O arrocho em marcha
A fornalha brasileira já acumula tensões suficientes para começar a produzir fatos que condensam os impasses e riscos embutidos na travessia de ciclo em curso.
A fornalha brasileira já acumula tensões suficientes para começar a produzir fatos que condensam , em ponto pequeno, os impasses e riscos embutidos na travessia de ciclo econômico em curso no país.
Nesta 3ª feira, por exemplo, os metalúrgicos da Volkswagen de São Bernardo do Campo recusaram uma proposta da montadora para contornar o excesso de mão-de-obra em relação à perspectiva das vendas e aos estoques nos pátios.
A Volks levou à mesa de negociações um elenco de medidas que incluía: um programa de demissões voluntárias; a suspensão do reajuste salarial de 2015; uma correção de folha abaixo da inflação em 2016; um abono para mitigar as perdas; e a promessa de investimentos da ordem de R$10 bilhões na unidade de São Bernardo, para a produção de três novos modelos de veículos.
A rejeição dos operários não poderá ser respondida com demissões em massa, por enquanto. Um acordo anterior, ainda em vigência, veta esse expediente .
Resta o "layoff".
Previsto na legislação, ele permite afastar operários por até cinco meses, quando passam a receber apenas uma parte do salário; outra, com teto até R$ 1,3 mil, é bancada por recursos do FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Problema número 1: no ano passado, o FAT teve um déficit de R$ 10,365 bilhões; o deste ano deve ficar acima de R$ 13 bi, exigindo repasses do Tesouro que o novo comando econômico pretende cortar.
Problema número 2: se isso acontecer, o FAT terá que usar recursos próprios, aplicados em projetos de infraestrutura através do BNDES.
Ou seja para amparar famílias assalariadas num eventual agravamento do desemprego, o FAT reduzirá aportes em logística – indispensáveis para encorajar o investimento privado e a geração de empregos...
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come?
O episódio é ilustrativo por encadear uma série de elementos com alta probabilidade de se repetir em escala ampliada no país nos próximos anos.
O caldo de cultura borbulha no tacho.
Vendas industriais em declínio; desemprego em alta no setor fabril; exigências leoninas para novos investimentos e o cobertor curto do Estado para harmonizar as partes em rota de colisão.
Faltou um ingrediente, porém, na mesa de negociações do ABC que talvez possa mudar esse cardápio.
No mínimo, representa uma chance de composição entre lógicas díspares que cada vez mais vão marcar a dinâmica da economia.
O elemento ausente na negociação é a força persuasiva de um amplo consenso político sobre as prioridades do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
O futuro do emprego, da renda, do investimento e da industrialização não pode mais ser decidido em mesas restritas.
Vive-se um divisor no qual essas decisões colocam em jogo o destino de toda a sociedade.
Se a equação não for mediada pela força e o consentimento derivados da organização do interesse coletivo –que compete aos partidos, aos sindicatos e aos movimentos sociais mobilizar-- o desfecho será o impasse.
Com ele, o desemprego, a míngua do investimento e o ocaso da economia lapidarão o rosto do país de amanhã.
Há perguntas estratégicas que uma mesa exclusivamente corporativa não pode responder.
Por exemplo: onde é mais importante aplicar os recursos fiscais escassos do país?
No pagamento de juros cada vez mais abusivos aos rentistas, como decidiu o Banco Central nesta 4ª feira ao elevar a Selic a 11,75%?
Ou na pavimentação acomodatícia de um chão firme para o emprego e o investimento industrial?
Não só isso.
Nos últimos quatro anos, a indústria automobilística remeteu R$ 35 bilhões em lucros às matrizes; ficou com 53,4% do total das desonerações concedidas pelo governo, quase R$ 8,5 bilhões; expandiu em apenas 0,04% ao ano o emprego no setor.
Existe, portanto, um crédito a zerar a favor do país.
Mas, sobretudo, há aí uma lição de como não se deve conceder incentivos sem contrapartidas estratégicas de interesse de toda a sociedade.
Isso quem faz é um governo fortemente ancorado em diretrizes abraçadas por uma convergência ampla de forças sociais.
Nada do que se refere ao futuro da industrialização brasileira poderá mais ser tratado assim com a frivolidade ou ligeireza.
Qualquer descompromisso deixará marcas profundas, talvez irreversíveis, no futuro do desenvolvimento.
É desse mirante mais amplo que se deve avaliar o impacto das medidas de arrocho fiscal e aperto monetária em marcha no país.
A elevação da Selic em mais meio ponto nesta 4ª feira (mais R$ 6 bilhões em juros) é um exemplo daquilo que encurrala o Brasil entre o mar e a rocha.
O governo parece entender que só existem duas saídas.
Ou atende a especulação financeira e mata o investimento produtivo –quem vai investir e gerar emprego se o governo está dizendo que vai esgoelar o nível de atividade?
Ou incentiva o investimento produtivo e abre guerra contra o capital parasitário.
Esse que hoje ameaça jogar o país nas cordas com uma saraivada de golpes que incluem fuga de capitais, especulação com o dólar, disparada de preços, perda de grau de investimento, etc.
Não se duvida do poder letal do dinheiro organizado na vida das nações no século XXI.
Mas o ônus de não afrontá-lo tampouco pode ser equiparado ao preço de galinha morta.
A nova e balofa alta nas taxas de juros vai acelerar a contagem regressiva para a irrupção de centenas, milhares de impasses semelhantes ao registrado agora no ABC paulista.
De um lado, trabalhadores instados a escolher entre a perda do emprego ou a dos salários; de outro, empresas premidas a cortar a produção e a folha, ou amargar prejuízos diante dos sinais contundentes de uma demanda em parafuso.
Isso vai levar à retomada do investimento na economia brasileira?
Nos últimos doze meses a produção industrial já acumulou queda de 2,6%.
Em outubro a queda mensal foi de 3,6%: oitavo resultado negativo subsequente.
Nos últimos dez anos, a demanda brasileira por manufaturados criou um milhão de empregos –na China, graças ao vazamento de demanda interna para importações favorecidas pela valorização do Real.
O déficit comercial do país na área de manufaturas somou meio trilhão de dólares nos últimos 15 anos.
Nas últimas três décadas, de 1982 a 2012, a participação da indústria no PIB recuou quase 13%.
Um levantamento do jornal Valor mostra que em numa lista de 22 países, a indústria brasileira só perdeu menos espaço que a da Polônia.
Repita-se, não é conjuntural.
No ciclo de governos do PT essa corrosão foi de 3,9 pontos; nos dez anos anteriores, marcados pelo ciclo do PSDB, foram oito pontos.
O definhamento da estrutura industrial –principal núcleo irradiador da produtividade requerida por novos saltos na justiça social—não apenas persistiu no tempo.
Ela se espalhou como uma metástase no metabolismo fabril do país.
Asfixiada pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria perdeu elos importantes em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Máquinas foram trocadas por guias de importação.
Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.
Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.
Não por acaso, as taxas de desemprego hoje são proporcionalmente maiores entre a mão de obra qualificada do que junto aos trabalhadores sem especialização.
É possível mitigar essa sangria com medidas paliativas, a exemplo dos incentivos e desonerações acionados pelo governo?
Por algum tempo.
O exemplo da Volkswagen, porém, evidencia que o modelo atingiu um ponto de saturação.
O dinamismo perdido terá que ser substituído agora por uma gigantesca determinação de reverter e redesenhar a engrenagem industrial brasileira.
Não é café pequeno.
É uma tomada de posição política.
Requer amplo e desassombrado debate.
Em que tipo de país a sociedade quer viver no futuro?
Com qual distribuição de renda?
Com empregos e salários de que qualidade?
Com que margem de soberania para decidir o seu destino e o destino de seu desenvolvimento?
Não decidir, muitas vezes, é a forma de decidir de maior custo político.
Deixar que os impasses se multipliquem nas mesas de negociações e daí escorreguem para as estatísticas de desemprego e a suspensão de investimentos acarretará uma fatura de valor elevadíssimo às próximas gerações.
Quem vê no capitalismo apenas um sistema econômico e não uma engrenagem de dominação que se calcifica em mecanismos políticos e sociais poderá se deixar iludir pelas ditas soluções ‘ de mercado’.
Tal escolha subestima os impactos daquilo que está em gestação no país.
A coagulação rentista da sociedade, com uma elite perfeitamente integrada ao circuito da alta finança global, amesquinhará a democracia, recusando-lhe instrumentos para dar à riqueza a sua finalidade social.
A maximização do retorno financeiro contamina todas as dimensões do cálculo econômico submetendo as demais instancias do mercado a padrões de retorno irreproduzíveis na esfera produtiva.
Sem o investimento que eleva a produtividade, a única maneira de se melhorar a competitividade é pela depreciação do salário direto e indireto, que agrava a desigualdade corroendo dede holerites a serviços públicos.
É essa arapuca histórica que perpassa os impasses em marcha no ABC paulista nesse momento.
Não é um vaticínio. É uma realidade em sedimentação.
A mesma que já se marmorizou em economias até mais pujantes e estruturadas que a do Brasil, mas enredadas pioneiramente na mesma lógica.
Por exemplo, a dos EUA.
Sua opção desindustrializante, associada ao fastígio do poder financeiro criou nos últimos quarenta anos uma espiral de decadência social e supremacia plutocrática que atingiu o coração do seu modo de vida, assentado na mobilidade da classe média e na transparência da democracia.
Quem acredita que os mercados conduzirão o Brasil a bom termo convém ler o artigo da economista Laura Tyson, publicado originalmente no Project Syndicate e veiculado também pelo Valor Econômico (03-12).
Ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Bill Clinton, Tyson fala de um processo de encarceramento da sociedade pelo dinheiro organizado da plutocracia financeira. Às vezes parece falar do Brasil.
Abaixo, trechos:
“Há muitas décadas a desigualdade de renda nos Estados Unidos vem aumentando de forma significativa - e as tendências não mostram sinais de reversão. A ocasião anterior em que o nível de desigualdade esteve tão alto foi logo antes da Grande Depressão;
Por trás do aumento da desigualdade no país está a estagnação de renda da maioria dos americanos. Enquanto uma parcela cada vez maior dos ganhos do crescimento econômico flui para uma diminuta fração de famílias de alta renda nos EUA, a renda da família média dos 90% na base da pirâmide está estagnada desde 1980;
O principal culpado por trás da sorte cada vez pior da classe média dos EUA é o baixo crescimento dos salários. Depois de chegar ao pico no início dos anos 70, a mediana da renda real (ajustada pela inflação) dos trabalhadores em tempo integral, na faixa entre 25 e 64 anos ficou estagnada, em parte em consequência da desaceleração do crescimento da produtividade e em parte pela diferença gritante entre o crescimento dos salários e o da produtividade.
Além disso, a globalização e as mudanças tecnológicas reduziram a proporção dos empregos de capacitação média em relação ao total, enquanto a parcela dos empregos de baixa capacitação aumentou.
O ajuste de contas chegou com a crise financeira de 2007 e 2008. Deste então, o crescimento do consumo agregado mostra-se fraco, com as famílias de baixa e média renda forçadas a reduzir a captação e pagar dívidas, muitas vezes com dolorosos calotes em suas residências - seu ativo primário (e, frequentemente, o único).
Desde o fim da recessão, em 2009, o consumo real dos 5% do topo da pirâmide aumentou 17%, em comparação com o 1% nos demais 95%. O padrão da recuperação reforçou as tendências de longo prazo. Em 2012, os 5% do topo representavam 38% do consumo pessoal, em comparação aos 27% verificados em 1995. A parcela do consumo dos 80% da base da pirâmide caiu de 47% para 39%.
Como resultado, o sistema político dos EUA é cada vez mais dominado pelo dinheiro. Esse é um claro sinal de que a desigualdade de renda nos EUA chegou a patamares nos quais ameaça não apenas a expansão econômica, mas também a saúde de sua democracia.”
Nesta 3ª feira, por exemplo, os metalúrgicos da Volkswagen de São Bernardo do Campo recusaram uma proposta da montadora para contornar o excesso de mão-de-obra em relação à perspectiva das vendas e aos estoques nos pátios.
A Volks levou à mesa de negociações um elenco de medidas que incluía: um programa de demissões voluntárias; a suspensão do reajuste salarial de 2015; uma correção de folha abaixo da inflação em 2016; um abono para mitigar as perdas; e a promessa de investimentos da ordem de R$10 bilhões na unidade de São Bernardo, para a produção de três novos modelos de veículos.
A rejeição dos operários não poderá ser respondida com demissões em massa, por enquanto. Um acordo anterior, ainda em vigência, veta esse expediente .
Resta o "layoff".
Previsto na legislação, ele permite afastar operários por até cinco meses, quando passam a receber apenas uma parte do salário; outra, com teto até R$ 1,3 mil, é bancada por recursos do FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Problema número 1: no ano passado, o FAT teve um déficit de R$ 10,365 bilhões; o deste ano deve ficar acima de R$ 13 bi, exigindo repasses do Tesouro que o novo comando econômico pretende cortar.
Problema número 2: se isso acontecer, o FAT terá que usar recursos próprios, aplicados em projetos de infraestrutura através do BNDES.
Ou seja para amparar famílias assalariadas num eventual agravamento do desemprego, o FAT reduzirá aportes em logística – indispensáveis para encorajar o investimento privado e a geração de empregos...
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come?
O episódio é ilustrativo por encadear uma série de elementos com alta probabilidade de se repetir em escala ampliada no país nos próximos anos.
O caldo de cultura borbulha no tacho.
Vendas industriais em declínio; desemprego em alta no setor fabril; exigências leoninas para novos investimentos e o cobertor curto do Estado para harmonizar as partes em rota de colisão.
Faltou um ingrediente, porém, na mesa de negociações do ABC que talvez possa mudar esse cardápio.
No mínimo, representa uma chance de composição entre lógicas díspares que cada vez mais vão marcar a dinâmica da economia.
O elemento ausente na negociação é a força persuasiva de um amplo consenso político sobre as prioridades do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
O futuro do emprego, da renda, do investimento e da industrialização não pode mais ser decidido em mesas restritas.
Vive-se um divisor no qual essas decisões colocam em jogo o destino de toda a sociedade.
Se a equação não for mediada pela força e o consentimento derivados da organização do interesse coletivo –que compete aos partidos, aos sindicatos e aos movimentos sociais mobilizar-- o desfecho será o impasse.
Com ele, o desemprego, a míngua do investimento e o ocaso da economia lapidarão o rosto do país de amanhã.
Há perguntas estratégicas que uma mesa exclusivamente corporativa não pode responder.
Por exemplo: onde é mais importante aplicar os recursos fiscais escassos do país?
No pagamento de juros cada vez mais abusivos aos rentistas, como decidiu o Banco Central nesta 4ª feira ao elevar a Selic a 11,75%?
Ou na pavimentação acomodatícia de um chão firme para o emprego e o investimento industrial?
Não só isso.
Nos últimos quatro anos, a indústria automobilística remeteu R$ 35 bilhões em lucros às matrizes; ficou com 53,4% do total das desonerações concedidas pelo governo, quase R$ 8,5 bilhões; expandiu em apenas 0,04% ao ano o emprego no setor.
Existe, portanto, um crédito a zerar a favor do país.
Mas, sobretudo, há aí uma lição de como não se deve conceder incentivos sem contrapartidas estratégicas de interesse de toda a sociedade.
Isso quem faz é um governo fortemente ancorado em diretrizes abraçadas por uma convergência ampla de forças sociais.
Nada do que se refere ao futuro da industrialização brasileira poderá mais ser tratado assim com a frivolidade ou ligeireza.
Qualquer descompromisso deixará marcas profundas, talvez irreversíveis, no futuro do desenvolvimento.
É desse mirante mais amplo que se deve avaliar o impacto das medidas de arrocho fiscal e aperto monetária em marcha no país.
A elevação da Selic em mais meio ponto nesta 4ª feira (mais R$ 6 bilhões em juros) é um exemplo daquilo que encurrala o Brasil entre o mar e a rocha.
O governo parece entender que só existem duas saídas.
Ou atende a especulação financeira e mata o investimento produtivo –quem vai investir e gerar emprego se o governo está dizendo que vai esgoelar o nível de atividade?
Ou incentiva o investimento produtivo e abre guerra contra o capital parasitário.
Esse que hoje ameaça jogar o país nas cordas com uma saraivada de golpes que incluem fuga de capitais, especulação com o dólar, disparada de preços, perda de grau de investimento, etc.
Não se duvida do poder letal do dinheiro organizado na vida das nações no século XXI.
Mas o ônus de não afrontá-lo tampouco pode ser equiparado ao preço de galinha morta.
A nova e balofa alta nas taxas de juros vai acelerar a contagem regressiva para a irrupção de centenas, milhares de impasses semelhantes ao registrado agora no ABC paulista.
De um lado, trabalhadores instados a escolher entre a perda do emprego ou a dos salários; de outro, empresas premidas a cortar a produção e a folha, ou amargar prejuízos diante dos sinais contundentes de uma demanda em parafuso.
Isso vai levar à retomada do investimento na economia brasileira?
Nos últimos doze meses a produção industrial já acumulou queda de 2,6%.
Em outubro a queda mensal foi de 3,6%: oitavo resultado negativo subsequente.
Nos últimos dez anos, a demanda brasileira por manufaturados criou um milhão de empregos –na China, graças ao vazamento de demanda interna para importações favorecidas pela valorização do Real.
O déficit comercial do país na área de manufaturas somou meio trilhão de dólares nos últimos 15 anos.
Nas últimas três décadas, de 1982 a 2012, a participação da indústria no PIB recuou quase 13%.
Um levantamento do jornal Valor mostra que em numa lista de 22 países, a indústria brasileira só perdeu menos espaço que a da Polônia.
Repita-se, não é conjuntural.
No ciclo de governos do PT essa corrosão foi de 3,9 pontos; nos dez anos anteriores, marcados pelo ciclo do PSDB, foram oito pontos.
O definhamento da estrutura industrial –principal núcleo irradiador da produtividade requerida por novos saltos na justiça social—não apenas persistiu no tempo.
Ela se espalhou como uma metástase no metabolismo fabril do país.
Asfixiada pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria perdeu elos importantes em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Máquinas foram trocadas por guias de importação.
Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.
Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.
Não por acaso, as taxas de desemprego hoje são proporcionalmente maiores entre a mão de obra qualificada do que junto aos trabalhadores sem especialização.
É possível mitigar essa sangria com medidas paliativas, a exemplo dos incentivos e desonerações acionados pelo governo?
Por algum tempo.
O exemplo da Volkswagen, porém, evidencia que o modelo atingiu um ponto de saturação.
O dinamismo perdido terá que ser substituído agora por uma gigantesca determinação de reverter e redesenhar a engrenagem industrial brasileira.
Não é café pequeno.
É uma tomada de posição política.
Requer amplo e desassombrado debate.
Em que tipo de país a sociedade quer viver no futuro?
Com qual distribuição de renda?
Com empregos e salários de que qualidade?
Com que margem de soberania para decidir o seu destino e o destino de seu desenvolvimento?
Não decidir, muitas vezes, é a forma de decidir de maior custo político.
Deixar que os impasses se multipliquem nas mesas de negociações e daí escorreguem para as estatísticas de desemprego e a suspensão de investimentos acarretará uma fatura de valor elevadíssimo às próximas gerações.
Quem vê no capitalismo apenas um sistema econômico e não uma engrenagem de dominação que se calcifica em mecanismos políticos e sociais poderá se deixar iludir pelas ditas soluções ‘ de mercado’.
Tal escolha subestima os impactos daquilo que está em gestação no país.
A coagulação rentista da sociedade, com uma elite perfeitamente integrada ao circuito da alta finança global, amesquinhará a democracia, recusando-lhe instrumentos para dar à riqueza a sua finalidade social.
A maximização do retorno financeiro contamina todas as dimensões do cálculo econômico submetendo as demais instancias do mercado a padrões de retorno irreproduzíveis na esfera produtiva.
Sem o investimento que eleva a produtividade, a única maneira de se melhorar a competitividade é pela depreciação do salário direto e indireto, que agrava a desigualdade corroendo dede holerites a serviços públicos.
É essa arapuca histórica que perpassa os impasses em marcha no ABC paulista nesse momento.
Não é um vaticínio. É uma realidade em sedimentação.
A mesma que já se marmorizou em economias até mais pujantes e estruturadas que a do Brasil, mas enredadas pioneiramente na mesma lógica.
Por exemplo, a dos EUA.
Sua opção desindustrializante, associada ao fastígio do poder financeiro criou nos últimos quarenta anos uma espiral de decadência social e supremacia plutocrática que atingiu o coração do seu modo de vida, assentado na mobilidade da classe média e na transparência da democracia.
Quem acredita que os mercados conduzirão o Brasil a bom termo convém ler o artigo da economista Laura Tyson, publicado originalmente no Project Syndicate e veiculado também pelo Valor Econômico (03-12).
Ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Bill Clinton, Tyson fala de um processo de encarceramento da sociedade pelo dinheiro organizado da plutocracia financeira. Às vezes parece falar do Brasil.
Abaixo, trechos:
“Há muitas décadas a desigualdade de renda nos Estados Unidos vem aumentando de forma significativa - e as tendências não mostram sinais de reversão. A ocasião anterior em que o nível de desigualdade esteve tão alto foi logo antes da Grande Depressão;
Por trás do aumento da desigualdade no país está a estagnação de renda da maioria dos americanos. Enquanto uma parcela cada vez maior dos ganhos do crescimento econômico flui para uma diminuta fração de famílias de alta renda nos EUA, a renda da família média dos 90% na base da pirâmide está estagnada desde 1980;
O principal culpado por trás da sorte cada vez pior da classe média dos EUA é o baixo crescimento dos salários. Depois de chegar ao pico no início dos anos 70, a mediana da renda real (ajustada pela inflação) dos trabalhadores em tempo integral, na faixa entre 25 e 64 anos ficou estagnada, em parte em consequência da desaceleração do crescimento da produtividade e em parte pela diferença gritante entre o crescimento dos salários e o da produtividade.
Além disso, a globalização e as mudanças tecnológicas reduziram a proporção dos empregos de capacitação média em relação ao total, enquanto a parcela dos empregos de baixa capacitação aumentou.
O ajuste de contas chegou com a crise financeira de 2007 e 2008. Deste então, o crescimento do consumo agregado mostra-se fraco, com as famílias de baixa e média renda forçadas a reduzir a captação e pagar dívidas, muitas vezes com dolorosos calotes em suas residências - seu ativo primário (e, frequentemente, o único).
Desde o fim da recessão, em 2009, o consumo real dos 5% do topo da pirâmide aumentou 17%, em comparação com o 1% nos demais 95%. O padrão da recuperação reforçou as tendências de longo prazo. Em 2012, os 5% do topo representavam 38% do consumo pessoal, em comparação aos 27% verificados em 1995. A parcela do consumo dos 80% da base da pirâmide caiu de 47% para 39%.
Como resultado, o sistema político dos EUA é cada vez mais dominado pelo dinheiro. Esse é um claro sinal de que a desigualdade de renda nos EUA chegou a patamares nos quais ameaça não apenas a expansão econômica, mas também a saúde de sua democracia.”
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