelência da especulação financeira. 
A crise teve início com o sistema das hipotecas no mercado imobiliário estadounidense, onde a incapacidade de honrar os compromissos dos empréstimos era mascarada pelos mercados de títulos secundários. A solução para o fenômeno evidente da bolha do mercado de imóveis era empurrada com a barriga, por meio do lançamento de mais operações, envolvendo maior risco, como nos jogos de pirâmide. As agências de “rating” – que deveriam bem avaliar o risco embutidos nas operações financeiras – exercem, ao contrário, função ativa no processo da especulação. Os esforços realizados pelos governos dos Estados Unidos e da Europa têm sido na direção do salvamento dos bancos, sempre à custa de sacrifício imposto à maioria da população. E por aí vai.
E nessa toada, acaba-se correndo o risco de generalizações que, muitas vezes, acabam por dificultar a análise concreta de cada caso, de cada agente, de cada instituição. Apenas demonizar o conjunto das instituições do sistema financeiro, por conta da crise e do comportamento mais visível de seus gigantes, é algo que não contribui para bem compreender a dinâmica de funcionamento da economia contemporânea. Na verdade, seria uma atitude similar a condenar o conjunto das atividades do setor da agricultura, por exemplo, em razão do comportamento predatório do latifundiário plantador de soja transgênica. Ou então de denunciar todo o ramo da indústria de confecções em função dos conhecidos empresários que realizam o seu lucro com base na exploração do trabalho escravo. Ou ainda responsabilizar todas as empresas atuantes no ramo da construção civil pela ação irresponsável das grandes e conhecidas construtoras na área da construção residencial ou das grandes obras encomendadas pelo setor público. Ou mesmo uma condenação de qualquer tentativa de constituição de novos agentes na área de comunicação, dada a péssima atuação dos integrantes do oligopólio atual em televisão, rádio, imprensa escrita, etc.
A atividade bancária em suas origens
No caso do sistema financeiro, a identificação mais imediata que realizamos em nosso imaginário é com as instituições bancárias. A formulação da falsa identidade “financeiro = banco” termina por criar um sentimento contra os bancos, de natureza quase figadal por parte da maioria da população (ainda que perfeitamente compreensível, em função da ação concreta da maior parte deles). E, assim, surge a pergunta que não quer calar, embutida no título: mas, afinal, não haveria mais espaço para atuação de “bons bancos” em nossa economia?
Para ensaiar algum caminho de resposta, seria necessário buscar compreender melhor qual a função do banco na economia capitalista. Na verdade, a função clássica e tradicional das instituições bancárias é o da concessão de crédito e de empréstimos. Em sua versão mais tradicional, o banco recolheria os recursos monetários sobrantes na sociedade em determinado momento, ou seja, a chamada poupança. Os indivíduos, as famílias, as empresas e até mesmo o Estado deixariam ali os valores que não foram consumidos em suas contas bancárias (por oposição à imagem de deixar o dinheiro debaixo do colchão). Em tese, para assegurar que os recursos fiquem por mais tempo sem movimentação, os bancos podem oferecer uma remuneração, que se efetua com base na taxa de juros que eles oferecem aos depositantes. No jargão do financês, são as assim denominadas “taxas de juros passivas”. Na outra ponta, estariam os chamados agentes econômicos que necessitam de mais recursos do que dispõem para suas atividades – os tomadores de empréstimos. E eles se dirigem aos bancos, que justamente oferecem os valores que os demais haviam deixado para depósito. No caso, a concessão do crédito envolve a cobrança das “taxas de juros ativas” – normalmente maiores do que as anteriores. A diferença entre ambas é o chamado “spread” e serve como base para constituição dos ganhos da atividade bancária.
Assim, em uma versão assim simplificada, os bancos podem vir a cumprir uma função importante na economia: a de intermediação de recursos monetários. Mas por se tratar de um setor sensível e estratégico, a atividade bancária quase sempre esteve sujeita à regulação e à fiscalização do poder público. Afinal, o banco opera com aquilo que não é seu. Ele recolhe valores de uns e empresta esses mesmos recursos para outros. Com o agravante de que ele pode até emprestar mais do que tem em sua carteira. Ele teria o poder, assim, de criar moeda de forma, digamos, artificial. É o que no financês se chama de “multiplicador bancário”. O risco desse tipo de possibilidade é o da chamada “corrida bancária”: se todos que aplicaram na instituição forem reclamar o seu depósito ao mesmo tempo, o banco não tem como honrar os compromissos. É por isso que os órgãos de regulação do sistema financeiro estabelecem o “depósito compulsório”. Ou seja, uma parte do valor depositado fica retida junto à autoridade monetária e o banco não pode usar para emprestar. É uma tentativa de reduzir o risco da exposição bancária exagerada.
Assim, em condições de boa regulação e operando com taxas de ganho razoáveis, é possível que a atividade bancária cumpra seu papel de forma adequada na economia contemporânea. Isso significa intermediar recursos de quem poupa e emprestá-los a quem deles necessite. E menciono aqui dois casos típicos em que a atividade pode muito bem cumprir sua função social, até de forma relevante e saudável. Trata-se dos bancos públicos e das cooperativas de crédito.
Bancos públicos podem ser diferentes
O comportamento empresarial dos bancos públicos é definido por seu dono, o governo. Ora, se a autoridade pública tiver interesse em moralizar as atividades desenvolvidas no interior do sistema financeiro, nada mais adequado do que utilizar os bancos de sua propriedade para tanto. No Brasil, o governo federal é acionista majoritário de duas das maiores instituições bancárias: o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF). Além disso, detém também a capacidade de comando sobre outras importantes instituições de empréstimo e crédito: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os bancos de desenvolvimento regional – Banco da Amazônia (BASA) e o Banco do Nordeste (BNB).
Ora, com um potencial de influência de mercado como esse, o que falta é apenas a vontade política de transformar a prática e a gestão das instituições bancárias. Por exemplo, decidindo diminuir o “spread” cobrado em suas operações de crédito, onde chegam a impor ao cliente diferenças abissais entre o juro que eles remuneram e o juro que eles recebem. Ou ainda reduzindo de forma drástica os ganhos com as tarifas abusivas cobradas pelos serviços oferecidos. Ou então estabelecendo regras para não mais enganar a clientela com oferta de produtos financeiros escandalosamente irresponsáveis e especulativos. Assim, os bancos estatais poderiam recuperar sua credibilidade pública e contribuir para que a própria concorrência privada fosse obrigada a redefinir seu “modus operandi”, sob pena de perder parte da clientela. Nada justifica que o BB ou a CEF apresentem resultados escandalosamente elevados em seus lucros anuais. Por serem bancos de propriedade do governo federal, seria de se esperar que fossem obrigados por este a que melhor cumprissem com sua missão: prestar um serviço ao conjunto da sociedade de menor custo e de melhor qualidade.
A alternativa das cooperativas de crédito
O outro exemplo é o das cooperativas de crédito. Trata-se de uma importante experiência histórica no movimento bancário em todo o mundo. Boa parte do sistema financeiro europeu atual, por exemplo, tem suas origens no movimento cooperativo, que surge ainda no final do século XIX e início do século XX em países como Alemanha, França, entre outros. Na maioria dos casos, a iniciativa estava vinculada a cooperativas ligadas à atividade agrícola. E que depois, pouco a pouco, foram ampliando a sua área de atuação. No caso brasileiro também houve momentos de fortalecimento desse tipo de alternativa de financiamento. No entanto, a falta de controle dos órgãos públicos envolvidos e a ausência de transparência no interior das próprias cooperativas de crédito terminaram por manchar a imagem desse setor, jogando-o na vala comum do escândalo geral da corrupção. 
Atualmente, em função inclusive dos elevados custos financeiros, vive-se uma retomada desse tipo de iniciativa. Afinal, se a cooperativa pertence aos seus associados e não visa lucro, qual o sentido de cobrar taxas extorsivas em suas operações ou buscar rentabilidade máxima na apuração de seus resultados operacionais? Basta que elas tenham escala em termos do número de participantes e credibilidade junto ao mercado para que seu funcionamento seja simples e eficiente.
Qual o cliente que não se sente lesado por estar pagando mais de 200% ao ano em cada momento que entra no vermelho em sua conta corrente? Qual empresário industrial não se sente prejudicado com as absurdas taxas cobradas em seus empréstimos, em níveis muito superiores à já elevada taxa oficial da SELIC? Qual comerciante não se sente injustiçado com as tarifas abusivas cobradas pelas empresas operadoras de cartão de crédito, todas elas pertencentes aos próprios bancos?
Portanto, caberia ao governo federal cumprir sua missão e moralizar a ação dos bancos. Em primeiro lugar, recomendando ao COPOM que reduzisse de forma efetiva a taxa oficial de juros. Depois, orientando os dirigentes dos bancos públicos a romperem com a lógica mercadista em seu comportamento empresarial. Ou seja, não mais buscar a acumulação de lucros sem qualquer princípio ético ou de respeito ao País, à sociedade e a seus cliente.
Finalmente, recomendando maior rigor da parte dos órgãos reguladores do sistema financeiro, para reduzir a margem das manobras de natureza especulativa e impondo limites legais à prática do “spread”. Assim, todos ganharíamos. Principalmente, as futuras gerações que passariam a viver em uma sociedade menos contaminada pelo vício do rentismo, a esperteza de viver usufruindo apenas dos ganhos da atividade financeira parasita. Sim, é possível e necessário que haja espaço para “bons bancos”. Basta que sejam, em sua essência, apenas bancos e nada mais.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 27/01/2012

quarta-feira, janeiro 25, 2012

tal cor sinaliza depressão; outra... as formas patológicas da angústia

O florescente mercado das ‘desordens psicológicas’

 Surgido há 50 anos, o uso de antipsicóticos, a despeito de seus pobres resultados, tornou-se maciço na medicina psiquiátrica norte-americana. Na população geral, 1.100 pessoas (850 adultos e 250 crianças) se unem todos os dias à lista dos destinatários da ajuda financeira federal por motivo de problema mental severo
por Olivier Appaix, no Le Monde Diplomatique Brasil
Criada em 2008, em Denver (Colorado), a empresa de exames médicos de imagem CereScan pretende diagnosticar os problemas mentais por meio de imagens do cérebro. Um documentário exibido no canal Public Broadcasting Service (PBS)1 mostra seu funcionamento. Sentado entre os pais, um menino de 11 anos espera, silencioso, o resultado da IRM2 de seu cérebro. A assistente social pergunta se ele está nervoso. Não, ele responde. Ela mostra então as imagens à família: “Vocês estão vendo? Aqui está vermelho, e aqui, alaranjado. Mas deveria estar verde e azul”. Tal cor sinaliza depressão; outra, os problemas bipolares ou as formas patológicas da angústia.
A CereScan satisfaz as demandas crescentes de uma sociedade que parece suportar cada vez menos os sinais de desvio. A empresa afirma que um em cada sete norte-americanos com idade entre 18 e 54 anos sofre de uma “‘desordem’ ou ‘problema’ patológico ligado à angústia”, ou seja, 19 milhões de pessoas.3Um mercado para o qual ela vê um futuro brilhante: CereScan prevê abrir vinte novos centros nos Estados Unidos. Antes de partir para a conquista dos cérebros do resto do mundo?
As normas que definem o comportamento esperado não são claramente estabelecidas, mas os critérios de diagnóstico dos desvios ou transtornos considerados patológicos − como o “déficit de atenção” − são, esses sim, muito precisamente enunciados e classificados pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM, na sigla em inglês). Referência absoluta dos profissionais nos Estados Unidos, e cada vez mais em outros lugares do mundo, esse manual permite identificar os “transtornos patológicos” em idades cada vez menores. Nos Estados Unidos, desde o começo dos anos 2000, 1 milhão de crianças foram diagnosticadas com transtorno bipolar. Abaixo dos 16 mil em 1992, o número de autistas entre 6 e 22 anos passou para 293 mil em 2008, ou para 338 mil se incluirmos as crianças de 3 a 6 anos – uma categoria de idade que passou a figurar nas estatísticas em 2000.
Na população geral, 1.100 pessoas (850 adultos e 250 crianças) se unem todos os dias à lista dos destinatários da ajuda financeira federal por motivo de problema mental severo. O pente fica cada vez mais fino. E, no entanto, os testes clínicos realizados nos adultos se revelam bem pouco conclusivos quanto aos benefícios a longo prazo da resposta farmacoterapêutica às doenças mentais. Se, em algumas semanas, reações positivas podem aparecer (geralmente equivalentes, no entanto, àquelas provocadas pelos placebos), os efeitos por um período mais longo incluem alterações irreversíveis do cérebro e discinesias tardias.4
A resposta farmacoterapêutica às doenças mentais apareceu nos anos 1950, a partir dos trabalhos de um médico francês, Henri Laborit, sobre o paludismo, a tuberculose e a doença do sono. No último, ele constata a “quietude eufórica” provocada pela prometazina. Em 1951, ele qualifica de “lobotomia medicinal” a intervenção cirúrgica que destrói as conexões do córtex pré-frontal5 inventada pelo neurologista português Egas Moniz, Prêmio Nobel de Medicina em 1949. A utilização do primeiro antipsicótico (nomeado mais tarde de Largactil) se espalhou rapidamente pelos asilos psiquiátricos, depois atravessou o Atlântico, assim como a lobotomia. Introduziu-se então a ideia de que os transtornos mentais resultam de um desequilíbrio químico do cérebro. Por isso, os efeitos “miraculosos” do lítio e das fórmulas que o sucederam, do Prozac (colocado no mercado em 1988) ao Zoloft, passando pelo Zyprexa, são então exaltados pela mídia em geral ao grande público.
A aparição dos antipsicóticos dá aos psiquiatras, e depois ao pessoal de enfermagem e assistência social, um status de prescritores de medicamentos dos quais eles estavam amplamente desprovidos, marginalizando a resposta psicoterapêutica e as outras numerosas soluções possíveis: exercício, melhor nutrição, socialização etc. A partir de então, tem início a escalada farmacológica. O campo da patologia é compreendido e densificado com o DSM, e a resposta farmacêutica se intensifica, com a bênção das autoridades sanitárias.
Os laboratórios se tornaram mestres na arte da comunicação, e na maior parte das vezes não revelam tudo o que sabem sobre os efeitos dos remédios. A mensagem dirigida aos pais, às crianças ou aos jovens afetados por um episódio de transtorno mental se resume ao seguinte: “Você precisa de medicamentos como o diabético necessita de insulina”. Tendo se beneficiado por anos da generosidade da indústria farmacêutica, da qual ele era um dos mais fiéis promotores, o doutor Daniel Carlat atualmente denuncia sua influência:6 “Dizem aos pacientes que eles têm um desequilíbrio químico no cérebro, porque é preciso tornar medicinalmente plausível a seus olhos o fato de que estão doentes. Mas sabemos que isso não foi provado”.7
Críticos são deixados de fora
Os estudos longitudinais (que não são feitos pelos laboratórios) mostram que os efeitos dos antipsicóticos param com o tempo, que as crises reaparecem, frequentemente mais fortes, e que os sintomas se agravam, ainda mais que nos pacientes tratados com placebos. Os profissionais concluem, com base nisso, que as doses são… insuficientes, ou a terapia é inapropriada; passam então para algo mais forte. Os transtornos se agravam e a deficiência se aprofunda. Milhões de pessoas nos Estados Unidos sucumbem a essa engrenagem infernal, que se assemelha com frequência às “lobotomias medicinais” descritas por Laborit desde 1951.
Diante dessas incômodas constatações, laboratórios e pesquisadores não hesitam às vezes em deturpar os testes clínicos ou a apresentação de seus resultados, ou até mesmo a mentir por omissão. Uma equipe da Universidade do Texas publicou assim falsos resultados sobre o medicamento Paxil, administrado em adolescentes, omitindo o grande aumento do risco de suicídio dos pacientes estudados. Os profissionais seguiram a linha, louvando a tolerância do medicamento pelos adolescentes. GlaxoSmithKline, o fabricante, tinha inclusive reconhecido num documento interno que seu remédio não valia mais que um placebo. Acusada judicialmente de promoção fraudulenta, a empresa preferiu pagar uma indenização: um processo implicaria o risco de macular consideravelmente sua imagem e seus lucros.8 Uma prática corrente nessa indústria, que nisso lembra a do tabaco.
Alguns pesquisadores demonstraram a ineficiência dos antipsicóticos ou até mesmo sua contribuição para o aumento das taxas de suicídio das pessoas tratadas; eles foram marginalizados.9 Em grande parte financiados pelos laboratórios, os departamentos universitários de psiquiatria vivem um conflito de interesses patente e correm o risco de sofrer com o descrédito lançado sobre os medicamentos e seus fabricantes. Assim, entre 2000 e 2007, o chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Emory (Atlanta) recebeu – sem declarar – mais de US$ 2,8 milhões como consultor para companhias farmacêuticas, em retribuição a centenas de conferências. Um antigo diretor do Instituto Americano de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês) recebeu US$ 1,3 milhão da GlaxoSmithKline entre 2000 e 2008 para promover os “estabilizadores de humor”. Ele também era apresentador de um programa de rádio muito popular numa emissora de rádio pública (NPR). Interrogado sobre essas práticas, ele respondeu ao New York Times que “todo mundo [na sua área] faz isso”.10 Se a declaração das fontes de financiamento e dos valores recebidos é obrigatória, pelo menos no caso dos cientistas, as fraudes são numerosas.
Sem remédios, resultados melhores
Os laboratórios, e junto com eles um bom número de médicos, encorajam um consumo cada vez mais intenso, prolongado e diversificado de psicotrópicos e outros antipsicóticos. A Novartis foi condenada a pagar uma multa de US$ 422,5 milhões por ter levado, entre 2000 e 2004, ao consumo de Trileptal (um remédio contra a epilepsia) para o tratamento de transtorno bipolar e dores nervosas – indicações não aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA). São corriqueiras as conferências em que médicos que prescrevem muito certo medicamento são generosamente pagos para discorrer a seu respeito diante de uma plateia de colegas também paga para escutar. O custo astronômico desse marketing, em última análise, repercute no custo dos medicamentos e, portanto, no bolso dos doentes.
Como fixar as fronteiras do que é considerado patológico? A modalidade da resposta ilustra os excessos de um sistema de saúde que leva ao superconsumo de medicamentos e até mesmo ao diagnóstico exagerado, com a multiplicação das categorias de “transtornos”. O sistema encoraja, ainda por cima, um cuidado menos personalizado (o objetivo são os “números”, principalmente nos sistemas de pagamento imediato), a utilização de testes de diagnósticos pesados e uma resposta química automática. No entanto, são cada vez mais numerosos os estudos longitudinais a estabelecer a superioridade do tratamento de doenças mentais sem produtos farmacêuticos, incluindo a esquizofrenia – exceto em casos muito minoritários e por tempo limitado.11 A longo prazo, o exercício, a socialização e o trabalho tornam a vida das pessoas afetadas por transtornos mentais bem mais suportável. A ruptura do vínculo social, a discriminação no seio da família ou da comunidade são as primeiras causas da loucura. Estudos transculturais realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) dos anos 1970 a 1990 sobre a esquizofrenia e a depressão em todo o mundo mostraram que as pessoas não submetidas a uma farmacoterapia seriam beneficiadas com um “melhor estado de saúde geral” a médio e longo prazo.12
Mas os antipsicóticos contribuíram em grande escala para o crescimento espantoso das vendas e dos lucros das companhias farmacêuticas. Esse setor é um dos mais rentáveis dos Estados Unidos nos últimos cinquenta anos. As legislações atuais são favoráveis a eles. Durante a discussão do projeto de lei da reforma do sistema de saúde em 2009, US$ 544 milhões foram gastos para garantir, junto aos legisladores, os interesses dos planos de saúde, das empresas farmacêuticas e dos fornecedores de tratamentos. Os que ganham muito veem com maus olhos, historicamente, a intervenção do poder público em seu território. A saúde mental representa o primeiro lugar nos gastos com a saúde, com US$ 170 bilhões em 2009. Um número que deve aumentar para US$ 280 bilhões em 2015.13
Paradoxalmente, se a farmacoterapia dos transtornos mentais se massifica, centenas de milhares de pessoas sofrendo desses problemas não são beneficiadas por nenhum tipo de assistência: as que não têm cobertura médica (16% da população) – a reforma iniciada por Barack Obama só vai começar de fato em 2014 – e aquelas que estão encarceradas. Estima-se que meio milhão de detentos tenham necessidade de ajuda, ainda mais porque o aprisionamento e as condições de encarceramento agravam os transtornos. Mas as instituições carcerárias não estão preparadas para isso de jeito nenhum. Uma vez em liberdade, esses presos se voltam ao uso de drogas como forma de terapia e, num círculo vicioso, caem de novo na delinquência.
Olivier Appaix é economista da saúde.
Ilustração: Daniel Kondo
1 The medicated child, documentário do programa Frontline, Boston, jan. 2008.
2 Sigla de imagem por ressonância magnética. Nos Estados Unidos, uma IRM do cérebro custa de US$ 1.500 a mais de US$ 3.000 por um procedimento que dura de quarenta a sessenta minutos.
3 “Anxiety disorder”, 2009. Disponível em: www.brainmattersinc.com
4 A discinesia se caracteriza por movimentos incontroláveis do rosto, principalmente da mandíbula, e a protrusão repetitiva da língua.
5 A lobotomia tratava os pacientes que sofriam de certas doenças mentais como a esquizofrenia. Hoje em dia é proibida na maior parte dos países.
6 Daniel Carlat, Unhinged, the trouble with psychiatry. A doctor’s revelations about a profession in crisis [Desequilibrado, o problema da psiquiatria. Revelações de um doutor sobre uma profissão em crise], Free Press, Nova York, 2010.
7 Entrevista de Daniel Carlat em Fresh Air, National Public Radio, 13 jul. 2010.
8 “When drug companies hide data” [Quando farmacêuticas escondem dados], New York Times, 6 jun. 2004. A mesma empresa acaba de pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma série de processos
relativos a seus produtos, entre eles o Paxil.
Cf. New York Times, 3 nov. 2011.
9 Robert Whitaker, Anatomy of an epidemic. Magic bullets, psychiatric drugs, and the astonishing rise of mental illness in America [Anatomia de uma epidemia. Balas mágicas, drogas psiquiátricas e o impressionante crescimento de doenças mentais nos Estados Unidos], Crown, Nova York, 2010, p.304-307.
10 New York Times, 22 nov. 2008.
11 Robert Whitaker, op. cit.
12 Estudos citados por Whitaker. O estado de saúde segundo a OMS inclui a saúde física, mental e social. 
13 Centers for Medicare and Medicaid Services (www.cms.gov).
Fonte: EcoDebate, 25/01/2012

segunda-feira, janeiro 23, 2012

a dimensão estratégica do acesso à água

Relatório francês denuncia 'novo apartheid no Oriente Médio'

Elaborado pela Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional francesa, o informe, intitulado “Sobre a geopolítica da água”, descreve a gestão da água pelo governo israelense como “um novo apartheid no Oriente Médio”. Informe, que despertou reação irada das autoridades israelenses, diz que “os 450 mil colonos israelenses da Cisjordânia utilizam mais água que os 2,3 milhões de palestinos”. Em Gaza, acesso à água é ainda mais problemático.
A dimensão estratégica do acesso à água no conflito entre Israel e Palestina é uma das colunas vertebrais desse sangrento antagonismo territorial. Um severo informe elaborado pelo parlamento francês suscitou uma irada reação das autoridades israelenses, ao mesmo tempo em que traz uma série de revelações sobre a forma pela qual Israel utiliza esse recurso vital que é a água para subjugar os palestinos. 
Elaborado pela Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional francesa, o informe, intitulado “Sobre a geopolítica da água”, descreve a gestão da água como “um novo apartheid no Oriente Médio”. Ao apresentar o informe, o deputado socialista Jean Galvany também destacou que, no que diz respeito ao acesso à água, “a prioridade é dos colonos em caso de seca, e isso representa uma infração do direito internacional”. Galvany ressaltou ainda que “os poços (de água) cavados espontaneamente pelos palestinos na Cisjordânia são sistematicamente destruídos pelo Exército”. O deputado citou ainda o caso de Gaza, onde, assegura, “as reservas de água foram alvo de bombardeios em 2008-2009”.
O governo israelense reagiu com grande virulência após a imprensa divulgar parte do informe parlamentar francês. Yigal Palmor, porta-voz da chancelaria israelense, declarou que o deputado Jean Galvany havia “introduzido uma terminologia extrema no documento, no último momento e sem informar seus colegas”. Galvany negou as críticas israelenses, mas reconheceu que o termo “apartheid” poderia suscitar fortes reações. No entanto, observou o deputado “por causa da ausência de denúncias permite-se que se faça qualquer coisa”. Por outro lado, o governo palestino celebrou a publicação de um informe que mostra “o controle israelense sobre os recursos palestinos, sobre a água, e sua utilização em favor dos colonos e dos israelenses”.
Cada parte defende seu direito neste intrincado conflito onde a água é um dos elementos mais críticos. No último número da revista Questions Internationales, o analista Pierre Berthelot, pesquisador no Instituto Francês de Análise Estratégica, escreveu que “os israelenses consideram a água como um tema restrito á área militar, o que torna impossível os debates e os projetos inovadores e equilibrados”. De fato, devido ao bloqueio do processo de paz e, por conseguinte, ao trancamento de todas as negociações que o acompanham, as discussões sobre o acesso e repartição da água estão em ponto morto.
A única negociação que existe figura no marco dos acordos de Oslo II firmados em 1995. Este acordo internacional, firmado conjuntamente por Israel, palestinos, Estados Unidos, Rússia, Jordânia, Egito e União Europeia, prevê um cálculo das necessidades palestinas da água para o período 1995-1999. O acordo deveria ser renegociado em 200, mas por causa da segunda intifada nos territórios palestinos acabou suspenso. Isso conduziu a uma situação extremamente complexa na qual, cada vez que os palestinos têm que perfurar para buscar água, dependem das autorizações de Israel, seja do Exército, seja do governo, seja do Joint Water Comitee (comitê misto composto por israelenses e palestinos).

Contudo, como assinalou ao vespertino Le Monde Stéphanie Oudot, do Departamento de Água e Saneamento da Agencia francesa de Desenvolvimento, “na prática são os israelenses que decidem e, em geral, a favor das solicitações israelenses e não palestinas”. Neste contexto, o informe parlamentar francês afirma que “os 450 mil colonos israelenses da Cisjordânia utilizam mais água que os 2,3 milhões de palestinos”. Os cálculos das ONGs israelenses e palestinas vão nesta direção: os palestinos consomem 70 milhões de metros cúbicos de água contra 222 milhões para os colonos israelenses.
O informe parlamentar francês levantou uma enorme polêmica entre Paris e Tel Aviv. Talvez mais pela terminologia empregada, considerada “viciada” pelo governo israelense, do que por seu próprio conteúdo. Em 2009, um informe do Banco Mundial (Assessment of Restrictions on Palestinian Water Sector Development) já havia denunciado o controle, por parte de Israel, da água na Cisjordânia. O mesmo informe do Banco Mundial apontou também a situação em Gaza, onde o acesso à água é ainda mais problemático. Segundo o Banco Mundial, em Gaza, “só 5% ou 10% dos recursos d’água correspondem às normas padrões de qualidade”.
Tradução: Katarina Peixoto
Finte: Carta Maior | Internacional, 21/01/2012

domingo, janeiro 22, 2012

a durabilidade de produtos para estimular o consumo

Programado para morrer

por Tatiana de Mello Dias
A obsolescência programada reduz a durabilidade de produtos para estimular o consumo, mas um documentário vem mostrar o lado sombrio desta prática raramente admitida pela indústria
Cenas do fim. O filme foi lançado em 2010. Cosima está nos EUA apresentando-o em festivais. Não há previsão de estreia no Brasil. FOTOS: Reprodução

SÃO PAULO – A cineasta Cosima Dannoritzer usa o mesmo celular há 13 anos. “Ele nem tira fotos, mas eu tenho uma câmera para isso”, diz. Depois de ouvir lendas urbanas sobre obsolescência programada – a prática da indústria de determinar uma vida útil curta em seus produtos para vender mais –, ela decidiu investigar o tema. E a realidade se tornou ainda mais estranha para ela.
Em seu documentário, The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada, em inglês), Cosima mostra que a indústria tem práticas escusas para determinar a validade dos seus produtos. E isso ocorre especialmente na indústria da tecnologia.
O caso da primeira geração do iPod é emblemático. Casey Neistat, um artista de Nova York, pagou US$ 500 por um iPod cuja bateria parou de funcionar 8 meses depois. Ele reclamou. A resposta da Apple foi “vale mais a pena comprar um iPod novo”. O caso virou uma ação de rua nos cartazes publicitários da Apple, retratada no vídeo iPod’s Dirty Secret. O filme foi visto por Elizabeth Pritzker, uma advogada de São Francisco. Ela entrou com uma ação coletiva em nome dos consumidores – naquela altura, a Apple já havia vendido três milhões de iPods pelos EUA.
No caso do primeiro iPod, a empresa fez um acordo com os consumidores. Elaborou um programa de substituição das baterias e estendeu a garantia dos iPods por US$ 59. A Apple disse ao Link que “a vida útil dos produtos varia muito com o seu uso”.
“Eu acredito que o desenvolvimento do iPod foi intencionalmente uma obsolescência programada”, diz a advogada no documentário.
De diretora, Cosima abraçou a causa e virou ativista contra o consumismo. “Na indústria da tecnologia, muitos consumidores estão sempre procurando pela última versão, para ter novas funções, mas também para seguir a moda”, afirma. “Muitas formas de obsolescência programada estão juntas. Na forma tecnológica pura, mas também na forma psicológica em que um consumidor voluntariamente substitui algo que ainda funciona só porque quer ter o último modelo.”
Uma dessas travas eletrônicas é a que está em impressoras a jato de tinta. No filme, um rapaz vai à assistência para consertar sua impressora. Os técnicos dizem que não há conserto. O rapaz então procura pela web maneiras de resolver o problema. Ele descobre um chip, chamado Eeprom, que determina a duração do produto. Quando um determinado número de páginas impressas é atingido, a impressora trava.
A Epson nega. A assessoria de imprensa afirma que não há nenhum prazo para seus produtos. “Rejeitamos totalmente a afirmação de que eles são fabricados para apresentar defeitos depois de algum tempo”, disse. “A almofada de tinta e o Eeprom mencionados no programa são instalados para manter a alta qualidade da impressora e não para controlar a vida útil do produto.”
Crescimento. A prática, porém, não é de agora. A história da obsolescência programada confunde-se com a história da indústria no século 20. E tudo começou com lâmpadas.
Na década de 1920, um cartel que reunia fabricantes de todo o mundo decidiu que as lâmpadas teriam uma validade: 1.000 horas (embora a tecnologia da época já pudesse produzir lâmpadas mais duráveis, e uma lâmpada de 100 anos que ainda permanece acesa é citada logo no início do documentário). Assim, as empresas conseguiriam garantir que sempre haveria consumidores para seus produtos.
Com a crise de 1929 o consumo caiu. E a obsolescência programada se consolidou como uma estratégia da indústria para retomar o crescimento.

O economista Bernard London foi o primeiro a teorizar sobre a prática. Em 1932, publicou o livro The New Prosperity. O primeiro capítulo deixa claro: “Acabando com a depressão através da obsolescência programada”. Ele sugere que, se as pessoas continuassem comprando, a indústria continuaria crescendo e todos teriam emprego.
Em teoria, diz Cosima, não há nada de errado na obsolescência programada. “Nós não queremos um computador com 20 anos de idade”, exemplifica. “Mas a vida útil dos produtos está se tornando mais curta e não dá para atualizar nada sem jogar o objeto inteiro no lixo”, diz a cineasta.
E é aí que vem a conta. Cosima visitou lixões em Gana, na África, para chegar o final da cadeia produtiva dos eletrônicos de consumo rápido. Viu pessoas serem exploradas em busca dos metais valiosos dos produtos.
“Se eu uso meu celular por dois anos em vez de um, não é um grande sacrifício, mas se todos fizerem isso, significaria que apenas metade dos celulares em desuso seriam enviados para lixões ilegais.”
Para a diretora, a crise mundial mais uma vez pode refletir no comportamento da indústria. Só que, desta vez, ao contrário. Na Consumer Eletronics Show, a CES, maior feira de tecnologia dos EUA, que ocorreu no início do ano, a pirotecnia de lançamentos de aparelhos dividiu espaço com outra tendência: a durabilidade dos produtos. Passou quase despercebido, mas algumas empresas já estão partindo para a “desobsolescência programada”, como escreveu Lance Ulanoff, editor-chefe do site de tecnologia Mashable.
Programado. Chip EEPROM, encontrado dentro das impressoras
Ele cita as smart TVs “à prova de futuro” da Samsung, que têm um kit para se manterem atualizadas. “Claramente a Samsung descobriu que os consumidores não estão tão interessados em TVs de alta definição que ficam desatualizadas ou saem de moda em poucos anos de uso”, escreveu. Ele também falou do Motorola Droid Razr Max, smartphone Android, cuja bateria roda até 15 horas de vídeo com uma carga.
“Há empresas que estão vendendo produtos mais duráveis convencendo seus consumidores de que isso é um bom investimento”, diz Cosima. Ela cita no documentário as lâmpadas ultra-duráveis da Philips que ficam acesas por até 25 mil horas. Segundo a assessoria da Philips, os produtos verdes representaram 31% do total das vendas da companhia. Foram mais de 800 lançamentos nessa área nos últimos dois anos.
“A obsolescência programada sempre faz sentido enquanto você pensa em como manter o crescimento da indústria e a criação de empregos a curto prazo”, diz Cosima. “O problema é a longo prazo. Estamos usando nossos recursos naturais e criando montanhas de lixo. A obsolescência programada funcionou bem no passado, mas estamos começando a ver as consequências. É um sistema que não pode ser usado para sempre.”
Fonte: Estadão | Blogs | Link, 22/01/2012

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