quarta-feira, novembro 19, 2014

a racionalidade modela nosso modo de ser e estar no mundo


A dimensão racional da Técnica e a modelagem da vida

Para o filósofo italiano Umberto Galimberti, compreender os significados da palavra técnica nos ajuda a entender como esta racionalidade modela nosso modo de ser e estar no mundo

Por: Márcia Junges e Ricardo Machado

O olhar quase sereno de Umberto Galimberti esconde um sujeito que não tem nada de comedido quando se trata de defender suas posições teóricas e sua análise sobre as sociedades tecnocientíficas. Em quase uma hora de entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, durante sua visita ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o italiano tratou de defender seu conceito de técnica de forma entusiástica, objetiva e contundente. “Não temos que entender a palavra técnica como máquinas, isso é tecnologia. Temos que entender a palavra técnica como um tipo de racionalidade, que consiste em alcançar os máximos objetivos com o emprego mínimo dos meios”, explica Galimberti.
“Tudo aquilo que não entra neste tipo de racionalidade é expulso das nossas vidas. Somente o mundo da vida prevê o irracional, como o amor, o sentimento, a dor, e tudo isso, do ponto de vista técnico, é insignificante e é visto como um elemento de distúrbio”, aponta o professor. Na opinião de Galimberti, o momento de transição que vivemos jogou fora tudo aquilo que não parte de uma visão calculista/utilitarista do mundo. “A técnica não é uma entidade, é uma racionalidade de visão generalizada. É por isso que eu entendo o que é útil e necessário, mas não compreendo o que é bom, o que é belo, o que é verdadeiro, o que é santo e o que é justo. Todos esses valores se perdem e resta somente o valor da utilidade”, lamenta.
Para o teórico, a cultura do domínio judaico-cristã venceu a cultura grega e é por isso que a ciência e a técnica que conhecemos são manifestações desse domínio, pois surgem no impulso destas tradições. A questão que se impõe, entretanto, é: “O Ocidente vai sobreviver até o fim do cristianismo? Ou vice-versa, o cristianismo vai sobreviver ao fim do Ocidente? Em todo caso, a ciência e a técnica são produtos da cultura de domínio”, provoca. O autor ainda sustenta que não há, sequer, o desejo humano de se opor à técnica. “Não há uma oposição, porque os homens desejam a técnica mesmo que tenham medo dela. Podemos atingir um objetivo se tivermos um meio técnico de alcançá-la. Mesmo que tenhamos medo do aparato técnico, nós o desejamos”, argumenta.
Umberto Galimberti é italiano e professor titular de História da Filosofia e Psicologia Geral da Universidade de Veneza – Itália. É discípulo e tradutor das obras de Karl Jaspers e Heidegger, a quem dedicou três de suas obras, além de ser estudioso de Antropologia Filosófica e Psicologia Analítica. Atualmente, é colunista de um dos maiores jornais da Itália, o La Repubblica. É reconhecido por seu conhecimento circular notável, do mito à Ciência, da Filosofia à História, da Psicologia à Sociologia, da Filosofia da língua à Teologia, da Antropologia à Introdução da técnica, até a obscuridade e o relacionamento técnico dramático do homem. 
Será publicado, em breve, o texto “O Homem na Idade da técnica”, no Cadernos IHU ideias. 
O professor tem 17 obras publicadas, inclusive algumas editadas em francês, espanhol, alemão, grego, português e japonês. Entre elas estão Cristianesimo. La religione dal cielo vuoto (Milano: Editora Feltrinelli, 2012), Il viandante della filosofia (com Marco Alloni. Roma: Editora Aliberti, 2011) e Psiche e Techne. O homem na idade da técnica (São Paulo: Paulus, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A técnica em nosso tempo foi ontologizada? Ela se tornou um ente superior? Por quê?
Umberto Galimberti – Não temos que entender a palavra técnica como máquinas, isso é tecnologia. Temos que entender a palavra técnica como um tipo de racionalidade, que consiste em alcançar os máximos objetivos com o emprego mínimo dos meios. Tudo aquilo que não entra neste tipo de racionalidade é expulso das nossas vidas. Somente o mundo da vida prevê o irracional, como o amor, o sentimento, a dor, e tudo isso, do ponto de vista técnico, é insignificante e é visto como um elemento de distúrbio. A técnica não é uma entidade, é uma racionalidade de visão generalizada. É por isso que eu entendo o que é útil e necessário, mas não compreendo o que é bom, o que é belo, o que é verdadeiro, o que é santo e o que é justo. Todos esses valores se perdem e resta somente o valor da utilidade. 

IHU On-Line - Em que sentido a técnica, invenção humana, saiu do controle do seu criador?
Umberto Galimberti – Nós usamos instrumentos técnicos, mas não temos condições de possuir suas técnicas. O celular contém uma concentração de inteligência humana que supera as minhas competências cognitivas e de conhecimento. Eu posso usar os instrumentos técnicos, mas não tenho o conhecimento técnico destes aparatos. A técnica já superou a capacidade individual de conhecimento. 

IHU On-Line - Por que a técnica é o destino das sociedades ocidentais avançadas? Estamos diante de um beco sem saída?
Umberto Galimberti – Estamos, sim, diante de um beco sem saída e é inútil que tenhamos esperança, porque a ciência e a técnica nasceram no ocidente por meio do impulso da cultura judaico-cristã. No Gênesis, Deus diz a Adão: vais dominar a terra e os animais; os peixes nas águas e os pássaros no céu. Mas os gregos não pensavam assim. Platão , por exemplo, disse “não pensa, homem mesquinho, que esta natureza foi criada para ti. Tu serás justo e vais te ajustar de forma harmônica à natureza”. A cultura do domínio é a cultura judaico-cristã, ela venceu a cultura grega e é por isso que a ciência e a técnica, que são a manifestação desse domínio, nasceram através do impulso desta tradição. Como o Ocidente é cristão, também os ateus são cristãos, os agnósticos são cristãos, porque o cristianismo não é somente uma religião, é uma cultura. O problema que temos é: o Ocidente vai sobreviver até o fim do cristianismo? Ou vice-versa, o cristianismo vai sobrevier ao fim do Ocidente? Em todo caso, a ciência e a técnica são produtos da cultura de domínio.

IHU On-Line - A partir desse cenário, como podemos compreender que nos tornamos objetos do grande sujeito da história no qual se converteu a técnica?
Umberto Galimberti – Porque o homem foi sempre pensado como o padrão do universo. Quando a ciência foi criada, em 1600, Descartes  dizia que através da ciência o homem se torna o dominador do mundo. Isso porque a essência do humanismo é a essência da técnica. Entretanto, a técnica quando se desenvolveu e difundiu a cultura da racionalidade utilitarista, reduziu o homem a um operador da técnica. Assim, qualquer trabalhador, na fábrica ou no escritório, é responsável pelo protocolo, através das ordens dos superiores. Não é responsável pelos fins de suas atividades, é uma engrenagem do aparato não diferente dos instrumentos que utiliza. Ele não é mais um sujeito de vida, e sim um funcionário da técnica que utiliza. Isso determina também a queda da moral tradicional, porque a moral estabelecia o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim e depois previa, também, o perdão.
A técnica é mais feroz que a moral, porque se a eficiência e a produtividade não são respeitadas, se está fora do sistema técnico e, automaticamente, do sistema social. Nesse sentido "podemos" ser imorais porque entra uma sanção técnica mais feroz que a moral.

IHU On-Line - Quais são as implicações éticas fundamentais desse cenário?
Umberto Galimberti – Nós não temos uma moral à altura da Idade da Técnica. Porque a moral cristã é moral da intenção, que te considera bom ou ruim conforme as intenções pela qual os sujeitos agem. Por meio dessa moral nasceu todo o sistema jurídico ocidental, dependendo das intenções de meu delito vou ter um ou outro tipo de condenação; trata-se de uma perspectiva que está relacionada à ética da intenção. Na idade da técnica não é importante o objetivo de por que se faz determinada ação, mas são importantes as consequências das ações. A Oppenheimer  não interessava suas intenções quando inventaram a bomba atômica. Importante é o contrário, conhecer as consequências da bomba atômica. Nem mesmo a moral laica está à altura desta razão. Quando Kant  queria fundar uma moral apenas sobre a razão prescindindo das religiões, que não podem criar uma moral universal, ele dizia que era preciso tratar o homem como um fim e não como um meio. Hoje esta moral não tem como funcionar, porque na Idade da Técnica tudo é mais complicado. Afinal, o ar é um fim ou um meio a ser protegido? A água é um fim ou somente um meio? A fauna, a flora, a biosfera, a atmosfera são fins ou são meios que devem ser salvaguardados? Nós não temos uma ética que tenha se responsabilizado pela natureza, nós temos a ética para reduzir o conflito entre os homens, mas não para proteger a natureza.
A ética vai funcionar se ela se tornar psique. Se eu estuprar uma moça vou ser percebido como culpado, mas se eu poluo como serei considerado? Max Weber  formulou a ética da responsabilidade e disse que era necessário considerar a consequência das ações (até o ponto que essas consequências possam ser previsíveis). O problema é que as consequências da ciência e da técnica não são previsíveis. Aquilo que consideramos como o fim da ciência e da técnica são os resultados dos procedimentos. Não se trata de afirmar algo como “temos que curar o câncer”. A ciência não funciona assim. A tecnociência opera a partir da seguinte lógica: “deve-se estudar certo aminoácido por 20 anos”; “estude esta proteína por dez anos”. Se perguntássemos qual é o objetivo, o cientista responderia “não sei”. Ele argumentaria que é necessário conhecer tudo aquilo que é possível e se com o resultado desses conhecimentos tivermos uma vantagem para a humanidade, ok, mas este não é o objetivo e sim o resultado final de uma série de procedimentos. Ninguém projetou a clonagem humana, apenas viu-se que era possível. 

IHU On-Line - Qual é o nexo entre a radicalização da técnica enquanto uma das faces do niilismo diagnosticado por Nietzsche?
Umberto Galimberti – Nietzsche  definia o niilismo nos seguintes termos: falta de objetivo, falta de resposta ao “por que”, todos os valores se perdem. Que os valores percam os próprios “valores” não é importante. Porque eles não são entidades metafísicas que descem do céu, são coeficientes sociais nos quais as populações tentam viver da melhor maneira possível. O mais decisivo nesse aspecto é que não há objetivo, porque a técnica não tem objetivos, não tem como objetivo o bem-estar da humanidade, ela não salva, não redime, a técnica funciona. Aquilo que ela determina não é um bem-estar da sociedade, mas, sim, seu próprio desenvolvimento. A técnica quer a si mesma e o seu desenvolvimento independente das condições dos humanos. Dessa forma, o futuro se torna imprevisível e nesse sentido falta o objetivo, falta a resposta ao “por que” — por que estou no mundo, por que estou nessa situação de operador da técnica —, nós não temos nada onde nos agarrar, o que seria o próprio niilismo. 

IHU On-Line - Em que medida é preciso repensar e até mesmo refundar conceitos como a política, a ética e a religião tomando em consideração o paradigma da técnica em nosso tempo?
Umberto Galimberti – Em relação à política, Platão pensava que a política deveria ser o local da decisão. Ele mesmo chamava a política de técnica régia. A técnica sabe como são feitas as coisas e a política sabe se é necessário e como se deve fazer. A política seria, então, o local da decisão. Hoje a política, ao contrário, não é local onde se decidem as coisas, porque para tomar decisões a política olha para a economia, e a economia para fazer suas coisas olha para os objetos tecnológicos. Nós temos, portanto, a política e a economia e a economia e a técnica. A política aparece na televisão, mas não é mais onde se decidem as coisas. Em relação às religiões, parece que ainda tem futuro, mas somente como um contraponto à racionalidade técnica, porque tudo aquilo que não tem a ver com a racionalidade técnica encontra no cenário religioso um local onde pode ter algum sentido. Porém, este sentido só é entendido na irracionalidade da religião, pois a religião é um local irracional, onde tem consolação, esperança, confiança, que são todos cenários excluídos do horizonte técnico. Mas na luta entre religião e técnica a técnica vencerá.

IHU On-Line - Em que aspectos a desconstrução que o senhor propõe de mitos como o da neutralidade, da instrumentalidade e da não humanidade da técnica representam uma falsa e alienante oposição homem versus máquina?
Umberto Galimberti – Não há uma oposição, porque os homens desejam a técnica mesmo que tenham medo dela. Podemos atingir um objetivo se tivermos um meio técnico de alcançá-la. Mesmo que tenhamos medo do aparato técnico, nós o desejamos. Por exemplo, há 25 anos houve a Queda do Muro de Berlim, e o fim do regime da União Soviética não foi porque as pessoas tinham fome, porque eram controladas, porque não podiam sair do país, não foram as razões humanísticas que determinaram o fim do regime. Em 1960, a técnica da União Soviética era igual ou um pouco superior à técnica de seu antagonista que era os Estados Unidos. De fato, os soviéticos já haviam lançado seu Sputnik  ao espaço e, obviamente, o Comunismo não poderia acabar naquela época. Quando, em 1989, a técnica da União Soviética era infinitamente inferior à americana, o Comunismo caiu. Agora a técnica é a condição para realizar os objetivos, então todos desejam a técnica.

IHU On-Line - Qual é o nexo que une a hiper-racionalidade contemporânea, o surgimento e a consolidação da técnica?
Umberto Galimberti – A técnica com sua hiper-racionalidade determina também nosso modo de pensar. Heidegger  disse de forma oportuna que o inquietante não é que o mundo se transforme em um grande aparato técnico, o mais inquietante é que não estamos preparados para essa grande transformação do mundo. E ainda mais inquietante é que não temos um pensamento alternativo ao modelo calculista/cartesiano de racionalidade. A técnica não oferece somente instrumentos técnicos, mas nos faz pensar desta forma. Uma vez eu estava em um trem e havia uma moça com uma harpa, um instrumento grande que atrapalha, e um senhor muito distinto começou a conversar com ela, conversaram por meia hora, a moça se sentiu gratificada por alguém interessado por sua arte, depois, no final, este mesmo senhor perguntou: “Onde estão os negócios desta arte?”. Isso nos faz entender que pensamos somente com a categoria do cálculo. 

IHU On-Line - Em que medida a ética do viandante serve como contraponto ao status da técnica em nosso tempo?
Umberto Galimberti – A ética do viandante é uma ideia que ainda deve se tornar um livro. O viandante não é o viajante. O viajante vai de um lugar para o outro e todos os interlugares não existem. Viandante é, ao contrário, aquele que caminha, não tem mapa, e caminhando deve tomar suas decisões. Se chega diante de uma montanha, por exemplo, ele deve decidir se vai transpor a montanha ou contorná-la. Se tiver um rio, terá que ver por onde poderá passar. Se atualmente vivemos em um cenário onde não temos mais princípios, não temos mais regras morais, temos que utilizar a ética do viandante, que é a da contínua decisão, mas nela existe um critério, que não é o critério do bem, mas do menor mal. Neste sentido, esta será a ética do futuro, causada pelo colapso de todas as éticas por causa da técnica.
Houve uma época em que se nascia conforme a natureza, hoje as pessoas podem nascer por meio da técnica, assim como se pode morrer. A técnica modifica também todas as regras éticas. A ética diante da técnica se torna patética porque pergunta à técnica o que ela pode fazer, mas sabe que ela não faz tudo aquilo que pode. Isso nunca foi visto na história.

IHU On-Line - O senhor aponta a experiência totalitária do Nazismo como consumação da Idade da Técnica, rumo ao niilismo. As outras experiências totalitárias, de estado de exceção, que vivemos em nosso tempo continuam corroborando sua ideia? Por quê?
Umberto Galimberti – Eu iniciei a Idade da Técnica com as experiências nazistas. Tínhamos as tecnologias e as armas, mas a experiência nazista inventou um modelo que se tornou o modelo da técnica. Günther Anders , que era marido de Hannah Arendt , fala muito bem sobre isso. Há uma bela entrevista de uma jornalista húngara, que faz 170 perguntas a um diretor do campo de concentração de Treblinka  e questiona ao nazista o que ele sentia quando fazia aquele trabalho. Ele não responde inicialmente, mas no final, contrapõe: “Que tipos de pergunta você está fazendo para mim? Eu não tinha o dever de sentir alguma coisa, minha tarefa era eliminar 3 mil pessoas até o fim da tarde, porque às 17 horas chegava outra carga que precisava ser eliminada até o dia seguinte. Este era o meu trabalho e eu o fazia muito bem”. Deste ponto de vista, o diretor era um ótimo trabalhador. Isso porque, na Idade da Técnica, as pessoas não são responsáveis por suas ações, mas devem prestar contas da responsabilidade à empresa onde trabalham, aos equipamentos, mas não pelo que se faz. A responsabilidade se limita aos superiores. “Eu não sou responsável por minhas ações, mas pela boa execução das minhas ações.” O conteúdo não interessa. O bem e o mal se tornam o bem feito e o mal feito.
Trabalhadores ou delinquentes
A Itália é o primeiro país que construiu perfeitas minas anti-homens. Como chamamos este operário que fez estas minas, trabalhador ou delinquente? Eu acredito que devemos chamá-lo de operário. Se eu oferecer um trabalho que pague mais, ele vai exercer este outro trabalho. Mas por que devemos considerá-lo um bom operário? Porque ele faz bem, tecnicamente, seu trabalho, mas não é o responsável por ele. A técnica, portanto, reduz a responsabilidade humana. Recordo que, antes da Guerra do Iraque, uma agência do banco nacional do trabalho no Canadá estava ligada ao tráfico de armas que fornecia armamento ao Saddam . O empregado daquela banca é culpado ou não? No primeiro momento ele pode saber, mas se ele sabe não é de sua competência. Eis a limitação da ética que opera na técnica. E o trabalho, que é uma palavra nobre e tem uma grande importância, não é levado em consideração. Quando Bush  dizia “nós iremos embora do Iraque quando tivermos acabado nosso trabalho”, que tipo de trabalho era este? É o de matar os outros. Quando Günther Anders dizia que havia escrito uma carta ao piloto que jogou a bomba sobre Hiroshima e perguntou o que ele sentia quando apertou o botão, ele respondeu: “Nada, isso era o meu trabalho!”. O trabalho se tornou uma coisa neutra em relação ao conteúdo, a avaliação de se é bem ou mal feito diz respeito aos protocolos. 

IHU On-Line - É possível vislumbrar uma síntese da dualidade homem e técnica? O que pode emergir a partir dela? 
Umberto Galimberti – Sim, uma síntese no sentido de que o homem foi absorvido pela técnica. Por exemplo, eu considero Mussolini , Stalin  e Hitler  figuras do humanismo. Onde os homens decidem todas as coisas. Hoje, isso não é mais possível. Não podem mais nascer homens que salvem ou destruam um país. Hoje o que existe é o aparato técnico, e o homem é o representante deste aparato técnico. Obama  não pode decidir. Ele representa o conjunto de interesses técnicos interpretados como vantajosos. O humanismo acabou, temos que nos dar conta, como já havia defendido Heidegger, Jaspers , Günther Anders. O homem se salva na vida privada. Para falar de um modo simples, somente no final de semana, quando encontra a si mesmo, porque nos outros momentos ele é um funcionário do aparato, mas no final de semana o homem escapa de si mesmo como escapa do pior inimigo, ele se distrai. Está terminando uma época histórica, que é a da primazia do homem sobre a terra. Agora temos a superioridade dos aparatos sobre a terra, da racionalidade elementar, o máximo dos objetivos e uso mínimo dos meios. Uma vez, por exemplo, os celulares eram grandes máquinas que tinham somente uma função, hoje são pequenos e têm mil funções. Esta é a essência da técnica.

IHU On-Line – O que, nesses quase 10 anos de Psique e Techne: o Homem na Idade da Técnica, mudou no seu pensamento acerca das sociedades tecnocientíficas?
Umberto Galimberti – Meu primeiro livro, que escrevi em 1975, quando tinha 33 anos, era intitulado A queda do Ocidente (Il tramonto dell’occidente - Milano: Feltrinelli Editore, 2005), e acredito que tenhamos chegado agora a esta queda. Com a palavra Ocidente, refiro-me à América do Norte e à Europa, mas a realidade do Brasil é diferente, ainda que vocês corram o risco de entrar na racionalidade ocidental a que me refiro e, por isso, eu sinto aqui um mundo e uma vida que se move. O mundo da vida, pela técnica, não é interessante. Se eu digo “te amo”, do ponto de vista técnico já foi dito tudo, não tenho nada mais a acrescentar, mas do ponto de vista da vida, há milhares de palavras para serem ditas. Todas estas palavras do ponto de vista da racionalidade técnica são inúteis e insignificantes, redundantes, e existe um conflito muito difícil entre a técnica e a vida. E quando nós observamos quem vence, considerando que a terra é vista do ponto de vista técnico — como já dizia Heidegger, em 1927 —, mudamos a percepção da natureza, pois quando as pessoas vão à floresta para ver as árvores, veem móveis, e quando estão diante de um rio não veem a natureza, mas a energia elétrica, se estivermos sob a terra veremos o subterrâneo; o planeta é percebido como matéria-prima. E é nesse sentido que o filósofo alemão dizia que “chegará o dia em que o homem será a matéria-prima mais importante”, não como sujeito da história, mas como matéria-prima da utilização pelo próprio homem. Depois disso temos ainda muito do mundo que ainda não é técnico, mas aqui não há como fazer previsões. Veja que a China e a Índia estão se tornando técnicas e a ideia de que a humanidade pode reapropriar a si mesma, e de que pode usar a técnica a seu serviço, não é mais possível. A técnica não é mais um instrumento nas mãos do homem, mas o homem se tornou um funcionário do aparato técnico. 

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Umberto Galimberti – Estou contente de estar muito velho, assim não vou poder presenciar o fim do humanismo.


O Brasil e sua Legislação Ambiental sob alerta


Estudo publicado na Science alerta sobre os perigos de eventuais mudanças em legislação ambiental brasileira

Publicado em novembro 13, 2014 por 
Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) participam de estudo internacional publicado pela revista Science, na sexta-feira (7/11), que alerta sobre os perigos de eventuais mudanças em legislação ambiental brasileira.
O artigo “Brazil’s environmental leadership at risk”, que tem entre seus autores Luiz Aragão e André Lima, pesquisadores da Divisão de Sensoriamento Remoto do INPE, aponta que ecossistemas do Brasil, de importância mundialmente reconhecida, podem estar ameaçados se propostas para mineração em unidades de conservação e para o estabelecimento de hidrelétricas, atualmente em debate no Congresso Nacional, seguirem em frente.
Segundo os autores do estudo, as mudanças propostas podem representar uma séria ameaça para as áreas protegidas, enfraquecendo a posição internacional do Brasil como um líder ambiental.
Uma das propostas consiste em um projeto de lei para abrir 10% das áreas de proteção integral à mineração. Em uma análise inédita, a pesquisa mostra que pelo menos 20% da área de todas as reservas estritamente protegidas e terras indígenas do Brasil coincidem com as áreas que foram oficialmente registradas como de interesse para a mineração. Além disso, muitos dos sistemas hídricos associados com áreas protegidas serão influenciados pela construção de grandes usinas hidrelétricas. A sobreposição entre áreas protegidas e interesse mineral ou hidrelétrico ocorre principalmente na Amazônia.
Nos últimos anos o Brasil tem tido um crescente reconhecimento como líder mundial no combate à destruição ambiental. O país conta com a maior rede de áreas protegidas do mundo e avanços na governança ambiental contribuíram para uma redução de 80% na taxa de desmatamento na Amazônia brasileira durante a última década. No entanto, as novas propostas podem ameaçar a reputação ambiental do Brasil.
“Nossa preocupação é que, mesmo se propostas de mitigação fossem efetivadas, estas tendem a ser muito simplistas porque não consideram os efeitos indiretos de megaprojetos. Esses projetos normalmente mobilizam milhares de trabalhadores e levam a um rápido crescimento da população local. Isto, combinado com novas estradas e vias de acesso, é uma receita para o surgimento de novas fronteiras de desmatamento”, alerta Aragão.
A solução, segundo os autores do estudo, inicialmente é conscientizar que manter as funções ambientais, através da preservação de ecossistemas únicos, é parte do desenvolvimento e não um empecilho. Segundo, é ter a garantia por parte dos tomadores de decisão que as iniciativas de desenvolvimento sejam sujeitas a uma análise técnica de custo-benefício, socialmente inclusiva e de longo prazo, baseada em evidências científicas que comparem os potenciais impactos ambientais e sociais contra opções alternativas de desenvolvimento, para garantir o cumprimento da Constituição Federal.
 
Fonte: INPE
Publicado no Portal EcoDebate, 13/11/2014

"O petróleo é nosso". E a Petrobrás a que ponto chegou!


Petrobras no fundo do poço profundo do pré-sal, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em novembro 19, 2014 por 

pré-sal

[EcoDebate] Uma das mitificações mais enganosas que surgiram na era do jeito petista de governar foi dizer que: “o pré-sal é o passaporte para o futuro do Brasil”. Foi com o marketing das promessas de riqueza das profundezas oceânicas que a candidatura Marina Silva foi desconstruída nas eleições de 2014, especialmente no Rio de Janeiro, pois os prefeitos, vereadores e afins ficaram com medo de perder as benesses dos royalties de uma “dádiva da natureza” que, por enquanto, ainda é uma miragem.
Com todo o respeito às opiniões divergentes, o pré-sal pode ser tudo, menos futuro. O uso do petróleo para alavancar a economia é coisa dos séculos XIX e XX, uma vez que o futuro pertence às energias renováveis. Já nas próximas décadas, o mundo precisa superar a dependência dos combustíveis fósseis por dois motivos: 1) estamos perto do Pico do Petróleo e os custos de extração dos hidrocarbonetos estão ficando muito caros; 2) o mundo precisa parar de emitir CO2, pois o efeito estufa está acelerando o aquecimento global provocando mudanças climáticas indesejadas que podem trazer danos irreversíveis ao Planeta.
A descoberta de indícios de petróleo no pré-sal foi anunciada pela Petrobras em 2006. Foi dito que o Brasil se tornaria exportador líquido de energia fóssil. Porém, oito anos depois das promessas mirabolantes, o Brasil continua importador de petróleo e derivados. Mesmo com a queda do preço do barril de petróleo no mercado mundial (de US$ 110 para menos de US$ 80), a Petrobras anuncia o aumento do preço da gasolina no país. Isto porque os investimentos no pré-sal não são rentáveis a este nível de preço no mercado internacional. Ou seja, os consumidores brasileiros vão pagar no presente, as promessas do paraíso futuro, paraíso este que pode ficar só no sonho (ou virar pesadelo). E o pior, este aumento de novembro é só o primeiro, pois outros aumentos virão, já que o rombo financeiro da empresa que já foi “orgulho nacional” é muito alto e não tem perspectivas de alívio.
A Petrobras está atolada em denúncias de corrupção e em dificuldades financeiras. A empresa se endividou (boa parte em moeda estrangeira) para bancar seu plano de investimento de mais de US$ 200 bilhões (além de algumas compras injustificáveis e investimentos caríssimos). Dizem que o “petróleo é nosso”, mas toda a produção do pré-sal vai ter que sair diretamente para pagar as dívidas com os credores internacionais, especialmente a China (país que está reprimarizando a economia brasileira, pois exporta produtos industrializados para nós e importa petróleo bruto e outras commodities tupiniquins). O Brasil está mergulhando em uma nova dependência internacional.
A Petrobras, com 0,9% das reservas mundiais de petróleo, tem valor de mercado de US$ 74,4 bilhões. A Exxon tem 0,8% e vale US$ 406 bi; a BP Corporation, com 0,9%, é cotada a US$ 129 bi; a PetroChina também tem 0,9% e vale US$ 232 bilhões. A PriceWaterhouseCoopers (PwC), auditora dos resultados financeiros da Petrobras, recusou-se a aprovar o balanço do terceiro trimestre de 2014 e exigiu mais investigações internas sobre o suposto esquema de desvio de dinheiro na estatal, segundo reportagem de O Estado de S.Paulo.
Na quinta feira – por coincidência, um dia 13 – a Petrobras informou que não apresentaria as demonstrações contábeis do terceiro trimestre de 2014 com o relatório de revisão dos seus auditores externos, no prazo previsto pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em comunicado enviado à CVM, a empresa afirma que “a companhia não está pronta para divulgar as demonstrações contábeis referentes ao terceiro trimestre de 2014 nesta data”.
Na sexta-feira (14/11), a Polícia Federal (PF) deflagrou a sétima fase da Operação Lava Jato, cumprindo mandados de prisão e busca e apreensão em diversos Estados. Foram cumpridos quatro mandados de prisão preventiva, 14 de prisões temporárias e seis de condução coercitivas. Uma das pessoas detidas pelos 300 agentes federais envolvidos na operação é o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque.
É claro que todas estas denúncias de corrupção desmoralizam e desvalorizam a Petrobras. Porém, desde as descobertas do pré-sal, não só os maus resultados operacionais, mas também as expectativas negativas sobre o futuro fizeram as ações da Petrobras caírem de um valor acima de R$ 60,00, em 2008, para R$ 13,50 na primeira semana de novembro de 2014. No dia 14/11 a queda se aprofundou, com os papeis sendo negociados abaixo de R$ 13,00. O tombo foi espetacular, só não se sabe se chegou ao fundo do poço. O certo é que os problemas são abissais.

queda das ações da Petrobras

Mas a questão não é apenas de gestão e de fraturas internas na direção da empresa. Os altos custos da exploração dos hidrocarbonetos são evidentes. As jazidas de petróleo da camada pré-sal estão distantes do litoral, abaixo de 2.000 metros d’água, 2.000 metros da camada de sal, 3.000 metros de pós e pré-sal e poços a mais de 7.000 metros de profundidade. O custo de extração é altíssimo. Os riscos financeiro e ambiental também. O fato é que o petróleo barato já foi extraído e queimado e os novos campos requerem muitos recursos e a Energia Retornada sobre a Energia Investida (EROEI) muitas vezes não compensa a exploração.
Quanto mais “pro-fundo” está o petróleo mais “pro-alto” vão os preços dos combustíveis. Assim, vamos torcer para que as promessas do “Brasil do Futuro” não fiquem atoladas no fundo do poço do fundo do mar. Enquanto isto, os consumidores brasileiros devem se preparar para novos e seguidos aumentos do preço da gasolina e do diesel, que, por sua vez, vão impactar também no preço dos fretes e no aumento do custo dos alimentos.
O preço do litro de gasolina no Rio de Janeiro está acima de R$ 3,00 em novembro de 2014. Com uma renda per capita muito mais elevada que a brasileira, a população do Canadá paga o equivalente a R$ 2,45 por litro e os cidadãos dos Estados Unidos pagam R$ 1,87 por litro de gasolina. Desta forma, dizer que a gasolina brasileira está barata e defasada é piada. O povo brasileiro já paga caro pelos combustíveis e o custo vai aumentar ainda mais, pois dificilmente a “riqueza” do pré-sal vai mudar esta pobre realidade.
Portanto, parece que as despesas para se obter o passaporte para a estrada que leva ao futuro vão ser cada vez mais caras e vão pesar no bolso dos 200 milhões de brasileiros.
Referências:
ALVES, JED. Ascensão e queda da civilização dos combustíveis fósseis. EcoDebate, RJ, 02/04/2014
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Publicado no Portal EcoDebate, 19/11/2014

terça-feira, novembro 11, 2014

A crise hídrica no Brasil

A crise hídrica chegou para ficar, por Henrique Cortez

[EcoDebate] Na última década, pelo menos, cientistas, pesquisadores e ambientalistas insistentemente alertam para os riscos de uma grave crise hídrica.
Alertaram para a necessidade de revitalizar bacias hidrográficas, recuperar mananciais, ampliar ao máximo os sistemas de captação e tratamento de esgoto, conservar e proteger as áreas de recarga dos aquíferos. Isto sem falar, da redução do desperdício dos sistemas de distribuição, do uso perdulário da água pela agricultura e do desperdício pelos consumidores.
Além disto, cientistas, pesquisadores e ambientalistas também alertavam que o desmatamento da floresta amazônica ameaçava os ‘rios voadores’, de fundamental importância para o clima e as chuvas na região sudeste.
Alertaram em vão e foram rotulados de catastrofistas e apocalípticos, para dizer o mínimo. Os desenvolvimentistas a qualquer custo e os paladinos do agronegócio, em especial, sempre desqualificaram os alertas, por maior embasamento científico que tivessem.
Sei disto muito bem porque perdi a conta de quantas vezes enfrentei esta desqualificação.
Pois bem, exatamente como nos alertas, a crise hídrica chegou.
O estudo ‘O Futuro Climático da Amazônia‘, por exemplo, estimou que o desmatamento acumulado na Floresta Amazônica, em 40 anos de análise, somou 762.979 quilômetros quadrados (km²), o que corresponde a três estados de São Paulo. Dentre suas conclusões, destacou que floresta amazônica não mantém o ar úmido apenas para si mesma. Ela exporta essa umidade por meio de rios aéreos de vapor, os chamados “rios voadores,” que irrigam áreas como o Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil e outras áreas como o Pantanal e o Chaco, além da Bolívia, Paraguai e Argentina.
O pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Antônio Nobre, em entrevista e com base no estudo, estimou que, nos últimos 40 anos, a Amazônia perdeu 42 bilhões de árvores e que é impossível não relacionar os dados com a crise hídrica e a seca pelas quais passa o Brasil atualmente.
Ainda segundo Nobre, uma árvore grande da Amazônia chega a evaporar mil litros de água em apenas um dia. Se calcularmos todas as árvores da bacia amazônica, a quantidade de vapor que vai pra atmosfera corresponde a 20 bilhões de toneladas de água por dia (mais que o Rio Amazonas coloca no Oceano Atlântico no mesmo período).
A mesma lógica perversa também ocorre no Cerrado, vigorosamente devastado para a expansão do agronegócio. O Prof. Altair Sales Barbosa, em entrevista, destacou que …”Somente na abrangência do Cerrado, destaca, “encontram-se três grandes aquíferos responsáveis pela formação e alimentação dos grandes rios continentais. Um deles e o mais conhecido é o aquífero Guarani, associado ao arenito Botucatu e a outras formações areníticas mais antigas. Esse aquífero é responsável pelas águas que alimentam a bacia hidrográfica do Paraná, além de alguns formadores que vertem para a bacia Amazônica. Os outros dois são os aquíferos Bambuí e Urucuia (…) Os aquíferos Bambuí e Urucuia são responsáveis pela formação e alimentação dos rios que integram a bacia do São Francisco e as sub-bacias hidrográficas do Tocantins, Araguaia, além de outras situadas na abrangência do Cerrado”. Isso significa que, “representada por uma complexa teia, as águas que brotam do Cerrado são as responsáveis pela alimentação e configuração das grandes bacias hidrográficas da América do Sul”. “
Em meio a isto, o rio São Francisco agoniza, a ponto de sua nascente histórica ter secado. E, em quase todo país, os estoques de água nos reservatórios das hidrelétricas estão perigosamente baixos, como nos níveis de 2001, trazendo de volta o risco de racionamento de energia.
Diante deste grave cenário, aqueles que nos desqualificaram permanecem impávidos e incapazes de autocritica. Uma parte, relativiza a crise e aposta na generosidade de São Pedro. Outra parte, opta por defender magaobras hídricas como ‘solução’, embora em custos astronômicos. Nesta lógica imediatista, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, apresentou à presidenta Dilma Rousseff, uma lista de oito obras, orçadas em R$ 3,5 bilhões, visando a ‘segurança hídrica’ de São Paulo. Mais uma vez, mais obras, obras, obras e nada de gestão, eficiência, redução de desperdício e revitalização de bacias.
Ou seja, os desenvolvimentistas apostam em mais do mesmo. E, mais uma vez, alguns apostam e todos perdem.
Sinceramente, não percebo que governos, autoridades, gestores, usuários e consumidores realmente compreendam a dimensão da crise e que as soluções passam pelas mesmas recomendações que cientistas, pesquisadores e ambientalistas fazem há mais de uma década.
Pena, porque a crise hídrica chegou para ficar.
Henrique Cortez, jornalista e ambientalista, é editor da revista Cidadania & Meio Ambiente e do portal EcoDebate.
Referências:

Publicado no Portal EcoDebate, 11/11/2014

terça-feira, outubro 29, 2013

Pegada Ecológica e Biocapacidade no Mundo

Consumo insustentável e a falsidade da superpopulação
Publicado em outubro 9, 2013 por Redação

Biocapacidade
 “O impacto da humanidade sobre o sistema que sustenta a vida sobre a Terra não depende simplesmente do número de pessoas que vivem no planeta, mas também do modo em que se comportam. Se considerarmos esse aspecto, o quadro muda totalmente: o problema demográfico existe principalmente nos países opulentos. Na realidade, existem muito ricos.”
A análise é do sociólogo polonês Zygmunt Bauman e da jornalista e pesquisadora mexicana Citlali Rovirosa-Madrazo, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 15-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
“Eles são sempre muitos. ‘Eles’ são aqueles que deveriam ser menos ou, ainda melhor, não ser, justamente. Ao contrário, nós nunca somos o suficiente. De ‘nós’, deveria haver sempre mais”. Eu escrevi isso em 2005, em Vidas Desperdiçadas (Ed. Zahar, 2005). A meu ver, tanto agora quanto então, a “superpopulação” é uma ficção estatística, um nome codificado que indica a presença de um grande número de pessoas que, ao invés de favorecerem o funcionamento fluido da economia, tornam mais difícil alcançar e superar os parâmetros utilizados para medir e avaliar o seu correto funcionamento. Esse número parece aumentar de modo incontrolável, acrescentando continuamente os gastos, mas não os ganhos.
Em uma sociedade de produtores, trata-se de pessoas cujo trabalho não pode ser utilmente (“proficuamente”) empregado, já que é possível produzir sem eles, de modo mais rápido, rentável e “econômico”, todos os bens que a demanda atual e potencial é capaz de absorver. Em uma sociedade de consumidores, essas pessoas são “consumidores defeituosos”: aqueles que não têm recursos para aumentar a capacidade do mercado dos bens de consumo e, ao contrário, criam um outro tipo de demanda, que a indústria orientada aos consumos não é capaz de interceptar e “colonizar” de modo rentável.
O principal ativo de uma sociedade dos consumos são os consumidores, enquanto o seu passivo mais fastidioso e custoso é constituído pelos consumidores defeituosos. Não tenho motivo para mudar de ideia com relação ao que escrevi anos atrás, nem para retirar a minha adesão ao que foi defendido por Paul e Ann Ehrlich. Observamos que se prevê que a “bomba demográfica” da qual os Ehrlich falam explodirá geralmente em territórios de mais baixa densidade de população. Na África, vivem 21 habitantes por quilômetros quadrado, contra 101 na Europa (incluindo as estepes e os “permafrosts” da Rússia), 330 no Japão, 424 na Holanda, 619 em Taiwan e 5.489 em Hong Kong.
Como observou há pouco tempo o vice-diretor da revista Forbes, se toda a população da China e a Índia se transferisse para os EUA continentais, resultaria disso uma densidade demográfica não superior à da Inglaterra, da Holanda ou da Bélgica. Porém, poucos consideram a Holanda um país “superpovoado”, enquanto os sinais de alarme soam continuamente para a superpopulação da África ou da Ásia, com exceção dos poucos “Tigres do Pacífico”.
Para explicar o paradoxo dos “Tigres”, afirma-se que, entre densidade demográfica e superpopulação, não há uma correlação estrita: a segunda deveria ser medida fazendo-se referência ao número de pessoas que devem ser sustentadas com os recursos possuídos por um dado país e à capacidade do ambiente local de sustentar a vida humana. Porém, como indicam Paul e Ann Ehrlich, a Holanda pode sustentar a sua altíssima densidade demográfica só porque muitos outros países não conseguem: nos anos 1984-1986, por exemplo, importaram 4 milhões de toneladas de cereais, 130 mil toneladas de óleos diversos e 480 mil toneladas de ervilhas, feijões e lentilhas – todos produtos que nos mercados globais têm uma avaliação e, portanto, um preço relativamente baixos, permitindo que a própria Holanda produza, por sua vez, outras mercadorias, como leite ou carne comestível, que notoriamente têm preços elevados.
Os países ricos podem se permitir uma alta densidade demográfica porque são centrais de “alta entropia”, que atraem recursos (e principalmente fontes energéticas) do resto do mundo, restituindo, em troca, as escórias poluentes e frequentemente tóxicas, produzidas por meio da transformação (o exaurimento, a aniquilação, a destruição) das reservas mundiais de energia. A população dos países ricos, mesmo sendo bastante exígua (com relação aos padrões mundiais), utiliza cerca de dois terços da energia total.
Em uma conferência de título eloquente (Too many rich people, “Muitos ricos”), proferida na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, no Cairo (5 a 13 de setembro de 1994), Paul Ehrlich sintetizou as conclusões do livro escrito por ele juntamente com Ann Ehrlich, The Population Explosion, afirmando, sem meios termos, que o impacto da humanidade sobre o sistema que sustenta a vida sobre a Terra não depende simplesmente do número de pessoas que vivem no planeta, mas também do modo em que se comportam. Se considerarmos esse aspecto, o quadro muda totalmente: o problema demográfico existe principalmente nos países opulentos. Na realidade, existem muito ricos.

Fonte: (Ecodebate, 09/10/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

sexta-feira, outubro 25, 2013

Copom eleva juros mais uma vez!

O Comitê de Política Monetária (COPOM) deliberou pelo aumento da taxa SELIC de 9% para 9,5% ao ano.

Durante um mês que foi marcado pelas atenções voltadas para o polêmico leilão do Campo de Libra, o governo acabou logrando promover mais uma vez o aumento da taxa oficial de juros, sem ter provocado muito alarde com a medida. Em sua 178ª reunião, realizada entre os dias 9 e 10 de outubro, o Comitê de Política Monetária (COPOM) deliberou pelo aumento da taxa SELIC de 9% para 9,5% ao ano.
Trata-se da quinta vez consecutiva em que esse “encontro especial” dos integrantes da diretoria do Banco Central (BC) decide por elevar a taxa referencial, contribuindo para a implementação de uma política monetária ainda mais arrochada. A escalada teve início há pouco mais de 6 meses, quando a 174ª reunião de 17 de abril optou pelo aumento de 7,25% para 7,5%. Desde então, a cada reunião ordinária - que se realiza regularmente a cada 45 dias - um novo aumento de 0,5% veio acontecendo. Um desastre para o País, que corre o sério risco de apresentar mais um Pibinho para o ano que se encerra em pouco mais de 60 dias.

SELIC em alta contínua
Os detalhes dos argumentos a favor do aperto podem sofrer uma ou outra variação. Mas o essencial da leitura das atas oficiais, divulgadas pelo Comitê após cada sessão realizada, é a opção por uma maior rigidez monetária. Tudo se passa como se houvesse um fantasma da inflação a sobrevoar de forma permanente o ambiente econômico brasileiro. Ocorre, porém, que a realidade do acompanhamento dos índices de preços e do ritmo de atividade da economia apresenta um quadro bastante diverso. Passado o equívoco de avaliação da chamada “inflação do tomate” de alguns meses atrás, o fato é que nem mesmo as tendências de desvalorização cambial têm colocado em risco qualquer descontrole inflacionário. A inflação medida pelo IPCA permanece no interior do intervalo aceitável pelas próprias diretrizes macroeconômicas, entre 2,5% e 6,5% anuais.

O curioso é que as reclamações da própria Presidenta Dilma vinham no sentido contrário da escalada altista. Ela sempre comenta a respeito de uma falta de “disposição” dos empresários em realizar os investimentos necessários para a retomada da atividade econômica de forma mais sustentada.  Ocorre que os custos financeiros elevados contribuem para intimidar o investimento na esfera do produtivo, para postergar uma ousadia maior no campo da economia real. De um lado, em razão dos maiores custos dos empreendimentos, provocados pelos juros cada vez mais altos. Por outro lado, pelo incentivo ao parasitismo derivado da rentabilidade do recurso imobilizado no circuito financeiro.  No país que reina soberano dentre os paraísos do financismo, fica realmente difícil apelar para o investimento que gere emprego e renda.

Efeitos perversos da alta dos juros
Além disso, a elevação da SELIC termina por comprometer também as próprias finanças públicas. Ao contrário do que pretende o discurso conservador do financismo, a política monetária de juros estratosféricos termina por piorar o próprio equilíbrio das contas orçamentárias. Se Dilma havia dito que o pacto mais importante de seu governo era pela austeridade no gasto público, seus assessores na área econômica parecem não estar preocupados em cumprir com tal diretriz. Afinal, a despesa pública de pior qualidade de todas é aquela realizada com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. Dinheiro público jogado fora, literalmente.

Entre abril e outubro desse ano, como vimos, a SELIC subiu 2,25% ao ano. E esse é o indicador utilizado - vale a lembrança - para remunerar as despesas do endividamento público. Ora, se consideramos que o estoque total da dívida pública é da ordem de R$ 2 trilhões, apenas esses aumentos da taxa oficial provocaram uma despesa extraordinária de R$ 45 bilhões para o Tesouro Nacional. Apenas a título de comparação, o governo forçou a barra para a realização do leilão do Campo de Libra nas condições previstas no edital com o argumento de que haveria um bônus de R$ 15 bilhões a ser pago pelas empresas do consórcio vencedor. E esse seria um recurso importante para cumprir a meta de superávit primário. Ou seja, entra o valor por um lado, mais sai o triplo pelo ralo na mesma hora.

Já passou a hora de o governo mudar radicalmente a orientação de uso da política monetária. Está mais do que comprovada a ineficácia da elevação da taxa oficial de juros para qualquer tipo de ajuste da macroeconomia, onde a meta seja a da retomada do desenvolvimento. Juros elevados só fazem drenar recursos do Orçamento Geral da União para os setores que vivem do rentismo parasita. Com isso, ficam penalizadas as atividades da área social (saúde, educação, previdência social, entre outros), bem como as iniciativas de investimento em ciência e tecnologia, infra-estrutura e similares. Como a única preocupação do governo parece ser a do cumprimento de seu sacrossanto compromisso com o superávit primário, as demais despesas ficam sujeitas ao contingenciamento e a outros procedimentos de corte de verbas orçamentárias.

A alternativa do depósito compulsório
Se a equipe econômica está realmente convencida de que a abordagem liberal monetarista é a mais adequada, então que lance mão de outros instrumentos para inibir a demanda agregada e impeça o suposto risco da inflação. Mas que faça a opção pelo conservadorismo sem que isso implique um agravamento das finanças públicas. Qualquer manual de macroeconomia ensina que a política monetária pode ser implementada também por meio do depósito compulsório. Ou seja, o aumento da taxa de juros oficial não é o único meio para alcançar essa intenção de reduzir o ritmo da atividade econômica.

Mas o primeiro ponto é que a Presidenta seja informada de que aumentar a taxa SELIC vai na contramão de qualquer intenção desenvolvimentista ou mesmo de retomada da atividade econômica simplesmente. Caso contrário, vai ter de continuar a lançar mão dos equívocos de isenção tributária desenfreada e sem contrapartida. Ou então da concessão de benesses sob a forma de créditos subsidiados para os grandes conglomerados. Enfim, medidas que não resolvem o problema maior da valorização cambial e do elevado custo financeiro dos empreendimentos. E só carregam negativamente as finanças públicas, em razão da perda de receita que essas medidas provocam.

A alternativa ao aumento da taxa SELIC é mais neutra, do ponto de vista da política fiscal. Caso opte por promover um aumento nas alíquotas dos depósitos compulsórios do sistema financeiro, o governo não aumenta as despesas orçamentárias com juros e serviços da dívida pública. O resultado da decisão de impedir que os bancos aumentem ainda mais a base monetária da economia é o mesmo de um aumento da SELIC. Ele atua no sentido de inibir a demanda agregada, de impedir que o nível de consumo aumente para evitar supostos riscos de aumento dos preços.

Quem ganha com o aumento da SELIC?
A grande dúvida que permanece é relativa às razões que estariam a impedir, a todo o momento, que essa alternativa venha à tona no debate sobre as possibilidades de política econômica. Desde que o Plano Real foi lançado, o tripé fala explicitamente em juros elevados e não apenas em rigidez da política monetária. Isso porque os interesses do financismo focam em maiores ganhos para atividade financeira derivada do patamar oficial dos juros nas alturas. Elevação do depósito compulsório, pelo contrário, soa aos ouvidos da banca como sinônimo de maior intervenção e limitação à sua “liberdade” de sugar recursos do conjunto da sociedade para seus cofres privados.

Aos bancos não interessa que o governo eleve o depósito compulsório. O financismo, pelo contrário, joga todo seu poder na pressão para que o Brasil continue firme e forte na sua condição de campeão mundial da taxa de juros. Dessa forma, a cada aumento da SELIC, as taxas praticadas no balcão para clientes também são aumentadas. E com isso, fica assegurado que uma formidável quantia de recursos do Estado e da maioria da sociedade continuará sendo direcionada para o rentismo parasitário. 

Por outro lado, SELIC nas alturas segue sendo fator de grande estímulo para o capital especulativo internacional, que vem também abocanhar seu naco na extrema generosidade oferecida pela política econômica vigente em nossas praias.

Enfim, isso até que o FED - o Banco Central norte-americano - resolva subir um tiquinho de nada os juros nas terras de Obama. A partir desse momento, o fluxo se inverterá e parte desses recursos voltarão a buscar sua rentabilidade no lado de cima do Equador.

(*) Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

quinta-feira, setembro 12, 2013

no escurinho do cinema, quase incógnito

Copom sobe Selic na surdina
O Comitê de Política Monetária, em sua 177ª reunião ordinária, decidiu arrochar ainda mais a política monetária praticamente na surdina, quase sem nenhum alarido. Fez tudo no escurinho do cinema, quase incógnito. A taxa referencial de juros saiu dos 8,5% e foi para 9% ao ano.
Paulo Kliass
Muito pouca gente parece ter se dado conta do acontecimento. As páginas de economia dos jornalões e os minutos de televisão preferiram não comemorar muito o fato. Afinal, parte da população já começa a perceber os prejuízos que a grande maioria sofre a cada vez que o governo resolve pelo caminho da elevação da taxa oficial de juros. Apesar disso, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua 177ª reunião ordinária, decidiu arrochar ainda mais a política monetária praticamente na surdina, quase sem nenhum alarido. Fez tudo no escurinho do cinema, quase incógnito.
Em seu sexto encontro desse ano, realizado em 27 e 28 de agosto, o Comitê deliberou mais uma vez pelo aumento da taxa SELIC. Assim, a taxa referencial de juros saiu dos 8,5% e foi para 9% ao ano. Tratava-se da quarta elevação em reuniões seguidas, em uma trajetória de alta que começou em 17 de abril desse ano. Naquela época, a SELIC estava em 7,25% e desde então passou a sofrer a espiral um novo aumento a cada 45 dias, periodicidade de reuniões do colegiado.
Mas como aquela semana estava totalmente tomada por outros fatos da conjuntura política e econômica, pouca atenção foi dada à decisão. O governo parece completamente perdido no quesito “diretrizes de política econômica”. Fica um pouco girando feito biruta de aeroporto, à mercê das mudanças repentinas dos ventos e sem uma linha de conduta racional e coerente a seguir. As notícias do mundo real da economia não apresentavam nenhuma indicação de risco de descontrole das variáveis econômicas, que pudesse justificar a decisão pelo aumento dos juros oficiais. Essa alternativa não se colocava nem mesmo sob a ótica conservadora, resultado de uma suposta necessidade de promover um controle sobre um possível excesso de demanda.
Elevação da SELIC: o equívoco e o custo
Nesse caso, a estratégia de aumento da taxa oficial de juros obedeceu apenas e tão somente aos interesses da finança. Os únicos a lucrarem com essa política monetária extemporânea são os bancos e as demais instituições do sistema financeiro. De um lado, se beneficiam pela maior remuneração que passam a receber pela aplicação de seus ativos em títulos da dívida pública. E de outro lado, ganham muito mais ainda pela elevação das taxas cobradas nas operações de crédito e empréstimo concedidas a indivíduos, famílias e empresas. Em sumo, o que se vê é o governo estimulando e premiando a atividade parasitária do financismo em nossas terras, contra o empreendedorismo da economia real.
Ora, se a Presidenta Dilma estava insatisfeita com o quadro observado até então e reclamando que a economia não deslanchava, algum assessor tinha de lhe explicar que uma das razões para tanto era justamente o problema do elevado custo financeiro das atividades empresariais e o limite para maior nível de endividamento, atingido também pelo lado do consumo. Em tais condições, deve parecer óbvio - até para quem não estudou economia - que aumentar a taxa de juros tem o significado de um verdadeiro tiro no pé. Ganham os bancos e os especuladores. Perdemos todos os demais.
Por outro lado, o aumento da taxa de juros também apresenta uma fatura pesada para as próprias finanças públicas. A taxa SELIC é a que se utiliza, como piso mínimo, para calcular a remuneração dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Considerando-se que o total do estoque da dívida atual é de aproximadamente R$ 2 trilhões, conclui-se sem maiores dificuldades o tamanho da encrenca. Esse aumento de 0,5% implicará um dispêndio adicional de R$ 10 bilhões no orçamento anual da União, apenas a título de novas despesas com juros. Ora, se a própria Presidenta elegeu o Pacto nº 1 como sendo o de austeridade fiscal, fica evidente que seus próprios auxiliares diretos já começam a descumprir suas recomendações. Afinal, gastar recurso do Estado - supostamente escasso na atual conjuntura - com rubricas de dimensão financeira não pode ser considerado como bom sinal de rigor no controle da despesa pública.
Semana carregada: de Obama a Donadon
A conjuntura política e econômica estava bastante conturbada. A agenda estava tomada por uma série de eventos e processos de elevada sensibilidade. Terminaram por atrair mais a atenção do que essa reunião do COPOM. Já estava na pauta da política internacional a ameaça dos EUA em invadir a Síria, com a desculpa do suposto uso de armas químicas do governo de Assad contra as oposições. Ainda no plano das relações internacionais, veio à cena as “trapalhadas” dos responsáveis pela diplomacia brasileira na Bolívia, com a fuga espetacular do senador condenado pela justiça, com o auxílio e apoio do embaixador substituto. A saia justa custou o posto do Ministro Patriota e colocou a nossa Presidenta em dificuldades frente ao Presidente Morales e aos demais parceiros. Por outro lado, vale lembrar que as denúncias de espionagem que a sociedade e o governo brasileiros estão sendo vítimas por parte dos norte-americanos tampouco haviam sido esclarecidas, com a participação direta do Presidente Obama. Na política interna, o foco estava dividido entre dois pontos. De um lado, a negativa do STF em conceder os embargos dos condenados no caso do mensalão. De outro lado, a verdadeira vergonha nacional, patrocinada pelo plenário da Câmara dos Deputados, ao não proporcionar quórum para a cassação do deputado-presidiário Donadon.
Com uma coleção de itens tão candentes como esses, é até um pouco compreensível que “apenas mais uma reunião do COPOM” não estivesse tão à frente na lista de prioridades de cobertura e preocupação da grande imprensa. 
Mas o ponto a se indagar é que até pouco tempo antes do encontro, a queixa generalizada era que a economia continuava patinando e que o Brasil não conseguia decolar para patamares mais interessantes de seu ritmo de atividade. Mas, como costuma acontecer com certa frequência, as vozes ouvidas pelas editorias de economia dos meios de comunicação foram apenas aquelas vinculadas ao mundo do financismo. Criou-se, assim, mais uma vez o falso consenso em torno do modelito do monetarismo inescapável. 
A lógica embutida no raciocínio favorável a mais essa elevação da SELIC voltava-se para os possíveis riscos derivados do movimento de desvalorização cambial. Mas isso não representava novidade alguma. Essa hipótese já estava posta na mesa há muito tempo. Todos sabiam que o processo de valorização artificial de nossa moeda frente ao dólar norte-americano - e demais moedas estrangeiras consideradas “fortes” - estava com seus dias contados. Além de ser extremamente perverso para nossa economia, o real valorizado combinava apenas com o interesse do capital especulativo internacional, que para cá se dirige em busca da rentabilidade estratosférica. Mas o problema é que a equipe econômica há muito tempo se acomodou ao real sobrevalorizado. Os dividendos políticos fáceis derivados da farra dos eletrônicos chineses importados e da festa das famílias de classe média na ponte aérea para Miami devem ter falado mais alto. Valia manter a popularidade alta das pesquisas a qualquer custo.
Desvalorização cambial e a tensão no ar
No entanto, agora que a economia norte-americana começa a dar sinais de reaquecimento, a situação muda de figura. O FED (Banco Central dos EUA) cogita de um aumento na sua taxa básica de juros, depois de um longo período com taxas quase próximas a zero. Com isso, o diferencial de rentabilidade dos especuladores pelo mundo afora muda de patamar. Uma parte dos recursos sai do circuito terceiro-mundista e se volta para lá, em busca dessa alternativa de menor risco e menor remuneração. Esse movimento de redução da enxurrada de dólares em nossa direção provoca uma tendência de desvalorização do real, no caminho de uma taxa de câmbio mais realista. Normal, é isso mesmo que se espera de uma política cambial menos fantasiosa. O problema é que esse rearranjo provoca uma elevação de nossos preços internos, em razão da presença forte de produtos e componentes importados em nossa economia. E a inflação ameaçada, atiça os nervos dos monetaristas, que começam a clamar por elevação dos juros. O ciclo se fecha. E o COPOM resolve atender aos pleitos das finanças, aumentando outra vez os juros.
Mas o fato é que o governo perdeu a oportunidade de efetuar esse choque de câmbio necessário em um ambiente mais tranquilo, como até há poucos meses atrás. Agora terá de fazê-lo com mais cuidado, pois a inflação já havia iniciado um fase de alta, arriscando chegar na banda superior da meta. De qualquer forma, existem outros mecanismos de evitar o alastramento da alta de preços provocados pela desvalorização. E não será a elevação da SELIC a corrigir esse fato. Estão aí outros instrumentos, como o aumento do depósito compulsório dos bancos, a substituição de produtos importados mais sensíveis e a ação mais incisiva do governo junto às empresas e corporações. Afinal, o mais importante é não se deixar amedrontar pela chantagem e pelo pânico. 
Quem não se lembra da “terrível” semana da inflação do tomate, quando tudo parecia perdido, a nos orientarmos pelos editoriais dos grandes meios de comunicação. Amedrontado, o governo também havia cedido às pressões à época e aumentou a SELIC por conta disso. Mas a safra dos hortifrutigranjeiros obedece a uma dinâmica que nada tem a ver com as decisões do COPOM. Assim, logo depois o tomate voltou aos preços de antes, até mais baixos. O pequeno detalhe é que, apesar disso, a SELIC não baixou.
As informações oriundas da economia real tampouco são muito claras para se perceber uma tendência firme de retomada das atividades no patamar exigido pelo País. Apesar das boas notícias relativas ao PIB do segundo trimestre (crescimento de 1,5% na comparação com o mesmo período do ano passado), as estatísticas da produção industrial ainda são titubeantes. Em julho ela voltou a recuar 2%, acumulando um crescimento de apenas 0,6% ao longo de 12 meses. Muito pouco para as nossas necessidades! Frente a esse quadro, a elevação dos juros é um das poucas decisões que o governo deve evitar sem nenhuma vacilação.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 05/09/2013.


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