quarta-feira, abril 29, 2015

o ‘tiro de misericórdia’ no modelo ‘rígido’ de regulação do trabalho no Brasil

PL 4330: o tiro de misericórdia na regulação do trabalho brasileiro

Segundo Giovanni Alves, a terceirização é um facilitador da fraude trabalhista e contribui para a desefetivação da Justiça do Trabalho

Por: Patricia Fachin

“Quem diria, hein! Há algumas décadas, a esquerda criticava a CLT como uma peça autocrática-fascista oriunda do governo Vargas. Hoje, tornou-se um bote salva-vidas de direitos trabalhistas em extinção. Eis o sintoma da barbárie salarial que caracteriza o capital em sua fase de crise estrutural: o rebaixamento civilizatório”. O comentário é deGiovanni Alves à IHU On-Line, ao analisar as causas que levaram à aprovação do PL 4330 e as possíveis consequências caso a lei da terceirização seja aprovada.
Giovanni Alves lembra que desde 1990, a partir dos governos Collor e FHC, “ocorre um processo lento e progressivo de desmonte da CLT”, e a aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados “dá apenas o ‘tiro de misericórdia’ no modelo ‘rígido’ de regulação do trabalho no Brasil, adequando-o às novas condições históricas de acumulação flexível do mercado mundial”. Ele explica ainda que a terceirização e a resistência do empresariado em ampliar direitos trabalhistas e reduzir jornada de trabalho “fazem parte de um fenômeno mundial próprio da temporalidade histórica do capital em sua fase de crise estrutural — com nuances locais”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o sociólogo também comenta as MPs 664 e 665, editadas pelo Congresso no final do ano passado. Segundo ele, as MPs devem ser entendidas como “medidas corretivas de direitos trabalhistas”, e fazem parte dos ajustes fiscais anunciados pelo Ministério da Fazenda. “Elas não extinguem direitos, mas restringem e dificultam seu acesso. Num cenário de desemprego crescente, restringir e dificultar o acesso a direitos é perverso. Minha crítica é que medidas que atingem direitos previdenciários e trabalhistas deviam ser negociadas com as centrais sindicais, mas não foram”, pontua.
Giovanni Alves é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, no campus de Marília. Livre-docente em teoria sociológica, é mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. É autor de, entre outras obras, Dimensões da precarização do trabalho – Ensaios de sociologia do trabalho (Bauru: Projeto Editorial Praxis, 2013).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que a aprovação do PL 4330  sinaliza acerca do trabalho no Brasil? Para que modelo de trabalho estamos nos dirigindo não só com a aprovação do PL, mas considerando também os baixos salários, a não redução das jornadas? 
Giovanni Alves - Desde 1990, a partir do governo Collor e FHC, ocorre um processo lento e progressivo de desmonte da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT. O Projeto de Lei 4330 dá apenas o “tiro de misericórdia” no modelo “rígido” de regulação do trabalho no Brasil, adequando-o às novas condições históricas de acumulação flexível do mercado mundial. Na verdade, nosso mercado de trabalho sempre teve uma flexibilidade estrutural, pelo menos desde 1964, quando os militares instauraram o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS em troca da estabilidade no emprego. Na década de 1990, a terceirização e a flexibilização laboral disseminaram-se, atingindo hoje cerca de 30% do mercado de trabalho formal. Alta rotatividade laboral, baixos salários e informalidade estrutural compõem hoje o quadro do mundo do trabalho precário, quadro social que deve se agravar com a aprovação do PL 4330 que regulamenta a terceirização.
Superexploração da força de trabalho
A aprovação do PL 4330 trata tão somente da afirmação do modelo social de superexploração da força de trabalho que caracteriza nossa formação social capitalista. Por isso o falecido sociólogo alemão Ulrich Beck,  em 1999, ao constatar o avanço da precariedade laboral na Europa, chamou-a “brasilianização da Europa”. Antes, a Europa social era exemplo para o Brasil, hoje é o contrário: as relações de trabalho no Brasil tornam-se modelos para o mundo capitalista central, na medida em que o capital desmonta, nesses países centrais, conquistas históricas dos trabalhadores. Enfim, somos a vanguarda da barbárie salarial que caracteriza hoje o novo (e precário) mundo do trabalho no capitalismo global — que nos diga, hoje, o crescimento do “precariado" na Europa, Estados Unidos e Japão e os baixos salários e os incipientes salários pagos na Ásia e na Índia. Enfim, com a vigência plena da terceirização alteram-se as condições materiais — objetivas e subjetivas — da luta de classes no Brasil. O novo cenário de precariedade salarial deve provocar novas estratégias sindicais. Vai exigir que o sindicalismo rompa com práticas burocrático-corporativas e organize mais a classe trabalhadora no plano horizontal.
O capital sempre provoca historicamente o trabalho. Não adianta lamentar com nostalgia a debacle do fordismo-keynesianismo, como acontece hoje com certos companheiros social-democratas que não percebem que, no modo de produção capitalista, principalmente no capitalismo brasileiro, de extração colonial-escravista, a precarização estrutural do trabalho é um traço histórico ontogenético, e o capital, na era de sua crise estrutural, reduz sua capacidade de preservar e ampliar conquistas civilizatórias.
Capacidade de resposta radical
Enfim, a lei da terceirização vai exigir de nós reflexão crítica e capacidade de resposta radical, forçando os sindicatos a investirem mais na formação política dos quadros sindicais e na perspectiva da formação da consciência de classe sob pena de eles irem à ruína como instituição social relevante; ou educam-se as massas ou viveremos no pior dos mundos possíveis. Não podemos nos iludir — capitalismo global é isso aí. Caso a lei da terceirização seja instaurada, a resposta dos setores trabalhistas e popular na sua luta contra a exploração deve adquirir cada vez mais um caráter político de médio e longo prazo. Deve procurar unificar a classe sob pena de a luta sindical não ter eficácia. Poderíamos dizer a todos nós, brasileiros, caso a terceirização se generalize, as mesmas palavras do personagem Morpheus no filme Matrix (1999): bem-vindo ao Inferno do Real (do capital do século XXI). 

IHU On-Line - Quais os efeitos da terceirização para o trabalhador? Se aprovada, a lei irá atingir a todos os trabalhadores de modo geral, não somente os que já têm um trabalho mais precarizado?
Giovanni Alves - Os estudos sociológicos e da economia do trabalho demonstram, há mais de vinte anos, que terceirização significa redução de salários — pelo menos em 1/3; extensão da jornada de trabalho semanal (em pelo menos 5 horas); aumento de acidentes do trabalho (com consequente aumento dos gastos previdenciários); corrosão da identidade e representação sindical; degradação dos serviços e qualidade dos produtos; espoliação de direitos historicamente conquistados (13º Salário, férias, etc.); podemos salientar também aumento da corrupção, principalmente no setor público; provável aumento do trabalho análogo à escravidão.
Terceirização possui também um recorte de gênero, pois deve atingir mais as mulheres que os homens, aumentando mais ainda a precariedade laboral entre o gênero feminino. O pior do PL 4330 é que ele retira da empresa tomadora dos serviços a responsabilidade solidária pelo pagamento dos salários, 13º Salário, férias, quando a empresa fornecedora desses trabalhadores deixa de cumprir suas obrigações legais (a responsabilidade da empresa será apenas subsidiária e não mais solidária, fazendo com que o problema seja discutido com base no Código Civil, no âmbito da Justiça Comum, e não mais na Justiça do Trabalho. Trata-se, portanto, de um retrocesso de mais de 70 anos, pois o STF desde 1941 reconhecia que a competência para julgar questões trabalhistas é a Justiça do Trabalho). A terceirização é, portanto, um facilitador da fraude trabalhista e contribui não apenas para o desmonte da CLT, mas também para a desefetivação da própria Justiça do Trabalho.
Todas essas tendências de degradação do trabalho existiam há, pelo menos, 25 anos, pois a terceirização era permitida nas atividades-meio conforme a Súmula 331 do TST. Como o PL 4330, que regulamenta a terceirização, permite que ela seja adotada também nas atividades-fim, a barbárie salarial tende a ampliar-se não apenas no setor privado, mas, inclusive, no setor público, tendo em vista a pressão pela redução dos gastos com folha de pagamento, por conta do orçamento público contingenciado. É necessário hoje que se crie, por exemplo, um Observatório da Terceirização em que possamos verificar onde ela está sendo adotada e denunciarmos condições precárias de trabalho e fraude de direitos trabalhistas.

IHU On-Line - Como entender que pautas importantes dos anos 1980, como redução da jornada de trabalho, direitos trabalhistas, podem sofrer uma total reversão? O que está acontecendo com o mundo do trabalho no Brasil? Quais são as causas e raízes desse fenômeno? Trata-se de um fenômeno mundial também?
Giovanni Alves - É preciso entender a conjuntura do capitalismo global no qual o Brasil se insere. Hoje, nosso país é um dos importantes territórios periféricos de acumulação de valor. Desde o governo Collor nos inserimos efetivamente na mundialização do capital. O Brasil é hoje uma das áreas privilegiadas de atração de investimentos externos e acumulação do capital no plano mundial. A pressão empresarial pela terceirização é compreensível pela necessidade do capital social total em aumentar a taxa média de exploração e incrementar a massa de mais-valia social no país, como condição para a retomada do crescimento da economia brasileira.
Fenômeno mundial 
O capital só investe na medida em que encontra condições favoráveis para explorar a força de trabalho. Num cenário de aumento da concorrência internacional, crise estrutural de valorização do capital e afirmação histórica da tendência de equalização decrescente da taxa diferencial de exploração — isto é, na medida em que a referência-padrão da taxa média de exploração do capital global é a China, existe uma poderosa pressão do mercado mundial para equalizar as taxas de exploração de cada país capitalista às taxas de exploração da China e Sudeste Asiático. Não é apenas o Brasil que sofre essa ofensiva do capital global — a vemos atuando há décadas nos países capitalistas centrais — União Europeia, EUA e Japão e depois na América Latina. Portanto, a lei da terceirização e a resistência do empresariado em ampliar direitos trabalhistas e reduzir jornada de trabalho, por exemplo, fazem parte de um fenômeno mundial próprio da temporalidade histórica do capital em sua fase de crise estrutural — com nuances locais.
Terceirização no Brasil
No caso do Brasil, o país do Fim do Mundo, os traços da “modernização catastrófica” — aquela modernização incapaz de cumprir promessas civilizatórias — são mais evidentes. Está inscrito no nosso “DNA histórico", a lógica da Casa Grande e Senzala. Se o custo de produção da força de trabalho de um escravo fosse menor do que o custo de produção de um trabalhador assalariado terceirizado ganhando um salário mínimo, nesta conjuntura de reação conservadora, com certeza algum deputado já teria proposto um PL abolindo a Lei Áurea. Mas não — manter um escravo custaria hoje mais ao empresário do que empregar um trabalhador assalariado terceirizado. Enfim, o rebaixamento civilizatório aprofunda-se no país com a crise do neodesenvolvimentismo, onde forças políticas conservadoras se aliaram às forças políticas reacionárias de direita, comprometendo, deste modo, as trincheiras locais de resistência social e política à ofensiva do capital global, embora os próprios governos neodesenvolvimentistas — Lula e Dilma — tenham operado nos seus governos, com a lógica da governabilidade baseada no choque de capitalismo nos parâmetros estruturais do capital global.

IHU On-Line - Como entender a aprovação do PL 4330 na Câmara dos Deputados na atual conjuntura, em que o Estado é administrado pelo PT — Partido dos Trabalhadores? O que essa aprovação sinaliza sobre o partido e sobre a atuação da “esquerda” no país?
Giovanni Alves - Desde 2013, quebrou-se o ovo da serpente, criada pela própria dinâmica neodesenvolvimentista. O Congresso Nacional eleito em 2014 é flagrantemente conservador sob hegemonia das forças políticas reacionárias. Por exemplo, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), eleito presidente da Câmara dos Deputados, representa o líder supremo das forças conservadoras em aliança com a direita reacionária. O PMDB, pelo menos desde 2013, sofreu um deslocamento político que implodiu a frente política do neodesenvolvimentismo. O governo Dilma eleito em 2014 está politicamente paralisado. Alterou-se a correlação de forças no Congresso Nacional com a derrota contundente dos setores de esquerda, incluindo o PT. A rigor, o governo é do PMDB e não do PT. Aliás, nunca foi um governo do PT, mas sim o governo de uma coalizão neodesenvolvimentista, onde a esquerda do PT sempre esteve isolada ou numa posição minoritária. A direção majoritária do PT, lastro do lulismo, é que operava a frente neodesenvolvimentista, articulando com o PMDB e pequenos partidos conservadores o primado da governabilidade capaz de garantir o “reformismo fraco", isto é, programas sociais de transferência de renda visando reduzir as desigualdades sociais e a pobreza extrema.
Entretanto, a inclusão social depende do crescimento da economia. O lulismo não funciona num cenário de conflito distributivo acirrado. A crise da economia brasileira da década de 2010 corroeu as bases do lulismo e implodiu a frente política do neodesenvolvimentismo. Desde 2013, pelo menos, explicitam-se os limites do neodesenvolvimentismo. Com o cenário de desaceleração da economia, em parte devido à conjunção de efeitos do aprofundamento da crise mundial, o apagão de investimentos privados e esgotamento do ciclo de crescimento via oferta de crédito e consumo, e ainda somando-se a desaceleração da economia, o repique inflacionário, presenciamos o aumento da insatisfação das camadas médias urbanas, incrementando-se a eficácia política da ofensiva midiática da direita reacionária que, desde 2003, golpeava o setor dirigente majoritário do PT que articulava o lulismo — primeiro com o “mensalão" e depois com a Operação Lava Jato.
Ofensiva mundial
Na verdade, 2013 é um ano de ofensiva mundial da nova estratégia política do Departamento de Estado norte-americano: a dita “Primavera dos Povos”, a ofensiva diplomática, política e militar contra Síria, Irã e depois Ucrânia, a desestabilização de governos progressistas na América do Sul por vias de insuflar a inquietação das “classes médias" (Argentina, Brasil, Venezuela, Equador e Bolívia) e depois a baixa estimulada do preço do barril de petróleo, atingindo vorazmente economias fragilizadas da Venezuela e da Rússia, compõem o quadro geopolítico da nova ofensiva do Imperialismo. Portanto, a nova reação conservadora-reacionária no Brasil é sintomática da conjuntura geopolítica mundial, onde “forças das trevas” internas e externas aproveitam as dificuldades estruturais intrínsecas das novas experiências neodesenvolvimentistas e pós-neoliberais, que não se alinharam aos interesses do imperialismo norte-americano, para desestabilizar os governos democraticamente eleitos com amplo respaldo popular.
No Brasil, em 2014, pela quarta vez, a coalização neodesenvolvimentista — com uma pequena diferença — derrotou a direita reacionária. Entretanto, na eleição parlamentar (Câmara dos Deputados e Senado), as forças conservadoras e reacionárias tiveram uma flagrante vitória, compondo uma nova maioria política, parte dela adversa ao Palácio do Planalto. Temos hoje um Congresso Nacional plenamente favorável às pautas políticas do empresariado, financiador dos políticos eleitos. É a nova maioria política conservadora sob hegemonia reacionária que aprovou, por exemplo, na Câmara Federal, o PL 4330. Outras pautas conversadoras e reacionárias estão à disposição para serem aprovadas: a redução da maioridade penal e a Reforma Política mantendo financiamento empresarial. De fato, o grande empresariado articulou-se bem: decidiu jogar em duas frentes políticas para aprovar a terceirização ampla e irrestrita: primeiro, provocou no STF, instância conservadora da República quando se trata de discutir questões trabalhistas, pouco antes das eleições de 2014, uma “repercussão geral" (o ministro Fux deve se pronunciar se a terceirização deve ser — ou não — ampla, geral e irrestrita).
A negação de Dilma
E depois, com a nova maioria política conservadora-reacionária adquirida em 2015, os deputados, sob pressão do empresariado, ressuscitaram no Congresso Nacional o PL 4330/2004, do ex-Deputado Sandro Mabel.  Enfim, o empresariado utilizou as instâncias conservadoras da Nação — STF e Congresso Nacional — para desmontar a CLT e a Justiça do Trabalho, o que o Poder Executivo da República não quis fazer em fins de 2012, quando organizações empresariais pressionaram a Presidente Dilma para “flexibilizar" os direitos trabalhistas e ela se negou. Foi a negação de Dilma em atentar contra direitos trabalhistas que levou o grande empresariado, frações da burguesia interna, ex-aliados do governo “lulista”, a romper com a coalizão neodesenvolvimentista (por exemplo, a candidatura de Eduardo Campos/Marina Silva — pelo PSB, ex-partido da base do governo — e a “rebelião" do PMDB, em parte, pode ser explicada pelo deslocamento político ocorrido com frações da burguesia interna). Apesar de ser reeleita, Dilma sofreu uma derrota política fundamental, quando o PMDB, partido-chave da governabilidade neodesenvolvimentista, aliado com setores reacionários, compôs uma nova maioria política conservadora que elegeu o Presidente do Senado e o Presidente da Câmara Federal.
No momento crucial da história da República, ressuscitou-se, de modo piorado, o famigerado “Centrão” que na Constituinte de 1988 atentou contra avanços progressistas na nova Constituição Federal. Enfim, o empresariado encontrou o terreno político propício para fazer a Reforma Trabalhista do Século XXI.

IHU On-Line - Quais devem ser as consequências da terceirização para a CLT?
Giovanni Alves - A CLT vai se tornar um regime de contratação “nobre”. Quem diria, hein! Há algumas décadas, a esquerda criticava a CLT como uma peça autocrática-fascista oriunda do governo Vargas. Hoje, tornou-se um bote salva-vidas de direitos trabalhistas em extinção. Eis o sintoma da barbárie salarial que caracteriza o capital em sua fase de crise estrutural: o rebaixamento civilizatório. Vivemos, hoje, no Brasil e no mundo uma crise civilizatória. 

IHU On-Line - Além da aprovação do PL 4330 na Câmara, no final do ano passado, a presidente editou as MPs 664 e 665, que mudam as regras previdenciárias e trabalhistas. Pode nos explicar quais são as mudanças que ocorrem a partir dessas MPs? Elas são adequadas ou não?
Giovanni Alves - As MPs 664 e 665 são medidas “corretivas" de direitos trabalhistas, sendo parte integrante do ajuste fiscal do Ministro Joaquim Levy. Elas não extinguem direitos, mas restringem e dificultam seu acesso. Num cenário de desemprego crescente, restringir e dificultar o acesso a direitos é perverso. Minha crítica é que medidas que atingem direitos previdenciários e trabalhistas deviam ser negociados com as centrais sindicais, mas não foram. O ajuste fiscal não foi discutido com o movimento sindical e popular e com as instâncias da sociedade civil organizada. Este foi o maior erro da presidenta Dilma. Logo após ser eleita, não conversou com a sociedade brasileira sobre a necessidade do ajuste fiscal e não buscou construir caminhos concertados com os trabalhadores e movimentos sociais, visando penalizar no ajuste fiscal aqueles que sempre ganharam neste país: o capital rentista-parasitário. Enfim, o governo Dilma conduziu a construção do ajuste fiscal de forma atabalhoada — ou míope. Preferiu um ajuste fiscal pela direita — o que não poderia ser diferente, tendo em vista que o Ministro da Fazenda é um representante legítimo dos interesses do capital financeiro.
Carta aos Brasileiros II
Temos em 2014, com Joaquim Levy na Fazenda, a volta da Carta aos Brasileiros II. Mas se Antonio Palocci era uma farsa em 2003, Joaquim Levy é a tragédia. O lulismo é isso aí. Talvez expresse o que descrevemos acima: o governo Dilma rendeu-se — visando conquistar a confiança do empresariado — às forças conservadoras sob hegemonia reacionária. Mas o Governo Dilma (e Lula) está pagando e vai pagar um preço alto por isso. Frações da “classe média” assalariada e inclusive da classe trabalhadora que votaram nela, e tinham uma avaliação positiva de seu governo, passam hoje a compor-se com setores conservadores e reacionários que pedem seu impeachment. As acusações sistemáticas de corrupção contra o PT, feitas pela Operação Lava Jato, conduzidas pelo verdadeiro Partido da Direita Reacionária (a mídia golpista), e a crise da economia brasileira, contribuíram para a crescente inquietação social principalmente das “classes médias”.
Na verdade, a conjuntura infernal do governo Dilma caracteriza-se por dois deslocamentos políticos e sociais muito sérios: primeiro, os conservadores fisiológicos no Congresso Nacional passaram a ser hegemonizados pela direita reacionária; e depois, frações da baixa classe média e classe trabalhadora — setores populares — passaram a ser hegemonizados pelo discurso conservador-liberal ou reacionário, tendo em vista o desgaste do governo, acusado de ser um governo de um partido corrupto (o PT) que faz um ajuste fiscal impopular.

IHU On-Line - Com a aprovação do PL 4330 e da atual situação do mundo do trabalho, quais as perspectivas acerca do trabalho no Brasil?
Giovanni Alves - As perspectivas não são promissoras. A última metade da década de 2010 será uma metade de “década infernal”. Tenho dito que os limites do neodesenvolvimentismo devem produzir cenários bizarros de fascismo social por conta do alavancamento da manipulação social que visa derrubar o governo Dilma (um fascismo social meio carnavalesco, estúpido, bizarro, como tem sido as manifestações dos “coxinhas" e seus intelectuais orgânicos). Não se iludam, a direita reacionária — apoiada pelas forças ocultas do imperialismo norte-americano — quer chegar ao governo do Brasil de qualquer modo até 2018. 
Ao quebrar a coalizão neodesenvolvimentista, hegemonizando os conservadores fisiológicos no Congresso Nacional, principalmente o PMDB, e atrair setores da baixa classe média, que cresceu nos últimos anos, e inclusive setores trabalhistas organizados e populares, para o campo da reação liberal, criaram-se efetivamente neste país as condições sociais e políticas para a virada neoliberal (o que não tinha ocorrido nos últimos dez anos). As perspectivas para o trabalho devem ser de luta e reflexão, aproveitando a crise para elevar o nível de consciência das massas. Não é fácil. Há muito tempo o PT perdeu a prática de luta e formação da consciência de classe. Por outro lado, a militância da esquerda socialista, parte dela de oposição ao governo, é diminuta e irrelevante politicamente, não conseguindo transformar o calor das lutas sociais em luz — isto é, esclarecimento das massas sobre uma conjuntura complexa com mil tons de cinza. Enfim, como diria Marx, “Hic Rhodus, hic salta!", isto é, eis os novos (e gigantescos) desafios postos pelo capital para o mundo do trabalho organizado e para a nossa esquerda socialista, provocada, nesse momento, a construir efetivamente uma nova frente política que consiga hegemonizar os setores populares e atrair parcelas importantes de setores da baixa “classe média" para um programa de desenvolvimento democrático nacional-popular. ■
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Manifestações. A crise de um modelo e a disputa de classes. Entrevista com Giovanni Alves publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 20-03-2015.

terça-feira, abril 28, 2015

Água: "O desperdício é antieconômico e antissocial”.


Para pesquisador da Unicamp, dependência da pauta exportadora de commodities faz país ‘exportar’ água

Publicado em abril 28, 2015 por 
Billings

Além de fundamental para a saúde e o bem-estar humano, a questão hídrica é crucial para economia brasileira, que depende da geração hidrelétrica de energia e que, com sua pauta exportadora dependente de commodities, “exporta água”, nas palavras do professor Humberto Miranda do Nascimento, pesquisador do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico (Cede), do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.
“Somos uma economia que depende da exportação de primários, de commodities, agrícolas e minerais”, lembrou ele. “Então, exportamos água. Que é usada não só na agricultura, mas a mineração utiliza muita água, não só no processo de extração, mas também no de transporte”, explicou.
“E isso se agrava, também, porque a atividade de mineração está sendo muito mais extração e exportação bruta, sem se fazer algum beneficiamento antes, e exportar com algum valor agregado. O que acontece é o contrário: a gente manda para a China, que elabora o produto e depois vende de volta ao Brasil, mais caro”.
Nascimento relata uma experiência pessoal que teve com o impacto da pecuária no manejo das águas no Centro-Oeste brasileiro: “No Mato Grosso vimos uma cidade, Nova Xavantina, onde passa o Rio das Mortes, com mata ciliar intacta. A prefeitura e as pessoas que entrevistamos disseram que não havia problema de contaminação com esgoto, mas o fato é que águas do rio estavam baixando”, contou. “Por quê? Gado. Os criadores fecham córregos para poder dar água aos animais, e os córregos ficam impedidos de alimentar o rio. Se a água não sai, fica represada, ou sai em menor quantidade dos córregos, isso se torna um problema para o rio”.
PLANEJAMENTO URBANO
O pesquisador adverte, no entanto, que uma análise da atual crise hídrica com base apenas no volume absoluto consumido por cada setor – mais na agricultura e indústria, menos no abastecimento urbano residencial – é simplista. Ele lembra que o principal ícone da escassez é urbano: o reservatório da Cantareira, que abastece mais de 8 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo.
“Quando a gente fala do consumo, o consumo humano, em termos proporcionais, é menor que na indústria e na agricultura, que é altíssimo. Mas tem um problema aí: que é o problema da concentração urbana, nas áreas metropolitanas principalmente”, afirma. “Essa expansão da mancha urbana torna a situação complicadíssima”.
“A região metropolitana de São Paulo é uma imensidão, você concentra uma boa parte da população aí, e o Sistema Cantareira tem que dar conta disso tudo. É algo muito difícil de gerir, e cada vez que a mancha urbana cresce, e a população cresce, isso fica mais complicado”.
Outros problemas que ligam o crescimento urbano “num ritmo meio anárquico”, nas palavras do pesquisador, à questão hídrica são a expansão desigual entre rede de água e de esgoto, o uso de “gatos” em ligações de água e elétricas – “o gato de energia também é indiretamente de água, já que a geração é hidrelétrica”, lembra ele – e a crescente impermeabilização do solo, com a formação das ilhas de calor urbanas, que aumentam a frequência de chuvas e de enchentes.
“É muito mais fácil expandir uma rede de água, até mesmo com ‘gatos’, do que uma rede de esgoto”, disse Nascimento. “É muito estrutural: não dá para acompanhar a expansão se não tiver planejamento urbano associado a essa questão”.
E ele não vê a escassez de água como um fator limitante do crescimento desordenado da cidade. “Não é limitante porque, inclusive, isso não é nem pensado”, afirma. “Você está pensando em abastecer as pessoas agora, mas o gestor imagina que daqui a pouco o problema vai passar porque as chuvas vão regularizar e, pronto, acabou o problema. Errado. Ninguém está preocupado se a cidade está crescendo de forma desordenada ou não. Porque esse é o problema essencial: é o crescimento desordenado da cidade”.
Essa expansão populacional, somada à forma como as desigualdades sociais se desenham no espaço urbano, acaba levando as pessoas para áreas periféricas, muitas vezes áreas preservadas no entorno de represas e mananciais. “Aí a gente cai numa situação como a da Represa Billings”, disse Nascimento, citando o grande reservatório da região do ABC paulista, e cujas margens são alvo, há anos, de ampla ocupação irregular. Em janeiro deste ano, a imprensa noticiou o início da formação de uma nova favela num trecho seco da represa.
A água da Billings apresenta vários tipos de contaminação e é, no geral, considerada imprópria para consumo, mas a Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – e o governo do Estado chegaram a cogitar extrair a água poluída da represa, submetendo-a a tratamento especial, como uma das formas de contornar a atual crise.
“Como se explica a Billings? É um problema gigantesco – e não por falta de soluções técnicas. O que aconteceu ali foi que, simplesmente, foi-se deixando a ocupação ocorrer. Os prefeitos jogam o problema para o governador, o governador joga para São Pedro, e por aí vai”, comentou. “O problema da Billings existe há anos. Tratar a questão da Billings como a salvação da pátria é uma desculpa, porque já se devia ter planejado isso muito antes. A questão é: por que não se pensou no longo prazo?”
GESTÃO
Nascimento faz questão de frisar que não é correto tratar a crise hídrica atual como uma “fatalidade”. “O discurso que foi feito para a sociedade, principalmente pelo governo paulista, é de que foi tudo uma fatalidade, que se de repente chover, o problema acaba”, criticou.  “Qual a falácia desse discurso? Na verdade, se você analisar os dados de regime de chuvas e a questão dos reservatórios em São Paulo, você teve momentos muito bons de cheia, uns três anos muito tranquilos”, disse. “Costumo falar que o planejamento é feito na época de abundância, porque na escassez é o salve-se quem puder. Na crise você não vai planejar, vai tentar acudir. Esse é o problema.”
O pesquisador lembra que a Sabesp é uma empresa de capital aberto, com ações negociadas em bolsa, e que “a lógica do mercado é diferente da do setor público, porque tem de dar uma taxa de retorno para o investidor”. De acordo com ele, “essa lógica é incompatível com uma empresa cuja finalidade é pública”. “À medida que o setor público absorve os métodos de gestão privados, ocorre um choque de realidades. O privado é regido por resultados financeiros de curto e médio prazo, o setor público não, ele tem de garantir direitos ao cidadão”.
Ele cita o caso do advogado paulista que processou a Sabesp e obteve o direito de não ter sua água cortada em meio à crise de escassez. “O compromisso do setor público com o cidadão é fixado em lei”, disse o pesquisador. “Esse exemplo mostra a dificuldade de se fazer a gestão, nos moldes privados, de um bem público. Porque você tem que garantir isso, é um direito do cidadão”.
Além da contradição da empresa de capital aberto com mandado público, Nascimento aponta uma questão cultural: “O Brasil é um pouco assim, ele reage na crise. A gente não é previdente nesse sentido. Insisto: a questão da gestão dos recursos hídricos está colocada há algum tempo. É uma crise anunciada”.
O pesquisador Humberto Miranda do Nascimento
Ele diz que é preciso combater a ideia de que o Brasil “é o país da abundância de água, abundância de florestas, abundância de terra”. “Isso não existe mais, acabaram-se esses mitos que a gente tinha”, afirma. “Essa ideia de que a gente pode usar e desperdiçar. O desperdício é antieconômico e antissocial”.
O combate ao desperdício passa por estratégias de gestão e, mais uma vez, o pesquisador vê conflito entre os objetivos públicos e privados. “Todos falam em usar métodos de gestão, mas gestão do quê? Porque gestão, por aqui, é do lado financeiro. Não é pensada, no caso do setor público, para uma finalidade mais ampla, para o atendimento final do usuário”.
Esse vício, diz ele, pode ser visto em vários sistemas de interesse coletivo, como de transporte, de saúde e de abastecimento de água. “A ideia de eficiência é usada no sentido de fazer caber no orçamento, não de prestar um bom serviço”.
Texto: Carlos Orsi
Fotos: Antônio Scarpinetti
Edição de Imagens: Fábio Reis
Publicado no Portal EcoDebate, 28/04/2015

quinta-feira, abril 23, 2015

Da Amazônia, digamos...

A Invasão Bárbara

Temos uma antiga dívida com nossa rica gente.
Com vista grossa nada vemos em nossa volta.
Árvores sagradas caem na gana de grileiros,
Os interesses de mercado arrasam a natureza.
Sem se importar com os meios, findam o ambiente.

Mostra-se o mal que assume a sua forma vil.
Extraindo energias, soja, minério, gado e a floresta.
Todos tem valores em bolsa e são confinados,
Com preços de commodities a serem exportados,
Embora do morador comum não se tenha cuidado.

Pura inversão de valores e cruel relação,
Trocas que põe fogo no óleo que inflama.
Sem qualquer aceno de paz em qualquer território,
Mudam-se os ventos e o ódio vem a cavalo.
Abrem o peito do nativo e desertos sombrios são plantados.

E chega a vez da Amazônia, assim tão real...
Terra violentada por bilhões e mais planos rasos,
As vistas sentem o peso das estradas e da água turva,
Da bárbara invasão e de barragens orquestradas,
É o vale tudo: bíblia, boi e balas. É terra arrasada.

devemos salvar aquilo que pode se salvar e é fundamental: a vida, o meio ambiente


Ser ou não ser: o que é mesmo ser de esquerda hoje?

Em uma sociedade dominada pelo capital e pelo consumismo, um tema adquire importância fundamental: a defesa da vida, na acepção mais ampla do termo.

Marco Weissheimer - Sul 21

Quando Tarso Genro terminou seu mandato no governo do Rio Grande do Sul, ele anunciou que, após um período de férias, pretendia se dedicar à defesa da Reforma Política e a promover um debate por todo o país sobre a necessidade de um programa mais ousado de mudanças para o país. Esse debate, assinalou, deveria ir necessariamente para além dos limites do seu próprio partido, o PT, buscando diálogos com representantes de outros setores da esquerda, progressistas e correntes de pensamento democráticas da sociedade. Com esse espírito, Tarso Genro convidou o jornalista Flávio Tavares para um almoço em sua casa, em Porto Alegre. Além do churrasco e da salada de batata, o cardápio incluiu uma conversa de quase duas horas sobre a atual situação política do país, sobre os dilemas da esquerda e do pensamento democrático no Brasil e no mundo.

No início da conversa, Flavio Tavares disse que, naquela conversa, só poderia contribuir com experiências envelhecidas. Jornalista que acompanhou alguns dos principais acontecimentos políticos no Brasil  e na América Latina, a partir da década de 60, Flavio Tavares também foi um protagonista de muitos deles. Participou da resistência à ditadura no Brasil. Preso e banido do país, exilou-se no México, Argentina e Portugal nos anos 1970. Logo que a conversa com Tarso Genro esquentou, essas “experiências envelhecidas” mostraram-se muito contemporâneas, estabelecendo pontes entre acontecimentos vividos no Brasil e na América Latina nas décadas de 60 e 70 e os dilemas do presente.

As quase duas horas de conversa acabaram se tornando uma reflexão à quente sobre temas que interrogam diretamente o pensamento de esquerda hoje. Uma reflexão com diferenças de pensamento e opinião, mas com um importante ponto de convergência: em uma sociedade dominada pelo capital e pelo consumismo, um tema adquire  uma importância fundamental nas lutas sociais: a defesa da vida, na acepção mais ampla do termo.

Tarso Genro: O Brasil orbita hoje entre duas questões muito importantes para a sua conformação como nação. A primeira é a questão democrática, ou seja, como se consolida no país um projeto democrático moderno que consiga incorporar milhões de pessoas que sempre viveram à margem da política e à margem de um mínimo de consumo digno. Essa questão começou a ser enfrentada a partir da Revolução de 30 no Brasil com todas as idas e vindas que ocorreram. A segunda questão é a desigualdade. As duas estão ligadas. As conquistas obtidas no combate à desigualdade em uma democracia se tornam duradouras; já aquelas enfrentadas por um regime autoritário geralmente se dissolvem, geram tensões e conflitos que permitem depois restaurações conservadoras. Essas duas questões me parecem fundamentais para a ideia de nação.

Tu, Flavio, percorreste grande parte desse processo, como jornalista e como um quadro da esquerda também. Tua vida é vinculada a essas grandes lutas, ora por meio do jornalismo, ora pela militância política. Gostaria de te ouvir um pouco sobre esses temas a partir da tua experiência em diferentes períodos, no pré-64, no pré-61. Como jornalista e militante, em vários desses momentos, você esteve muito próximo de conflitos envolvendo essas questões que mencionei.
Flávio Tavares: Posso relatar algumas coisas, mas acho que só posso relatar coisas envelhecidas. As experiências que tenho são experiências envelhecidas. Ao relatar as experiências que vivi no passado, tenho que voltar aos valores do passado, onde, falando muito sinceramente, nós da esquerda demos pouca importância à democracia. Eu era do Partido Socialista, que vinha da ala de esquerda da UDN, éramos a Esquerda Democrática, que vira PS. O principal intelectual do Partido Socialista era o Mário Pedrosa, um velho trotskista. Nós estávamos mais preocupados com a questão da igualdade do que com a democracia.

Acho que toda literatura marxista é válida até hoje. O Capital e o Manifesto Comunista estão atualizadíssimos, só que há um componente novo, que é o atual estágio da sociedade de consumo no século 21, que acabou com os valores humanistas. As pessoas estão interessadas hoje na democracia ou no consumo? A democracia passou hoje a ser fundamentalmente contar votos. Isso é a perversão da democracia. E a sociedade de consumo formou outra mentalidade, onde as pessoas não estão muito preocupadas com a democracia nem com a convivência. Se elas puderem consumir, entregam a sua liberdade de eleger. Então, penso que devemos incorporar neste debate essa avalanche que é hoje a sociedade de consumo. Para parafrasear o Lenin, o consumismo é a doença madura do capitalismo.

A minha geração, na política, não viveu o consumismo nessa etapa desenfreada. Nós éramos austeros. As pessoas não se exibiam, nem os ricos ostentavam seus bens. Hoje nós somos invadidos por essa doença sem nos darmos conta. A política não deu a devida atenção a esse fenômeno. É neste sentido que eu digo que a minha experiência é uma experiência envelhecida. Acho que uma das contribuições que a minha geração pode dar é a denúncia desse consumismo que dirige e digere a política hoje.

Tarso Genro: O que tu chama de experiência envelhecida é um elemento muito importante para que a gente possa compreender o que está ocorrendo hoje e quais são os desafios que temos. Mesmo nos padrões tradicionais do velho socialismo soviético, que passou a adotar métodos de organização e de produção semelhantes aos da sociedade capitalista, como o taylorismo e o fordismo, por exemplo. Em países dependentes como o nosso, a visão desenvolvimentista predominava em todos os setores da esquerda. Nós nos encontramos hoje em uma relação com a globalização que, num certo sentido, é a mesma relação que havia no período anterior, mas, em outro sentido, é diferente. É a mesma porque não há possibilidade de sair dela, assim como não havia possibilidade de sair da órbita do imperialismo, a não ser com uma revolução. E é diferente porque hoje a grande questão que se coloca não é romper com a globalização, mas sair de uma posição de submissão alienada para uma relação de cooperação interdependente. Por isso, o grande objetivo hoje de um projeto democrático que tenda para a igualdade, para a socialização da liberdade e do produto social é uma relação de cooperação interdependente.

Eu digo que a tua experiência não é envelhecida porque isso, por outros meios, foi tentado naquela época. A grande experiência que veio do governo João Goulart se propunha construir um país industrializado, forte e integrado na comunidade internacional. O Brasil nunca adotou uma posição como a que foi adotada na revolução argelina, na revolução cubana e muito menos a que foi adotada na Albânia ou nos países do leste europeu que estavam integrados na economia da União Soviética. Então, uma das grandes questões que se coloca para nós hoje: qual é a possibilidade real desse projeto de uma cooperação soberana com interdependência?

Há uma avalanche de consumismo e de educação consumista promovida pela publicidade e pelos governos, que dissolve a cidadania no consumo. O cidadão hoje se afirma não pelos laços de solidariedade comunitária que estabelece, onde aparece também uma preocupação com a sua própria vida e bem estar, evidentemente. Ele se afirma pela capacidade que tem de consumir. Isso está presente em todas as classes sociais e aparece também no processo de inclusão massiva que ocorreu no Brasil nos últimos dez anos. Eu sempre digo que o grande mérito do que ocorreu nos últimos anos no País foi criar novos sujeitos sociais com novas demandas, só que essas demandas estão sendo controladas e orientadas a partir de uma visão consumista, predatória e não comunitária. Isso é uma forma de dominação, de dissolução da cidadania ativa.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman destaca duas características brutais da sociedade atual. A primeira delas é que todas as relações são provisórias, líquidas, carecem de solidez, são mutantes e rapidamente instrumentalizadas. A segunda é o princípio da descartabilidade dos objetos e dos seres humanos. Se levarmos em conta a ideia originária de Marx e de toda uma tradição humanista que vem do iluminismo, a questão da igualdade está no centro deste projeto. Uma das questões que devemos responder é: quem são exatamente os sujeitos que querem essa mudança? Os sujeitos que tinham potencial para querer essa mudança estão subjugados pela ilusão predatória do consumo. Esse impasse, na minha opinião, é o principal impasse da esquerda contemporânea.

A grande questão que se colocava para o Brasil até bem pouco tempo era se o país tinha condições de incluir milhões de pessoas na sociedade formal e de consumo. Hoje, o desafio que se coloca para a esquerda é a questão da igualdade e não mais a da inclusão. Até aqui, a esquerda não teve capacidade de dar resposta a essa questão: o que devemos fazer para ter uma desigualdade mínima, combinada com a máxima igualdade possível?

A cultura cidadã  não está presente hoje na sociedade. A grande escola hoje é, fundamentalmente, a televisão. Os ministros da Educação ocupam a pasta da área, mas quem forma mesmo é a Xuxa, o Ratinho, o Gugu, o Faustão, o Big Brother. A educação não está mais na escola formal, está na televisão e também na internet. Então, o que é crítico é terem incorporado as pessoas ao consumismo  e não à educação. Foram formados consumidores, não cidadãos. Os elos de solidariedade, os laços comunitários se perderam, até a ânsia de aprender se perdeu. Há certos valores cristãos, do cristianismo primitivo, que nós precisamos recuperar. Flávio Tavares: Aí há outro ponto que precisa ser abordado, na minha opinião. Será que não houve um erro (eu acho que houve) neste processo que priorizou a incorporação das pessoas ao consumo, que tirou imposto dos automóveis, mas não incorporou as camadas populares do ponto de vista do trabalho e da educação, educação aí tomada em termos muito amplos, não apenas educação formal?

Tarso Genro: Sobre isso, creio que devemos pensar o seguinte: a cidadania moderna, embora possa ser organizada com base nos laços familiares, nas relações comunitárias, sempre se reporta ao Estado moderno. Aí chegamos a mais um impasse. O Estado, enquanto projeto originário das Luzes, está capturado pelo capital financeiro através da dívida. Assim, qualquer pessoa que chegue ao governo, independentemente de sua visão programática e ideologia, não poderá ultrapassar determinados limites. A Grécia é um exemplo atual e dramático dessa situação. A sociedade grega está esgotada, a população empobrecida e o desemprego tem taxas exorbitantes. O país quer reestruturar sua dívida com a União Europeia. Se não fizer isso, o Estado deixa de funcionar. Em países como o Brasil e a Argentina, as margens para que os governos se comportem segundo uma visão de nação e de cidadania são muito pequenas. Se não mudar a ordem internacional e o Estado não conseguir dessa tutela do capital financeiro, não tem saída.

A saída é a barbárie. E a barbárie a gente sabe como se resolve, através da guerra. Hoje, na Europa, existe um pequeno respiradouro. Se a Grécia conseguir negociar em parte, estabelecendo uma cooperação soberana interdependente e conseguindo começar a tirar o país da estagnação, essa ordem mundial pode ir mudando gradativamente. Mas essa não é a maior possibilidade. Tomara que não seja assim, mas a maior possibilidade é que a Grécia seja rendida, porque depois dela vem a Espanha, e depois da Espanha vem Portugal, e depois a Itália e assim por diante. Então, uma estratégia de esquerda exclusivamente nacional que exija dos governos nacionais questões que eles não podem responder sozinhos, é uma visão fora da história, que se coloca na disputa política apenas com boas intenções.

Assim, penso que a grande questão que o Estado brasileiro tem que enfrentar é caminhar na direção de uma ordem mundial com cooperação e soberania interdependente. Eu concordo contigo que o governo Lula e o governo Dilma prestaram atenção predominantemente na questão da inclusão e não conseguiram desenvolver (e não sei se poderiam) uma estratégia para desenvolver uma nova relação da cidadania com o Estado. O controle público do Estado foi incentivado através das grandes conferências nacionais, mas ficou por aí. Consequentemente, o Estado brasileiro também continua refém do capital financeiro.

Flávio Tavares: É só pegarmos o caso brasileiro e ver quem foi nomeado para o Ministério da Fazenda. E não é só o sistema financeiro. As multinacionais também dominam o Estado. Tu deves ter vivenciado isso em tua experiência de governo. As multinacionais decidem o estilo de vida, o que vou vestir, o que vou comer, o que vou pensar. Eu costumo dizer que os grandes filósofos do século 20, da segunda metade do século em diante pelo menos, são os publicitários, que nos dão diariamente a pauta de comportamento e a pauta de vida. Não temos hoje nenhum Schopenhauer, Espinosa ou Heidegger. O que temos são publicitários. Há importantes acadêmicos, é claro, mas os filósofos do dia-a-dia estão nas grandes agências de publicidade que alimentam simbolicamente esse modelo de capitalismo  consumista que é dominante hoje no mundo.

Eu sou um pessimista. Sempre fui meio pessimista na vida. Por isso me meti nas coisas em que me meti. Acho que estamos num beco sem saída. Estamos numa outra fase civilizatória, onde devemos tentar salvar aquilo que pode se salvar e é fundamental: a vida, o meio ambiente. O consumismo terminou com a visão de cidadania e com o grande traço humano que é a noção de solidariedade. Um cidadão não solidário é um cidadão quase desumano. Acho que devemos resgatar o humanismo, os valores humanistas. Lembro que, quando tu foste candidato a prefeito e Porto Alegre, te perguntaram num debate se eras socialista, comunista ou o quê, e a tua resposta, meio que desviando do assunto, foi: sou um humanista. Uma resposta inteligente.

Tarso Genro: Isso foi em 1992, no meu primeiro mandato. A pergunta foi se eu era religioso. E respondi que eu me pautava (como sigo me pautando) por uma visão humanista, ancorada em toda uma experiência democrática. Essas questões de natureza filosófica estão muito subsumidas hoje.

Eu compartilho a visão de um marxista húngaro discípulo de Lukács, István Mészáros, que sustenta que o grande problema das sociedades pós-capitalistas (ele se recusa de chamá-las de socialistas) é que elas não romperam com alguns elementos centrais do capitalismo. Em primeiro ligar, diz ele, não romperam com o sociometabolismo do capital, que é a forma de produzir e acumular. No caso da União Soviética, por exemplo, essa forma foi transferida dos sujeitos privados para o Estado, que adotou as mesmas formas de produção e de exploração que pretendia abolir, gerando uma relação que reproduziu hierarquia, valor, consumo e predação da natureza. Isso acabou gerando as condições para que o capital voltasse para mãos privadas, como ocorreu na hoje extinta União Soviética.

Em segundo lugar, não rompeu com as formas centralizadas e autoritárias de produção da política, acabando por extinguir a política que se dava fora do Estado e fora do partido, desconstituindo assim a sociedade civil. Isso tem a ver com o que estamos falando sobre o consumismo. A filosofia do consumo é hoje “a filosofia oficial do Estado”, por meio da qual ele resolve seus problemas econômicos. Quanto mais as pessoas consumirem, melhor. Um dos grandes problemas que enfrentamos aí é que, na verdade, esse incentivo ao consumo deveria existir para que as pessoas atendessem às suas necessidades básicas. Mas isso é impossível dentro da sociedade capitalista que estimula tanto a produção de automóveis de luxo, como a produção de arados, na mesma intensidade. Se você pensar em um modelo produtivo voltado a atender às necessidades mais básicas da sociedade, certamente vai se chocar com interesses poderosos dessa sociedade. Essa é a realidade que vivemos hoje.

Ainda neste tema da deterioração da experiência soviética, gostaria que você falasse um pouco de sua experiência no México, onde viveu durante muitos anos.

Flávio Tavares: Aprendi muito no México, mas, do ponto de vista político, aprendi fundamentalmente como é possível, com habilidade, dirigir um povo de cima para baixo e imprimir um regime monárquico travestido de republicano, como acabou fazendo o PRI (Partido Revolucionário Institucional). Aprendi como funciona o poder autoritário de uma burocracia, simulando o poder popular. No México ocorreu isso, uma simulação de poder popular por uma burocracia. Algo um pouco parecido com o que acontece aqui no Brasil, com diferenças, mas com algumas semelhanças. O PRI, logo no início da Revolução, copiou o modelo soviético, com os sindicatos e os movimentos populares  vinculados ao Estado.

Tarso Genro: Sim. O Partido Revolucionário Institucional constava na Constituição mexicana naquela época como o partido dirigente. Era produto de uma revolução que depois foi se degenerando e se burocratizando.

Flávio Tavares: As coisas não se repetem, mas depois vou encontrar outra situação na Argentina. Eu cheguei na Argentina logo depois da morte de Perón e presenciei aquele período de caos no peronismo, com a esquerda e a direita do partido se matando entre si. E a direita matava mais do que a esquerda. Ela matava dez, enquanto a esquerda matava um. Um clima de guerra civil, que explica o golpe, aliás. O golpe foi fruto da fratura interna do peronismo. Há um componente psicológico que também precisa ser levado em conta aí. Há um sentimento de ódio muito impregnado na política e na própria História argentina. Aqui no Brasil, está começando a surgir esse fenômeno também, embora o nosso ódio ainda seja tênue perto do argentino.

Tarso Genro: Todas essas referências históricas, na minha opinião, apontam para um problema que segue atual e contemporâneo: como dar densidade a um projeto nacional no âmbito da globalização sob a tutela do capital financeiro? O desafio para a esquerda segue o mesmo, mas com outra qualidade. Como construir uma ideia de nação que não parta de uma ruptura com a ordem mundial, mas ao mesmo tempo estabeleça uma relação de cooperação ativa e soberana com essa ordem? O grande bloqueio que existe é que a necessidade de acumulação de capital, particularmente, hoje, de capital financeiro, ela é infinita. Ou partimos para uma nova ordem mundial, uma demanda mais do que madura, ou essa alternativa não será possível.

Flávio Tavares: Perfeito. Concordo, mas aí nós caímos na questão anterior. Pergunto:  uma nova ordem mundial é possível hoje com essa avalanche da sociedade de consumo? Tudo o que nós temos hoje, daqui a meia hora estará obsoleto. Essa dinâmica que a sociedade de consumo deu a si própria é infernal.

Tarso Genro: Sobre isso, eu não sou menos pessimista do que tu. Eu me seguro na utopia, na esperança.

Flávio Tavares: Acho que nós, das esquerdas, precisamos reformular inclusive o nosso conceito sobre o que é ser de esquerda. Antes de 64, isso era muito fácil. Havia a União Soviética de um lado e os Estados Unidos de outro, embora nós que não éramos ligados organicamente ao Partido Comunista, sempre tínhamos que enfrentar o tema do cadáver insepulto que era a União Soviética. O stalinismo foi a morte do comunismo até em termos reais. Como dizia o Werner Becker: ninguém matou mais comunista que o Stálin. Mesmo assim, naquela época, as posições eram mais claras e estavam ali: tomar Coca-Cola ou não tomar Coca-Cola. Os politizados não tomavam Coca-Cola. O que é mesmo que nos define hoje no meio desse império de consumismo?

Tarso Genro: Esse império virou um exército de ocupação da subjetividade.

Flavio Tavares: Sim, perfeita síntese. Ele está dentro de nós.

Tarso Genro: Eu concordo que essa questão sobre o que é ser de esquerda não é a mesma que estava colocada, por exemplo, na década de 60. Lembro de um grande debate que houve, quando o falecido Leandro Konder voltou ao Brasil. Ele participou de um debate, se não me engano com o José Guilherme Merquior, um jovem e brilhante crítico literário de direita na época, que chegou a fazer os discursos do general Figueiredo num determinado período. Leandro Konder já estava naquela linha da defesa de uma reforma da ideologia clássica do Partidão, numa visão mais próxima do Berlinguer, do Lucio Magri e outros nomes do comunismo italiano. Neste debate apareceu essa questão da distinção entre esquerda e direita. Lá pelas tantas, o Merquior perguntou ao Leandro Konder: “Na tua opinião, o Brejnev é de esquerda?”. Konder parou um pouquinho, pensou, e replicou: “Em termos…” Neste momento ela reconhecia que os marcos desse debate tinham mudado de lugar.

Norberto Bobbio tem um pequeno livro maravilhoso sobre esse tema. Um amigo meu me define como um “marxista bobbiano”. Bobbio não é um marxista, mas é um grande teórico da democracia, da política e do Estado. Acho que o encontro de Marx com Bobbio pode resultar em algo de novo para a democracia. Bobbio defende algumas distinções básicas entre a esquerda e a direita. Por exemplo, a direita privilegia a hierarquia, enquanto a esquerda privilegia a igualdade entre as pessoas. A direita normalmente chega na política através de critérios quantitativos economicistas; a esquerda chega na política por meio de critérios humanistas e libertários, para depois chegar na economia…

Flavio Tavares: Essa era a esquerda de antes…

Tarso Genro: Sim, estou falando em termos gerais, por que até hoje existe esquerda e direita, inclusive dentro dos partidos de esquerda. Acho que houve uma mudança grande sim. Mudou o invólucro político do significado dessa distinção. Mas o núcleo racional do “ser de esquerda”, como uma ideia libertária, democrática e revolucionária, permanece.

quarta-feira, abril 22, 2015

9% da população mundial viverá nas 41 megacidades (aquelas com mais de 10 milhões de habitantes) em 2030


A urbanização e o crescimento das megacidades, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em abril 22, 2015 por 
urbanização mundial e megacidades - 1950

[EcoDebate] A revista britânica The Economist publicou um mapa interativo com a evolução da urbanização mundial e das cidades globais no mundo entre 1950 e 2030. Em 1950, 7 em cada 10 habitantes viviam em áreas rurais (70,4%).
Dos 29,6% habitantes das zonas urbanas, a maior quantidade (17,7%) vivia em cidades com menos de 300 mil habitantes. As cidades entre 300 mil e 500 mil habitantes abarcavam apenas 2% da população mundial. As cidades entre 500 mil e um milhão de habitantes abarcavam 2,6% da população mundial. Aquelas entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes abrigavam 5,1% da população mundial. As cidades entre 5 milhões e 10 milhões de habitantes absorviam 1,3% da população mundial.
Em 1950. as megacidades, aquelas com mais de 10 milhões de habitantes abarcavam somente 0,9% da população mundial. Somente as áreas metropolitanas de Nova Iorque e Tóquio estavam classificadas nesta última categoria. O maior município do Brasil, em 1950, era a cidade do Rio de Janeiro, com 2,4 milhões de habitantes, superando São Paulo que tinha 2,2 milhões de habitantes.

urbanização mundial e megacidades - 2000

No ano 2000, a percentagem da população rural caiu para 53,4%. Dos 46,6% habitantes das zonas urbanas na virada do milênio, a maior quantidade (21,9%) ainda viviam em cidades com menos de 300 mil habitantes. As cidades entre 300 mil e 500 mil habitantes passaram a abarcar 3,1% da população mundial. As cidades entre 500 mil e um milhão de habitantes abarcavam 4,3% da população mundial. Aquelas entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes abrigavam 9,8% da população mundial. As cidades entre 5 milhões e 10 milhões de habitantes absorviam 3,4% da população mundial. As megacidades, aquelas com mais de 10 milhões de habitantes deram um grande salto para 4,2% da população mundial.
A China e a Índia foram os países que apresentaram o maior número de megacidades no ano 2000. Na América Latina, as áreas metropolitanas do México, São Paulo, Riio de Janeiro e Buenos Aires passaram a ser consideradas megacidades, assim como a cidade do Cairo na África.
As projeções para o ano 2030 indicam uma maioria da população urbana (60%) sobre a rural (40%), sendo que 23% devem estar nas cidades com menos de 300 mil habitantes. As cidades entre 300 mil e 500 mil habitantes devem abarcar 3,8% da população mundial. As cidades entre 500 mil e um milhão de habitantes devem absorver 6,1% da população mundial. Aquelas entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes devem abrigar 13,4% da população mundial. As cidades entre 5 milhões e 10 milhões de habitantes devem ser abrigo de 5,2% da população mundial. As megacidades com mais de 10 milhões de habitantes devem chegar à casa de 8,6% da população mundial.
Quase 9% da população mundial viverá nas 41 megacidades (aqueles com mais de 10 milhões de habitantes) em 2030. A Ásia será responsável por mais da metade da 29 megacidades do mundo. Mas é na África que deve ocorrer o maior crescimento demográfico e a urbanização mais rápida. Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, verá a sua população aumentar cem vezes a partir de 200 mil habitantes em 1950 para cerca de 20 milhões de habitantes na projeção para 2030. Lagos, a cidade mais populosa da Nigéria, terá mais de 24 milhões de residentes em 2030, assim como Cairo no Egito.

urbanização mundial e megacidades - 2030

Como mostraram Martine, Alves e Cavenaghi (2013), a transição urbana acontece de forma sincrônica com a transição demográfica, sendo que ambas abrem uma grande janela de oportunidade para a melhoria das condições de vida de todos os cidadãos do mundo. Por exemplo, a esperança de vida ao nascer da população mundial passou de 47 anos no quinquênio 1950-55 para 70 anos no quinquênio 2010-15. A mortalidade infantil caiu de 135 por mil para 37 por mil no mesmo período. Também houve aumento da renda e dos níveis educacionais dos habitantes do globo neste período. Portanto, o processo de urbanização e de crescimento das megacidades tem sido acompanhado por maiores direitos e avanços de cidadania em relação àqueles das populações rurais.
Porém, o crescimento exponencial da população e da economia tem provocado uma deterioração das condições ambientais do planeta, o que já está comprometendo o futuro do progresso civilizacional, diante de uma natureza devastada. Diversos estudos mostram que a concentração urbana é menos danosa do que o espraiamento demográfico suburbano e rural. Mas os desafios gerados pela especulação imobiliária, pela imobilidade urbana, pela segregação habitacional, pela demanda de serviços ambientais e pela poluição exigem soluções urgentes para evitar que as grandes cidades virem um barril de pólvora, que pode explodir detonando as condições de vida humana e não-humana do Planeta.
Referência:
The Economist. Urbanisation and the rise of the megacity, Feb 4th 2015
http://www.economist.com/node/21642053
George Martine, Jose Eustaquio Alves, Suzana Cavenaghi. Urbanization and fertility decline: Cashing in on Structural Change, IIED Working Paper. IIED, London, December 2013. ISBN 978-1-84369-995-8
http://pubs.iied.org/10653IIED.html?k=Martine%20et%20al
http://pubs.iied.org/pdfs/10653IIED.pdf

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Publicado no Portal EcoDebate, 22/04/2015
"A urbanização e o crescimento das megacidades, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in Portal EcoDebate, 22/04/2015, http://www.ecodebate.com.br/2015/04/22/a-urbanizacao-e-o-crescimento-das-megacidades-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

quarta-feira, abril 15, 2015

Brasil: ainda a “esperança no óleo redentor”


A roça e a mina. 'O mito do pré-sal está afundando o Brasil'. Entrevista especial com José Eustáquio Alves

“As esperanças do ‘Brasil do Futuro’ foram depositadas nas camadas profundas do pré-sal e muita gente acreditou neste conto de fadas”, lamenta o demógrafo.
“Tudo indica que, mesmo com pré-sal, teremos uma outra década perdida e um agravamento da pobreza e das condições sociais”, frisa José Eustáquio Alves à IHU On-Line. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o doutor em demografia critica o discurso que associa as reservas de pré-sal encontradas no país com a ideia de “passaporte do futuro”. Segundo ele, apesar das evidências de que os ganhos com o pré-sal ainda não podem ser vislumbrados, o pré-sal tem sido pouco questionado “porque abriu-se a possibilidade de muita gente ganhar dinheiro. O governo montou a estratégia de criar ‘campeões nacionais’ e promover o ‘conteúdo nacional’. Isto abriria a possibilidade de fortalecer muitas empresas – especialmente as empreiteiras – dinamizando toda a cadeia produtiva ligada aos combustíveis fósseis”.
José Eustáquio Alves lembra que o sonho de desenvolver o país com base nos recursos do pré-sal são antigos e surgiu há mais de meio século, com a “esperança no óleo redentor”, em 1953, com a criação da Petrobras, no governo Vargas. “Até o afamado Paulo Maluf criou a Paulipetro e gastou alguns bilhões de dólares para o engrandecimento de São Paulo, embora nenhuma jazida de petróleo descoberta fosse tecnológica e economicamente viável para a exploração”, comenta. Ao longo desse período, informa, as “jazidas pré-salinas foram apresentadas como o resgate do sonho da independência energética e como um ‘bilhete premiado’ que iria tirar os pobres brasileiros das míseras condições de vida, distribuindo saúde e educação para todos. O Brasil seria a Arábia Saudita tropical vivendo à custa das riquezas abissais”.
Na avaliação do pesquisador, depois de adotar um “keynesianismo vulgar”, “parece que o governo federal está perdido e, além do ajuste fiscal, não tem um projeto viável e esperançoso para oferecer ao país”.
José Eustáquio Alves é doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE.
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são as origens desse discurso de que o pré-sal poderia garantir o progresso e o desenvolvimento do Brasil? Em que contexto esse discurso foi elaborado?

José Eustáquio Alves - As origens são antigas. O uso doscombustíveis fósseis como motor do desenvolvimento vem ocorrendo de maneira sistemática desde 1776, quando entrou em operação a primeira máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt. A generalização do uso do carvão mineral como fonte de energia extrassomática (na indústria, no transporte, na agricultura, etc.) foi o catalisador da primeira Revolução Industrial. A utilização do petróleo (Edwin L. Drake perfurou o primeiro poço nos Estados Unidos em 1859) foi o catalisador da segunda Revolução Industrial no último quarto do século XIX. Nestes quase 240 anos (1776-2015) a população mundial cresceu nove vezes e a economia cresceu 120 vezes. A renda per capita cresceu 13 vezes. Ou seja, um operário médio, hoje em dia, ganha em um mês o equivalente ao que um operário pré-industrial ganhava em um ano, incluindo décimo terceiro salário. Foram os combustíveis fósseis que possibilitaram o crescimento da renda e do consumo, viabilizando a redução das taxas de mortalidade, a elevação dos níveis educacionais, a melhoria nas condições de moradia, etc. Em todo o mundo, o progresso humano é tributário da energia fóssil.
O Brasil não é diferente e também se beneficiou, mesmo que em menor proporção, das energias fósseis. Monteiro Lobato escreveu, em 1937, o livro “O Poço do Visconde”, no qual afirmava que havia petróleo no Brasil para impulsionar o desenvolvimento do país. A campanha do “Petróleo é nosso” viabilizou a criação da Petrobras, em 1953, no governo Vargas, objetivando o impulso da industrialização brasileira. Até o afamado Paulo Maluf criou aPaulipetro e gastou alguns bilhões de dólares para o engrandecimento de São Paulo, embora nenhuma jazida de petróleo descoberta fosse tecnológica e economicamente viável para a exploração.
É neste contexto de mais de meio século de esperança no óleo redentor que surge o pré-sal. As jazidas pré-salinas foram apresentadas como o resgate do sonho da independência energética e como um “bilhete premiado” que iria tirar os pobres brasileiros das míseras condições de vida, distribuindo saúde e educação para todos. O Brasil seria a Arábia Saudita tropical vivendo à custa das riquezas abissais. Quem não sonha em ganhar milhões na loteria ou receber uma grande herança da “Mãe” natureza?

"Os recursos da educação deveriam ser garantidos independentemente do pré-sal"

IHU On-Line - Em que medida a perspectiva de desenvolvimento a partir do pré-sal é uma atualização do mito de Eldorado?
José Eustáquio Alves - A descoberta de ouro e prata nas colônias espanholas da América estimulou os aventureiros portugueses e europeus a procurar riquezas minerais no Brasil, pois o mito do Eldorado se alimenta do sonho da riqueza fácil. Mas, desde a chegada de Pedro Álvares Cabral, gastaram-se dois séculos até que os bandeirantes descobrissem ouro em Vila Rica e diamantes em Diamantina, ambas cidades das Minas Gerais. A carta de Pero Vaz de Caminha falava da facilidade da riqueza agrícola: “em se plantando tudo dá”. Estes dois mitos fizeram do Brasil a pátria da “roça e da mina”. Já houve vários ciclos de exportação de produtos do campo e de minérios. Hoje em dia, a roça é o agronegócio e a mina é o pré-sal.
IHU On-Line - Por que o senhor se refere ao pré-sal como a “mistificação que está afundando o Brasil”? 
José Eustáquio Alves - A “roça e a mina” estão afundando o Brasil porque estão promovendo uma “especialização regressiva” na estrutura econômica do país. Isto é, o Brasil passa por um processo de desindustrialização precoce e uma reprimarização das atividades produtivas. Este grave retrocesso no desenvolvimento industrial não entrou no centro das preocupações nacionais enquanto houve o boom das commodities. Durante os anos de 2004 a 2010 o Brasil conseguiu acumular reservas internacionais, reduzir a dependência do Fundo Monetário Internacional (e das finanças internacionais), manter a inflação dentro dos limites da meta, reduzir o desemprego e promover políticas públicas pró-pobre. A despeito da imobilidade urbana e do “carmagedon”, a ilusão do conforto, do bem-estar e do consumo da “nova classe média” garantiu a governabilidade para o presidencialismo de coalizão e deu a impressão de que o PT tinha um projeto de nação. Mas na realidade existia apenas um “projeto de poder” e tudo indica que, mesmo com pré-sal, teremos uma outra década perdida e um agravamento da pobreza e das condições sociais.
IHU On-Line - O senhor afirma em seu artigo que a “ideia do pré-sal como ‘bilhete premiado’ sempre foi equivocada”. Por que essa “ideia” fomentada pelo governo é pouco questionada?
José Eustáquio Alves - Bertolt Brecht dizia: "Infeliz a nação que precisa de heróis". Parafraseando Brecht, podemos dizer: “Infeliz a nação que precisa de um ‘bilhete premiado’”. A ideia do “passaporte para o futuro” foi pouco questionada porque abriu-se a possibilidade de muita gente ganhar dinheiro com o pré-sal. O governo montou a estratégia de criar “campeões nacionais” e promover o “conteúdo nacional”. Isto abriria a possibilidade de fortalecer muitas empresas – especialmente as empreiteiras – dinamizando toda a cadeia produtiva ligada aos combustíveis fósseis.
Por exemplo, as contratações de sondas de perfuração e equipamentos para as plataformas reativaria a indústria naval, que demandaria produtos da indústria siderúrgica, que demandaria máquinas e equipamentos, que abriria espaço para a engenharia e os avanços tecnológicos da pesquisa científica. Tudo isto estava gerando emprego, impostos, renda para os municípios e novas oportunidades de negócios em diversas áreas do território nacional. Todas as fichas do desenvolvimento brasileiro estavam colocadas na ampliação da produção e refino de petróleo. Havia refinarias em construção no Rio de Janeiro (Comperj) e Pernambuco (Abreu e Lima) e outras duas previstas para o Ceará e o Maranhão. Portanto, os recursos do pré-sal eram vistos como a redenção do Brasil e o fio condutor do desenvolvimento nacional. As esperanças do “Brasil do Futuro” foram depositadas nas camadas profundas do pré-sal e muita gente acreditou neste conto de fadas.

"É estranho que o governo de uma mulher na Presidência tenha lançado o refrão: 'Pátria educadora'. No mínimo, por questões de gênero, deveria ser 'Mátria educadora' ou 'Frátria educadora'"

IHU On-Line - Como avalia o discurso do ex-presidente Lula em relação ao uso dos recursos do pré-sal para a educação?
José Eustáquio Alves - Avalio como um erro duplo. Os recursos da educação deveriam ser garantidos independentemente do pré-sal. Mas este discurso de vincular royalties à educação visa muito mais a legitimar a produção abissal de petróleo do que solucionar os problemas da política educacional do governo (PEG). Por exemplo, o senador Cristovam Buarque, perguntado pelo jornal Zero Hora (01-03-2015) se achava arriscado vincular a educação brasileira ao pré-sal, disse: “Não é arriscado, é absurdo. Veja bem, é certo reservar o pré-sal para a educação, mas é absurdo vincular a educação ao pré-sal. Primeiro, porque ninguém sabe se vem esse dinheiro. Segundo, ninguém sabe quanto é. Terceiro, se vier, vai demorar muito. Com o preço atual do petróleo, o pré-sal não tem possibilidade de ser explorado. Não compensa. E, com a crise atual da Petrobras, não vejo como vai se explorar o pré-sal”.
Reportagem do jornal Valor (09-04-2015) mostra que em 2014, a despeito do aumento da produção do pré-sal, foram repassados apenas R$ 33,7 milhões para saúde e educação, sendo que o governo havia orçado R$ 12 bilhões. É estranho que o governo de uma mulher na Presidência tenha lançado o refrão: “Pátria educadora”. No mínimo, por questões de gênero, deveria ser “Mátria educadora” ou “Frátria educadora”. Mas a educação brasileira está longe de atingir níveis de qualidade já atingidos por países tipo Chile, Uruguai, etc. Relatório da UNESCO (08-04-215) mostra que o Brasil cumpriu apenas duas das seis metas mundiais para a educação. Infelizmente, o governo tem prometido muitos recursos para o futuro da educação advindos do pré-sal, mas no presente tem cortado verbas do ministério no dia a dia.
IHU On-Line - Quais são as diferenças entre os conceitos de jazida e reserva de petróleo e entre reserva provada e reserva estimada? Essas distinções não foram sinalizadas adequadamente?
José Eustáquio Alves - De maneira simplificada pode-se dizer que a jazida é toda a quantidade de combustíveis fósseis existentes na camada de pré-sal, enquanto a reserva é o recurso disponível para exploração e que pode ser produzido economicamente, em função de custos, demanda e preços do momento. Uma reserva não possui um valor econômico em si, mas só adquire valor após a necessária avaliação. Uma reserva estimada só passa a ser provada depois que a decisão de investir é tomada pela comprovação da exequibilidade técnico-econômica para o aproveitamento, como medida de rentabilidade ou de remuneração do capital investido. No Brasil, não há dúvidas de que as decisões de investir no pré-sal tiveram um componente político maior do que o desejado em relação à avaliação técnica.

"O Brasil cumpriu apenas duas das seis metas mundiais para a educação"

IHU On-Line - Economicamente, as reservas de pré-sal são viáveis?
José Eustáquio Alves - Depende de vários fatores. Em primeiro lugar, depende do preço internacional do petróleo. Artigo de Fred Pearce (E360, Yale), de 13-01-2015, mostra que o preço de equilíbrio (break-even) do barril do petróleo para o retorno dos investimentos no pré-sal está em torno de US$ 120,00. Também depende do custo envolvido na exploração e no refino. Reportagem do jornal O Globo (07-04-2015) mostra que aPetrobras estimou que o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí (RJ), deve gerar um prejuízo mínimo de US$ 14,3 bilhões (R$ 44,8 bilhões) aos cofres da companhia. A Petrobras considera que os recursos já investidos não teriam mais como ser recuperados. Isto vale para vários outros projetos megalomaníacos superdimensionados. Não há recursos advindos do pré-sal que deem conta de tanto desperdício, corrupção e ineficiência.
IHU On-Line - É possível estimar em quanto tempo o país poderia se beneficiar dos recursos do pré-sal?
José Eustáquio Alves - Creio que, no momento, não dá para estimar. Para que o pré-sal dê lucro é preciso uma grande reestruturação da Petrobras e um aumento significativo no preço do petróleo no mercado internacional.
IHU On-Line - Como fica o sonho de extração do pré-sal na atual conjuntura econômica da Petrobras, que já contraiu uma dívida que é duas vezes maior que o valor da empresa?
José Eustáquio Alves - Para manter a extração do petróleo das profundezas abissais a Petrobras está programando a venda de ativos e propriedades da empresa no valor de US$ 13,7 bilhões (ou quase R$ 40 bilhões de reais). Segundo a companhia, o valor foi aprovado pela diretoria executiva no final de fevereiro. A Petrobras está usando o termo desinvestimento para tal situação. Mas, evidentemente, trata-se de um processo de privatização, que tornou-se necessária diante do endividamento líquido da companhia. Além disso, a Petrobras tem buscado financiamento na China, país que tem interesse em garantir fontes de abastecimento de longo prazo de combustíveis fósseis. Na busca da independência energética do pré-sal, o Brasil está aumentando a dependência financeira em relação à China.

"O Brasil vive uma situação de estagflação econômica e de 'estagflação climática'"

IHU On-Line - Como entende o discurso brasileiro de investir no petróleo, numa época em que o mundo condena os recursos do petróleo e que o preço dele vem caindo?
José Eustáquio Alves - Com a queda do preço dos combustíveis fósseis várias companhias petrolíferas estão tendo prejuízos e estão apresentando quedas no valor do patrimônio nas bolsas de valores. Além disso, existe uma campanha internacional pelo “Desinvestimento em combustíveis fósseis”. A campanha pelo desinvestimento cobra de governos, empresas e instituições a retirada de recursos ampliados em produção de combustíveis fósseis. A bolha de carbono é um perigo tanto para o clima quanto para o capital dos investidores. O dia 15 de fevereiro foi definido como “Dia Mundial do Desinvestimento” em combustíveis fósseis.
IHU On-Line - Que modelo energético e de desenvolvimento o Brasil deveria adotar, tendo em vista o atual cenário de mudanças climáticas?
José Eustáquio Alves - O Brasil está passando por uma crise energética. Além dos problemas da Petrobras, o setor elétrico também está em crise com aumento do preço da energia e com baixa do volume dos reservatórios, que estão, em média, com capacidade abaixo de 30%, nível inferior ao do mesmo período de 2001, ano do apagão. Para evitar os riscos de desabastecimento, inevitavelmente o país terá de continuar expandindo o uso de usinas térmicas, que geram energia mais cara e mais poluente. O Brasil tem sido vítima das mudanças do clima que afetam as regiões Sudeste e Nordeste com aumento da seca. Mas ao mesmo tempo o país tem aumentado as emissões de gases de efeito estufa (GEE) devido ao aumento do desmatamento e à queima de combustíveis fósseis usados nas termelétricas.
Evidentemente, teria sido muito mais prudente e saudável se o Brasil tivesse investido parte da fortuna gasta da cadeia do petróleo em energias renováveis, como energia solar, eólica, geotérmica, das ondas, etc. O futuro da matriz energética brasileira não está nas hidrelétricas projetadas para a Amazônia (verdadeiros crimes ecológicos), mas na difusão descentralizada das energias renováveis, possibilitando que os cidadãos e as comunidades consumam e produzam suas próprias energias vindas do sol e do vento. Precisamos espalhar os presumidores (produtores e consumidores) empoderando a população brasileira, democratizando a matriz energética e evitando as falcatruas dos grandes projetos megalomaníacos.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
José Eustáquio Alves - Os combustíveis fósseis foram responsáveis pelo sucesso do desenvolvimento global nos últimos 240 anos. Mas também foram responsáveis pelo aumento da poluição e do aquecimento global. A continuidade da queima indiscriminada de energia fóssil pode comprometer o futuro da vida no Planeta. No século XXI, é preciso superar a Era do Petróleo e investir em energias renováveis. O Brasil deu um passo atrás no processo de descarbonização de sua matriz energética. Tudo indica que a Política Nacional de Mudança do Clima, de 2009, não alcançará os resultados esperados. Isto enfraquecerá a posição brasileira na COP-21 que ocorrerá em dezembro de 2015, em Paris.
Infelizmente, o Brasil, que tem o maior superávit ambiental do mundo (pegada ecológica per capita bem menor do que a biocapacidade per capita), tem desperdiçado o seu potencial de produção de energia limpa. A mistificação do pré-sal está afundando o Brasil, tanto em termos econômicos quanto em termos climáticos. O Brasil vive uma situação de estagflação econômica e de “estagflação climática”. Depois do fracasso do “keynesianismo vulgar” (expressão do ministro Mangabeira Unger para se referir às políticas econômicas do primeiro governo Dilma Rousseff), parece que o governo federal está perdido e, além do ajuste fiscal, não tem um projeto viável e esperançoso para oferecer ao país.

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