Os
bancos privados plantam “estudos sérios” pelas editorias de economia dos meios
de comunicação, onde pretendem mostrar que a maior parcela do “spread” cobrado
pelos bancos é causada pela inadimplência e pelos tributos. Mas a verdade dos
fatos aponta para outra direção.
por Paulo Kliass
No início da campanha para as eleições
presidenciais na França, o candidato socialista François Hollande saiu-se com
uma declaração que reflete bem o poder real exercido pelo mundo das finanças
nos tempos atuais. Cercado por países da União Européia que tiveram seus
governantes pressionados pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) a aprofundarem as receitas recessivas para a crise
econômica, o candidato radicalizou, afirmando:
“Meu adversário, meu verdadeiro
adversário, não tem nome, rosto ou partido. Nunca apresentará sua candidatura
e, por conseguinte, não sairá eleito. No entanto, esse adversário governa. Esse
adversário é o mundo das finanças.”
Parece óbvio que tal constatação pode
ser aplicada também para países que estão mais afastados do epicentro da crise
européia. Aliás, uma das principais características do capitalismo
contemporâneo é justamente essa tendência à supremacia do setor financeiro
sobre os demais ramos de atividade econômica – a chamada financeirização da
sociedade. A ponto de nos causar esse receio, tão bem expresso pelo pretendente
do PS francês. Por outro lado, um aspecto que chama a atenção é a profunda
amarração de interesses entre esse setor e os espaços de tomada de decisão na
esfera do Estado. E também a entranhada articulação com os centros de formação
de opinião, a exemplo das corporações dos meios de comunicação.
As verdades são criadas, as versões
transformam-se em dogmas inquestionáveis e as soluções apresentadas como
“técnicas e neutras” são vendidas como fatos consensuais e elementares no meio
dos supostos especialistas. É disso que se trata quando a absoluta maioria dos
jornais, rádios, canais de televisão e revistas semanais apresentam quase
sempre a mesma opinião sobre temas tão sensíveis para a política econômica. As
fontes consultadas são as de sempre e a opinião dos economistas só reflete
aquela dos profissionais vinculados ao “establishment” financeiro. E assim são
gerados os famosos mitos e tabus:
i) o superávit primário é uma
necessidade inescapável; ii) a política de metas de inflação deve sempre mirar
o centro, esquecendo-se da margem flexível; iii) não há evidências de processo
de desindustrialização em nosso País; iv) a desoneração da folha de pagamento é
uma exigência para aumentar a eficiência de nossas empresas; v) o aumento do
salário mínimo é o principal responsável pela perigosa elevação dos gastos
públicos; vi) o “mercado” exige tal ou qual decisão por parte do COPOM; vii) os
níveis do “spread” bancário praticado em nossas terras está no mesmo patamar do
resto do mundo. E por aí vão as abobrinhas sempre repetidas “ad nauseam”, mas
contribuindo para a (de)formação da opinião pública a respeito de tais
assuntos.
A resistência em baixar os juros
A conjuntura atual pode ser interpretada à luz de tais instrumentos. Todos nos lembramos da recente decisão assumida pela Presidenta Dilma, no sentido de que os bancos públicos oficiais tomassem a iniciativa de reduzirem as taxas de juros em suas operações na ponta, com os clientes. Isso porque estava mais do que óbvio que as sucessivas reduções na taxa SELIC não estavam sendo sentidas pelos indivíduos e empresas em suas operações do dia-a-dia com o sistema financeiro. Finalmente, depois de quase uma década, parecia que a esperança havia superado o medo. Porém, passados alguns dias, o que se percebe é que até o momento houve muito estardalhaço, mas a ação efetiva ainda deixa muito a desejar.
A conjuntura atual pode ser interpretada à luz de tais instrumentos. Todos nos lembramos da recente decisão assumida pela Presidenta Dilma, no sentido de que os bancos públicos oficiais tomassem a iniciativa de reduzirem as taxas de juros em suas operações na ponta, com os clientes. Isso porque estava mais do que óbvio que as sucessivas reduções na taxa SELIC não estavam sendo sentidas pelos indivíduos e empresas em suas operações do dia-a-dia com o sistema financeiro. Finalmente, depois de quase uma década, parecia que a esperança havia superado o medo. Porém, passados alguns dias, o que se percebe é que até o momento houve muito estardalhaço, mas a ação efetiva ainda deixa muito a desejar.
A Caixa Econômica Federal (CEF) foi um
pouco mais ativa em seguir a recomendação, mas o Banco do Brasil (BB) continuou
a divulgar muito e fazer pouco. Os argumentos são os mais estapafúrdios, dentre
eles o fato do BB ter suas ações cotadas nas Bolsas de Valores e, portanto, não
poder reduzir o seu “spread” e seus lucros. É inconcebível que uma empresa
estatal, subordinada ao Ministério da Fazenda (MF), se recuse a cumprir
orientações superiores, em especial quando se trata de reforçar sua
característica de instituição pública.
A reação do sistema financeiro privado também foi imediata. Temendo a concorrência a ser colocada em ação pela CEF e pelo BB, a banca privada saiu em campanha contra a decisão do governo. O atual presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, declarou que os bancos privados estavam operando no limite de sua rentabilidade e não tinham condições de reduzir o “spread” praticado – coitadinhos.... Com isso, os banqueiros tentavam passar o recado, por meio de seu interlocutor institucional, de que haviam feito tudo que podiam e que, para avançar mais, precisavam de mais benesses, e que a partir de então “a bola estava com o governo”. A estratégia pegou mal e parece que só teria reforçado a disposição da Presidenta em seguir com a queda de braço. Veremos a seqüência dos acontecimentos.
A reação do sistema financeiro privado também foi imediata. Temendo a concorrência a ser colocada em ação pela CEF e pelo BB, a banca privada saiu em campanha contra a decisão do governo. O atual presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, declarou que os bancos privados estavam operando no limite de sua rentabilidade e não tinham condições de reduzir o “spread” praticado – coitadinhos.... Com isso, os banqueiros tentavam passar o recado, por meio de seu interlocutor institucional, de que haviam feito tudo que podiam e que, para avançar mais, precisavam de mais benesses, e que a partir de então “a bola estava com o governo”. A estratégia pegou mal e parece que só teria reforçado a disposição da Presidenta em seguir com a queda de braço. Veremos a seqüência dos acontecimentos.
Sobre a intrincada relação de
interesses, vale recordar que Murilo Portugal ocupou cargos de primeira linha
nos governos de FHC/Malan e Lula/Palocci. Foi Secretário do Tesouro Nacional
(1992-96), foi indicado pelo governo brasileiro para ocupar cargo de diretor
junto ao FMI e ao Banco Mundial (entre 1998 e 2005). E desde 2006 se apresenta
como funcionário do próprio FMI. Em 2011, ele substituiu o também economista
Fábio Barbosa no comando da federação dos banqueiros, que por sua vez passou a
ocupar o posto de Presidente Executivo do Grupo Abril. É impressionante a dança
das cadeiras entre postos-chaves no governo, no sistema financeiro e nas
comunicações.
Margens dos bancos são muito elevadas
Os bancos privados plantam “estudos sérios” pelas editorias de economia dos meios de comunicação, onde pretendem mostrar que a maior parcela do “spread” cobrado pelos bancos é causada pela inadimplência e pelos tributos. Ora, a verdade dos fatos é que, ao longo dos últimos anos, as instituições financeiras sempre se mantiveram em primeiro lugar no quesito “lucros anuais” das empresas atuando por aqui. Apenas alguns exemplos recentes são bem ilustrativos. Em 2011, os 10 maiores bancos registraram um lucro líquido acumulado de R$ 58 bilhões. Em 2010, dos 10 maiores lucros apresentados por empresas no Brasil, 8 eram relativos a bancos, que ocupavam da terceira à décima posição. Em 2009, dos 10 maiores lucros, 7 eram proporcionados também pelas instituições bancárias. Além disso, estudo recente realizado pelo DIEESE demonstra que os níveis de “spread” aqui praticados são imensos.
Os bancos privados plantam “estudos sérios” pelas editorias de economia dos meios de comunicação, onde pretendem mostrar que a maior parcela do “spread” cobrado pelos bancos é causada pela inadimplência e pelos tributos. Ora, a verdade dos fatos é que, ao longo dos últimos anos, as instituições financeiras sempre se mantiveram em primeiro lugar no quesito “lucros anuais” das empresas atuando por aqui. Apenas alguns exemplos recentes são bem ilustrativos. Em 2011, os 10 maiores bancos registraram um lucro líquido acumulado de R$ 58 bilhões. Em 2010, dos 10 maiores lucros apresentados por empresas no Brasil, 8 eram relativos a bancos, que ocupavam da terceira à décima posição. Em 2009, dos 10 maiores lucros, 7 eram proporcionados também pelas instituições bancárias. Além disso, estudo recente realizado pelo DIEESE demonstra que os níveis de “spread” aqui praticados são imensos.
Ora, com tal performance não há muito
do que reclamar. A verdade é que a obtenção de tal rentabilidade está completamente
associada a alguns fatores, todos derivados da enorme concentração de poder
entre alguns agentes gigantes do setor. A falta de regulação e fiscalização do
órgão responsável, o Banco Central (BC), sempre deixou os bancos completamente
à vontade para praticarem suas políticas empresariais extorsivas sobre o
conjunto da sociedade. Por outro lado, a política monetária de juros elevados
levou, ao longo de décadas, ao crescimento desproporcional do segmento.
Finalmente, a passividade frente aos abusos cometidos em termos de “spread” e
tarifas sobre serviços propiciou esse injustificável volume de acumulação de
ganhos no setor financeiro.
Se a Presidenta pretende mesmo marcar
sua presença na história brasileira como sendo patrocinadora de um ponto de inflexão
da financeirização, deve continuar enfrentando os interesses do financismo – a
assim chamada “guerra dos juros”. Ao contrário da imagem acima usada por
Hollande, as finanças têm cara, nome e endereço aqui nestas terras ao sul do
Equador. Aliás, tudo é até muito perigosamente mesclado com a formulação e a
implementação de políticas de Estado, nessa terrível tradição de misturar os
espaços do público e do privado. Basta lembrarmos a recente passagem, por oito
longos anos, do ex-presidente internacional do Bank of Boston, Henrique
Meirelles, ocupando a cadeira da presidência do Banco Central, a convite do
próprio Lula.
Amplo apoio social e político para
Dilma sustentar tal empreitada não deverá ser um problema, a exemplo do que
ficou demonstrado ao longo dos primeiros dias do anúncio de sua vontade de
baixar os juros. O problema é a disposição em dar continuidade a essa política,
forçando o BB a baixar efetivamente seus juros e obrigando o BC a baixar
medidas que tornem viável a portabilidade no interior do sistema. E,
principalmente, forçando a situação política para que os bancos incorporem essa
mudança de rentabilidade em seus balanços e passem a praticar margens menos
abusivas sobre seus clientes. A leitura dos resultados dos grupos do setor
financeiro evidencia que há muito espaço para, como eles mesmo gostam de usar
no jargão do mercado, levar a cabo a queima de suas gordurinhas.
Paulo
Kliass é Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas |
Debate Aberto, 26/04/2012
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