O autoritário e o desespero não deixa espaço para princípios
O desespero chega como um incêndio noturno, consumindo não apenas as certezas, mas também as bases secretas da alma. O autoritário acredita nos seus ideais como solução de tudo, e evita a reflexão sobre seus erros, inclusive a negação de incompreensão da sua visão de mundo. Os princípios, que em dias claros foram colunas de mármore, tornam-se frágeis como madeira seca diante das chamas. O desespero do autoritário é voraz: não consulta a consciência, não escuta a razão, não respeita a linha tênue entre o certo e o errado. Ele apenas exige saída, ainda que seja por um corredor estreito e escuro. Para ele e seus propósitos de carregar os demais em sua jornada impossível.
Quem nunca se orgulhou de sua retidão? Da sua “visão de mundo”? Supostamente a mais justa e benéfica à todos. Quem nunca disse a si mesmo: “jamais cruzarei tal fronteira”? Mas quando o desespero da derrota do autoritário se instala, e por correia de transmissão impregna seus seguidores, o “jamais” evapora. A mão que se recusava à violência pode apertar o gatilho; os lábios que pregavam a verdade podem dobrar-se ao silêncio da mentira; o coração que defendia a liberdade pode entregar-se ao jugo em troca de um prato de comida, uma esmola, à ilusão da salvação prometida. O desespero é o grande corrosivo da moral, dissolvendo convicções como sal na água.
O objetivo autoritário em desespero não pede licença: rouba o horizonte. Onde havia um caminho longo de escolhas, resta apenas o agora, seco e estreito, a miserável condição da obediência, como uma trilha que conduz a uma única saída. E nessa urgência, princípios não têm assento — são bagagens pesadas demais para carregar.
No palco coletivo, o desespero causado pelo autoritarismo é ainda mais cruel. Povos inteiros, tomados pela fome, opressão, ignorância dos fatos ou pelo medo, entregam-se a salvadores de ocasião. Ditadores sabem disso: basta cultivar a mentira de suas ambições, o desespero colateral, para colher obediência. A liberdade, tão duramente conquistada, pode ser vendida por um punhado de certezas imediatas, e narrativas criadas como método de controle.
E no íntimo, o desespero nos desnuda. Tira-nos a máscara de moralistas e mostra o quão frágeis somos. Princípios são flores que precisam de solo fértil; não brotam em desertos. É fácil cultivá-los no jardim da abundância, difícil é mantê-los vivos quando a terra resseca e o vento cruel açoita.
Por isso, esta sentença é advertência e confissão: se desejamos que princípios sobrevivam, devemos aprender a não deixar que o totalitário e o desespero cresça e se expanda. Devemos criar espaços de esperança, fontes de dignidade, sementes de futuro e reflexão sobre a verdade. Pois onde o desespero impera, não há ética, não há lei, não há compasso. Há apenas a luta nua, o grito, a urgência da sobrevivência desatada dos fatos e do verídico na história.
Talvez o que nos distinga não seja a ausência do desespero — ele virá, cedo ou tarde — mas a coragem de, mesmo diante de seu estado sombrio, ainda tentar salvar uma fagulha dos nossos princípios, como quem protege uma vela acesa em meio à tempestade provocada pelo horror do totalitarismo no mundo.
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