Once the spell is broken
“Todo homem possui duas biografias eróticas. Em geral só se fala da primeira, que se compõe de uma lista de casos e de encontros amorosos.
A mais interessante é, sem dúvida alguma, a outra biografia o bando de mulheres que queríamos ter e que nos escaparam, a história dolorosa das possibilidades irrealizadas.
Mas existe ainda uma terceira, uma misteriosa e inquietante categoria de mulheres. Elas nos agradam, nós lhes agradamos, mas ao mesmo tempo compreendemos logo que não podíamos tê-las porque, na nossa relação com elas, nos encontrávamos do outro lado da fronteira”.
Ao reparar nas entrelinhas dessa passagem do “o livro do riso e do esquecimento” Horácio dormiu bem melhor, muito tarde, como sempre, largando-se pesadamente sobre a cama. Mas, foi sacudido desde as primeiras horas de luz matutina que, batendo no alumínio e vidros da janela de seu quarto, levantou o dia que veio estender uma lona de calor em ondas sobre o colchão do aturdido amante. Abria-se uma manhã entorpecente, fazendo-o suar e levantar-se incomodado com a quentura martelada pelo mormaço. O sol vinha acompanhado de memórias que passeava por cantos descascados de tintas, e quinas de encantos quebrados, assentando-se sobre seu peito de pelos grisalhos.
Inquieto, Horácio, acordara de olhos debruçados numa ressaca de experiências recentes, quando teve um sonho desmanchado – acontece às vezes, isso arranhava ainda mais o desejo de escrever, e fosse o que fosse, importava, não como o começo, era o final que tinha significado, o que lhe motivava a apoiar-se nas idéias e por as mãos sobre o rosto estampando um olhar reflexivo que o estimulava seguir o impulso, o silencioso desespero por entender o que tinha restado de bom, em decifrar a parte do que ele considerava especial e positivo na experiência com a “pequena” gaúcha Ludmila, mulher com dificuldade em reconhecer sua sensualidade, contudo mostrava-se com pele doce e cadeiras cheia de fogo no intento da conquista fortuita, tinha um jogo de sensualidade inconsequente por ignorar o imprevisto de suas respostas gostosas. Não era sua intenção chegar as vias de fato, o ato em si, mesmo porque, como já se sabia, tinha uma história... sua fronteira, e o objetivo, talvez inconsciente, era o controle da situação, o domínio da emoção, a afirmação de seu poder de sedução. Um exercício do charme feminino.
Riso e esquecimento era o que o fazia perceber, e tocar a fronteira. E assim, o solitário poeta reconsiderou suas limitações, idiossincrasias de um delinquente de meia idade diante de uma oportunidade única apresentada pela vida, esqueceria as “coisas do coração” e a palpável barreira da decepção. Sua decisão era consciente, então foi direto ao Paraíso. Passara a noite em companhia de Marie Etiene, quando aprendera num dedinho de prosa bilingue uma receita nova de sobremesa, juntos apetitosamente dedaram, lamberam e deliciaram sabores. Apenas não fizeram amor. No melhor sentido, esse era um conceito desconstruido por Horácio, e sobre isso revelava que no sexo com amor havia uma realização de integração entre sentimento e corpo. No puro sexo, o essencial está no erotismo e no prazer obtido individualmente, independente de se gostar. Aqui, o animal é resgatado às pressas, arrancando a camisa de força e os adereços civilizatórios, o que eles experimentaram nada tem de estranho, é como o canto das cigarras em qualquer casa noturna, do impulso animal em uma selva de epiléticos da metrópole, das Bocarras e sites pornôs, exercitado por gente de melhor know-how que a francesinha, mas, Horácio sentia uma real empatia por ela e se entregou a fantasias nem sempre permitidas e brincadeiras prazerosas alcançando orgasmos femininos vulcânicos, gozos de criações apimentadas com a orientação oferecida na farta literatura sexual oriental bem a mão, centelhas da arte num leito cultural sem cobertura de tempo limitante onde rolavam todas as vontades sem modos ou mentiras.