O processo autoritário do governo no Brasil: uma análise crítica institucional e geopolítica
Nos últimos anos, o Brasil tem atravessado uma fase de profunda instabilidade institucional, em que os pilares democráticos do Estado de Direito vêm sendo progressivamente enfraquecidos. A promiscuidade entre os poderes da República, a censura de opiniões divergentes e o uso seletivo da máquina estatal para perseguir adversários políticos são sintomas de um processo de autoritarismo que avança sob a retórica da defesa da democracia. Este artigo propõe uma análise crítica desse processo, examinando os aspectos institucionais e geopolíticos que o caracterizam, com base em dados, relatórios e análises internacionais.
1. A captura dos poderes e o colapso da separação institucional
A democracia pressupõe a independência entre os Três Poderes. No entanto, o atual governo brasileiro promove uma configuração de simbiose funcional entre o Executivo e o Judiciário, especialmente através do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ambas as cortes têm agido, em diversas situações, como instrumentos de legitimação de interesses governistas, através de decisões polêmicas que criminalizam o dissenso político.
Gráfico 1: Número de decisões monocráticas do STF com impacto sobre o Legislativo e o Executivo (2016–2024)
Fonte: Dados compilados do Diário da Justiça Eletrônico, Instituto Millenium.
Casos emblemáticos incluem o Inquérito das Fake News e as ordens de censura a plataformas de redes sociais, que resultaram em bloqueios de perfis e a desmonetização, remoção de conteúdo e ameaças judiciais a jornalistas e cidadãos. Essas medidas têm sido criticadas por organizações internacionais como a Human Rights Measurement Initiative e a Repórteres sem Fronteiras (RSF), que apontam declínio da liberdade de expressão e ameaças à imprensa livre.
2. O ativismo judicial como instrumento de repressão política
Sob o pretexto de combater a desinformação, o Judiciário brasileiro passou a adotar um ativismo inédito, com poderes amplos e muitas vezes sem contraditório ou devido processo legal. O ministro Alexandre de Moraes é figura central desse processo, sendo simultaneamente vítima, investigador e julgador em diversas ações. Tal concentração de poder viola princípios básicos do Estado de Direito, como imparcialidade e ampla defesa.
Gráfico 2: Escalada de inquéritos e medidas cautelares determinadas pelo STF (2018–2024)
Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), relatórios técnicos compilados.
Glenn Greenwald, jornalista internacionalmente reconhecido, afirmou que "o que se passa no Brasil hoje em nome da defesa da democracia é uma distorção perigosa, em que os fins justificam os meios, mesmo que estes violem os direitos fundamentais".
3. Aparelhamento da mídia e supressão do contraditório
A grande mídia brasileira passou a operar em consonância com a narrativa oficial do governo, reproduzindo sem crítica os discursos do poder e demonizando opositores. Jornalistas e canais independentes têm sido alvos frequentes de retaliações, perdendo espaço e financiamento enquanto conglomerados simpáticos ao governo recebem generosos contratos publicitários.
A narrativa dominante constrói a imagem de que toda crítica é "golpismo" ou "extremismo", reduzindo o espaço do debate público e aprofundando a polarização.
4. O alinhamento internacional com regimes autoritários
No campo geopolítico, o Brasil abandonou o histórico alinhamento com democracias liberais e se aproximou de regimes autocráticos como China, Rússia, Irã e Venezuela. A hostilidade contra os Estados Unidos e Israel, a tentativa de substituir o dólar por moedas alternativas no comércio internacional, e o apoio declarado a movimentos terroristas como o Hamas são posicionamentos que despertam preocupação em capitais e lideranças ocidentais.
Nos EUA, setores republicanos consideram aplicar sanções ao Brasil sob legislação como o International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), caso se comprove que há tentativa deliberada de prejudicar interesses econômicos e estratégicos norte-americanos.
5. O papel das narrativas e a deslegitimação da oposição
Todo esse processo é envolto em uma retórica que tenta deslegitimar a crítica política. A oposição é tratada como "antidemocrática" ou "fascista", enquanto medidas autoritárias são justificadas como necessárias para proteger a democracia. O resultado é a construção de um simulacro democrático: uma democracia apenas formal, relativa, mas que opera com lógica de controle e perseguição.
O Brasil de hoje atravessa um momento de grave fragilidade institucional, em que o discurso democrático é instrumentalizado para justificar atos autoritários. A centralização de poder no Judiciário, o uso político da mídia, a repressão ao contraditório e o alinhamento com regimes antidemocráticos traçam um quadro preocupante.
Caso esse processo se consolide, estará em curso uma mudança de regime, silenciosa e disfarçada de legalidade. Resta à sociedade civil, às vozes independentes e à comunidade internacional permanecer vigilantes e atuar pela restauração plena da democracia no país.
Referências
The New Yorker: The Brazilian Judge Taking On the Digital Far Right, 2025.
AP News: With Trump returning to the White House, Brazil displays a judicial path not taken by the US.
Financial Times: Brazil judge who battled Elon Musk says social media poses risk to democracy.
Human Rights Measurement Initiative, 2022.
Reporters Without Borders (RSF), relatórios sobre liberdade de imprensa no Brasil.
Declarações de Glenn Greenwald em redes sociais e entrevistas.
BTI Transformation Index, 2022.
International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), legislação norte-americana.
Instituto Millenium: Levantamento de dados sobre decisões do STF.
CNJ: Painel de Dados sobre Ações Judiciais (2018–2024).
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