Ciência, tecnologia e inovação são
áreas em que, muitas das vezes, o gasto público deve ser encarado como
investimento a fundo perdido e onde não cabe a aplicação da contabilidade
restritiva de “retorno a curto prazo”. Os ganhos para o conjunto da sociedade
com os resultados desse tipo de investimento são geracionais, de longo prazo.
Paulo Kliass
A proximidade das eleições municipais
traz para o centro do debate alguns aspectos que são recorrentes para a grande
maioria da população, em especial para aqueles que moram nas capitais e nas
grandes cidades de nosso País. De acordo com o, levantamento dos órgãos
especializados, alguns dos assuntos considerados prioritários pelos eleitores
são os seguintes: i) saúde; ii) educação; iii) violência; iv) transportes.
Outros temas, igualmente presentes na
lista dos mais importantes, não são abordados com tanta ênfase no debate
eleitoral, uma vez que sua órbita de decisão escapa ao domínio de competência
jurídica e institucional dos prefeitos e vereadores. Seria o caso da taxa de
juros, da previdência social, de medidas de comércio exterior, entre outros.
Como nossa Constituição determina que são elementos de tratamento exclusivo
pela União, em anos de eleições municipais não se vislumbra possibilidade de
mudança em tais domínios.
Ciência, tecnologia e inovação: pouco
espaço na agenda
Porém, há um conjunto de outros assuntos de extrema relevância que não entram nem mesmo na pauta da política em tempos de voto para a Presidência da República e para os integrantes do Congresso Nacional. Um exemplo típico é o trinômio “ciência, tecnologia e inovação” (C, T & I), que tende a ser relegado a segundo ou terceiro planos, apesar de ser elemento essencial para qualquer debate a respeito de um projeto de nação. Ao que tudo indica, há uma grande resistência política em incorporar esses temas ao conjunto de políticas públicas. A lógica do resultado a curto prazo acaba prevalecendo, meio na base do ditado popular de que “vale mais a pena inaugurar ponte e estrada do que obra de saneamento”, pois os canos estão enterrados e não dão visibilidade para o governo de plantão. Uma tristeza de lógica e de racionalidade políticas, em que o bom desempenho eleitoral do candidato dependeria apenas dessa avaliação de uma boa “gestão de obras”. Mas que termina por comprometer a capacidade do País em solucionar gargalos importantes nas suas estruturas sociais e econômicas.
Porém, há um conjunto de outros assuntos de extrema relevância que não entram nem mesmo na pauta da política em tempos de voto para a Presidência da República e para os integrantes do Congresso Nacional. Um exemplo típico é o trinômio “ciência, tecnologia e inovação” (C, T & I), que tende a ser relegado a segundo ou terceiro planos, apesar de ser elemento essencial para qualquer debate a respeito de um projeto de nação. Ao que tudo indica, há uma grande resistência política em incorporar esses temas ao conjunto de políticas públicas. A lógica do resultado a curto prazo acaba prevalecendo, meio na base do ditado popular de que “vale mais a pena inaugurar ponte e estrada do que obra de saneamento”, pois os canos estão enterrados e não dão visibilidade para o governo de plantão. Uma tristeza de lógica e de racionalidade políticas, em que o bom desempenho eleitoral do candidato dependeria apenas dessa avaliação de uma boa “gestão de obras”. Mas que termina por comprometer a capacidade do País em solucionar gargalos importantes nas suas estruturas sociais e econômicas.
A lógica subjacente ao tratamento que
merece ser conferido ao C, T & I é bastante específica. Por se tratar de
uma área de despesa pública diferenciada, ela não pode ser submetida aos mesmos
critérios de avaliação utilizados pelo setor privado e nem mesmo pelos demais
setores do orçamento. Ciência, tecnologia e inovação são áreas em que, muitas
das vezes, o gasto público deve ser encarado como investimento a fundo perdido
e onde não cabe a aplicação da contabilidade restritiva de “retorno a curto
prazo”. Os ganhos para o conjunto da sociedade com os resultados desse tipo de
investimento são geracionais, de longo prazo.
Quando se menciona os temas de C, T
& I, normalmente imaginamos os assuntos de elevada complexidade teórica e
de alta sofisticação operacional. Somos remetidos tanto aos ramos de pesquisa
científica de vanguarda, quanto às descobertas em andamento nas áreas de fronteira
do conhecimento e da inovação. Obviamente, são setores de importância
estratégica e o Brasil não pode ficar em posição retardatária no domínio dos
mesmos. Os volumes de investimento requeridos são expressivos e os eventuais
resultados positivos tendem a demorar bastante para se apresentarem. Porém, há
um conjunto amplo de setores e ações a serem desenvolvidas nesse domínio que
implicam outro tipo de relação entre os agentes envolvidos com a produção de
conhecimento, de produtos e de serviços na área. Trata-se da chamada
“tecnologia social”.
Tecnologia social: uma necessidade
nacional
O assunto é sensível e polêmico, comportando diferentes tipos de abordagem e de definição. De qualquer forma, até mesmo a estrutura do Estado reconhece a particularidade do enfoque: o próprio ministério setorial mantém em sua estrutura uma secretaria que se ocupa de “Ciência e Tecnologia para Inclusão Social”. Assim, pode-se perceber uma certa elasticidade na abrangência do conceito: desde a simples preocupação com o caráter social da utilização da tecnologia gerada até uma abordagem em que o processo de produção da tecnologia tenha em si mesmo incorporado a preocupação com a dimensão social.
Em termos concretos, temos uma série de exemplos em que o conceito de tecnologia social proporciona ganhos expressivos para a sociedade brasileira. E isso vai desde a mera recuperação de saberes tradicionais até a apropriação de conhecimento popular em grau de maior elaboração científica. Assim, priorizar a tecnologia social como política pública pode significar a opção por um processo científico que seja gerador de maior nível de emprego do que outro eventualmente mais sofisticado e de vanguarda na pesquisa. Ou ainda, adotar um determinado procedimento de tecnologia social como política de Estado pode representar a opção por um modelo de respeito a determinados padrões de incentivo à política regional e a não aceitação passiva de modelos universais destruidores de raízes sociais e culturais significativas.
O assunto é sensível e polêmico, comportando diferentes tipos de abordagem e de definição. De qualquer forma, até mesmo a estrutura do Estado reconhece a particularidade do enfoque: o próprio ministério setorial mantém em sua estrutura uma secretaria que se ocupa de “Ciência e Tecnologia para Inclusão Social”. Assim, pode-se perceber uma certa elasticidade na abrangência do conceito: desde a simples preocupação com o caráter social da utilização da tecnologia gerada até uma abordagem em que o processo de produção da tecnologia tenha em si mesmo incorporado a preocupação com a dimensão social.
Em termos concretos, temos uma série de exemplos em que o conceito de tecnologia social proporciona ganhos expressivos para a sociedade brasileira. E isso vai desde a mera recuperação de saberes tradicionais até a apropriação de conhecimento popular em grau de maior elaboração científica. Assim, priorizar a tecnologia social como política pública pode significar a opção por um processo científico que seja gerador de maior nível de emprego do que outro eventualmente mais sofisticado e de vanguarda na pesquisa. Ou ainda, adotar um determinado procedimento de tecnologia social como política de Estado pode representar a opção por um modelo de respeito a determinados padrões de incentivo à política regional e a não aceitação passiva de modelos universais destruidores de raízes sociais e culturais significativas.
Em termos gerais, a tecnologia social
tende a propiciar um melhor nível de articulação com a base da sociedade
organizada, por meio de estímulo ao associativismo e ao cooperativismo. Os
recursos tecnológicos estão ali presentes e a própria organização da comunidade
gera resultados de maior eficiência no nível local e de sua repercussão para
ser apropriado pelo conjunto da sociedade.
Exemplos de benefícios da tecnologia
social
A questão da escassez da água na região do semi-árido nordestino encontra na construção de cisternas uma das formas paliativas de solução a médio prazo. Assim, foi adotado um modelo genuinamente brasileiro e regional: o projeto espalhado por praticamente toda a região e que encontrou na organização Articulação no Semi Árido (ASA) a responsabilidade por sua ampla disseminação. A proposta embutida na meta de “um milhão de cisternas” é bem representativa de um caso conhecido e de sucesso do conceito de tecnologia social. Trata-se de um projeto que pressupõe o envolvimento da comunidade local na construção do reservatório, com efeitos multiplicadores em termos de renda, emprego e elevação da qualidade de vida e da produtividade agropecuária. Sua adoção implica uma opção política e alternativa: não generalizar a compra de grandes reservatórios pré-fabricados de material sintético ou de plástico.
A questão da escassez da água na região do semi-árido nordestino encontra na construção de cisternas uma das formas paliativas de solução a médio prazo. Assim, foi adotado um modelo genuinamente brasileiro e regional: o projeto espalhado por praticamente toda a região e que encontrou na organização Articulação no Semi Árido (ASA) a responsabilidade por sua ampla disseminação. A proposta embutida na meta de “um milhão de cisternas” é bem representativa de um caso conhecido e de sucesso do conceito de tecnologia social. Trata-se de um projeto que pressupõe o envolvimento da comunidade local na construção do reservatório, com efeitos multiplicadores em termos de renda, emprego e elevação da qualidade de vida e da produtividade agropecuária. Sua adoção implica uma opção política e alternativa: não generalizar a compra de grandes reservatórios pré-fabricados de material sintético ou de plástico.
O modelo da produção na escala da
agricultura familiar e da pequena propriedade rural também permite a utilização
do conceito de tecnologia social. É o caso de processos importantes de produção
de alimentos que estão incorporados no saber tradicional e que correm sérios
riscos de desaparecer, caso sejam engolidos pela onda devastadora das
tecnologias que dependem de transgênicos, agrotóxicos e fertilizantes. A opção
pela tecnologia social proporciona um conjunto amplo de ganhos: i) a fixação da
população no campo, com condições de remuneração adequada; ii) o consumo de
bens derivados da produção agrícola de qualidade; iii) a redução do impacto
negativo em termos ambientais e ecológicos; iv) a parceria com os centros de
pesquisa das universidades, com a possibilidade de ampliar e aprofundar as
inovações a partir dos saberes tradicionais; entre tantos outros fatores
positivos.
Em termos do elevadíssimo déficit
habitacional e de programas como o “Minha Casa, Minha Vida”, poder-se-ia
aproveitar uma série de experiências exitosas de autoconstrução e de práticas
de construção civil que se desenvolvem nas diversas regiões do País, evitando a
pasteurização e a generalização dos modelos padronizados e inflexíveis, ditados
pelas grandes empreiteiras. O uso de tecnologias alternativas, com conteúdo
social, poderia contribuir na busca de soluções efetivas e adequadas a cada
região, cidade ou comunidade. O uso de técnicas construtivas e de materiais
específicos., com participação dos próprios interessados, certamente elevariam
a qualidade das moradias a serem construídas, evitando o triste fenômeno das
“casas de parede de farinha”, que se desfazem literalmente pouco tempo após sua
entrega aos beneficiários.
O desenvolvimento científico e
tecnológico em regiões estratégicas para o desenvolvimento nacional, como a
Amazônia, deve também contar com a colaboração do conhecimento secular dos
povos autóctones. A combinação das pesquisas de ponta dos diversos campos da
ciência e as práticas dos moradores da região permite a alavancagem de novas
oportunidades e a incorporação de processos já conhecidos no plano local. O
potencial de avanços na área de biotecnologia e fitoterapia, por exemplo, pode
ser melhor aproveitado a partir de uma articulação com os atores sociais que
são detentores de práticas e conhecimento nesse domínio. Essa é uma das
evidências de viabilização de um modelo efetivo de sustentabilidade. Existe uma
série de iniciativas nesse campo, inclusive nas próprias universidades
brasileiras. A divulgação dos projetos e o chamamento à participação da
comunidade permitem lançar as bases para a generalização desse tipo de
conhecimento, como bem atesta o concurso “Aprender e ensinar – tecnologias
sociais”.
Dessa forma, a internalização das
diretrizes da Rio + 20 e a elaboração de um projeto de desenvolvimento
sustentável deveriam incorporar a preocupação com um maior espaço a ser
conferido à tecnologia social. Se a introdução de práticas da chamada “economia
verde” estiver mesmo associada à erradicação da miséria, então a
sustentabilidade não pode ser imaginada sem o tripé das dimensões ambiental,
social e econômica. Mais do que nunca, o incentivo do Estado ao desenvolvimento
das tecnologias sociais viria a cumprir com esse mesmo objetivo articulado de
preservação do planeta e de melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.
Paulo
Kliass é Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas |
Debate Aberto, 30/08/2012
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