A VERDADE, AINDA INCONVENIENTE
por Paul Krugman
A piada começa assim: um economista, um advogado e um professor de marketing entram em uma sala. Qual é a graça? Eles são três dos cinco "especialistas" que o Partido Republicano convocou na semana passada para uma audiência sobre ciência do clima no Congresso.
Mas a piada terminou se voltando contra os republicanos quando um dos dois verdadeiros cientistas que eles convocaram a depor abandonou o roteiro predeterminado.
O professor Richard Muller, da Universidade da Califórnia em Berkeley, um físico que aderiu ao campo dos céticos quanto à mudança climática, comanda o projeto de medição de temperatura da superfície da terra da universidade, financiado em parte por não menos que a fundação Koch. E aqueles que negam que o planeta esteja sofrendo mudanças climáticas - e alegam que os pesquisadores da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) e outras organizações que analisam as tendências do clima manipularam e distorceram dados - esperavam que o projeto de Berkeley levasse à conclusão de que o aquecimento global é um mito.
Em lugar disso, no entanto, o professor Muller reportou que as constatações preliminares de sua equipe apontam para uma tendência de aquecimento global "bastante semelhante à reportada por grupos anteriores".
A resposta daqueles que negam o problema foi tanto previsível quanto reveladora; falarei mais sobre isso adiante. Primeiro, vamos discutir um pouco mais a lista de peritos, a qual desperta a mesma questão que eu e outras pessoas já propusemos sobre o número de audiências realizadas pelos comitês da casa desde que os republicanos se tornaram maioria na Câmara dos Deputados: onde é que eles encontram essas pessoas?
Minha favorita continua a ser a primeira audiência organizada pelo deputado Ron Paul sobre política monetária, na qual o principal depoimento veio de um homem mais conhecido por escrever um livro no qual o presidente Abraham Lincoln é denunciado como "horrendo tirano", e por advogar um novo movimento de secessão como resposta correta ao "novo estado fascista norte-americano".
Os não cientistas convocados a depor na semana passada não eram exatamente desse calibre, mas seus depoimentos pré-preparados ainda assim contiveram diversos momentos memoráveis. Um foi a declaração de um advogado no sentido de que a EPA (Agência de Proteção Ambiental) não pode declarar que as emissões dos gases causadores do efeito estufa representam risco de saúde porque elas vêm crescendo há um século mas ainda assim a saúde pública melhorou ao longo do período. Não estou inventando.
Oh, e o professor de marketing, ao oferecer uma lista de casos passados de "analogias para o alarme quanto ao perigoso aquecimento global causado pelo homem", aparentemente com o objetivo de provar por que deveríamos ignorar as preocupações quanto ao tema, incluiu questões como a chuva ácida e o buraco na camada de ozônio, os quais foram contidos exatamente devido à regulamentação ambiental.
Mas de volta ao professor Muller: suas credenciais como cético com relação às questões climáticas são fortes: ele criticou tanto Al Gore quanto meu colega Tom Friedman por seus "exageros", e participou de alguns ataques às pesquisas sobre o clima, entre os quais a caça às bruxas motivada por uma troca de e-mails inócuos entre pesquisadores britânicos do clima. Não surpreende, portanto, que aqueles que negam a mudança climática tivessem forte esperança de que o projeto dele serviria para sustentar seus argumentos.
É fácil adivinhar o que aconteceu quando essas esperanças foram frustradas.
Algumas semanas atrás, Anthony Watts, que opera um dos mais conhecidos sites de contestação à mudança climática, havia elogiado o projeto de Berkeley e declarado devotadamente que estava "disposto a aceitar o resultado que ele produzir, não importa qual seja, ainda que prove que minha premissa está errada". Mas não foi bem isso o que aconteceu: ao saber que o professor Muller apresentaria resultados preliminares que o desagradariam, descartou a audiência como "apenas o teatro político habitual". E um dos colaboradores regulares do site criticou o professor Muller, definindo-o como "homem conduzido por uma agenda política muito séria".
Na verdade, fica claro que aqueles que negam a mudança climática é que se deixam conduzir por agendas políticas, e ninguém que venha acompanhando esse debate se deixou iludir nem por um momento quanto a aceitarem resultados que confirmem o aquecimento global. Mas vale a pena parar para pensar por um momento, e não apenas sobre o aspecto científico do debate nesse caso, e sim também sobre o aspecto moral.
Já há anos, grande número de cientistas conhecidos tem alertado, com veemência crescente, de que se continuarmos a agir como temos agido, os resultados serão muito ruins, possivelmente catastróficos. Pode ser que estejam errados. Mas se a pretensão é asseverar que estão de fato errados, seria obrigatório abordar a questão com mente aberta e toda a seriedade. Afinal, caso estejam certos, desconsiderar seus avisos poderia resultar em danos graves.
Mas o que encontramos, em lugar de seriedade, foi uma farsa: uma audiência supostamente crucial que envolvia o depoimento de pessoas que não tinham credenciais para estar presentes, e ostracismo instantâneo para um cientista cético quanto à mudança climática que se demonstrou disposto a mudar de opinião diante das provas. Surpresa nenhuma: como afirmou o escritor Upton Sinclair muito tempo atrás, é difícil fazer com que um homem compreenda alguma coisa quando seu salário depende de que ele não a compreenda.
Mas é aterrorizante perceber que essa modalidade de carreirismo cínico - pois é disso que se trata - provavelmente já garantiu que não façamos coisa alguma quanto à mudança do clima até que a catástrofe seja inevitável.
Por isso, eu talvez estivesse errado ao dizer que a piada se voltou contra os republicanos; na verdade, a vítima da piada é a espécie humana.
Tradução de Paulo Migliacci
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos publicados em jornais especializados.
Fonte: Estadão | Colunas, 04/04/2011
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