O fim do sangramento da Grécia
Economista vencedor do Nobel diz que ‘bullying’ contra os gregos foi um momento vergonhoso para uma Europa democrática
POR PAUL KRUGMAN, DO NEW YORK TIMES
06/07/2015 12:31 / ATUALIZADO 06/07/2015 16:01
NOVA YORK - A Europa se esquivou de uma bala no domingo. Confundindo muitas previsões, os eleitores gregos apoiaram fortemente a rejeição de seu governo às demandas dos credores. E mesmo os apoiadores mais fervorosos da União Europeia devem estar suspirando de alívio.
Claro, esta não é a forma que os credores gostariam que você enxergasse. A versão deles, ecoada por muitos da imprensa de negócios, é de que a falência na tentativa de intimidar a Grécia ao consentimento foi um triunfo de irracionalidade e irresponsabilidade sobre bons conselhos tecnocráticos.
Mas a campanha de bullying — a tentativa de aterrorizar os gregos ao cortar financiamento bancário e ameaçar o caos geral, tudo com a meta quase escancarada de empurrar a corrente esquerdista do governo para fora — foi um momento vergonhoso em uma Europa que afirma acreditar em princípios democráticos. Isso teria instalado um terrível precedente se a campanha obtivesse sucesso, mesmo se os credores tivessem razão.
E mais, eles não tinham. A verdade é que os tecnocratas de estilo próprio da Europa são como médicos medievais que insistiam em sangrar os pacientes — e quando o tratamento oferecido deixasse os pacientes ainda mais doentes, demandavam ainda mais sangue. O “sim” na Grécia teria condenado o país a anos de mais sofrimento sob políticas que não têm dado certo e, de fato, dada a aritmética, não funcionam: austeridade provavelmente afunda a economia mais rápido do que reduz a dívida, de modo que todo o sofrimento não serve a propósito algum. A vitória esmagadora do lado “não” oferece ao menos a chance de uma fuga desta armadilha.
Mas como tal saída pode ser administrada? Há alguma maneira de a Grécia permanecer na zona do euro? E isso é desejável em algum caso?
A questão mais imediata envolve os bancos gregos. Antes do referendo, o Banco Central Europeu (BCE) cortou o acesso a fundos adicionais, ajudando a precipitar o pânico e a forçar o governo a impor um feriado bancário e o controle de capitais. O banco central agora enfrenta uma escolha incômoda: se mantiver o financiamento normal, estará admitindo que o congelamento prévio foi político, mas se não, vai efetivamente forçar a Grécia a introduzir uma nova moeda.
Especificamente, se o dinheiro não começar a fluir de Frankfurt (sede do BCE), a Grécia não terá opção a não ser começar a pagar salários e pensões com promessas de pagamento, o que de fato seria uma moeda paralela — e poderá se tornar em breve a nova dracma.
Suponhamos, por outro lado, que o BCE retome a linha de financiamento normal, e a crise bancária seja amenizada. Ainda resta a questão de como restaurar o crescimento econômico.
Nas negociações fracassadas que levaram ao referendo de domingo, o ponto central era a demanda da Grécia por alívio permanente da dívida, para remover a ameaça que pairava sobre a economia. A troika — as instituições que representam os interesses dos credores — recusou, apesar de sabermos agora que um dos membros da troika, o Fundo Monetário Internacional, havia concluído independentemente que a dívida grega não pode ser paga. Mas será que vão reconhecer agora que a tentativa de retirar a coalizão de esquerda do governo fracassou?
Não faço ideia — e, de qualquer forma, existe agora um argumento forte de que a saída da Grécia do euro é a melhor das piores opções.
Imagine, por um momento, que a Grécia nunca tivesse adotado o euro, que ela tivesse somente fixado o valor da dracma em termos de euros. O que análises econômicas básicas diriam que ela deveria fazer agora? A resposta, esmagadoramente, seria que ela deveria desvalorizar a moeda — deixar o valor da dracma cair, tanto para estimular exportações e quebrar o ciclo de deflação.
Claro, a Grécia não tem mais uma moeda própria, e muitos analistas afirmavam que a adoção do euro era um movimento irreversível — afinal, qualquer insinuação de saída da zona do euro acarretaria corridas bancárias e crise financeira. Mas, neste ponto em que a crise financeira já aconteceu, os custos maiores da saída do euro já foram pagos. Por que, então, não buscar os benefícios?
A saída da Grécia do euro funcionaria tão bem quanto a desvalorização bem-sucedida da Islândia em 2008-2009, ou o abandono da Argentina da política “um peso, um dólar” em 2001-2002? Talvez não, mas considere as alternativas. A menos que a Grécia receba realmente um alívio principal da dívida, e talvez ainda assim, abandonar o euro oferece a única rota de fuga plausível do seu interminável pesadelo econômico.
E sejamos claros: se a Grécia terminar fora do euro, não significa que os gregos são europeus maus. O problema da dívida do país reflete concessão e recebimento de empréstimos irresponsáveis, e, de qualquer maneira, os gregos pagaram pelos pecados do seu governo muitas vezes. Se eles não conseguem ser bem-sucedidos com a moeda comum da Europa, é porque tal moeda não oferece nenhuma trégua a países com problemas. A coisa mais importante agora é fazer o que for preciso para estancar o sangramento.
Fonte: http://oglobo.globo.com/ economia/o-fim-do-sangramento- da-grecia-16674106# ixzz3f8sOalN0
Fonte: http://oglobo.globo.com/
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