Palavras de Rita: "Só os canalhas é que falam que estão apaixonados".
Certa tarde, Horácio parecia preso em sua cadeira giratória buscando no Google informações muito complexas para uma simples leitura vespertina, daí como se quisesse se desprender delas se voltou para a sua esquerda, numa intenção, ficando de frente para sua amiga de pesquisa provocando-a com perguntas sobre as mudanças nos padrões de relacionamento entre as pessoas mais jovens. Numa conversa despretensiosa fui esmiuçando suas idéias e instigando a "pretty girl" de vinte e quatro anos a responder o que pensava sobre os relacionamentos de seus conhecidos, ou melhor, dos garotos e das garotas do seu tempo. Horácio considerou tudo para si mesmo, sem comentar, que muitos “jovens de meia idade”, da idade dele, também passaram a agir tal qual os jovens da turma da sua amiga. Muitos gatos pardos na noite da cidade.
O interessante nesse diálogo é que Horácio esperava não parasse por ali, o que trouxe uma inusitada curiosidade mergulhando os dois numa troca de impressões, para ele, de como os jovens “aprendizes” de estratégias e de jogos de conquistas agiam realmente para serem felizes. Para ela, objetiva, de como se acham preparados para os relacionamentos e o conhecimento dos seus novos parceiros.
Nessa fase emocionante o que impressiona é que tudo está acontecendo num passar de olhos rápidos, o raio-x do interesse se dá como numa caçada absolutamente racional, pretensamente planejada, uma “pegada” que não caminha, voa, e a rapidez do desinteresse pelos parceiros da mesma forma. Os processos deflagrados mistura tudo, o que é percepção se dobra ao instinto, e todos se encontram num caldeirão de êxtase que chega às raias do que parece impossível, inimaginável ao escritor de ficção, sem dúvida nenhuma fazendo um “dinossauro” como ele, Horácio, mais um “deliquente de meia idade”, se sentir subitamente “um objeto útil”, frente à velocidade alucinante como as coisas acontecem.
O interesse em uma relação, pelo o outro, sem a presença dos tabus, valores, padrões e limitações de gerações anteriores abriu novas e tantas possibilidades, de criativas relações (pegante, ficante, amaciante, beijante, etc), e as meninas incorporaram com impressionante maestria o que os rapazes já faziam há tempos. Uma amiga coleciona uns cinco namorados, ela ressaltou. Na cabeça de Horácio tudo passou a ter um certo sentido, o mostrar-se sincero nas emoções, dizer-se apaixonado, se tornou uma coisa perigosa demais no jogo da conquista, do “querer ter” sem medida, o interesse pelo outro vai até o limite do mistério, do prazer anônimo, alguma revelação essencial, do pulsar interior, da emoção espontânea, do sentimento romântico pode acabar todo o encantamento, o entusiasmo hormonal é delicado e sutil, pode não sobrar nada para dar continuidade a pretendidas descobertas do que o outro possa se tornar na sua fantasia, o desejo introduz a todos por uma enorme “selva de epiléticos”, da lei que impede qualquer vacilo sentimental. Ser romântico é como se apresentar nu na porta do outro, ser “bobinha” é apenas uma tática excitante, mas sem ser desinteressante para quem não pretende se sentir “preso” ao outro real, separado da couraça, dos cinturões que amarram a boca do coração. Falar que está apaixonado é fatal. A fila anda. Só os canalhas falam isso. Dar flores é cair no lugar comum. Pode ser um truque! Ela foi taxativa em suas impressões apesar de sua bagagem "leve" de vida.
A “grande ilusão” se aquece com ou sem a luz do sol. Os paradigmas mudaram nessa seara, e Horácio procura sentí-la e entender. O que não quer dizer que ninguém mais se perceba, mesmo sem querer, andar nas nuvens, nos braços da desenraizada emoção humana, se entregando a uma “paixão de lagartixa”, e parar num vendedor de flores pensando nela. Longe disso, na vida essas loucuras ainda acontece.
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