segunda-feira, dezembro 15, 2014

“aconteceu um retrocesso na indústria brasileira que foi seríssimo”

12 de Dezembro de 2014 - nº 654



Entrevista com Eugenio Staub

Sumário

Eugênio Staub, fundador e ex-presidente do IEDI, hoje Conselheiro do Instituto, concedeu entrevista à Carta IEDI sobre o setor eletroeletrônico. O IEDI vem realizando junto a seus Conselheiros e a especialistas uma série de entrevistas sobre os mais diversos setores da economia. Começou com o setor farmacêutico, tendo sido entrevistado seu Conselheiro, Carlos Sanches, na Carta IEDI nº 621. Nesta oportunidade, publicamos a entrevista com Eugênio Staub, grande conhecedor do setor eletroeletrônico, assim como grande conhecedor do desenvolvimento e das lacunas da indústria brasileira.

Para ele, “aconteceu um retrocesso na indústria brasileira que foi seríssimo”. “No meu setor, que vamos chamar de TIC, houve um retrocesso brutal por causa da desmontagem da estrutura industrial. Até 1990 havia centenas de empresas, nacionais e multinacionais, na parte de insumos e componentes. Apenas como pequeno exemplo, as centrais telefônicas que a Ericsson e as demais forneciam eram aqui fabricadas, tudo com materiais nacionais. Com a evolução tecnológica, passou-se a usar um relé de estado sólido, o que causou uma desnacionalização dos insumos.”

“No setor de bens de consumo, que é o setor onde mais atua a Gradiente, nós tínhamos centenas de fornecedores nacionais que sumiram. Foram embora! Grandes empresas japonesas que estavam aqui foram embora porque o governo Collor mudou as regras da nacionalização e inviabilizou toda a infraestrutura. Com isso os produtos ficaram mais baratos, mais modernos, mas não há mais indústria de componentes nacionais para os setores de comunicação, informática e eletrônicos de consumo. Você não encontra empresa de componentes importante. Sumiram todas!”

Ainda segundo Eugênio Staub, com a desmontagem da indústria eletroeletrônica, o Brasil desperdiçou a oportunidade de trilhar novos rumos em seu desenvolvimento, rumos estes que permitiu a outros países um impulso único de crescimento:

“A indústria eletrônica se transformou numa indústria de montadoras finais baseada em incentivos da lei da informática e incentivos da Zona Franca de Manaus. Os produtos são montados no Brasil, mas o conteúdo do produto, a inteligência do produto é importada. Nós viramos uma indústria montadora. O mercado cresceu muito. Só na área de consumo são R$60 bilhões por ano. Há poucos anos atrás eram R$ 15 bilhões. O que houve foi uma desmontagem do segmento industrial substituído por uma indústria montadora final que trabalha com insumos importados. Isso é muito sério por 2 razões: 1) pelo fato em si; e 2) porque esse setor, na economia nacional e mundial, passou a ter muito mais relevância.”

Sobre as perspectivas de reversão desse quadro grave, acredita que o governo está despreparado e não vê saída a curto prazo. Todavia, adverte que o intenso progresso tecnológico do setor abre continuamente oportunidades de desenvolvimento:

“Oportunidades existem, o mercado doméstico brasileiro, sem contar exportação é muito importante. Dá para viabilizar várias indústrias de componentes, de componente de estado sólido, circuitos integrados, semicondutores. Você pode viabilizar uma indústria dessas só com Carteiras de Identidade, cartões de crédito, Carteiras de Habilitação, tudo com chip para 200 milhões de brasileiros, mas não há política industrial nesse setor. Então o cenário é realmente muito ruim para a indústria nacional neste segmento. A grande oportunidade nesse setor é que a tecnologia evolui. Então se perde um bonde e se pode pegar outro.”

Frisa ainda que “do jeito que está hoje, nós vamos ser montadores daquilo que tiver incentivo fiscal para montar, a União está pagando com isenção de IPI, os Estados com isenção de ICMS para gerar empregos de montagem que no final trazem baixo investimento e baixo valor agregado. Portanto, eu estou pessimista com o nosso setor porque ninguém esta olhando para isso. E quando olhar, vai levar uns 10 anos para consertar. Vai haver o olhar, a disposição e vontade política de fazer alguma coisa em 10 anos? O Brasil é um país muito rico em pesquisadores e centros de pesquisas públicos e universidades, mas isso não esta sendo articulado. Está se jogando muito dinheiro fora fazendo pesquisa e desenvolvimento sem articulação e sem aplicação prática.”

Se cabe ou não uma política para o setor, é de opinião que sim: “Cabe uma nova política industrial para esse setor, inteligente, e não que onere produtos. Hoje o que acontece é que os sindicados dos trabalhadores tentam ampliar o emprego nas montadoras. É exigido no PPB, por exemplo, que o carregador do seu celular seja nacional. Assim, acaba criando um oligopólio que faz custar 4 vezes mais do que custa na China. A bateria que não é feita no país, é só montada, tem que ter elementos nacionais. Dessa forma, os telefones mais baratos não vale a pena nem montar no Brasil por causa dessas exigências. E para fazer uma coisa inteligente tem que ter uma visão e vontade política para conseguir implantar isso. Qual o mérito de fazer um carregador de tomada no país? Quase nenhum.”

Finalmente, aponta como grande problema a “falta de uma visão estratégica para esse setor, o que não é uma coisa fácil”. “Um grupo de pessoas tem que se reunir para discutir o futuro desse setor, sem pressa para que em 2025 se comece a colher resultados. E esse segmento vai ficar mais importante ainda. Agora surgiu a telemedicina, que vai causar uma revolução na medicina, mas não há ainda um comprometimento público no País. Ela resolveria, em grande parte, o problema do atendimento médico no Brasil, já que muita coisa você pode fazer em casa. Equipamentos que hoje não são caros e que são usados para medir os parâmetros principais que podem ser enviados pela internet para o médico. Não precisa ficar na fila. Não é uma UTI, é um preventivo.






IEDI: Apesar da reserva de mercado, no início dos anos 1980, o Brasil contava com um setor eletroeletrônico mais desenvolvido do que a China. Hoje, 37% das importações do setor eletroeletrônico vêm da China. Qual a razão dessa mudança de trajetória? 

Eugênio Staub: 
Aconteceu um retrocesso na indústria brasileira que foi seríssimo. Não só no âmbito macro, mas também dentro dos setores. No meu setor, que vamos chamar de TIC, houve um retrocesso brutal por causa da desmontagem da estrutura industrial. Até 1990 havia centenas de empresas, nacionais e multinacionais, na parte de insumos e componentes. Apenas como pequeno exemplo, as centrais telefônicas que a Ericsson e as demais forneciam eram aqui fabricadas, tudo com materiais nacionais. Com a evolução tecnológica, passou-se a usar um relé de estado sólido, o que causou uma desnacionalização dos insumos.

No setor de bens de consumo, que é o setor onde mais atua a Gradiente, nós tínhamos centenas de fornecedores nacionais que sumiram. Foram embora! Grandes empresas japonesas que estavam aqui foram embora porque o governo Collor mudou as regras da nacionalização e inviabilizou toda a infraestrutura. Com isso os produtos ficaram mais baratos, mais modernos, mas não há mais indústria de componentes nacionais para os setores de comunicação, informática e  eletrônicos de consumo. Você não encontra empresa de componentes importante. Sumiram todas!

IEDI: Qual a relevância dessas mudanças para a indústria e para a economia brasileira?

Eugênio Staub: A indústria eletrônica se transformou numa indústria de montadoras finais baseada em incentivos da lei da informática e incentivos da Zona Franca de Manaus. Os produtos são montados no Brasil, mas o conteudo do produto, a inteligência do produto é importada. Nós viramos uma indústria montadora. O mercado cresceu muito. Só na área de consumo são R$60 bilhões por ano. Há poucos anos atrás eram R$ 15 bilhões.

O que houve foi uma desmontagem do segmento industrial substituído por uma indústria montadora final que trabalha com insumos importados. Isso é muito sério por 2 razões: 1) pelo fato em si; e 2) porque esse setor, na economia nacional e mundial, passou a ter muito mais relevância.

Quando se analisa aqui o declínio da indústria brasileira, um dos fatores é que não houve renovação de setores. Basta olhar para 1980. Na produção mundial o que representava a siderurgia, automobilística, têxtil e o que representava toda a eletrônica? Hoje, se você olhar o panorama mundial, em 2014, esse nosso setor cresceu muito mais que os demais. Esse setor sustenta países e aqui ele retrocedeu, o que significa que nós não fomos capazes de manter e fomentar esse setor. Isso é um desastre porque é aí que está o valor adicionado.

Oportunidades existem, o mercado doméstico brasileiro, sem contar exportação é muito importante. Dá para viabilizar várias indústrias de componentes, de componente de estado sólido, circuitos integrados, semicondutores. Você pode viabilizar uma indústria dessas só com Carteiras de Identidade, cartões de crédito, Carteiras de Habilitação, tudo com chip para 200 milhões de brasileiros, mas não há política industrial nesse setor. Enfim, o meu setor é um setor superficial hoje no Brasil, pouco relevante do ponto de vista de densidade industrial mas ele é um setor muito importante lá fora. Nós estamos defasados. O que tínhamos saiu e o que cresceu lá fora não veio.

IEDI: Qual o papel do governo e das políticas públicas nesse processo? 

Eugênio Staub: 
O governo não ouve a indústria, e também não tem muito mais indústria para ouvir. Os grandes players são multinacionais e, como é natural, não estão preocupados com os objetivos da estrategia brasileira do desenvolvimento. Nós só fazemos parte da estratégia internacional deles.

Do nosso lado, não ouvem quem entende, e desmontaram o setor que tinha bastante valor agregado nacional. O setor cresceu no mundo patrocinando o processo de desenvolvimento global. É importante na Coréia, na China e nos EUA, mas não há uma coordenação aqui no Brasil, só boas intenções.

Não há uma cabeça pensante e não tem a participação privada para conversar como é que isso pode ser resolvido. Então, as vendas no nosso setor vão bem, está se vendendo cada vez mais smartphones, mais tablets, os computadores diminuíram um pouco, mas foram substituídos por esses dois. Está se vendendo muita televisão, mas não sobra nada para o País já que o valor agregado que fica aqui é muito pequeno. Então o cenário é realmente muito ruim para a indústria nacional neste segmento.

E não é uma coisa que dá para chegar um novo governo e mudar. Tem que começar agora para daqui a 10 anos captar um resultado. A grande oportunidade nesse setor é que a tecnologia evolui. Então se perde um bonde e se pode pegar  outro.  O Eduardo Campos, quando era Ministro da Ciência e Tecnologia, sobre a oportunidade dos painéis de LCD, teve uma iniciativa muito interessante. Falamos do assunto com ele, ele ouviu e 2 meses depois me ligam da FIESP falando que o Ministro tinha pedido para eu abrir um seminário sobre OLED, que era o futuro painel. Eu fui lá, abri a reunião, e descobri que haviam mais de 15 institutos de pesquisa no Brasil que foram convidados e que estavam adiantados no assunto, desde o nordeste até o sul. Os cientistas estavam trabalhando, mas nunca houve uma coordenação e nós perdemos novamente esse bonde.

IEDI: Seria talvez um problema de escala de produção?

Eugênio Staub: Não, nós temos escala para isso. Por exemplo, o número de telefones celulares vendidos no país é 50 ou 60 milhões, porque mais 250 milhões de assinantes, na média tem mais de 1 telefone por brasileiro. E esses aparelhos ficam uns 3 ou 4 anos e depois as pessoas vão trocando. A média tem sido de 4 anos. Então há aqui um mercado anual de 60 milhões de celulares que estão produzindo uma revolução nos hábitos e na tecnologia que tem trazido muito mais valor agregado. Os telefones antigos todos vão ser descartados. Depois vem um smartphone mais moderno. A evolução tecnológica é a oportunidade que esse setor apresenta, mas temos que saber aproveitar isso e agarrar essa oportunidade.

IEDI: Dá para ser otimista a respeito de uma reindustrialização nesse setor?

Eugênio Staub: Do jeito que está hoje, nós vamos ser montadores daquilo que tiver incentivo fiscal para montar, a União está pagando com isenção de IPI, os Estados com isenção de ICMS para gerar empregos de montagem que no final trazem baixo investimento e baixo valor agregado. Portanto, eu estou pessimista com o nosso setor porque ninguém esta olhando para isso. E quando olhar, vai levar uns 10 anos para consertar. Vai haver o olhar, a disposição e vontade política de fazer alguma coisa em 10 anos? O Brasil é um país muito rico em pesquisadores e centros de pesquisas públicos e universidades, mas isso não esta sendo articulado. Está se jogando muito dinheiro fora fazendo pesquisa e desenvolvimento sem articulação e sem aplicação prática.

A nanotecnologia, que permeia todos os setores, é outra oportunidade. Há quem diga que é a ‘última tecnologia’ porque chegou a um tamanho tal que não haverá mais o que inovar. Estamos fazendo, até onde eu saiba, nada. A nanotecnologia impacta tudo. O que está acontecendo agora é que os computadores de mesa estão sendo substituídos por notebooks, tablets, smartphones, dispositivos que você usa e põe no bolso. A próxima etapa será a tecnologia entrando no corpo das pessoas. Vai se poder fazer diagnósticos com produto que você injeta na veia com nanotecnologia. E nós não estamos fazendo nada disso. E temos investimento em pesquisadores e infra-estrutura que poderia ser mobilizado nessa direção. Precisa de uma articulação, e uma gestão.

IEDI: Dentre as contrapartidas ao incentivo fiscal encontramos a exigência do cumprimento do PPB (processo produtivo básico), definido por produto, e a alocação de um percentual do faturamento em gastos com P&D. Essas medidas são positivas para o setor ou representam somente custo adicional? Cabe aí uma nova política para o setor de eletrônico?

Eugênio Staub: Cabe uma nova política industrial para esse setor, inteligente, e não que onere produtos. Hoje o que acontece é que os sindicados dos trabalhadores tentam ampliar o emprego nas montadoras. É exigido no PPB, por exemplo, que o carregador do seu celular seja nacional. Assim, acaba criando um oligopólio  que faz custar 4 vezes mais do que custa na China. A bateria que não é feita no país, é só montada tem que ter elementos nacionais. Dessa forma, os telefones mais baratos não vale a pena nem montar no Brasil por causa dessas exigências. E para fazer uma coisa inteligente tem que ter uma visão e vontade política para conseguir implantar isso. Qual o mérito de fazer um carregador de tomada no país? Quase nenhum.

IEDI: Sobre o PPB, o problema é a política em si ou a regulamentação dessa política, ou seja, exigir que seja nacional ?

Eugênio Staub: O problema é a ausência de uma política nacional para informática, telecomunicações, para o setor eletrônico de consumo. Tem pedaços como o PPB do telefone celular e outras, mas que não são políticas, são improvisações.

IEDI: Falta articulação? Porque nós temos o capital cientifico, então falta o elo com a indústria?

Eugênio Staub: Falta uma visão estratégica para esse setor, o que não é uma coisa fácil. É um grupo de pessoas que tem que se reunir para discutir o futuro desse setor, sem pressa. Não é para pensar o ano que vem, é para daqui 10 ou 20 anos. Para que em 2025 se comece a colher resultados. E esse segmento vai ficar mais importante ainda. Agora surgiu a telemedicina, que vai causar uma revolução na medicina, mas não há ainda um comprometimento público no País. Ela resolveria, em grande parte, o problema do atendimento médico no Brasil já que muita coisa você pode fazer em casa. Equipamentos que hoje não são caros e que são usados para medir os parâmetros principais podem ser enviados pela internet para o médico. Não precisa ficar na fila. Não é uma UTI, é um preventivo. Tem milhões de brasileiros com doenças que precisam ser monitoradas, como diabetes, que você não precisa ir no local, não precisa ocupar postos de saúde.

A tecnologia vai mudar a saúde. Há oportunidades na telemedicina, mas aí precisa de capital de poder de compra de Estado. O Estado precisa investir, como fez na indústria bélica. Tem que ter um projeto nacional e aí nós podemos nos tornar exportadores nessa categoria de produto.

Chegamos, aqui na Gradiente, a realizar um trabalho para localizar pesquisadores que inventaram algumas coisas revolucionárias na medicina. Um deles é um sistema de tomografia que não tem irradiação e é em tempo real. É uma cinta descartável que custa uns 50 dólares e você tem dados sobre o funcionamento do intestino, pulmão para diagnóstico. É fantástico! Essa pessoa conseguiu financiamento da Finep, que depois demorou a processar a contabilidade do projeto e acabou vendendo a empresa e é de um inventor brasileiro. Tem outro, o professor que inventou um equipamento, também com eletrônica, que aplica se no próprio consultório do médico e faz um diagnóstico do sistema digestivo. Tem muita coisa sendo feita, até mesmo com base nesse investimento em capital acadêmico, mas não vai para frente. Alguém tem que pegar isso e levar para frente, porque a maioria desses cientistas não são homens de negócio. Falta um comprometimento do governo em fazer apostas nesses casos. Poderá perder em alguns, mas vai ganhar em outros.

IEDI: E como fica a estrutura empresarial, nós temos?

Eugênio Staub: Acabou a indústria nacional. A Gradiente está muito longe do que era. No meu setor a Semp Toshiba praticamente acabou, a CCE foi vendida para a Lenovo. Em telecomunicações não ficou ninguém. Quando se tem uma vontade política e um projeto se viabilizam coisas incríveis. Por exemplo, a nossa urna eletrônica. Você vê eleições em outros países em papel, países desenvolvidos com muitas horas ou dias para serem apurados os resultados. Isso foi inventado no Brasil, foi uma empresa que viabilizou isso com dinheiro do Estado e o Brasil deu um avanço. A capacidade empreendedora e tecnológica está latente. O programa de Universidade sem Fronteiras, é muito bom, mas esse pessoal vai para lá estudar vão fazer o que quando voltar? Vai trabalhar no mercado financeiro? Precisa ter articulação. Potencial existe, o que precisa é de gestão coordenada e quem tem que assumir isso é o governo.

IEDI: E a eletrônica de consumo, tem algum nicho para salvação?

Eugênio Staub: Ela faz parte desse conjunto. Aqui na Gradiente, o ativo que temos  é a marca. Do resto não sobra mais nada, porque a engenharia foi sendo substituída por produto estrangeiro e  não há como investir em desenvolvimento tecnologico. Mas na área de consumo tem que se fazer um diagnostico de como será esse mercado daqui a 25 anos e ver quais são os cavalos em que nós, como país, vamos apostar e em qual nicho?

IEDI: E qual o papel da China nesse cenário? Ela foi promotora desse esvaziamento do setor eletrônico brasileiro ou já surgiu quando esse processo estava muito avançado?

Eugênio Staub: Não, isso foi culpa nossa. Primeiro os japoneses se aproveitaram disso e depois os coreanos. Hoje você não tem, no Brasil, no segmento de consumo, produto em que os coreanos detém 70% do mercado. A LG mais a Samsung detêm 70% do mercado de celulares, tablets, televisão. Montam aqui quando é conveniente. A Samsung, por exemplo, tem quase 50% do mercado de telefones celulares, que é um mercado de 20 bilhões de reais. A China é um parceiro complexo porque ela sabe o que ela quer, ela tem estratégia nacional que nós não temos. Ela não vai fazer estratégia para fortalecer o Brasil, que para ela é fornecedor de matéria-prima, alimentos e um eventual mercado para infra-estrutura e os produtos dela, mas fomentar uma indústria brasileira. Parceria Brasil-China é difícil. Veja o caso da Embraer, a empresa teve muitas dificuldades na China. Porque a China tem muito claro o que ela quer e não quer.

IEDI: Sobre a terceirização, pode-se dizer que é mais de uma fase anterior de computadores?

Eugênio Staub: O que se tem hoje são terceirizadores, como a Foxconn que é a maior delas, que trabalham para as marcas. A Foxconn trabalha para a Apple, Sony  e para outras marcas. Essas empresas são montadores terceirizados. Tem tecnologia de montagem, eficiência industrial, logística, mas não agregam nada ao país.

IEDI: Mas não há uma capacidade dessas empresas irem subindo no mercado, incorporando valor agregado, criando a marca? Como a Lenovo, que começou como uma terceirizada e hoje ela tenta ampliar sua abrangência?

Eugênio Staub: A Lenovo é uma empresa espetacular. Ela comprou o setor de microcomputadores da IBM, mais recentemente a Motorola, e construiu a marca dela. É uma empresa que vai longe. Ela está dentro de uma estratégia nacional, mas o desenvolvimento tecnológico é na China e é lá que fica o maior valor agregado. Até recentemente os chineses eram simplesmente uma solução de produção barata para as marcas japonesas, coreanas. Hoje tudo é feito na China. A estratégia deles que é a de criar marcas e a Lenovo é uma delas. Estas empresas estão conseguindo fazer este percurso porque estão inseridas dentro de uma estratégia nacional de desenvolvimento do setor. Elas têm uma posição muito importante dentro do mercado doméstico e estão inseridos dentro de uma estratégia de expansão internacional. A trajetória da empresa é semelhante à trajetória do próprio país.

IEDI: Quando você fala de estratégia interna é em vários aspectos, estratégia educacional, de inovação e tecnologia, de apoio ao empreendedorismo, de apoio ao setor, financiamento da pesquisa, inserção externa? Os nossos incentivos parecem ter avançado muito na sua abrangência?

Eugênio Staub: Eu acho que há uma quantidade enorme de incentivos que foram se agregando, e que nunca são reavaliados. Precisamos fazer uma avaliação disso e das desonerações e até os incentivos fiscais.

IEDI: Você falou muito estratégia e pouco de câmbio, é essa a ordem das coisas?

Eugênio Staub: Sim. Eu estou falando do setor. No macro eu acho que  grande parte dos nossos problemas seriam resolvidos com o câmbio. Nós devemos ir para os R$3,00/dólar. Eu acho que isso ajuda muito a superar a crise industrial dos setores tradicionais. Um setor como o meu, num primeiro momento essa mudança onera mais porque vai ficar mais caro, já que quase tudo é importado. Mas eu acho que a taxa do câmbio é uma questão estrutural brasileira que tem que ser resolvida.

IEDI: Pensando um pouco em termos de margem, câmbio é um problema por causa da concorrência do importado, mas do outro lado da cadeia, principalmente para eletrônicos de consumo, a concentração no varejo gera algum desafio para a indústria? E o varejo online?

Eugênio Staub: Nos últimos 5 anos, a distribuição se concentrou. Você tinha grandes empresas como Casas Bahia, Ponto Frio e Pão de Açúcar. Hoje elas são uma só, com mais de 40% do mercado. A Magazine Luiza comprou muitas empresas e hoje tem 720 lojas. Essas mudanças criaram um poder de barganha do canal de distribuição, mas você tem o caminho da desintermediação porque essas organizações são muito grandes e elas são ineficientes do ponto de vista de logística, de venda. É difícil você ser bem atendido em uma loja dessas. Então a oportunidade que tem aí é a desintermediação. A venda online que está crescendo.  É um canal em que o consumidor se tornou mais soberano.

Algumas empresas estão fazendo venda direta, mas ainda é muito difícil. E quando as grandes tentam entrar nessa área, as redes do varejo se opõem. Mas isso é uma coisa que vai se resolver porque brasileiro gosta de comprar online.

IEDI: Quais os rumos que você acredita que deve seguir para construir uma estratégia de desenvolvimento da indústria nacional?

Eugênio Staub: O que eu acho que é importante estudar é o peso desse setor telecomunicações, informática e consumo dentro das economias, brasileira versus outras emergentes e desenvolvidas. Uma grande mudança que houve é que antigamente a tecnologia estava dentro das empresas e era hermético. A Phillips tinha a dela, a Siemens tinha a dela,  e assim por diante, e você não conseguia acessar. Tinha que fazer acordo com as gigantes . E hoje está disseminado, você encontra tecnologia de qualquer coisa, à vontade. Circuito integrado, por exemplo, os chineses não tinham chip de circuito integrado, hoje há 3 empresas extraordinárias, altamente competitivas que estão inovando. Nesse caso, não é necessário ter a fabrica. O que interessa é ser o dono do projeto porque com isso você manda encomendar em outro lugar. A fabricação do circuito integrado é baratíssima. Taiwan, por exemplo, se especializou em fazer circuitos integrados que atende a grande parte das empresas, como Intel e Apple. Aliás, a Apple não tem fábrica de nada. Acho que tem que atrelar esse conceito a outros setores, à medicina e à saúde.

É isso, um setor que foi desmontado e que para remontar precisa pensar bastante, planejar bastante e ter muita vontade política. Eu não vejo ninguém cuidando disso. Uma estratégia é colocar o dinheiro do governo onde a compra do governo faz diferença, como por exemplo, na medicina. Eu acho que o problema da assistência médica no país em grande parte se resolve com tecnologia. As oportunidades estão aí e a tecnologia avança cada vez a passos mais largos. Tem que haver uma inteligência central que planeje e acompanha isso.

Fonte: Carta IEDI nº 654 - Entrevista com Eugenio Staub

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