Economia Ecológica: “Levando em consideração a Natureza” *
por Juan Martínez Alier
[...] Por mais que se fale em modernização ecológica, de ecoeficiência ou de desenvolvimento sustentável, existe um enfrentamento sem solução entre a expansão econômica e a conservação do meio ambiente. A economia ecológica, tal como vem se consolidando desde os anos 1980, estuda esse enfrentamento e as formas que ele assume.
Nos países ricos, o crescimento econômico tem servido para apaziguar os conflitos econômicos. Tanto nas sociedades modernas já industrializadas quanto naquelas em processo de industrialização, existem aqueles que dizem ser a expansão do “bolo” da economia – isto é, o crescimento do PIB – o fator que melhor atenua os conflitos econômicos distributivos entre os grupos sociais. O meio ambiente surge, quando muito, como consideração de segunda ou terceira ordem, como uma preocupação que emerge a partir de valores profundos relacionados com uma natureza considerada sagrada, ou, então, simplesmente como um luxo: “amenidades” ambientais, mais do que condições ambientais da produção e da própria vida humana. Como costuma ser dito, os pobres são “demasiado pobres para serem verdes”. Caberia, pois, aos pobres “desenvolver-se” para escapar da pobreza e, posteriormente, como subproduto desse processo, poder, quem sabe, adquirir o gosto e os meios necessários para melhorar o meio ambiente. Indignado por esse apanhado de idéias, o diretor executivo do Greenpeace, Thilo Bode, escreveu ao diretor da revista The Economist, na esteira dos eventos de Seattle, em 11 de dezembro de 1999:
Você assegura que uma maior prosperidade é a melhor maneira de melhorar o meio ambiente. Porém, tomando por base o desempenho de qual economia, em qual milênio, você poderia chegar a esta conclusão? [...] Declarar que uma expansão massiva da produção e do consumo em nível mundial melhora o meio ambiente é um absurdo. O atrevimento de enunciar uma declaração com esse mote, passível de ser interpretada como um escárnio, explica em grande parte a fervorosa oposição à Organização Mundial do Comércio.
O crescimento econômico pode se efetivar paralelamente a uma crescente desigualdade nacional ou internacional, um tema que a “Curva de Kuznets” procurou explorar. No debate sobre os efeitos do crescimento econômico, é admitindo que quando a maré econômica sobe, sobem juntos todos os barcos, mesmo que suas posições hierárquicas não sejam alteradas. Em outras palavras, o crescimento econômico é bom para os pobres, mesmo que somente na comparação com a sua posição inicial. Se os 25% mais pobres da população apenas recebiam 5% da renda, depois de um período de crescimento econômico continuará recebendo 5%, embora de uma renda total bem maior. Obviamente, as disparidades em termos absolutos terão se aprofundado, mas o nível de renda dos mais pobres também terá se expandido. Tudo isto é, em geral, aceito. Alguns otimistas acreditam que a distribuição torna-se mais equitativa com o crescimento econômico. Outros insistem que, pelo contrário, as disparidades também aumentam e que, de algum modo, ingressos monetários mais volumosos não implicam maior segurança, dado que a degradação ambiental e outros impactos sociais permanecem ocultos. Uma maior proporção de bens comercializados (adquirir água ao invés de obtê-la gratuitamente, alimentar-se fora de casa com mais frequência, gastar dinheiro para chegar ao local de trabalho, comprar sementes em vez de produzi-las nos próprios campos, recorrer à medicina comercial ao invés de utilizar remédios caseiros, gastar dinheiro para solucionar problemas ambientais) faz parte da tendência na direção da urbanização e do crescimento econômico. A crítica ao conceito do PIB induziu a criação do Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) pela Organização das Nações Unidas. Esse índice considera diversos aspectos sociais, mas não os impactos ambientais.
A desigualdade econômica internacional tem se expandido. Todavia, aceitemos o argumento (para os propósitos deste livro) de que os conflitos econômicos distributivos são eventualmente atenuados ou amenizados pelo crescimento econômico. De qualquer modo, permanece a interrogação a respeito da probabilidade de os conflitos ecológicos distributivos serem equacionados pelo crescimento ou, pelo contrário, se o crescimento econômico conduz a uma deterioração do meio ambiente. Está claro que nos países ricos os danos à saúde e ao meio ambiente provocados pelo dióxido de enxofre e pelo envenenamento através do chumbo tem diminuído. Porém, isso ocorre não somente devido ao crescimento econômico como também em função do ativismo social e das políticas públicas. [...]
Porém, tal otimismo (do “credo da ecoeficiência”) não pode eliminar nem dissimular as realidades decorrentes de uma maior exploração de recursos em territórios ambientalmente frágeis, simultaneamente a maiores fluxos de matéria e energia entre o Sul e o Norte (Bunker, 1996; Naredo e Valero, 1999; Muradian e Martinez Alier, 2001), pelo acirramento do efeito estufa, pela consciência do “roubo” de recursos genéticos no passado e no presente, pelo desaparecimento da agroecologia tradicional e da biodiversidade agrícola in situ, pela pressão sobre as águas superficiais e subterrâneas em detrimento das necessidades humanas e dos ecossistemas e pelas inesperadas “surpresas” que têm surgido, ou estariam por surgir, das novas tecnologias (energia nuclear, engenharia genética, sinergia entre resíduos químicos). Tais incertezas tecnológicas não podem ser gerenciadas nos termos de um mercado de seguros voltado para o cálculo das probabilidades dos riscos. Ao invés de oportunidades para que todos ganhem econômica e ambientalmente com soluções do tipo win-win, o que vez por outra vemos acontecer são fiascos nos quais todos perdem. Ainda que aceitemos o argumento de que as economias ricas contam com os meios financeiros para corrigir danos ambientais reversíveis, além de possuírem a capacidade de introduzir novas tecnologias de produção que favorecem a proteção do meio ambiente, pode também ser que tais pontos de inflexão quanto às tendências ambientais negativas surjam unicamente quando muitos danos já tenham se acumulado ou quando o ponto de não retorno tenha sido ultrapassado de modo irreversível. Em outras palavras: “tarde demais para ser verde”. O lock-in* tecnológico e social, o caráter fechado e fixo não somente das tecnologias como também dos hábitos de consumo e dos padrões de povoamento humano, tornam difícil desvincular crescimento econômico da expansão dos fluxos energéticos e de materiais.
A produção pode tornar-se relativamente menos intensa na sua demanda por energia e por matérias-primas. Contudo, a pressão ambiental da economia é especificada pelo consumo. John Ruskin,[1] que criticava a economia industrial a partir de uma perspectiva estética e tecnológica, acreditava que seria fácil satisfazer as necessidades materiais da vida humana. Por isso mesmo, sustentava que a produção de mercadorias poderia ser potencialmente voltada “para a arte”. Poderia converter-se em algo artisticamente valioso desde que belamente desenhada. No entanto, a produção na economia atual, seja ela bela ou não, requer de um modo ou de outro suprimentos materiais crescentes. Certo é que nas décadas dos anos 1960 e 1970 existiram tendências artísticas batizadas como “desmaterialização do objeto de arte”. Entretanto, esses artistas não se referiam ao crescente consumo de massa de automóveis, viagens aéreas e condomínios fechados. Tal consumo é “artístico” no sentido de que não está voltado estritamente para a subsistência. Mas, qualquer que seja sua estética, é evidente que o consumo não está se desmaterializando. Os cidadãos ricos buscam satisfazer suas necessidades ou desejos por intermédio de novas formas de consumo que são, em si mesmas, altamente intensivas na utilização de recursos. Esse é o caso, por exemplo, da moda de degustar camarões importados dos países tropicais ao custo da destruição dos mangues, ou a aquisição de ouro e diamantes, ambos inserindo enormes “mochilas ecológicas” e um custo em vidas humanas (Princen, 1999).
(*) extraído de: Martinez Alier, Juan. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. Trad. Maurício Waldman. 1ª ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.
[1] N.T.: John Ruskin (1819-1900), autor, poeta e artista britânico, bastante conhecido pelo seu trabalho como crítico de arte e da sociedade da sua época. Seus ensaios sobre arte e arquitetura foram extremamente influentes na Era Vitoriana e Eduardiana.
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