terça-feira, setembro 30, 2025

Paralaxe Cognitiva: Contradições entre Discurso e Prática - Parte 2

Paralaxe Cognitiva: Contradições entre Discurso e Prática - Parte 2

O caso brasileiro contemporâneo oferece um exemplo particularmente revelador de paralaxe cognitiva institucional no domínio judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF), concebido constitucionalmente como guardião da Carta Magna e árbitro da separação de poderes, tem sido acusado de praticar precisamente aquilo que deveria coibir: a usurpação de funções constitucionalmente atribuídas a outros poderes.

A paralaxe cognitiva manifesta-se na seguinte contradição: no discurso oficial, o STF apresenta-se como defensor intransigente da Constituição, da democracia e do Estado de Direito; na prática, segundo críticos, a Corte tem exercido funções legislativas através de interpretações expansivas que não apenas aplicam, mas efetivamente criam normas jurídicas, invadindo a competência do Poder Legislativo.

Como observa o constitucionalista Ives Gandra Martins (2015), essa postura judicial representa uma inversão da lógica republicana: o poder não-eleito, que deveria ser o mais restrito justamente por carecer de legitimidade democrática direta, tornou-se o mais expansivo, operando com discricionariedade que ultrapassa os limites constitucionais estabelecidos.

O garantismo penal, originalmente concebido por Luigi Ferrajoli (1989) como sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado para proteção dos direitos individuais, tem sido reinterpretado no contexto brasileiro como ferramenta de ativismo judicial. A ironia da paralaxe cognitiva é evidente: uma doutrina que visa limitar o poder estatal é instrumentalizada para expandir o poder de uma instituição estatal específica — o judiciário.

Lenio Streck (2017) identifica esse fenômeno como "protagonismo judicial", no qual juízes substituem suas preferências pessoais pela vontade do legislador democraticamente eleito, sob o pretexto de realizar "justiça substancial" ou proteger direitos fundamentais. A contradição reside em que essa prática, embora apresentada como defesa da democracia, efetivamente subtrai do povo e seus representantes eleitos a capacidade de autodeterminação legislativa.

Hermenêutica Constitucional ou Legislação Pretoriana?

A distinção entre interpretação constitucional legítima e criação judicial de normas tem sido objeto de intenso debate. Ronald Dworkin (1986) defendeu que juízes inevitavelmente fazem escolhas normativas ao interpretar textos legais, mas essa concessão teórica não equivale a carta branca para legislação judicial.

No contexto brasileiro, decisões sobre temas como união homoafetiva, criminalização da homofobia, aborto de anencéfalos, e execução provisória de pena têm gerado controvérsia precisamente porque, para críticos, representam não interpretação, mas inovação normativa — função reservada ao legislador pelo artigo 2º da Constituição Federal, que estabelece a independência e harmonia entre os poderes.

Como aponta Dimitri Dimoulis (2018), a expansão do controle de constitucionalidade no Brasil transformou o STF em uma instância revisora de todas as decisões políticas fundamentais, invertendo a presunção de constitucionalidade das leis e tornando o processo legislativo refém de antecipações sobre o que a Corte considerará aceitável.

A estrutura da contradição pode ser formulada assim:

Discurso declarado: "Somos guardiães da Constituição, respeitamos a separação de poderes, e nossa função é aplicar, não criar, o direito."

Prática observada: Decisões que criam obrigações não previstas em lei, que invertem jurisprudência consolidada por razões extrajurídicas, que impõem políticas públicas sem previsão orçamentária, e que substituem o juízo de oportunidade e conveniência do administrador e do legislador pelo juízo subjetivo do magistrado.

O Paradoxo da Judicialização da Política

A judicialização da política no Brasil, fenômeno analisado por Oscar Vilhena Vieira (2008) como transformação do STF em "Supremocracia", revela outra camada da paralaxe cognitiva: quanto mais o judiciário expande seu poder sobre questões políticas, mais vulnerável torna-se à politização — precisamente o que sua função de árbitro imparcial deveria evitar.

Ministros que se apresentam como técnicos apolíticos engajam-se em ativismo que pressupõe escolhas valorativas profundamente políticas. A neutralidade judicial, valor declarado, convive com decisões que claramente privilegiam determinadas visões de mundo sobre outras — escolhas que, em uma democracia funcional, caberiam aos representantes eleitos.

Consequências Sistêmicas

A paralaxe cognitiva do ativismo judicial brasileiro produz efeitos deletérios para a democracia:

1. Deslegitimação do processo legislativo: Por que cidadãos investiriam energia no processo democrático se decisões fundamentais serão tomadas por 11 pessoas não-eleitas?

2. Infantilização da sociedade civil: A transferência de decisões políticas para o judiciário subtrai da esfera pública o debate necessário para maturação democrática.

3. Insegurança jurídica: Se a lei significa o que o STF disser que significa, e essa interpretação pode mudar conforme a composição da Corte, a previsibilidade jurídica — fundamento do Estado de Direito — evapora.

4. Corrosão da separação de poderes: O sistema de freios e contrapesos perde eficácia quando um poder assume funções de outro sem mecanismos de controle.

Como argumenta Ran Hirschl (2004) em "Towards Juristocracy", a expansão global do poder judicial não necessariamente fortalece a democracia; pode, ao contrário, representar uma forma de elites jurídicas preservarem seu poder contra processos democráticos majoritários.

A Auto-Atribuição de Poderes Ilimitados

Um aspecto particularmente problemático da paralaxe cognitiva judicial brasileira é a auto-atribuição de competências. O STF tem julgado casos nos quais ele próprio define os limites de seu poder — uma evidente situação de conflito de interesses institucional. Como observa Nuno Garoupa (2011), sistemas jurídicos saudáveis estabelecem mecanismos externos de controle sobre o judiciário; quando a Corte suprema torna-se juiz de suas próprias prerrogativas, o sistema de accountability colapsa.

A contradição atinge seu ápice quando o STF, invocando a defesa da democracia, adota medidas que restringem liberdades democráticas fundamentais (como inquéritos sem prazo definido, relativização do devido processo legal, ou criminalização de discurso político), invertendo a relação meio-fim: a democracia deixa de ser o valor protegido para tornar-se instrumento retórico de legitimação de poderes extraordinários.

É necessário reconhecer que defensores do ativismo judicial apresentam argumentos que merecem consideração. Luís Roberto Barroso (2009) argumenta que em contextos de disfuncionalidade legislativa, omissão do Executivo, ou ameaça a direitos fundamentais de minorias, o judiciário deve atuar proativamente. Essa visão, contudo, pressupõe juízes-filósofos platônicos, imunes às paixões políticas, e sobretudo fiéis as suas prerrogativas de função — pressuposto empiricamente questionável diante dos fatos que todos presenciam na realidade brasileira.

Além disso, como nota Jeremy Waldron (1999) em "Law and Disagreement", sociedades democráticas caracterizam-se por desacordos morais profundos sobre direitos fundamentais. Transferir essas decisões do legislativo para o judiciário não elimina o desacordo; apenas o remove do domínio público para câmaras judiciais, empobrecendo o debate democrático.

O exemplo do ativismo judicial brasileiro é particularmente instrutivo: mostra como instituições podem inverter completamente sua função declarada. Quando guardiães tornam-se transgressores, quando árbitros tornam-se jogadores, quando intérpretes tornam-se legisladores, testemunhamos não apenas hipocrisia individual, mas colapso estrutural da arquitetura institucional que sustenta o Estado Democrático de Direito.

A consciência da paralaxe cognitiva deve nos tornar mais humildes em nossas certezas, mais céticos de nossas próprias racionalizações, e mais dispostos a examinar as contradições que sustentam nossas próprias posições — sejam elas políticas, ideológicas ou institucionais. Como escreveu F. Scott Fitzgerald, "a marca de uma inteligência de primeira classe é a capacidade de manter duas ideias opostas na mente ao mesmo tempo e ainda assim conservar a capacidade de funcionar."

O desafio não é eliminar a paralaxe cognitiva - uma tarefa quase impossível -, mas desenvolvê-la em direção à honestidade intelectual: reconhecer abertamente nossas contradições, trabalhar para reduzi-las onde prejudicam nossa integridade, e aceitar aquelas que são inevitáveis dadas as complexidades da existência social moderna. Mais importante ainda, devemos estabelecer mecanismos institucionais que limitem o poder de indivíduos e instituições de agir contra seus próprios princípios declarados - sistemas de accountability que funcionem independentemente da virtude pessoal dos atores.

Em última análise, a paralaxe cognitiva persiste porque oferece vantagens: permite mobilização retórica sem comprometimento prático, distinção moral sem sacrifício material, expansão de poder sob pretexto de restrição. Sua superação exige não apenas clareza, mas honestidade intelectual, coragem moral para alinhar discurso e prática - mesmo quando esse alinhamento implica perda de privilégios, poder ou prestígio.

Paralaxe Cognitiva e o Discurso Ideológico da Esquerda - Parte 1

Paralaxe Cognitiva e o Discurso Ideológico da Esquerda - Parte 1

A análise das contradições entre discurso ideológico e prática política constitui um dos temas centrais da crítica conservadora contemporânea. O conceito de "paralaxe cognitiva" — definido como a capacidade de manter simultaneamente dois sistemas de pensamento mutuamente contraditórios sem reconhecer explicitamente a incompatibilidade entre eles — oferece uma ferramenta analítica para examinar o posicionamento da esquerda política em relação ao capitalismo democrático. Ao investigar a tese de que existe uma dissonância estrutural entre a retórica anticapitalista da esquerda e sua dependência prática das estruturas do sistema que afirma combater, descobre-se uma complexa relação entre a teoria e a práxis das organizações e movimentos da esquerda.

O termo "paralaxe cognitiva" foi popularizado no ambiente intelectual conservador brasileiro por Olavo de Carvalho, inspirado nas reflexões do filósofo Eric Voegelin sobre a consciência revolucionária. Para Carvalho, a paralaxe cognitiva representa "a capacidade da mente ideologizada de sustentar dois padrões de pensamento mutuamente excludentes, operando em níveis diferentes de consciência, sem jamais confrontá-los diretamente".

Esta estrutura mental permite que um indivíduo ou movimento político defenda princípios abstratos — igualdade radical, abolição da propriedade privada, superação do capitalismo — enquanto suas ações concretas contradizem sistematicamente esses princípios. Roger Scruton observa fenômeno similar ao descrever o "duplo pensamento" da esquerda intelectual, que "denuncia privilégios enquanto os usufrui, condena hierarquias enquanto as perpetua, e ataca o sistema que lhe garante voz e sustento".

O anticapitalismo constitui elemento identitário central da esquerda desde o século XIX, e Karl Marx estabeleceu as bases desta crítica ao caracterizar o capitalismo como sistema de "exploração sistemática do trabalho pelo capital", gerador de alienação, desigualdade e antagonismo de classes. Esta tradição crítica atravessou o século XX e permanece viva no discurso progressista contemporâneo.

A retórica anticapitalista contemporânea apresenta o capitalismo não meramente como modelo econômico imperfeito, mas como estrutura moralmente condenável — "sistema opressor", "máquina de desigualdade", "regime de exploração". Thomas Sowell nota que esta linguagem carregada moralmente cumpre função estratégica: "transforma questões econômicas complexas em confrontos morais simples, facilitando a mobilização política ao custo da precisão analítica".

A contradição manifesta-se quando examinamos a prática concreta dos movimentos e intelectuais de esquerda em democracias capitalistas. Como observa Paul Hollander em seu estudo clássico sobre intelectuais progressistas, existe "padrão recorrente de denúncia apaixonada ao capitalismo combinada com usufruto sistemático de seus benefícios".

Universidades constituem epicentros da crítica anticapitalista, produzindo teorias sobre desmantelamento do capitalismo, críticas à mercantilização do conhecimento e denúncias da lógica de mercado. Paradoxalmente, estas mesmas instituições:

• Operam como corporações, com estruturas administrativas burocratizadas

• Estimulam a doutrinação ideológica através de base bibliográfica e avaliações seletivas pelo viés ideológico 

• Dependem de doações de fortunas capitalistas

• Investem fundos patrimoniais em mercados financeiros

• Comercializam propriedade intelectual através de patentes

Russell Kirk observou que "a academia progressista construiu castelos de crítica anticapitalista sobre fundações capitalistas, sem jamais reconhecer a ironia estrutural desta posição". Críticos do capitalismo utilizam intensivamente tecnologias e plataformas produzidas por corporações multinacionais — Google, Meta, Apple, Amazon — para disseminar mensagens anticapitalistas. Como nota David Horowitz, "a revolução anticapitalista do século XXI é patrocinada inadvertidamente pelos maiores capitalistas da história".

Influenciadores progressistas monetizam conteúdo anticapitalista através de publicidade e patrocínios.

 Jornalistas que denunciam o "capitalismo predatório" dependem de conglomerados midiáticos, consórcios, privados para suas carreiras. A contradição raramente é tematizada.

Partidos de esquerda em democracias capitalistas participam de processos eleitorais garantidos por constituições liberais, financiam campanhas através de doações privadas, e quando no poder, administram economias capitalistas sem transformá-las estruturalmente. Como argumenta William F. Buckley Jr., "a esquerda democrática aprendeu a parasitar o sistema que teoricamente deseja destruir".

A União Soviética oferece caso paradigmático. Enquanto proclamava construir sociedade sem classes, desenvolveu sistema de privilégios para a nomenklatura tão pronunciado quanto as capitalistas. Robert Conquest documentou extensivamente como "a elite soviética usufruía luxos materiais — carros importados, dachas exclusivas, acesso a bens ocidentais — negados à população comum, tudo sob retórica de igualdade socialista".

A Venezuela sob Chávez e Maduro exemplifica a paralaxe cognitiva contemporânea. O regime denunciava neoliberalismo e imperialismo capitalista enquanto suas elites acumulavam fortunas em bancos suíços, compravam propriedades em Miami, e dependiam da exportação de petróleo para mercados capitalistas globais.

A persistência desta contradição sugere que não se trata de mero acidente ou hipocrisia individual, mas de funcionalidade estratégica e sistêmica. A paralaxe cognitiva cumpre dupla função:

Mobilização Retórica - O discurso anticapitalista radical mobiliza bases, cria identidade de grupo, estabelece distinção moral contra adversários políticos. Como observa James Burnham, "a retórica revolucionária opera independentemente da viabilidade prática, sendo avaliada por eficácia mobilizadora, não por coerência lógica".

Sobrevivência Prática: A aceitação tácita e usufruto das estruturas capitalistas garantem recursos materiais, visibilidade midiática, proteções legais e espaço de atuação. Theodore Dalrymple nota que os "intelectuais de esquerda não buscam realmente destruir o sistema — buscam posição privilegiada dentro dele, posição que deriva precisamente de sua crítica ao sistema".

As implicações desta dinâmica produz consequências para a saúde democrática:

1. Erosão da Confiança: A percepção pública de incoerência entre discurso e prática corrói confiança em instituições e lideranças políticas.

2. Radicalização do Debate: A retórica anticapitalista extrema polariza discussões, dificultando compromissos pragmáticos necessários à governança democrática.

3. Deslegitimação da Crítica: Contradições evidentes enfraquecem críticas legítimas que se poderia fazer a excessos e injustiças reais do sistema.

O rigor e a honestidade intelectual exige reconhecer limitações desta análise. Primeiro, contradições entre ideais e prática — afetam todo espectro político. Segundo, participar de um sistema não invalida automaticamente críticas a ele; caso contrário, toda reforma seria impossível. 

Contudo, a questão específica permanece: movimentos que se definem fundamentalmente pela oposição ao capitalismo, mas dependem estruturalmente dele para existir, enfrentam contradição que merece escrutínio. Como argumenta Anthony Daniels (Theodore Dalrymple), "não se trata de proibir críticas ao capitalismo, mas de exigir que críticos reconheçam honestamente sua dependência daquilo que criticam". Nesse contexto a hipocrisia é abertamente usual e faz parte da prática normalizada de ações e contradições da esquerda no mundo.

A análise da paralaxe cognitiva aplicada ao discurso anticapitalista da esquerda revela padrão de contradição estrutural: no plano teórico, o capitalismo é denunciado como sistema de exploração a ser superado; no plano prático, suas estruturas são indispensáveis à sustentação material, institucional e comunicacional da própria crítica anticapitalista.

Esta contradição não representa necessariamente má-fé individual, mas fenômeno sistêmico que permite à esquerda manter relevância política através de retórica radical enquanto opera confortavelmente dentro das instituições que critica e condena. Como observa Roger Scruton, "a esquerda contemporânea não busca realmente destruir o capitalismo — busca controlá-lo, moralizá-lo, e extrair dele recursos materiais e simbólicos que garantam sua posição de crítico privilegiado".

O desafio intelectual não é simplesmente denunciar hipocrisia, mas compreender como e por que esta contradição persiste, que funções cumpre, e que alternativas existiriam para movimentos políticos que buscam genuinamente transformar sistemas dos quais necessariamente fazem parte. A paralaxe cognitiva revela menos sobre defeitos morais específicos e mais sobre tensões inerentes à crítica social radical em sociedades abertas — sociedades que, ironicamente, apenas democracias capitalistas têm tolerado sistematicamente.

quinta-feira, setembro 25, 2025

A "revolução cultural" no Brasil

 A "revolução cultural" no Brasil 

Numa aula, do COF 073, o professor Olavo de Carvalho registrou uma explicação excelente para esclarecer de maneira sintética e cabal o processo pelo qual a esquerda conseguiu a sua posição de unanimidade tanto na percepção da sociedade como na opinião de parte da intelectualidade brasileira.

As implicações da adoção do método gramsciano, da revolução cultural, para a esquerda conquistar o poder de qualquer maneira, trouxe como consequência a conquista do pensamento único e a opinião com viés ideológico da unanimidade, compreendida como a fase primordial, essencial, do processo histórico, que “levou a sociedade praticamente inteira a pensar como comunista, sentir como comunista, e agir como comunista, sem saber que é comunista”. E vemos que isso é literalmente dessa maneira.

As instituições de caridade orientadas pelo Betinho, a universidade domada pelo esquerdismo, o método educacional freireano, a Igreja ferida pela Teoria da Libertação, tudo que foi tomado pela linha do partido que conduziu à obediência, como "poder onipresente e invisível do imperativo categórico de um mandamento divino", o que todo mundo obedece sem saber que está obedecendo e nem poder, desse jeito, questionar. "É óbvio que a trapaça, a mentira e a camuflagem faz parte do processo, e sobretudo é a essência do mesmo, enganar a todos para que mudem de opinião". Muitas vezes "sem mudar o discurso, usando as mesmas palavras, os mesmos símbolos, vai gradativamente injetando outro significado prático, pragmático, e é nisso que consiste a revolução cultural". Fator decisivo na debacle da moral brasileira.

O PT como partido que conduziu o processo, impôs às relações um dever de aceitar a sua hegemonia e a corrupção, não da moralidade, mas do senso moral, do sentimento moral, que é diferente dos costumes existentes, passando a fazer das iniquidades a norma de conduta. A obediência aos poucos tornou-se direta às regras e aos aspectos da retórica de uma ideologia introjetada nas ideias, formadas sem reflexão, e na identidade que se superpõe à realidade do indivíduo.

O resultado desse processo é evidente, estamos a um passo da consolidação de um regime totalitário, no qual não haverá oposição, só a que for permitida, a censura seletiva e a falta de liberdade submetendo todos ao medo de represálias sem tipificação de crime, porém direcionadas ao escolhidos pelo desafeto do governo.

O BRASIL ENTRE O EGO DE LULA E O MUNDO REAL

O BRASIL ENTRE O EGO DE LULA E O MUNDO REAL

O discurso de Lula na 80a Assembleia Geral da ONU foi uma aula de evasão dos interesses domésticos. Enquanto o mercado financeiro celebra um suposto "tom moderado", a realidade na tribuna era a de um governante que deliberadamente silenciou sobre o Brasil real para se dedicar a uma guerra de narrativas globais. A euforia dos investidores se mostra míope, ignorando que a fala presidencial, longe de ser o tal desejado ato de diplomacia, foi um sintoma da profunda crise institucional e geopolítica em que o país há muito se encontra.

Os dramas nacionais foram obviamente ignorados. Nenhuma palavra sobre a inflação, a crise fiscal, a estagnação econômica, a violência desenfreada ou a insegurança jurídica que aflige a nação. Lula preferiu se dedicar a um ataque velado aos Estados Unidos e Israel. Parece que Lula continua a dobrar a aposta, talvez até pela falta de repertório: depois de transformar o Judiciário em instrumento de vingança contra Jair Bolsonaro, agora ele utiliza da diplomacia para se defender das reações internacionais que suas próprias ações provocaram.

A reação nacional do mercado a esse espetáculo é a peça-chave para entender como o Brasil continua refém do poder atual. Essa tolerância com a perseguição a opositores e a deterioração do Estado de Direito tem seus fiadores claros no jogo político, principalmente o Centrão. É ele quem garante a governabilidade e a estabilidade artificial que tanto agrada aos investidores, que blinda as péssimas decisões do governo no Congresso, permitindo que o presidente se dedique às suas obsessões ideológicas e vinganças pessoais, enquanto a fatura da irresponsabilidade fiscal e do aparelhamento institucional é empurrada para o cidadão comum. O mercado, por sua vez, finge não ver, feliz na ilusão de que, enquanto o sistema não ruir de vez, é possível seguir lucrando.

Ao classificar como "preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terro- rismo", o presidente se coloca do lado oposto aos esforços de Washington para incluir facções como o PCC e o Comando Vermelho em sua lista de organizações terroristas transnacionais. Esta postura não é ingênua, é uma capitulação ideológica que blinda efetivamente os grupos criminosos que controlam rotas do tráfico e territórios inteiros no Brasil. Para uma certa esquerda que romantiza o "inimigo do sistema", o crime organizado pode ser visto até como um "aliado tático" contra o avanço de uma direita alinhada aos EUA. O resultado prático é o aprofundamento da crise de soberania, com o Estado brasileiro se recusando a nomear e combater a principal ameaça à sua existência enquanto o seu chefe do executivo foca, quase que exclusivamente, no populismo e na destruição da imagem do país no cenário internacional.

O otimismo do mercado ignora o abismo que se abre sob os pés do país. O Brasil está no centro de um buraco geopolítico com o risco concreto de isolamento. Não apenas pela expansão das sanções Magnitsky a mais autoridades, mas também na possibilidade de mais tarifas sobre produtos brasileiros e da classificação do país como uma "ameaça à economia americana". Além disso, a designação do PCC como grupo terrorista teria, por si só, um impacto devastador em setores vitais como bancos, portos e cadeias logísticas. Sem uma reflexão e reversão profunda, que inclui todos os setores do poder (e se caracteriza plenamente na Anistia ampla, geral e irrestrita), o discurso de evasão na ONU servirá apenas como o epitáfio de um país que, para salvar seu projeto de poder, optou por ignorar a si mesmo.

(Observatório Brasil Soberano, 24/09/2025)

quarta-feira, setembro 24, 2025

O sistema, o Mito e Policarpo Quaresma

O sistema, o Mito e Policarpo Quaresma 

Logo após o resultado das eleições de 2022, um conhecido que foi contemporâneo do período de escola, do colegial, na verdade ele já fazia o curso de economia na Universidade Católica e eu era ainda um finalista do colégio Central. Ao sair o resultado das eleições de 2022, esse conhecido me mandou uma mensagem pelo Instagram comentando um post que eu tinha feito questionando o papel do TSE, ele dizendo que eram o “triste fim do Policarpo Quaresma”, ou seja a vitória do PT nas eleições tinha um significado parecido, e a saída do bolsonaro do Planalto era comemorada, significava o “triste fim” para o capitão. Na verdade olhando para o que conta o livro do Lima Barreto, olhando com mais cuidado percebi que no fundo a comparação da situação em que o Bolsonaro e o que o amigo, digamos, queria dizer era que haveria findado o período de sua importância, escarnecer o perdedor, desumanizado, o significado era o enterro da participação da direita na política e desse candidato, enquanto liderança do movimento da direita que se levantava e do intento conservador. Ele não imaginava que o resultado das eleições, a interferência dos ativistas do STF/TSE, o que seria ainda feito para que a esquerda se mantivesse no poder, pois ficou claro que haviam “tomado o poder”, e não se tratava apenas de eleições. Havia um projeto do Foro de São Paulo traçado para o país. E seria, a partir dessa hora, um dos períodos mais sombrios da nossa República. Obscuro, o custo de ter suplantado o candidato de uma evidente maioria, evidenciada pelas manifestações e votos alcançados por um número preponderante de representantes da direita para o Congresso, teria consequências de profundo impacto na sociedade e para as instituições de poder regidas pela Constituição. 

O significado e as consequências que os brasileiros teriam nesse novo período de governo petista seria o pior dos últimos trinta anos, um desgoverno, desastroso para os direitos humanos, para a economia e para as liberdades democráticas. E o Policarpo Quaresma que estaria, no desejo sombrio da militância petista, fora do jogo político, e até morto por assassinato encomendado na campanha de 2018, ainda poderia ser resgatado da sua condição de perseguido, agora prisioneiro político, e com grande em potencia, impressionante, por seus feitos ao país e a economia, com o crescimento de uma parcela significativa da população a seus favor, de um eleitorado opositor, crítico ao lulopetismo, que passou a demonstrar força em número e qualidade, enquanto adversários ao regime ditatorial da esquerda. 

A oposição conservadora, da direita organizada, passou a ter papel relevante no cenário político, com propostas, atitudes transparentes e clareza de opinião sobre as gestões, ideologia e planos da esquerda para o Brasil. Eles jamais teriam imaginado que tudo alcançaria esse patamar, uma esquerda cheia de ressentimentos por ter ficado fora do poder por quatro anos, afastada pela legítima eleição do odiado Mito. O Policarpo Quaresma do meu colega de época estudantil que deve estar torcendo para não perder sua boquinha. O Mito, por sua coragem em enfrentar o sistema corrupto, foi aprisionado por ele, aparelhado por criminosos e irresponsáveis em suas ações, um governo empossado com a faixa do poder em Brasília pelo ativismo do judiciário, a cumplicidade de parlamentares da extrema esquerda, uma oposição velada de alguns empresários atrás dos benefícios de mumunhas, banqueiros confiantes nos juros e na negociação vantajosa de precatórios, da gangue agraciada com a Lei Rouanet, e pelo suporte do Consórcio da grande imprensa financiada para divulgar as narrativas oficiais.

sábado, setembro 20, 2025

A consciência humana em perigo

A consciência humana em perigo

Por Olavo de Carvalho

Novamente, convido os leitores a me acompanhar numa rápida investigação filosófica. O assunto – os fundamentos, ou falta de fundamentos, da autoconsciência humana – parece estar longe da atualidade política imediata, mas quem tiver a paciência de chegar ao fim do artigo verá que não é assim. Nunca, como hoje, quando uma elite de burocratas iluminados remexe a seu belprazer os pilares da civilização como uma tropa de evadidos do hospício brincando de cientistas num laboratório nuclear, foi vital para cada habitante do planeta adquirir uma idéia clara das constantes que definem a condição humana, antes que o desenho mesmo da hominidade, sob o impacto de experimentos deformantes impostos em escala mundial, desapareça da sua lembrança. Mas uma dessas constantes é, precisamente, que toda constância humana só se revela, como em filigrana, sob o fundo da incessante mutação histórica. 

Só o conhecimento da história comparada das civilizações e culturas mostra, sob a variedade quase alucinante das formas, a durabilidade da estrutura geral do espírito humano. E, como aquilo que se encontra sob risco de perda imediata na voragem das transformações forçadas é sobretudo a unidade mesma da autoconsciência de cada indivíduo – a fragmentação da cultura resultando em estilhaçamento das almas –, nunca foi tão importante conhecer as mutações históricas da imagem do “eu” ao longo das épocas, para distinguir nela o que é acidental e transitório e o que é essencial, permanente e indispensável à defesa última da dignidade humana.

Um dos depósitos mais ricos de materiais para esse estudo são as autobiografias. O desenvolvimento histórico desse gênero literário evidencia de maneira particularmente clara as transformações da autoconsciência individual ao longo das épocas, paralelamente às modificações sobrevindas nas vivências respectivas do tempo, da memória e do próprio ato de narrar.

Dentre as muitas obras que têm saído a respeito, Memory and Narrative: The Weave of Life-Writing (The University of Chicago Press, 1998), de James Olsey, professor de Inglês na Universidade Estadual da Louisiana, é uma das mais úteis, porque, concentrando-se na história do gênero autobiográfico no período que vai das Confissões de Agostinho (397) até o monólogo cênico de Samuel Beckett, Company (1979), delineia muito claramente, no percurso entre esses dois extremos, a progressiva perda do sentido de unidade da autoconsciência, sem a qual a intenção mesma de narrar a própria vida se torna absurda.

O modelo estrutural da narrativa é o mesmo nos dois casos. Agostinho resume-o com o exemplo da prece. Quando ele vai recitar um salmo, já o sabe de cor, inteiro, de antemão. Enquanto o recita, as palavras que se sucedem em voz alta vão-se atualizando no tempo sobre o fundo estático do texto completo que permanece na memória. Terminada a recitação, o salmo se completou no tempo e é devolvido à memória, pronto para ser recitado de novo e de novo e de novo. Toda escrita autobiográfica tem mais ou menos essa estrutura.

A vida que vai ser contada está completa na memória, mas prossegue no ato de recordá-la e continua depois de terminada a narração, devolvida à memória para ser narrada de novo, lida ou ouvida. Qual a “substância” dessa narrativa? O tempo, mas qual tempo? O passado, que já não existe mais? O presente, instante atomístico infinitesimal que se dissolve tão logo aparece? O futuro, que tem uma existência meramente conjectural? O enigma aparece mais ou menos igual nas Confissões e em Company.

Irmanados na preocupação comum com o tempo, a memória e o eu, os dois livros não poderiam ser mais antagônicos nas suas respectivas visões a respeito.

As memórias de Agostinho são a confissão formal de uma alma que, assumindo plenamente a autoria, a responsabilidade e as consequências de cada um de seus atos, pensamentos e estados interiores, mesmo os mais obscuros e remotos no tempo, comparece ao seu próprio julgamento como que ostentando uma identidade inteiriça, na qual as várias forças internas em conflito não fazem senão realçar a unidade tensional do todo. 

Agostinho consegue fazer isso porque compõe sua narrativa diante de uma platéia onisciente, o próprio Deus. “Caminhar diante de Deus” não significa outra coisa senão agir e pensar em confronto permanente com o símbolo “onisciência” – a fonte inalcançável e incontornável de toda consciência, a única garantia da sinceridade dos pensamentos, dos atos e da sua rememoração. Embora a expressão apareça na Bíblia, Agostinho foi o primeiro a explicitar em palavras o sentido da experiência aí resumida. O homem que caminha diante de Deus se governa e se concebe, a cada instante, como se estivesse diante do Juízo Final, na forma completa do seu ser individual conscientemente responsável pela escolha do seu próprio destino eterno. A vida completa do futuro é, pois, a medida da rememoração do passado, que o narrador empreende no presente.

É daí também que Agostinho extrai a solução do problema da insubstancialidade do tempo. Deus não é apenas onisciente: é eterno. Boécio, mais tarde, definirá a eternidade como “a posse plena e simultânea de todos os seus momentos”, mas o conceito já está implícito em Agostinho. Se os vários momentos não tem nenhuma unidade entre si, só lhes resta esfarelar-se num imenso nada. Só a sua unidade total e simultânea tem existência, mas essa unidade é a própria eternidade, e nada mais. O tempo, em si, não tem mesmo substancialidade nenhuma. É apenas uma miragem, uma “imagem móvel da eternidade”.

Se Agostinho pode dominar intelectualmente o seu passado é porque o expõe ante o olhar da onisciência. Se pode ter a intuição da continuidade da sua existência, é porque a enxerga como um reflexo temporal da eternidade. A articulação da autoconsciência moral é a mesma articulação dos três tempos no eixo da eternidade.

A idéia do indivíduo como uma unidade complexa e dramática que se forma e se assume na encruzilhada dos três tempos incorpororou-se de tal modo à tradição ocidental que veio a inspirar toda a moderna psicologia da personalidade. Dezesseis séculos depois de Agostinho, Maurice Pradines, no seu Traité de Psychologie Générale (1948), definiria a consciência como “a memória do passado preparada para as tarefas do futuro”. Mesmo em Freud, ao qual se atribui erroneamente muito da culpa (ou do mérito) pela dissolução da unidade do eu, a personalidade é a resultante de uma arbitragem progressivamente imposta pela consciência aos impulsos antagônicos do Id e do Super-ego. Nada poderia celebrar mais claramente a vitória final da unidade do que a célebre profecia do pai da psicanálise: “Onde há Id, haverá Ego.”

Totalmente diversa é a perspectiva em Company. Aqui, um velho entrevado, no palco, ouve episódios da sua vida – a vida do próprio Samuel Beckett – narrados e comentados, em monólogo, por uma voz sem rosto. Será a “voz da consciência”? Sim e não. Ela lhe fala dele próprio ora na segunda pessoa, ora na terceira. Aquele que, no presente, recorda o passado, já não sabe se esse passado é seu, de um terceiro ou de um personagem inventado. E a voz lança ao senso de identidade do ancião um temível desafio: se você não se recorda do seu nascimento, como pode ter a certeza de que essa vida que está recordando é a mesma daquele que cujo nascimento você acha que é o seu?

Tal como Agostinho, o personagem de Beckett – indiscernível do autor – desenha suas memórias sobre a superfície de contraste fornecida por um interlocutor invisível que transcende o narrador e tem sobre ele a autoridade de uma instância formadora. O resultado, por isso, difere conforme a identidade desse interlocutor. A eternidade e onissapiência de Deus conferem à auto-imagem biográfica de Agostinho a unidade de uma história assumida como criação pessoal responsável. Mas o interlocutor de Beckett não é onissapiente: é apenas mais arguto que o personagem.

Ele é a razão crítica, poção corrosiva que dissolve o sentimento de unidade temporal do eu por meio de exigências epistemológicas que ele não tem como atender. O ancião entrevado não tem sequer o poder de dizer “eu” com consciência de causa, mas por isso talvez não lhe caibam também a culpa de seus pecados ou o mérito de suas realizações. O eu esfarelado, incapaz de contar sua própria história, é vítima de sua própria existência e não tem portanto nenhuma responsabilidade sobre ela. A narrativa de Agostinho sobe do fundo obscuro do coração para a luz divina que, em resposta, lhe confere a participação na sua própria unidade e claridade. A de Beckett vem de uma treva externa que obscurece o pouco de luz que o ego julgava possuir.

Na passagem de um extremo a outro, Olsey documenta algumas etapas da “crise da memória narrativa” que, como um fio condutor, atravessa toda a história da mentalidade ocidental moderna. Ele data das Confissões de Jean-Jacques Rousseau (1782) o começo da “crise”, mas está errado. Ela já estava plenamente instalada nas Meditações de Filosofia Primeira de René Descartes (1641), que se apresenta como uma autobiografia interior, a narrativa de um experimento cognitivo (v. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm e

http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes2.htm).

A confusão medonha que o filósofo aí produz entre o eu existencial concreto e o conceito abstrato do eu como autoconsciência absoluta (cogito ergo sum ), passando do primeiro ao segundo sem notar que saltou da ordem temporal para a ordem dedutiva, é uma das mais prodigiosas mutilações já impostas à consciência autobiográfica do homem ocidental. Todo o problema de Beckett já estava aí. Como bem observou Jean Onimus (Beckett, un Écrivain devant Dieu, Desclée de Brouwer, 1967): “Instalai-vos no cogito cartesiano em seu ponto de origem, … e vereis o homem de Beckett em toda a extensão do seu infortúnio.”

O eu cartesiano não pode narrar sua história porque é apenas uma forma abstrata isolada no espaço, amputada da experiência temporal. Se o filósofo, no entanto, o apresenta sob forma narrativa, é porque, literalmente, não percebe o que está fazendo. O cartesianismo não é o capítulo inaugural da dissolução da autoconsciência narrativa (numa apostila inédita do meu Seminário de Filosofia atribuí essa duvidosa honra aos fragmentos autobiográficos de Nicolau Maquiavel), mas é um episódio importante do processo. 

A incongruência de Descartes será formidavelmente ampliada por Immanuel Kant mediante a idéia do “eu transcendental”. Esta assombrosa criatura da filosofia alemã tem a autoridade de demarcar as fronteiras da experiência acessível ao pobre eu existencial sem ser ela própria limitada por elas, mas sem por isso abrir ao eu existencial nem mesmo uma estreita frestinha por onde ele pudesse enxergar o que está para além dessas fronteiras. Ele é chamado “transcendental” precisamente porque fecha as portas de acesso ao “transcendente”. Instalado nas alturas medianas do eu transcendental, que fica só um pouco acima do eu existencial, o filósofo não permite que ninguém suba acima dele. 

A satisfação perversa com que ele crê determinar os “limites do conhecimento humano” mostra que ele tinha a consciência de ser algo assim como, nas escaladas iniciáticas, o “guardião do portal”, uma espécie de Pasionária metafísica, gritando aos buscadores da eternidade: No pasarán! No pasarán! Não tenho a menor dúvida de que o interlocutor de Beckett é o eu transcendental kantiano. Kant, por um lado, acreditava que o conhecimento humano está limitado à experiência sensível, ao espaço e ao tempo; por outro, dizia que os dados da experiência são um farelo caótico, ao qual a consciência impõe sua própria unidade. 

Mas deixada a si mesma, sem o pano de fundo da eternidade, a própria consciência se esfarela. Mais claramente ainda do que em Descartes, o homem isolado e desesperado de Samuel Beckett está presente e manifesto na Crítica da Razão Pura de Kant (1781). Ao proibir o acesso da consciência à eternidade, o eu transcendental torna a própria consciência inacessível e evanescente. Daí a lógica aparente e a absurdidade profunda da cobrança que vem das trevas: a idéia de que só o eu que recordasse claramente o seu próprio nascimento teria autoridade para afirmar que sua história é sua própria história se baseia inteiramente numa pegadinha kantiana, e esta pegadinha, por sua vez, tem como premissa uma inépcia colossal: resulta em supor que a única autoconsciência legítima seria a de um ente que pudesse observar conscientemente seu próprio nascimento. Só que para isso ele teria de existir temporalmente antes de entrar na existência temporal. 

Na experiência real, todo começo, toda gestação, se dá na obscuridade: a luz é uma conquista progressiva. Narrar a própria vida sem ser testemunha do próprio nascimento não é uma pretensão indevida: é simplesmente a condição real da experiência humana. O eu transcendental, pretendendo fazer a crítica da experiência, estabelece premissas que negam a possibilidade de toda experiência e, portanto, da própria crítica. Beckett está consciente do caráter humorístico de suas especulações. Mas o humorismo kantiano é pateticamente involuntário. 

O estudo de Olsey guarda o mérito de elaborar o conceito fundamental da “crise”, mas, ao exemplificá-lo, é muito incompleto. Descartes só é mencionado de passagem, e o nome de Kant nem aparece. Imperdoável é a omissão de Proust, que passou a vida tentando resolver o problema agostiniano do tempo, assim como a de Arthur Koestler, que, em Darkness at Noon (1940), documentou a redução da autoconsciência, sob a pressão do totalitarismo moderno, a uma “ficção gramatical”. O autor também não dá sinal de associar a “crise da memória” a um processo paralelo e inseparável: a epidemia de narrativas autobiográficas e biográficas conscientemente falseadas para fins de propaganda política, fenômeno observado na França desde pelo menos um século antes desse mentiroso não muito consciente que foi Rousseau. Seria impossível, de fato, que a dissolução da autoconsciência não viesse junto com a perda progressiva do sentido de responsabilidade intelectual e a expansão formidável da amoralidade, do cinismo manipulador, da crueldade sádica. 

A destruição das bases civilizacionais da existência humana não começa nos campos de batalha nem nas bolsas de valores: começa nos tranqüilos gabinetes onde homens aparentemente inofensivos – quer se trate de filósofos ou de burocratas da ONU — tentam ser mais sábios que Deus. Não tem cabimento dissociar da crise da autoconsciência a progressiva rejeição moderna do senso de eternidade, e não é possível aceitar a dissolução da autoconsciência tentando preservar, ao mesmo tempo, altos padrões morais de conduta. Neste fim de era, as conseqüências históricas de decisões intelectuais tomadas três, quatro, cinco séculos atrás assumem a forma do totalitarismo, da violência generalizada, do genocídio e, sobretudo, do império universal da mentira. 

Aqueles que buscam na ação política um remédio para esses males vão ter de compreender, mais dia menos dia, que a raiz deles está nas regiões etéreas do pensamento abstrato. E aqueles que, por afeição pessoal, se dedicam ao pensamento abstrato, devem examinar com toda a seriedade de consciência os efeitos devastadores dos abstratismos aparentemente inócuos criados pelos filósofos dos séculos passados. Nesse sentido, a filosofia é política, e a política é filosofia.

sábado, setembro 13, 2025

Outro tipo de guerra

 Outro tipo de guerra

Acompanhando os fatos recentes, penso que foi iniciada uma guerra que não será só através da prática da força, à toda ação corresponde uma reação contrária e confiante, força que até então estava sendo afastada por questões de humanidades, numa "polida concorrência democrática", nos limites da paciência, respeito às regras, certa hesitação ao inevitável, mas diante da escalada da violência ativista da extrema-esquerda, de maneira aberta e global, a resposta está chegando, tomando postos, sobretudo por meio de atitudes firmes, corajosa, com rigor internamente e mundialmente, vindas de todos que apoiando a liberdade de expressão, a voz alta sobre a verdade, se dará em grande escala. Aguarde e acompanhe. Quem estiver ou se colocar em cima do muro estará do mesmo lado dos que querem o mal a seus opositores, querem vingança e ataques covardes contra os que têm opinião divergente, querem calar os indefesos e os inocentes. Os abusadores de poder, provocadores do terror, torturadores, são apoiadores de assassinos de impotentes, parceiros de terroristas, são juízes partidários com ações sujas de ilegalidades, esses, revelados defensores de regimes totalitários, que nunca mais deveriam estar presente neste lugar, qualquer lugar, nem neste momento histórico, tempo em que a humanidade tem, porque teve, conhecimento de experiências horríveis, do que já aconteceu no passado, que não é tão distante como muitos querem fazer pensar e ignorar com suas narrativas ideológicas e mentiras hediondas infernais.

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