Reflexões sobre o Silêncio e a Justiça
Vivemos uma época em que a velocidade da informação ultrapassa a capacidade humana de reflexão. As crises ̶ políticas, morais, ambientais, espirituais ̶ se sucedem como ondas que se chocam sobre uma sociedade exausta, acostumada a reagir mais do que a compreender. Nesse cenário, o papel do cidadão consciente adquire uma dimensão quase trágica: ele vê, entende e sente o que muitos preferem ignorar. Mas o que fazer diante da injustiça, quando ela se disfarça de normalidade? É possível continuar o curso da vida cotidiana, cumprir o dever profissional, e ao mesmo tempo preservar a integridade da consciência? Fechar os olhos e seguir adiante é o caminho mais fácil ̶ e talvez o mais tentador. Afinal, a indiferença protege, anestesia, poupa do peso de pensar e do risco de se opor. Porém, esse silêncio, ainda que confortável, é também uma forma de consentimento. O cidadão que se cala diante do erro coletivo torna-se parte dele, mesmo sem querer. A omissão é o modo mais sutil de cumplicidade.
O verdadeiro exercício da cidadania não está apenas no cumprimento de direitos e deveres formais, mas na consciência ética que orienta o olhar sobre o mundo. Ser cidadão, neste sentido, é cultivar a lucidez. É perceber que toda escolha, ainda que individual, reverbera no tecido social. Aquele que pensa, reflete e fala ̶ não por vaidade, mas por dever interior ̶ transforma o simples ato de existir, prenhe, embora geralmente desconhecido, de complexidade, em gesto político. Refletir sobre a realidade e partilhar essa reflexão é também um ato de generosidade, de plenitude da verdadeira alma humana.
Em um tempo de ruídos e manipulações, o pensamento crítico é um bem escasso ̶ e quem o possui, ainda que em frações, deve distribuí-lo como quem reparte o pão aos famintos. A consciência desperta em um é convite à consciência de muitos. O cidadão que se recusa a viver de olhos fechados não busca ser herói, mas inteiro, não dono de uma visão individual de uma elite ou bolha cultural. Ele entende que a neutralidade, quando o mundo se fende entre o justo e o injusto, é apenas uma forma elegante de omissão. E é por isso que sua voz, mesmo isolada, importa. O mundo em crise não será salvo por gestos grandiosos, mas por pequenos atos de lucidez ̶ por aqueles que persistem em pensar, em sentir e em lembrar que a justiça não é uma ideia abstrata, mas uma atitude que começa no íntimo de cada consciência desperta.