Ao tentar destruir o inocente, estão destruindo a eles mesmos
Há pensamentos que não surgem apenas como conclusões racionais, mas como revelações silenciosas. Não são deduzidos: impõem-se, como se já estivessem escritos na estrutura do real. A frase “Ao tentar destruir o outro estão destruindo a eles mesmos” é um desses pensamentos que parecem vir de um lugar anterior à linguagem, como se fossem eco de uma verdade primordial que todos conhecem, mas raros admitem.
Ela traz uma lei antiga, quase mitológica: todo gesto de aniquilação nasce como suicídio espiritual disfarçado. O que se faz contra o outro, a vida devolve ao agente como sombra, cicatriz ou empobrecimento da alma. Mas para entender isso não basta a análise lógica; é preciso entrar numa espécie de narrativa metafísica da condição humana.
A moral humana não é um código externo, mas uma arquitetura interior silenciosa. Quando alguém lança uma ação de injustiça ou violência contra o outro, não está apenas atravessando o limite ético: está rompendo a trama interna que sustenta sua própria dignidade.
Aristóteles diria que o homem torna-se o que repete.
Aquele que humilha torna-se ele mesmo menor.
Aquele que oprime torna-se escravo de sua própria força.
Aquele que mata uma ideia torna-se incapaz de gerar novas.
É uma erosão que não se vê de imediato, mas se instala como anticorpo da alma.
Assim, quem destrói o outro e mais, o inocente, cava lentamente sua própria cova moral: perde o olhar da verdade, a honestidade das palavras, a firmeza das convicções. E quando finalmente nota, já se tornou pequeno demais para caber no mundo que imaginou dominar.
A destruição do outro é, portanto, uma liturgia silenciosa que consagra a queda do próprio agressor.
Nenhum povo destrói seu adversário político sem destruir também o espaço simbólico onde a política pode existir. A pluralidade — tão incômoda, tão perturbadora — é o órgão vital da vida pública. Quando um grupo decide que o outro deve ser eliminado, deslegitimado, silenciado ou extirpado, rompe-se a oxigenação da polis. E esse processo já foi descrito por Hannah Arendt como o colapso da esfera pública.
Sem o interlocutor, o opositor, o outro:
não há debate;
não há crítica;
não há correção de rumos;
não há liberdade.
Quem tenta destruir o opositor destrói, sem perceber, o próprio caminho sobre o qual pretende seguir. O mesmo ambiente que pretende envenenar retorna como vaticínio inapelável.
As tiranias sempre acreditaram que venciam quando calavam a pluralidade; na verdade, era nesse instante que começava a sua derrocada. Ao extinguir o opositor, extinguiam o diálogo com o futuro; e sem diálogo, o mundo se transforma em silêncio totalitário, árido terreno de ódio e crueldade onde ninguém, sequer o tirano, pode continuar a viver.
Há uma sabedoria antiga, preservada em mitos e tradições de diversos povos, que diz que cada homem é um nó numa grande rede. O corte de um nó não liberta; desfaz a totalidade da teia. No Ubuntu africano, esse princípio se torna cristalino: “Eu sou porque nós somos.”
O agente agressor não percebe que, ao tentar destruir o outro, destrói também a própria genealogia de sentido que o mantinha sujeito livre, cidadão, indivíduo. Fica órfão de humanidade.
No grande teatro cósmico, todo ato agressivo retorna à mão que o lançou. Não por misticismo, mas por estrutura ontológica.
O mundo é dinâmico, uma complexidade estrutural.
O ser é relacional. Toda ferida é uma ferida no tecido da realidade que nos contém.
Assim, a frase “Ao tentar destruir o outro estão se destruindo” não é apenas uma advertência moral: é um diagnóstico da condição humana.
Um veredicto da própria natureza das relações.
Porque o inocente não é o inimigo;
é o limite que me define,
o espelho que devolve a imagem,
o limite que me dá forma.
Destruí-lo é destruir as linhas que desenham o próprio contorno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário