O governo Dilma acelera o passo na
direção em que Lula enveredou a partir da crise de 2008: colocar o mercado, a
banca e os recursos públicos a serviço do país para protege-lo do duplo
naufrágio europeu-norte americano.
O vagalhão provocado pela submersão de
34% do PIB mundial ruma de encontro às economias da Ásia e América Latina em
duas ondas sobrepostas: a retração em cadeia do comércio internacional, onde a
singular coordenação do FMI recomenda que todos os países exportem mais e
importem menos, o que fará todo sentido quando a Terra estreitar laços
econômicos com Saturno; e a fuga de capitais para qualidade e segurança.
Títulos alemães e americanos mesmo
pagando juros negativos tem a preferência da manada. De toda a manada, razão
pela qual pagam cada vez menos. Papéis do Tesouro dos EUA com prazo de 10 anos,
por exemplo, valem 1,4% ao ano para uma inflação da ordem de 2%.
Trata-se de uma corrida contra o tempo;
deles e nossa. Os capitais aceitam receber menos do que aplicam porque
precificam uma deflação de ativos superior a essa perda. A liquidez que tem em
mãos -- direitos teóricos sobre a riqueza, como ações de bancos europeus, por
exemplo--, não vale o que está impresso na face.
A bolha que começou a explodir em 2008
no mercado imobiliário norte-americano tem uma verruga correspondente dentro de
cada um desses papéis: a montanha somada de todos eles alcança 10 vezes o PIB
mundial; as espirais derivadas desse Everest equivalem a 460 vezes a riqueza
global tangível. Então é preciso correr. A dança das cadeiras deixará trilhões
sem assento quando a música parar. A batuta da Espanha e da Grécia ensaia o
gran finale.
Dilma tem pouco tempo, mas dispõe
paradoxalmente de mais espaço que teve Lula para agir. O tempo é dado pelo
vagalhão econômico internacional que avança aos saltos e pode disparar se a
banca afundar na Espanha ou a Grécia romper com a ortodoxia dia 17; já o espaço
é uma variável política. Dilma tem um espaço de legitimidade para agir
inversamente proporcional à credibilidade do discurso neoliberal.
Colunistas órfãos reclamam da ausência
de oposição no país e torcem para que Veja acerte ao menos uma parceria contra
o PT --seja com Cachoeira, Serra ou Gilmar Mendes. Iludem-se ao achar que as
coisas mudariam radicalmente assim. O buraco é mais fundo. A lezeira da
oposição deve-se a trinca estrutural em seu alicerce ideológico.
Foi isso que propiciou a margem de
manobra para Dilma romper a lógica rentista na esfera dos juros e alterar o
lacre inviolável que a poupança oferecia à banca. E nada aconteceu; ou melhor,
os depósitos em poupança aumentaram na semana seguinte.
Em março de 1999, no governo FHC, a
taxa básica de juro do país, a Selic, era de 45% (21,6% em termos reais); hoje
é de 8,5% (uns 3% reais). Se ficar em 8%, em média, até 2014, o Estado
brasileiro terá economizado R$ 56 bilhões --uns três anos de Bolsa Família.
Dilma está tratorando a banca privada para obriga-la a reduções correspondentes
no spread e nas tarifas que subiram 17% no primeiro trimestre e renderam mais
de R$ 17 bilhões em 2011.O emparedamento conta com a força do setor financeiro
estatal que saiu na frente no corte das taxas e na expansão do crédito: em
abril a oferta de crédito na esfera pública foi 25% superior a abril de 2011;
nas instituições privadas a variação foi de 13%.
O estímulo do crédito não é
desprezível, mas insuficiente. As vendas do varejo vitaminadas também pelas
desonerações de IPI crescem há três meses seguidos; em maio registraram o maior
salto mensal desde agosto de 2007 (4,1%). Nem por isso, o país está protegido
da retração mundial. A contaminação do efeito manada aqui se dá pelo decisivo
canal do investimento.
O país cresceu apenas 0,2% no primeiro
trimestre e uma das razões --além das perdas na agricultura por razões
climáticas--, foi o baixo desempenho da formação bruta de capital fixo (mede o
acréscimo de galpões e máquinas no sistema produtivo). A participação dessa
alavanca de crescimento ficou em 18,7% do PIB no primeiro trimestre; foi de
19,5% no mesmo período em 2011.
A natureza pró-cíclica do capital
privado, uma espécie de 'maria vai com as outras' que acentua e acelera o ciclo
de queda assim como turbina de forma irresponsável a fase de alta --bolhas
financeiras são a expressão máxima dessa ciclotimia -- explica em grande parte
essa retração e deixa uma advertência no ar.
A retomada vital do investimento --
única variável capaz de engendrar um cinturão de resistência efetivo à crise
mundial-- não virá espontaneamente dos mercados. Eles não farão isso pelo
Brasil, como não fizeram pelos EUA nos anos 30 e não fazem hoje pela Europa, em
que pese a insistência de Ângela Merkel na receita da 'contração expansiva',
baseada em arrocho nos direitos e salários 'para abrir espaço à iniciativa
privada'. O Estado terá que assumir um papel hegemônico na retomada do
investimento brasileiro se o governo quiser de fato proteger o país do vagalhão
em curso.
Turbinar o investimento público
implica, entre outras medidas corajosas, reduzir o superávit destinado ao
pagamento de juros ao rentismo ocioso; mas, também, simplificar os trâmites
para a licitação transparente de obras públicas e mesmo assumir a coordenação
direta das empreiteiras.
O dispositivo midiático conservador
perdeu a prerrogativa de impor interditos, mas não perdeu a pose. Os mesmos
editorialistas que festejavam o desmonte promovido pela agenda do Estado mínimo
na era tucana reclamam agora dos atrasos nas obras do PAC decorrente, em grande
parte, de um cerco asfixiante de burocracia e preconceito que ajudaram a
implantar. O Estado brasileiro, da forma como se encontra manietado, está
programado para não fazer. Dilma que afrontou e venceu dogmas tão poderosos
como o dos juros tem credenciais e espaço para
romper mais esse torniquete.Só não tem muito tempo para decidir.
Postado por Saul
Leblon
Fonte: Carta Maior | Blog
das Frases, 05/06/2012
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