Um feito de um "santo de casa"
Conta o imaginário popular que "santo de casa não faz milagre", o que cabe em geral falar quando há descrença sobre a competência para o feito por alguém de pouca habilidade em solucionar certas tarefas domésticas, o que de certa maneira é uma daquelas expressões que mais parece uma provocação a algum pretendente que ouse realizar algum desafio bem aos olhos de um, seu íntimo, conhecido, e que muitas vezes pode nem se confirmar como uma verdade.
O fato de se ter uma ideia, nesse caso o milagre é um ideia, e ela ter ocorrido a alguém em dada ocasião, que pode colocá-la em prática, tê-la registrado fora do seu pensamento, publicado, algo que nos ofereceria matéria, fonte qualificada, para daí podermos posteriormente verificar se houve na história desse tipo de evento, literário, intelectual, outro criador que tenha pensado daquele jeitinho, também feito o mesmo, um cópia e cola, algo assim, assim, daí teríamos a prova, a constatação que os dois santos teriam realizado o tal milagre, cada um no seu tempo é espaço, e primado pela identidade.
Em se tratando de uma celebridade da cultura nacional, Nelson Rodrigues, se encaixa muito bem na categoria de autor de importantes feitos, que no linguajar popular seria quase um "santo milagreiro" da nossa cultura, no excelente sentido. Um pensador conservador e escritor de inúmeros textos brilhantes, cevados de bom vocabulário, comparável a poucos em substrato e ineditismo. Em seu artigo "Consciência de classe" publicado no Jornal da Tarde no dia 6 de maio de 1974, pude constatar uma prévia, a partir de um trecho desse texto, do que obteria uma marca fiel do seu pensamento, e que antecipa em mais de duas décadas e meia uma declaração do escritor e filósofo italiano Umberto Eco, dada durante o evento em que ele recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim em 10 de junho de 2020.
Adiantando o papo, transcrevo o que li em matéria da grande mídia sobre o filósofo italiano: "crítico do papel das novas tecnologias no processo de disseminação de informação, o escritor e filólogo italiano Umberto Eco afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma "legião de imbecis" que antes falavam apenas "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade".
De acordo com Eco, "a TV já havia colocado o "idiota da aldeia" em um patamar no qual ele se sentia superior. "O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade". O filósofo ainda acrescentou algo que pode ser comparado ao que chamamos agora de fact-cheking e aconselhou os jornais a filtrarem com uma "equipe de especialistas" as informações da web porque ninguém é capaz de saber se um site é "confiável ou não". Quem diria! Segundo o escritor, 'idiotas' têm o mesmo espaço de Prêmios Nobel.
O escritor Nelson Rodrigues, nosso santo da casa, gravaria com primazia a autoria dessa joia de pensamento: “O grande acontecimento do século XIX foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota. Até então, o idiota era apenas idiota e como tal se comportava. (…) Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais atreveu-se a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do lugar. Em 50 mil, ou cem, ou duzentos anos, nunca um idiota ousou questionar os valores da vida. Simplesmente não pensava. Os ‘melhores’ pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam por ele. (…) Deve-se ao Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram que são em maior número e sentem a embriaguez da onipotência numérica (...)”.
Esse é o feito que considero pioneiro quanto a ideia que define o "idiota", o "imbecil" citado pelo Eco, um pensamento do nosso santo de casa Nelson Rodrigues.
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