Consumo insustentável e a falsidade
da superpopulação
Publicado em outubro 9, 2013 por Redação
Biocapacidade
“O impacto da humanidade
sobre o sistema que sustenta a vida sobre a Terra não depende simplesmente do
número de pessoas que vivem no planeta, mas também do modo em que se comportam.
Se considerarmos esse aspecto, o quadro muda totalmente: o problema demográfico
existe principalmente nos países opulentos. Na realidade, existem muito ricos.”
A análise é do sociólogo polonês Zygmunt Bauman e da jornalista e
pesquisadora mexicana Citlali Rovirosa-Madrazo, em artigo publicado no jornal La
Repubblica, 15-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
“Eles são sempre muitos. ‘Eles’ são
aqueles que deveriam ser menos ou, ainda melhor, não ser, justamente. Ao
contrário, nós nunca somos o suficiente. De ‘nós’, deveria haver sempre mais”.
Eu escrevi isso em 2005, em Vidas Desperdiçadas (Ed. Zahar, 2005). A meu ver,
tanto agora quanto então, a “superpopulação” é uma ficção estatística, um nome
codificado que indica a presença de um grande número de pessoas que, ao invés
de favorecerem o funcionamento fluido da economia, tornam mais difícil alcançar
e superar os parâmetros utilizados para medir e avaliar o seu correto
funcionamento. Esse número parece aumentar de modo incontrolável, acrescentando
continuamente os gastos, mas não os ganhos.
Em uma sociedade de produtores,
trata-se de pessoas cujo trabalho não pode ser utilmente (“proficuamente”)
empregado, já que é possível produzir sem eles, de modo mais rápido, rentável e
“econômico”, todos os bens que a demanda atual e potencial é capaz de absorver.
Em uma sociedade de consumidores, essas pessoas são “consumidores defeituosos”:
aqueles que não têm recursos para aumentar a capacidade do mercado dos bens de
consumo e, ao contrário, criam um outro tipo de demanda, que a indústria
orientada aos consumos não é capaz de interceptar e “colonizar” de modo
rentável.
O principal ativo de uma sociedade
dos consumos são os consumidores, enquanto o seu passivo mais fastidioso e
custoso é constituído pelos consumidores defeituosos. Não tenho motivo para
mudar de ideia com relação ao que escrevi anos atrás, nem para retirar a minha
adesão ao que foi defendido por Paul e Ann Ehrlich. Observamos que se prevê que
a “bomba demográfica” da qual os Ehrlich falam explodirá geralmente em
territórios de mais baixa densidade de população. Na África, vivem 21
habitantes por quilômetros quadrado, contra 101 na Europa (incluindo as estepes
e os “permafrosts” da Rússia), 330 no Japão, 424 na Holanda, 619 em Taiwan e
5.489 em Hong Kong.
Como observou há pouco tempo o
vice-diretor da revista Forbes, se toda a população da China e a Índia se
transferisse para os EUA continentais, resultaria disso uma densidade
demográfica não superior à da Inglaterra, da Holanda ou da Bélgica. Porém,
poucos consideram a Holanda um país “superpovoado”, enquanto os sinais de
alarme soam continuamente para a superpopulação da África ou da Ásia, com
exceção dos poucos “Tigres do Pacífico”.
Para explicar o paradoxo dos
“Tigres”, afirma-se que, entre densidade demográfica e superpopulação, não há
uma correlação estrita: a segunda deveria ser medida fazendo-se referência ao
número de pessoas que devem ser sustentadas com os recursos possuídos por um
dado país e à capacidade do ambiente local de sustentar a vida humana. Porém,
como indicam Paul e Ann Ehrlich, a Holanda pode sustentar a sua altíssima
densidade demográfica só porque muitos outros países não conseguem: nos anos
1984-1986, por exemplo, importaram 4 milhões de toneladas de cereais, 130 mil
toneladas de óleos diversos e 480 mil toneladas de ervilhas, feijões e
lentilhas – todos produtos que nos mercados globais têm uma avaliação e,
portanto, um preço relativamente baixos, permitindo que a própria Holanda
produza, por sua vez, outras mercadorias, como leite ou carne comestível, que
notoriamente têm preços elevados.
Os países ricos podem se permitir uma
alta densidade demográfica porque são centrais de “alta entropia”, que atraem
recursos (e principalmente fontes energéticas) do resto do mundo, restituindo,
em troca, as escórias poluentes e frequentemente tóxicas, produzidas por meio
da transformação (o exaurimento, a aniquilação, a destruição) das reservas mundiais
de energia. A população dos países ricos, mesmo sendo bastante exígua (com
relação aos padrões mundiais), utiliza cerca de dois terços da energia total.
Em uma conferência de título
eloquente (Too many rich people, “Muitos ricos”), proferida na Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo (5 a 13 de setembro
de 1994), Paul Ehrlich sintetizou as conclusões do livro escrito por ele
juntamente com Ann Ehrlich, The Population Explosion, afirmando, sem meios
termos, que o impacto da humanidade sobre o sistema que sustenta a vida sobre a
Terra não depende simplesmente do número de pessoas que vivem no planeta, mas
também do modo em que se comportam. Se considerarmos esse aspecto, o quadro
muda totalmente: o problema demográfico existe principalmente nos países
opulentos. Na realidade, existem muito ricos.
Fonte: (Ecodebate, 09/10/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na
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