"O coração e as circunstâncias da vida nos reservam surpresas, boas e nem tão boas".
Em poucos dias, algumas horas não vividas, e Ludmila mudaria da água para o vinho, menos para dentro da dança da vida dos poemas de Horácio. Bem e mal me quer, par ou impar, pierrô temporário, colombina nua, pétalas arrancadas de uma fresca margarida encontrada ao acaso. Uma freada brusca. Uma trégua necessária a veloz reação dos instintos? Horácio transitava entre a imaginação e a afirmação de identidade daquela mulher, uma deusa, mas, ele admitia diante do tropeço, ter o pé quebrado no teatro da vida. "Já tenho uma história... podemos ser amigos, não teremos um relacionamento homem-mulher." - disse ela, pausadamente, como uma solução ao desafio dos impulsos vivenciados na eternidade de cada instante de interação, quando se viam. Isso ficou entendido entre os dois após um diálogo quase distante. No final, ela seguiu expirando uma certa postura profissional, um ar sério – uma sombra que ia seguindo ela -, mas, alguns olhares e toques subliminares ainda seriam permitidos durante o almoço que haviam combinado dois dias antes. "Não quero te magoar..." - assim definiu Ludmila, o desfecho desse encontro, uma trégua entre atores que brincam com a paixão, agora, eram só caçadores e caça temerosos do desconhecido poder de fogo do envolvimento real.
Horácio ainda lembrava daquele “Há possibilidades...”, que ela expressou, dando asas a algo promissor, essa frase intuiu várias energias, a dinâmica do corpo quase parou no tempo, e ele ficou leve sobre o chão ao ouvi-la (com todas as letras), ela soltando-se para sua satisfação, como resposta a proposta surpresa penetrando os olhos dela, alheio ao que poderia estar por perto de conservador, mas, soando normal – pensou o moço dominado – ao pronunciar bem junto do ouvido dela: “Quer fazer amor comigo?” – ousado, no entanto, ele só provaria as consequencias do seu ato na hora do almoço da quinta-feira.
Horácio teve um sonho, anteviu que o sorriso de Ludmila se desmancharia dentro desse sonho, assim como um raio apagado por um cusparada, com a ajuda dela mesmo, a sorte achada subitamente viajava sem perspectivas de ceder a atração presente no impossível tornado possível pela arte do encontro, e tudo daria na involução da química amorosa que aflorava. O chacra cardíaco de Horácio também se fecharia nessa direção. Ele ouvia "desmanchei o sonho", repetidamente.
Tanta energia borbulhava naquele limpo céu de domingo de novembro, um dia que esticou seu olhar até o por do sol, transpirando alegria, adrenalina, hormônios esperançosos pelo encontro, um contato fantasiado que estava envolto num desejo tácito que flamejava no sentimento caloroso exposto nas palavras de Ludmila. Poderia rolar a partir daí mesmo! O que abafou a chama? O que medrou no caminho o coração em vôo, o planejado cruzeiro? O pensamento não existiu para Horácio que suportaria qualquer coisa para conhecer as surpresas nem tão boas que viriam, caso só soubesse naquele dia e o tempo se dividisse para manter os dois do mesmo lado, ouvindo os batimentos de uma música comum a passos comuns, ou coisas além de sílabas soltas pela boca feminina pintada de emoção, e não seriam apenas retórica durando numa página virada não lida.
Um comentário:
Não sabemos se o Horácio - poeta ou criança dinossauro - alterego de nosso protagonista teve com sua Ludmila sorte semelhante a que viveu B.B.King com sua Lucy, salva das chamas dos blues por um triz, apesar de seu temperamento explosivo, ou ainda se ela estava com o céu da boca cravejado de diamantes, provocando devaneios do vitoriano Sargento Pimenta, segundo nos diz João, capítulo por versículo, tim-tim por tim-tim.
Mas é certo que este amor não esquecido teve seu começo numa festa de São João. Etílicamente o licor de jenipapo é néctar divino, mas a embriaguez e o anarriê inenarráveis levaram nosso herói a passar com seu par por baixo de tantos braços e muito torpor. Os óculos caem,esmigalham-se as lentes e os ósculos ficam imponderáveis...mas ele terá outra chance!
Postar um comentário