Os resultados das eleições na Grécia evidenciaram,
mais uma vez, a incrível capacidade de articulação orgânica entre os interesses
do sistema financeiro e os grandes meios de comunicação. Face à possibilidade
da vitória da Syriza, foi lançada uma enorme campanha de natureza alarmista e
catastrofista.
por Paulo Kliass
Os resultados das eleições na Grécia evidenciaram, mais uma vez, a
incrível capacidade de articulação orgânica entre os interesses do sistema
financeiro e os grandes meios de comunicação. O crescimento das preferências
dos eleitores pelo bloco político Syriza acendeu a luz de alerta no interior do
“establishment” grego, europeu e internacional. A crítica aberta ao protocolo
de austeridade exigido pela troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e
Fundo Monetário Internacional) ao povo grego, colocou o partido liderado por
Alexis Tsipras na preferência do eleitorado, de acordo com as pesquisas prévias
realizadas.
Face à possibilidade da vitória do grupo de esquerda radical, armou-se a contra-ofensiva: os jornais, a televisão e a imprensa em geral lançaram uma enorme campanha difamatória, de natureza alarmista e catastrofista. Votar no Syriza equivaleria a proporcionar a antevéspera do caos, permitir a quebra do País - pura chantagem, jogando com o clima de receio e incerteza reinante na Grécia. Como se, até alguns dias antes, tudo estivesse andando em paz e às mil maravilhas por ali.
Na verdade, o que ocorreu foi exatamente o oposto. O aprofundamento da crise econômica na Grécia foi impulsionado pelas políticas ortodoxas formuladas e exigidas pela Comissão Européia e por seus organismos na área financeira. Os países com maior capacidade de influência no estabelecimento das condutas de política monetária na esfera européia sempre foram a França e a Alemanha. Impulsionados pela correlação de forças interna em seus espaços nacionais, o que se viu nos últimos anos foi a desastrosa e desenvolta ação da duplinha dinâmica conhecida por “Merkozy” - Nicolas Sarkozy e Ângela Merkel. Fiéis ao seu conservadorismo ideológico genético, ambos patrocinaram uma radicalização da ortodoxia econômica em Bruxelas, abrindo espaço que favoreceu a implementação de propostas voltadas para o atendimento dos interesses do financismo e da grande banca internacional.
A imprensa e o apoio à ortodoxia
E aqui o papel dos grandes meios de comunicação também foi essencial. Desde o surgimento dos primeiros indícios de que o processo de consolidação da unificação européia começava a ratear, a resposta foi uníssona. O essencial era garantir que as “regras de ouro” da política econômico-financeira não fossem deixadas para trás. Isso significava exigir maior rigor na condução da política fiscal (cortes de gastos orçamentários nas áreas sociais) e liberdade plena de ação para o sistema financeiro. A contribuição da imprensa era criar condições políticas e ideológicas junto à opinião pública para tal empreitada. Afinal, a história dos povos europeus exibia uma capacidade anterior de resistência às tentativas de retirar conquistas consolidadas nos diferentes modelos de estado de bem estar social.
A linha política se generalizava em artigos, manchetes, programas de rádio e televisão. O foco era a exigência do “sacrifício” de todos, em nome da garantia da União Européia e de seu padrão monetário - o euro. Tratava-se da versão européia para o famoso acrônimo alardeado mundo afora pelos neoliberais de Washington: TINA - “there is no alternative”, para sugerir que não haveria outra alternativa que não fossem os rigores do ajuste de tonalidade ortodoxa. A imprensa tentava criar as condições de aceitação social das conseqüências perversas da receitas emanadas dos centros decisórios dos organismos multilaterais. A impressão passada para os leitores ou espectadores era de que a não concordância com os ajustes propostos implicaria a falência da construção européia e a generalização da catástrofe social.
O papel alarmista e viesado dos meios de comunicação
Assim foi também nos diversos plebiscitos realizados nos últimos anos a respeito do tema. Vários países - a exemplo de Irlanda, Holanda, França - convocaram seus cidadãos a se manifestarem a respeito da concordância em relação a condições e tratados relativos à unificação. E a postura da maioria da imprensa sempre foi de estigmatizar as posições críticas às propostas de Bruxelas, apoiando de forma geral as manifestações a favor de uma forma particular de concepção - liberal e tecnocrática - de União Européia (UE). Dessa forma, não ofereciam espaço para divulgação das teses de um conjunto de forças políticas que, apesar de concordarem em geral com a tese unionista, consideravam negativas as condições concretas para tal processo. Ou seja, eram a favor da UE, mas propunham um outro modelo, diferente da atual Europa das finanças e do grande capital. Mas no roldão da postura alarmista, eram identificados injustamente como “anti-europeus”. E ponto final.
Por outro lado, essa mesma preocupação em divulgar o risco da falência e da crise caso a opção pelo país seja em direção contrária à definida pelo “establishment” não aconteceu quando do processo político experimentado pela Islândia. Apesar de ser uma nação de pequenas dimensões e não integrante da zona do euro, aquele país do norte da Europa escolheu um caminho distinto para solucionar a crise, por meio do aprofundamento das experiências democráticas e de participação popular. Após a revelação de esquemas fraudulentos de funcionamento do sistema financeiro, o povo islandês optou por nacionalizar os bancos e declarar o não pagamento da dívida externa junto a bancos europeus, pois a mesma teria sido contraída por meio de operações consideradas ilegais. Depois do resultado desse referendo e da substituição do governo, quase nada foi comentado nas páginas dos grandes jornais a respeito da maneira como aquele país está encaminhando suas próprias soluções. De qualquer forma, a questão incomoda a banca: a dívida externa não foi paga e a Islândia não quebrou. Assim, melhor não divulgar muito a experiência herética e perigosa de ser assimilada.
Resultados na França e na Grécia: espaço para novas propostas
No entanto, como tudo na vida tem limite, parece que a própria comunidade das finanças começa a flexibilizar um pouco seu rigor. A principal causa para tanto está associada às mudanças na dimensão da política. A insistência em recomendar soluções que só fizeram aprofundar a crise e suas manifestações sociais (Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia) talvez esteja provocando algum mecanismo de reavaliação a respeito de tais caminhos equivocados. A vitória de François Hollande para a presidência da França e a confirmação da maioria de esquerda no âmbito da Assembléia Nacional daquele país pode estar operando como um ponto de clivagem. Ao contrário de Dominque Strauss Khan (ex-futuro candidato do PS francês e que foi descartado por envolvimento em vários escândalos), Hollande inovou no discurso dos socialistas, enfrentando a ortodoxia de Merkel e da tecnocracia de Bruxelas. Indiretamente fazia uma crítica severa aos representantes socialistas em Portugal, Espanha e Grécia, onde foram co-partícipes do desastre – estavam à frente dos governos que impuseram as receitas de Bruxelas.
Hollande, ao contrário, fala a todo momento a respeito da necessidade de rever os critérios de austeridade e que a Europa deve buscar a saída da crise pela via do crescimento da economia. Para nós, pode parecer pouco. Mas para o contexto inflexível do debate institucional europeu pode ser visto como um passo e tanto. Sua campanha eleitoral foi dura e precisa contra as propostas da dupla Merkozy. Parte da imprensa francesa tentou engatar o discurso alarmista, mas o resultado eleitoral não correspondeu a tal apelo. Pelo contrário! Apesar da onda de política alternativa não ter conquistado a maioria na Grécia, ela vai deixando marcas pelo caminho.
A indicação mais recente e de importante significado político dessa mudança pode ser encontrado nos resultados eleitorais internos da Alemanha. No mês passado, por exemplo, a coligação encabeçada pelo SPD (de orientação social-democrata) venceu as forças conservadores do CDU de Merkel, na região da Renânia do Norte-Vestfália. Esses podem ser sintomas de uma eventual mudança de maioria no Bundestag (o Parlamento alemão), cujos integrantes serão submetidos a eleições gerais no ano que vem.
Face a essa nova conjuntura, o financismo passa a se expressar de outra forma pela via dos meios de comunicação. O antigo núcleo duro França-Alemanha está cindido e começa a haver espaço para as propostas de flexibilização das regras de ajuste e de crescimento econômico, tal como sugeridas pelo presidente francês. Apesar da derrota eleitoral do Syriza, a falência das propostas do campo da austeridade abriu espaço para visões alternativas. Ao que tudo indica, o sistema financeiro está encaixando o golpe, assimilando as perdas e preparando-se para o novo round. Nesse intervalo, porém, a grande imprensa não tem como deixar de divulgar as propostas novas, que ela mesma considerava, até anteontem, como irresponsáveis em seus próprios editoriais.
Face à possibilidade da vitória do grupo de esquerda radical, armou-se a contra-ofensiva: os jornais, a televisão e a imprensa em geral lançaram uma enorme campanha difamatória, de natureza alarmista e catastrofista. Votar no Syriza equivaleria a proporcionar a antevéspera do caos, permitir a quebra do País - pura chantagem, jogando com o clima de receio e incerteza reinante na Grécia. Como se, até alguns dias antes, tudo estivesse andando em paz e às mil maravilhas por ali.
Na verdade, o que ocorreu foi exatamente o oposto. O aprofundamento da crise econômica na Grécia foi impulsionado pelas políticas ortodoxas formuladas e exigidas pela Comissão Européia e por seus organismos na área financeira. Os países com maior capacidade de influência no estabelecimento das condutas de política monetária na esfera européia sempre foram a França e a Alemanha. Impulsionados pela correlação de forças interna em seus espaços nacionais, o que se viu nos últimos anos foi a desastrosa e desenvolta ação da duplinha dinâmica conhecida por “Merkozy” - Nicolas Sarkozy e Ângela Merkel. Fiéis ao seu conservadorismo ideológico genético, ambos patrocinaram uma radicalização da ortodoxia econômica em Bruxelas, abrindo espaço que favoreceu a implementação de propostas voltadas para o atendimento dos interesses do financismo e da grande banca internacional.
A imprensa e o apoio à ortodoxia
E aqui o papel dos grandes meios de comunicação também foi essencial. Desde o surgimento dos primeiros indícios de que o processo de consolidação da unificação européia começava a ratear, a resposta foi uníssona. O essencial era garantir que as “regras de ouro” da política econômico-financeira não fossem deixadas para trás. Isso significava exigir maior rigor na condução da política fiscal (cortes de gastos orçamentários nas áreas sociais) e liberdade plena de ação para o sistema financeiro. A contribuição da imprensa era criar condições políticas e ideológicas junto à opinião pública para tal empreitada. Afinal, a história dos povos europeus exibia uma capacidade anterior de resistência às tentativas de retirar conquistas consolidadas nos diferentes modelos de estado de bem estar social.
A linha política se generalizava em artigos, manchetes, programas de rádio e televisão. O foco era a exigência do “sacrifício” de todos, em nome da garantia da União Européia e de seu padrão monetário - o euro. Tratava-se da versão européia para o famoso acrônimo alardeado mundo afora pelos neoliberais de Washington: TINA - “there is no alternative”, para sugerir que não haveria outra alternativa que não fossem os rigores do ajuste de tonalidade ortodoxa. A imprensa tentava criar as condições de aceitação social das conseqüências perversas da receitas emanadas dos centros decisórios dos organismos multilaterais. A impressão passada para os leitores ou espectadores era de que a não concordância com os ajustes propostos implicaria a falência da construção européia e a generalização da catástrofe social.
O papel alarmista e viesado dos meios de comunicação
Assim foi também nos diversos plebiscitos realizados nos últimos anos a respeito do tema. Vários países - a exemplo de Irlanda, Holanda, França - convocaram seus cidadãos a se manifestarem a respeito da concordância em relação a condições e tratados relativos à unificação. E a postura da maioria da imprensa sempre foi de estigmatizar as posições críticas às propostas de Bruxelas, apoiando de forma geral as manifestações a favor de uma forma particular de concepção - liberal e tecnocrática - de União Européia (UE). Dessa forma, não ofereciam espaço para divulgação das teses de um conjunto de forças políticas que, apesar de concordarem em geral com a tese unionista, consideravam negativas as condições concretas para tal processo. Ou seja, eram a favor da UE, mas propunham um outro modelo, diferente da atual Europa das finanças e do grande capital. Mas no roldão da postura alarmista, eram identificados injustamente como “anti-europeus”. E ponto final.
Por outro lado, essa mesma preocupação em divulgar o risco da falência e da crise caso a opção pelo país seja em direção contrária à definida pelo “establishment” não aconteceu quando do processo político experimentado pela Islândia. Apesar de ser uma nação de pequenas dimensões e não integrante da zona do euro, aquele país do norte da Europa escolheu um caminho distinto para solucionar a crise, por meio do aprofundamento das experiências democráticas e de participação popular. Após a revelação de esquemas fraudulentos de funcionamento do sistema financeiro, o povo islandês optou por nacionalizar os bancos e declarar o não pagamento da dívida externa junto a bancos europeus, pois a mesma teria sido contraída por meio de operações consideradas ilegais. Depois do resultado desse referendo e da substituição do governo, quase nada foi comentado nas páginas dos grandes jornais a respeito da maneira como aquele país está encaminhando suas próprias soluções. De qualquer forma, a questão incomoda a banca: a dívida externa não foi paga e a Islândia não quebrou. Assim, melhor não divulgar muito a experiência herética e perigosa de ser assimilada.
Resultados na França e na Grécia: espaço para novas propostas
No entanto, como tudo na vida tem limite, parece que a própria comunidade das finanças começa a flexibilizar um pouco seu rigor. A principal causa para tanto está associada às mudanças na dimensão da política. A insistência em recomendar soluções que só fizeram aprofundar a crise e suas manifestações sociais (Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia) talvez esteja provocando algum mecanismo de reavaliação a respeito de tais caminhos equivocados. A vitória de François Hollande para a presidência da França e a confirmação da maioria de esquerda no âmbito da Assembléia Nacional daquele país pode estar operando como um ponto de clivagem. Ao contrário de Dominque Strauss Khan (ex-futuro candidato do PS francês e que foi descartado por envolvimento em vários escândalos), Hollande inovou no discurso dos socialistas, enfrentando a ortodoxia de Merkel e da tecnocracia de Bruxelas. Indiretamente fazia uma crítica severa aos representantes socialistas em Portugal, Espanha e Grécia, onde foram co-partícipes do desastre – estavam à frente dos governos que impuseram as receitas de Bruxelas.
Hollande, ao contrário, fala a todo momento a respeito da necessidade de rever os critérios de austeridade e que a Europa deve buscar a saída da crise pela via do crescimento da economia. Para nós, pode parecer pouco. Mas para o contexto inflexível do debate institucional europeu pode ser visto como um passo e tanto. Sua campanha eleitoral foi dura e precisa contra as propostas da dupla Merkozy. Parte da imprensa francesa tentou engatar o discurso alarmista, mas o resultado eleitoral não correspondeu a tal apelo. Pelo contrário! Apesar da onda de política alternativa não ter conquistado a maioria na Grécia, ela vai deixando marcas pelo caminho.
A indicação mais recente e de importante significado político dessa mudança pode ser encontrado nos resultados eleitorais internos da Alemanha. No mês passado, por exemplo, a coligação encabeçada pelo SPD (de orientação social-democrata) venceu as forças conservadores do CDU de Merkel, na região da Renânia do Norte-Vestfália. Esses podem ser sintomas de uma eventual mudança de maioria no Bundestag (o Parlamento alemão), cujos integrantes serão submetidos a eleições gerais no ano que vem.
Face a essa nova conjuntura, o financismo passa a se expressar de outra forma pela via dos meios de comunicação. O antigo núcleo duro França-Alemanha está cindido e começa a haver espaço para as propostas de flexibilização das regras de ajuste e de crescimento econômico, tal como sugeridas pelo presidente francês. Apesar da derrota eleitoral do Syriza, a falência das propostas do campo da austeridade abriu espaço para visões alternativas. Ao que tudo indica, o sistema financeiro está encaixando o golpe, assimilando as perdas e preparando-se para o novo round. Nesse intervalo, porém, a grande imprensa não tem como deixar de divulgar as propostas novas, que ela mesma considerava, até anteontem, como irresponsáveis em seus próprios editoriais.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 21/06/2012
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