Gravidade Amorosa
por Afranio Campos
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Hoje, parei para lhe reparar pelo prisma solar da tarde, num olhar diferente do trivial, como se percebesse atravessando a janela da razão e seguindo aos poucos os raios da emoção adormecida, e saí de mim sustentado nos traços de partículas de poeira em suspensão, quase invisível, quase inexistente, não fosse a claridade que transpunha as suas curvas, dobras das pernas, cabelos e vínculos imateriais com a paisagem poente. O plano de cores saía do céu cobrindo as folhas ao redor grafitando um véu, ora refazendo o parapeito da janela ora acentuando os riscos do assoalho e suas ripas inteiriças, polidas, exalando um aroma remoto de jasmim; assim era o pêndulo de luz invasora, no entorno de minha visão da sua imagem transitiva na minha imaginação sem gravidade.
Cada qual com seu cada qual... Vivemos assim, ainda mais próprios nas ações e independentes da opção do que somos. Um farto sorriso de código dava a senha da nossa passagem de ida e volta, e as nossas palavras estalavam na química corporal, na pronta magia das retinas que aproximava um sussurro: “Que seja amor”.
Girávamos, peões sem fio, soltando a leveza da alma em conquista por incêndios sem pedidos de socorro. Experimentar do melhor vinho, e do que se pede num momento tão especial, um ritual de dança da chuva, sem querer previsão, só para molhar o coração semi-árido.
Também, havia um estio mútuo de sensações, um silêncio demorado, até chegar a esse ponto... Os meneios assanhavam os espelhos da vontade interior acordando as dezenas de digitais ainda frias, nos embarcando numa viajem cega e egoísta por esses sentimentos, ao estarmos juntos por escolha de uma solução melhor, de um instante do outro, ignorando todo o resto no percurso, cruzando os pés pelas mãos e outras preciosidades sem mais.
Sem nenhuma dúvida sobramos nas corredeiras tortuosas da permissão, ainda mais desarrumados. Após um ensaio pouco afinado penetramos nossas galáxias internas, quando acabamos calados alinhavando os presentes trocados sem notar a chegada do futuro. Paramos defronte de uma estação de intenso movimento sem querer evitar os verdadeiros instintos. Repetimos de tudo no tempo restante imitando-nos numa mímica improvisada, como se pudéssemos ser mais verdadeiros sem as palavras, e de qualquer outra maneira tudo pareceria estranhamente antigo, como seria se fizéssemos o óbvio. O verbo móvel do corpo dizia tudo do seu jeito dançando a música que só nós ouvíamos, ainda que faltasse alguma nota ofuscada pelo barulho vindo de fora. Uma hora depois descobrimos nossa perfeita sintonia.
Nem é preciso explicar o que sentimos. O impulso saltou da ausência da língua, a presença abreviou-se no outro, nada podia conter o espontâneo que se revelou no criar de situações indizíveis, no construir de figuras nas nuvens usando o nada, algo fluiu, água na peneira, na sonoridade da nossa voz, no respirar profundo e sereno que veio em seguida. O sabor absoluto dos gestos dados estava no traço dos umbigos mudos. Tudo se tornou uma promessa indubitável, ainda que não dita ou presumida, apenas reconhecida pelo outro naturalmente aceito.
Concordamos por um sinal afirmativo, arquétipos em acordo, transpiramos e renascemos através de passos em harmonia, buscando sentir o calor e a presença da esperança chegando em navios de cascos maduros, aliados da energia afetuosa envolvente das estrelas por guia. Sabemos o que alimenta e move cada célula num raio de segundo em nossas veias; depois desse encontro mantivemos uma comunicação que ainda nos regula na ida e, nos traz suavemente de volta os benefícios da experiência amorosa, no melhor sentido da nossa inevitável brevidade.
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