"O Brasil ainda é um país subdesenvolvido”
"O
Brasil ainda é um país subdesenvolvido, infelizmente. E esse subdesenvolvimento
não expressa apenas a desigualdade de renda, mas também a forma como a classe
trabalhadora é inserida no mercado de trabalho". O comentário é de Marcio
Pochmann, presidente
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em entrevista à revista Visão
Classista, 09-03-2012.
Eis a entrevista.
O Brasil tem assistido a um crescimento considerável de empregos
nos setores de serviços e comércio, ao passo em que o setor industrial não tem
acompanhado essa tendência. Quais deverão ser as consequências desse modelo em
médio prazo?
Em
primeiro lugar, isso não é uma novidade no capitalismo. O avanço do setor
terciário é praticamente uma trajetória de expansão daquilo que muitos chamam
de uma sociedade pós-industrial. Ocorre que o perfil desse setor terciário
depende muito da estrutura produtiva industrial agrária. Você pode ter uma
expansão de serviços quando uma economia é débil do ponto de vista de uma
indústria e agricultura fracas, mas isso tende a permitir uma expansão dos
serviços vinculados à distribuição, serviços vinculados a famílias e trabalhos
domésticos e a serviços cuja remuneração não está relacionada a um nível maior
de escolarização ou conhecimento.
Agora,
um país com uma estrutura produtiva forte, uma indústria e agricultura fortes,
vai demandar mais serviços, mas são serviços de produção, serviços que de certa
maneira estão relacionados a essa atividade produtiva e, portanto, pagam em
geral salários melhores e conectam a remuneração ao conhecimento. No Brasil de
hoje, 70% dos empregos gerados são vinculados ao setor de serviços. Mas o
futuro dos serviços depende da estrutura produtiva industrial e da agropecuária.
Quando se pensa no papel que a indústria já desempenha e pode vir
a desempenhar na sociedade brasileira, que lições da atual crise internacional
devem servir como exemplos que precisam ser evitados?
Certamente
o que está acontecendo nos países ricos não serve de receita. O receituário
atual está levando a uma decadência dos países, é uma aposta no
conservadorismo, que faz com que a desigualdade aumente e esvazie os mecanismos
de auto-expansão. O Brasil não está vivendo esse quadro de escolha entre decadência
e declínio. Em nosso horizonte cabe perfeitamente a continuidade do ciclo de
expansão que estamos vivendo agora, um ciclo que aposta em maior soberania do
mercado interno, acompanhado de uma trajetória de maior redistribuição da renda
e expansão do emprego. Isso é possível, claro, mas depende de uma equação de
natureza política, que depende da capacidade aqueles que governam e constituem
a base do próprio governo, no sentido de terem clara a necessidade de o país
continuar nesse ciclo.
Entendo
que a decisão tomada no final do ano passado, de encerrar o ciclo de elevação
dos juros, algo que estava comprometendo o ritmo de expansão da economia, foi
uma decisão não-somente da presidenta Dilma, mas também da sociedade, que não
quer mais o chamado “voo de galinha”. O Brasil passou por isso nos anos 80 e
90, com voos de crescimento e queda – e a trajetória foi muito ruim. Portanto,
essa maioria política que conduz o país é muito importante do ponto de vista de
assegurar as condições materiais para que o Brasil não se perca em questões
menores, tentando resolver pontos que muitas vezes inviabilizam essa trajetória
de crescimento e distribuição de renda em longo prazo.
A inovação da indústria brasileira passa obrigatoriamente por
mudanças nos setores de ciência e tecnologia. Como fazer para que esse processo
não dependa tanto do Estado, mas também tenha a participação de outros setores?
Não
me encontro entre aqueles que entendem que as forças do mercado, por si só,
serão aquelas que levarão a um maior investimento em novação tecnológica. A
presença do Estado é estratégica. Na realidade as empresas que talvez invistam
em inovação serão as grandes empresas – e grandes empresas nacionais são
poucas, dentro do universo de cerca de 500 corporações que praticamente dominam
qualquer setor de atividade.
Portanto,
a exemplo inclusive do que aconteceu na Ásia, desde o Japão, a Coreia e agora
mais claramente na China, o papel do Estado para financiar o crédito ou para a
definição da taxa de câmbio é parte importante desse processo, mas não é
exclusivamente determinante. Precisamos reconhecer que aqui no Brasil temos um
capitalismo hoje internacionalizado, com a presença de grandes empresas
estrangeiras que não tomam suas decisões em função das orientações da política
econômica.
Nesse
circuito, precisamos olhar o tema da inovação dentro de uma perspectiva mais
ampla, a partir de seu entendimento, num quadro de reposicionamento do Brasil
no mundo. Nós ficamos marcando passo no mesmo lugar nos anos 80 e 90, e de
certa maneira em determinados setores ficamos de forma muito arcaica – e é
difícil recuperá-los. Mas, em outros, isso ainda pode acontecer. Se analisarmos
a postura do regime militar em relação à informática, por exemplo, muitos
consideram sua política equivocada, mas outros acham que nem tanto, pois aquilo
permitiu que constituíssemos uma base de recursos humanos invejável nesse
segmento. Mas, ao deixar a livre-iniciativa do mercado, o Brasil se distanciou
muito mais das oportunidades existentes, especialmente nessa quadra do
capitalismo operada cada vez mais por grandes corporações, que muitas vezes são
maiores do que os próprios países.
Em diferentes espaços e oportunidades, o senhor tem procurado
trazer para o debate o conceito de trabalho imaterial. Como o senhor enxerga o
futuro desse tipo de relação trabalhista? O sindicalismo brasileiro está
preparado para entrar nesse debate?
Estamos
em uma circunstância em que a direção do sindicalismo, de maneira geral, está
sustentada na “velha classe trabalhadora”, na agricultura, na indústria, na
construção civil, que são setores que têm essa perspectiva do trabalho
material, que produz algo concreto, palpável, tangível. No entanto, o que se
expande no Brasil, como já dissemos, é o setor de serviços, com postos de
trabalho vinculados à tecnologia de informação – e isso implica na construção
de uma nova classe trabalhadora.
Essa
transformação da estrutura social brasileira vem se dando desacompanhada as
instituições da democracia – e não apenas os sindicatos têm dificuldade de compreender
e envolver esse segmento, mas também os partidos políticos, associações de
bairros e outras organizações clássicas da democracia, que estão tendo
dificuldade para atrair esses segmentos. Há um processo de envelhecimento no
sindicalismo.
Não
estamos conseguindo ampliar os índices de sindicalização – especialmente nos
setores que mais crescem – e isso evidentemente é uma questão que precisa ser
considerada cada vez mais, especialmente em um país como o Brasil, que não tem
tradição democrática. É preciso que se faça um investimento para compreender
essa nova dinâmica social, entender quem é esse trabalhador, qual seu perfil e
encontrar uma forma de como chegar até ele. Guardada a devida proporção, é algo
parecido com o que ocorreu na transição do século 19 para o 20, quando saímos
de um sindicalismo de ofício para um sindicalismo geral, da grande empresa. O
velho sindicalismo, como era conhecido, se organizava apenas para os
trabalhadores que constituíam a elite da classe operária.
O
próprio Lênin dizia, ao analisar o sindicalismo do
século 19, que era uma organização muito aguerrida e forte, mas representava
apenas os interesses dos que tinham ofícios. A mudança do capitalismo, de
concorrencial para monopolista, com o surgimento das grandes corporações,
viabilizou o surgimento de uma nova classe trabalhadora, que cresceu à margem
da estrutura sindical passada. Houve uma mudança no sindicalismo que entendeu
não ser possível a presença e a representação se fosse mantida a velha prática
sindical. Isso de certa maneira foi muito importante para o avanço da
democratização e para o estabelecimento de um padrão civilizatório que foi
basicamente aquele oriundo do chamado Estado de bem-estar social.
Em recente artigo, o senhor diz que “o Brasil segue com parcela
substancial de sua mão de obra ainda prisioneira de atividades meramente de
subsistência”. Que tipos de política de inclusão são necessários para alterar
esse cenário? Qual o papel de um órgão como o Ipea nesse sentido?
O Ipea não faz
política, é apenas uma instituição de pesquisa. E pesquisa não muda a
realidade, apenas permite conhecê-la um pouco mais. O primeiro passo para mudar
a realidade é conhecê-la. Nossa missão é produzir esse conhecimento, difundi-lo
e disseminá-lo. O papel do Ipea também tem sido o de fornecer informações para
a sociedade civil. O quadro que nós temos – de ainda ver um enorme contingente
de brasileiros submetido a um tipo de trabalho cuja produtividade é tão baixa
que lhe permite apenas a sobrevivência – é resultado de uma situação mais
ampla, vinculada ao próprio subdesenvolvimento.
O
Brasil ainda é um país subdesenvolvido, infelizmente. E esse subdesenvolvimento
não expressa apenas a desigualdade de renda, mas também a forma como a classe
trabalhadora é inserida no mercado de trabalho. Somente o enfrentamento do
subdesenvolvimento, com uma política baseada em um projeto nacional de
crescimento e de transformação de sua estrutura produtiva, poderá nos criar
condições favoráveis para fazer com que parcela significativa dos brasileiros
deixe de ser prisioneira de uma situação tão primária.
Por esse aspecto, como o senhor tem visto os debates sobre a
redução da jornada de trabalho no Brasil? Tem havido algum avanço por parte do
empresariado ou de outros setores da sociedade, além do movimento sindical?
Temos
uma interpretação de que há um excesso de jornada de trabalho, que não é
percebido porque há um quadro geral de alienação, pois só se identifica o
trabalho que é exercido de fato num local específico. Mas o advento das novas
tecnologias permite que as pessoas trabalhem fora de casa.
E
até por isso reconheço um avanço na lei estabelecida recentemente, por
iniciativa da Presidência da República, no sentido de identificar o uso de
telefonia celular fora do trabalho, por intermédio de telefone corporativo.
Isso é apenas um exemplo de como precisamos aprimorar a legislação do mercado
de trabalho, especialmente para essas modernidades, que propiciam não-somente
uma intensificação do trabalho, mas também uma extensão. Se está havendo mais trabalho,
está havendo mais riqueza – que não está sendo distribuída de forma adequada.
A
luta sindical não se encerra apenas em si própria, pois isso implica
evidentemente em uma mudança cultural da sociedade para perceber que a redução
da jornada é um elemento-chave não apenas para viabilizar o melhor uso do
tempo, mas também como mecanismo para capacitação e qualificação, quando se
imagina que o futuro depende cada vez mais do conhecimento.
Fonte:
IHU | Notícias, 20/03/2012
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