Cresce a luta pela água nos Andes
O Perú é o país que mais sofre com o aquecimento global no mundo. O Equador não fica atrás. Sobe a temperatura, as arcas congeladoras estão a derreter, mas depois há repentinas quedas de temperatura. A situação ameaça plantações e estilos de vida milenares. Por Silvina Heguy, Clarín/IHU.
“Aqui o pasto não cresce como antes”, dizem os habitantes de Cuzco, Perú, cujos hábitos de vida e tradições culturais estão ameaçados por causa das alterações climáticas. Foto Wikimedia Commons
Gumercinda Catunta há muito tempo que anda com a intenção de “semear e colher chuva”. Mas quando vai pedir ajuda às autoridades de Pampamarca obtém sempre a mesma resposta: não há recursos.
Gumercinda repete o seu pedido na praça do povo da província de Cuzco, no Perú. Tem 41 anos, três filhos e está parada sob o monumento que recorda que estas terras são as de Tupac Amaru e da sua companheira, Micaela Bastidas.
São as terras que fazem parte do país que mais sofre os efeitos da mudança climática no mundo e onde nem a ajuda do Estado, nem dos países responsáveis pelo aquecimento global, chega.
A mais de 3.800 metros acima do nível do mar, a falta de água, a retracção das arcas congeladoras, as temporadas de estio, as repentinas quedas de temperatura, as épocas de chuvas cada vez mais curtas e intensas, os frios cada vez mais frios e o calor cada vez maior são as manifestações mais concretas da mudança climática, essas variações do tempo atribuídas directa ou indirectamente à actividade humana.
Gumercinda fala enquanto uma banda de música se faz ouvir dentro da municipalidade deste povoado situado a cerca de duas horas do centro turístico de Machu Picchu, anunciando a saída de um casamento que segue com um enxame de parentes e amigos, e uma nuvem de papel picado, a única nuvem que se vê a milhares de quilómetros.
A mudança climática ameaça a vida da maneira como foi vivida durante anos na região de Cuzco.
“Antes sabíamos quando semear porque começavam as chuvas. Antes havia três mananciais de onde tirávamos a água para regar. Eles já não existem mais, mas há novas pragas e as batatinhas estragam”, enumera Roberto Lazo, um dos moradores que participa num projecto que envolve 6.500 famílias com a finalidade de procurar formas de adaptação à mudança climática. A Associação Ararina está encarregada de transmitir 24 técnicas não poluentes orientadas a melhorar a produtividade do solo, o uso da água e a sua conservação.
“Há três anos que as temperaturas são tão frias que nossos filhos adoecem de coisas nunca vistas. Além de sofrer de desnutrição, morrem de pneumonia”, conta Gumercinda.
A cerca de duas horas de Pampamarca está Espinar, outra província peruana que faz parte da região de Cuzco. “Aqui o pasto não cresce como antes” e a Puna seca está cada vez mais seca.
A parte alta das montanhas que rodeiam as comunidades camponesas está castanha escuro. “Antes havia neve, vastos pastos. Mas sem gelo já não há água”, explica Adriano Paucara, um dos moradores.
O Perú e o Equador são os dois países da América Latina que têm “geleiras tropicais”, superfícies geladas entre o Trópico de Câncer e o de Capricórnio e que, segundo os estudos científicos, estão a desaparecer.
Para além da retracção e do avanço destas massas geladas ser um processo natural, a intervenção humana modificou este ciclo. E sem glaciares não há água e sem água não há vida. Então, a luta pela água não é um prenúncio de ficção-científica.
Um estudo de 2007 realizado pela Comunidade Andina prevê que na América Latina as tensões em torno da água envolverão entre sete milhões e 77 milhões de pessoas.
Isto acontece no Perú, onde cidades como Espinar têm apenas duas horas diárias de água.
Este país já perdeu 40% dos blocos gelados nos últimos 30 anos e quase a mesma proporção se derreteu no Equador. Os dois países estão entre aqueles destinados a receber o fundo de compensação e para a adaptação à mudança climática lançado na Cúpula de Copenhaga. Mas pouco se avançou.
Os fundos serão o tema de Dezembro próximo, durante a Conferência de Cancún. Mas, por enquanto, nem o dinheiro nem as negociações chegam a estas terras altas dos Andes. Apenas os camponeses, as Ong's e a cooperação internacional.
Adriano Paucara é um dos poucos que já semeia e colhe chuva. Graças a fundos da Oxfam a Ong regional Associação Projecção, construiu um reservatório de água e um sistema de irrigação por aspersão que faz com que sua parcela seja um ponto verde entre tanto seco. Um modelo que procura copiar outros povoados. A 4.400 metros, em Camanoccla, há seis meses que este sistema está ser também implantado.
“Não há pasto como antes. O sol queima como nunca. Antes caminhávamos a pé descalço, mas agora precisamos de calçados. Há frios repentinos que acabam com as plantações. Vêm furacões e doenças para as crianças”, conta um dos moradores da comunidade formada por 500 famílias. Neste ano, “30 anjinhos foram ao céu. Não suportaram o frio e a pneumonia que antes não havia, mas que agora existe”.
Artigo de Silvina Heguy, Clarín / IHU, traduzido pelo Cepat, publicado em outrapolitica.wordpress.com.
Fonte: esquerda.net, Artigo | 23 de setembro 2010
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