REFLEXÕES SOBRE O TRANSPORTE COLETIVO
por Zilton Rocha
Graças à lucidez de Mário Leal Ferreira e outros houve, nos anos 40, uma preocupação com o pensar a cidade no seu todo. As avenidas de vale, por exemplo, foram planejadas naquele momento. Sem elas, como seria esta cidade?
Discute-se, hoje, qual a melhor opção de transporte coletivo. Penso que Salvador, seu povo, não merece continuar pagando preço tão alto pelo direito de ir e vir. Não podem os trabalhadores gastarem horas dentro de um ônibus. É desumano o estudante ficar um tempo quase igual a um turno de estudo dentro do transporte. Tempo imprescindível para freqüentar bibliotecas, pesquisar, praticar esporte, dormir melhor.
Portanto, é indiscutível a necessidade de grandes investimentos em transporte de massa em Salvador. Todavia, grandes investimentos devem ser precedidos de grandes debates envolvendo todos os interessados, Decisões equivocadas hoje podem exigir grandes investimentos amanhã.
Por isso os órgãos de controle estão levando em consideração a variável ambiental em suas auditorias. Os Tribunais de Contas (TCs) começam a intervir para evitar danos ambientais e desperdícios de dinheiro. Optar por ônibus e estimular o transporte individual implicará ter que construir viadutos, túneis etc., que estimularão o uso do carro e novas linhas de ônibus que exigirão investimentos em novos complexos viários.
Em 2010 houve o I Simpósio Internacional sobre Gestão Ambiental com a participação de estudiosos de vários países e representação de todos os TCs do Brasil, além de ministros do STJ, do TCU, diplomatas etc. Durante o evento o ministro do STJ Herman Benjamin afirmou:
"Eu sou juiz, mas nós do Judiciário chegamos muito tarde. Quando chegamos, o dano ambiental já ocorreu. Estou certo de que os Tribunais de Contas vão incorporar o componente da sustentabilidade porque aí estarão cuidando não só das contas da geração de hoje, mas também das gerações futuras."
Hoje em dia, em Salvador, estrangulamentos no trânsito ocorrem a qualquer hora em qualquer lugar. Os efeitos deletérios afetam a todos. Aos que usam carros, porque ficam presos em engarrafamentos. E é exatamente por causa dos automóveis que a grande maioria que utiliza o sistema de transporte coletivo amarga horas em ônibus superlotados, desconfortáveis, pachorrentos, que obrigam as pessoas a saírem de madrugada e chegarem tarde da noite em casa. O meio ambiente está deteriorado. A saúde das pessoas está comprometida. A qualidade de vida piora.
Instala-se o círculo vicioso. Mais automóveis exigem novos complexos viários. Doenças respiratórias, estresse e acidentes requerem a construção de novas unidades hospitalares, obrigando o poder público a investir cada vez mais para responder às necessidades da população. Muito oportuno e necessário o debate sobre qual a melhor opção de transporte coletivo: trilho ou pneu. Suponho que as variáveis: ambiental, saúde da população e rapidez no deslocamento preponderarão sobre custo. No Japão, por exemplo, gasta-se hoje mais tempo no planejamento do que na execução de obras. A Holanda, país menor que o Estado do Rio de Janeiro, tem no trem de ferro seu principal meio de transporte de massa, interligando suas cidades.
Espera-se, pois, que três ou quatro jogos da Copa não falem mais alto que os interesses dos quatro milhões de habitantes que vivem nesta cidade e no seu entorno. Quantos turistas estarão aqui? Cem, duzentos, mil? Quantos recebemos anualmente durante o carnaval? Quantos nos visitam durante o verão, todos os anos?
A população precisa ter voz na definição do modelo de cidade em que quer viver, não permitindo que seu destino seja definido por tecnocratas. Fóruns devem ser criados onde usuários, universidades, órgãos de classe, associações de bairro e o poder público possam discutir e definir as melhores opções a serem implementadas, tudo feito de forma participativa, democrática.
Lembremos Milton Santos: "Ela (a cidade) está desafiando a nossa imaginação para propor novas interpretações e, eventualmente, novos remédios."
Lembremos Milton Santos: "Ela (a cidade) está desafiando a nossa imaginação para propor novas interpretações e, eventualmente, novos remédios."
(*) Zilton Rocha, Geógrafo, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
Fonte: Jornal A Tarde - Opinião – Artigos
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