A alergia dos signos
Saí rápido do salão indo até o corredor, sentei calmamente para calçar os tênis evitando contar os minutos da espera, sentido certo de que teria mais um encontro prazeroso com Ludmilla, ela me reconhece intimamente e o coração bate acelerado no seu tempo.
Repentinamente Ludmilla aparece na área, levanto a cabeça ao vê-la e começamos a papear na freqüência e intensidade das sinapses elétricas de nossas células. Pra-ra-ti-bum, raios, sinos, o relógio pára. Existe algo valioso entre a gente. O olho não mente quando o coração dispara e provoca o espírito da coisa e o instinto indefectível da carne.
-Você está melhor da alergia (respiratória)? Melhorou da tosse? Fui puxando assunto.
- Sim. Ela respondeu.
Continuei: Eu tive que me tratar quando criança, sempre sofri de alergia (das vias respiratórias)... nós os geminianos - quis pôr a cor dos nossos signos na idéia, sabendo que nascemos quase no mesmo dia, um ontem e o outro hoje -, temos essa característica de somatizar as emoções, uma tendência de sofrer com as alergias trazidas pelas vias aéreas - pensei em falar da terapia como uma responsável pela revolução do meu metabolismo, da renovação da vida e a auto-regulação propiciada, quando mudei meu pensamento complementando minha atitude de maneira diferente, consequência da criatividade, da poesia presente na gente -, mas, temos (nós geminianos) outras benesses, não é?
Ludmilla de imediato completou:
- É, ser (muito) volúvel. E sem dizer mais nada Ludmilla desceu rapidamente os degraus em um inusitado silêncio que ficou no ar me deixando na esperança de abraçá-la mais uma vez.
Fátima que havia “pegado o bonde andando” caiu de pára-quedas e emendou o texto de Ludmilla fazendo uma alusão acintosa, relacionando o modo de ser de meu astral geminiano (o mesmo signo de Ludmilla) ao (um suposto comportamento) “volúvel” ou “muito volúvel” que tinha acabado de ouvir. Uma intervenção no mínimo estranha.
- Ela está falando dela. Comenta Ana Clara convicta e com “ar de psicanalista” atenta às palavras soltas (que na maioria das vezes “de solta não tem nada”) ditas com naturalidade por Ludmilla, mas que para nossa percepção representou um claro lapso.
Mas Fátima retruca com sua perspicácia querendo indicar que foi uma observação óbvia sobre o “volúvel” eu mesmo. Ela como minha melhor amiga sabendo de histórias passadas de certas relações que não guardo segredo pra ninguém, logo ela que considero demais, apontava um fogo amigo poderoso e oportunamente disparado nessa ocasião. Deduzi pelo reforço na expressão dela, apropriada a situação, ao parecer se eximir da autoria temperada com uma pitada de poison, diferente da colocação feita anteriormente por Ludmilla, agora estava mais que munida de inerente “achometro” distorcendo a conotação da palavra “volúvel”, a qual se transformou numa implícita e forte indicação valorativa direcionada ao meu apaixonado coração geminiano. O que Fátima queria informar com esse julgamento?
Em uma sintonia original Ana Clara ratificou: Não falei de você Fátima, não me referi a você quando disse “ela falou dela” (como volúvel) e sim, falei do que ela (Ludmilla) disse mesmo pra si, numa referência (hum) tanto quanto terapêutica que diz: ao falarmos do outro estamos sim, nos revelando.
Levantei apressando os movimentos descendo as escadas tentando acompanhar Ludmilla, a chamei com a voz meio nervosa em um tom agudo suave mesclado de sorrisos:
- Isso é uma séria colocação... Ludmilla, pera aí, venha cá! Insisti. Mas ela se foi, entrando na noite úmida, reparei que logo foi acolhida por alguém que a esperava do outro lado da rua.
Respirei. Pausa. Só pretendia esticar um pouco mais o nosso papo gostoso, de admiração mútua e instigante, numa maior aproximação de nossas energias. A lua nos ignorou passando pela emoção daquele curto instante de nosso encontro interrompido.
Fátima também já chegara ao térreo se distanciando, eu e Ana Clara combinávamos uma “carona” minha, a pé, até o seu carro.
Daí pensei:
Existiu uma acusação fria, de ser volúvel? Seria uma direta fatal (segundo Fátima, em seu papo reto), ou não passou simplesmente de uma declaração contextualizada sobre o jeito de amar dos geminianos?
Sei que possivelmente posso estar errado na interpretação, dessa coisa de ser o destinatário do “volúvel”, mas de uma certeza eu tenho, indubitavelmente escrevo aqui sobre essa condição inverossímil, nesse momento:
- Declarar “eu te amo”, confessar estar apaixonado faz tanta diferença, detona uma força atômica orgânica. E digo e repito de uma única vez por todas, quando mudo meu taco de direção (pois confio nele), é porque tomei todo o cuidado na completa confirmação de que o outro (o “feminino”) não está em sintonia de nenhum diálogo afetivo. Um não como razão, é sinal de ficar fora da parada, considero um não, um não. Respeito profundamente as escolhas, nem aprofundo em nóias. No máximo roubo um beijo para jogar uma pá de cal (se acontecer a rejeição) e descomplico o processo abrindo espaços; posso sofrer com minha liberdade de opção, sem evitar buscar superar meus processos, para continuar vivendo sem a dúvida que trava o crescimento, tentar ser mais feliz com minhas próprias asas, amar como animal saudável e caminhar por outras praias com sentimentos sem as pedras do rancor ou ciúmes que pesem. Leve desenlaço. Afinal, diz-se que coração dos outros é terra que ninguém anda, só se sente, e é importante permanecer bem se for verdadeiro! O que mais posso dizer?
Um comentário:
Meu poeta amante, interessantíssimo o texto. Senti um pouco de ódio por haver pré-conceito e julgamento de algo dito banalmente. Mas para esclarecer...acho que não, seria mais para justificar: volúvel - que muda de opinião muito rapidamente (como nós geninianos) e, também, cabe aqui: volátil - que some muito rapidamente. Ressalto, que o ódio, raiva, sei lá...foi momentâneo. Agora quero mais que os outros roam as unhas de curiosidade, pois, nunca saberão o que acontece entre a gente. Um grande beijo e um abraço delicioso - Ludmila.
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