segunda-feira, janeiro 12, 2015

Charlie Hebdo, o momento certo para encontrar coragem para pensar.


Žižek: Pensar o atentado ao Charlie Hebdo

É agora, que estamos todos em estado de choque depois da carnificina na sede do Charlie Hebdo, o momento certo para encontrar coragem para pensar. Devemos, é claro, condenar sem ambiguidade os homicídios como um ataque contra a essência da nossa liberdade, e condená-los sem nenhuma ressalva oculta (no estilo de “Charlie Hebdo estava todavia provocando e humilhando os muçulmanos demais da conta”). Mas tal pathos de solidariedade universal não é suficiente – devemos pensar adiante.
O pensar de que falo não tem absolutamente nada a ver com uma relativização fácil do crime (o mantra do “quem somos nós ocidentais, que cometemos massacres terríveis no terceiro mundo, para condenar atos como estes?”). E tem menos ainda a ver com o medo patológico de tantos esquerdistas liberais ocidentais de sentirem-se culpados de islamofobia. Para estes falsos esquerdistas, qualquer crítica ao Islã é rechaçada como expressão da islamofobia ocidental: Salman Rushdie foi acusado de ter provocado desnecessariamente os muçulmanos, e é portanto responsável (ao menos em parte) pelo fatwa que o condenou à morte etc.
O resultado de tal postura só pode ser esse: o quanto mais os esquerdistas liberais ocidentais mergulham em seu sentimento de culpa, mais são acusados por fundamentalistas muçulmanos de serem hipócritas tentando ocultar seu ódio ao Islã. Esta constelação perfeitamente reproduz o paradoxo do superego: o quanto mais você obedece o que o outro exige de você, mais culpa sentirá. É como se o quanto mais você tolerar o Islã, tanto mais forte será sua pressão em você…
É por isso que também me parecem insuficientes os pedidos de moderação na linha da alegação de Simon Jenkins (no The Guardian de 7 de janeiro) de que nossa tarefa é “não exagerar a reação, não sobre-publicizar o impacto do acontecimento. É tratar cada evento como um acidente passageiro do horror” – o atentado ao Charlie Hebdo não foi um mero “acidente passageiro do horror”. Ele seguiu uma agenda religiosa e política precisa e foi como tal claramente parte de um padrão muito mais amplo. É claro que não devemos nos exaltar – se por isso compreendermos não sucumbir à islamofobia cega – mas devemos implacavelmente analisar este padrão.
O que é muito mais necessário que a demonização dos terroristas como fanáticos suicidas heroicos é um desmascaramento desse mito demoníaco. Muito tempo atrás, Friedrich Nietzsche percebeu como a civilização ocidental estava se movendo na direção do “último homem”, uma criatura apática com nenhuma grande paixão ou comprometimento. Incapaz de sonhar, cansado da vida, ele não assume nenhum risco, buscando apenas o conforto e a segurança, uma expressão de tolerância com os outros: “Um pouquinho de veneno de tempos em tempos: que garante sonhos agradáveis. E muito veneno no final, para uma morte agradável. Eles tem seus pequenos prazeres de dia, e seus pequenos prazeres de noite, mas tem um zelo pela saúde. ‘Descobrimos a felicidade,’ dizem os últimos homens, e piscam.”
Pode efetivamente parecer que a cisão entre o Primeiro Mundo permissivo e a reação fundamentalista a ele passa mais ou menos nas linhas da oposição entre levar uma longa e gratificante vida cheia de riquezas materiais e culturais, e dedicar sua vida a alguma Causa transcendente. Não é esse o antagonismo entre o que Nietzsche denominava niilismo “passivo” e “ativo”? Nós no ocidente somos os “últimos homens” nietzschianos, imersos em prazeres cotidianos banais, enquanto os radicais muçulmanos estão prontos a arriscar tudo, comprometidos com a luta até sua própria autodestruição. O poema “The Second Comming” [O segundo advento], de William Butler Yeats parece perfeitamente resumir nosso predicamento atual: “Os melhores carecem de toda convicção, enquanto os piores são cheios de intensidade apaixonada”. Esta é uma exelente descrução da atual cisão entre liberais anêmicos e fundamentalistas apaixonados. “Os melhores” não são mais capazes de se empenhar inteiramente, enquanto “os piores” se empenham em fanatismo racista, religioso e machista.
No entanto, será que os fundamentalistas religiosos realmente se encaixam nessa descrição? O que obviamente lhes carece é um elemento que é fácil identificar em todos os autênticos fundamentalistas, dos budistas tibetanos aos amistas nos EUA: a ausência de ressentimento e inveja, a profunda indiferença perante o modo de vida dos não-crentes. Se os ditos fundamentalistas de hoje realmente acreditam que encontraram seu caminho à Verdade, por que deveriam se sentir ameaçados por não-crentes, por que deveriam invejá-los? Quando um budista encontra um hedonista ocidental, ele dificilmente o condena. Ele só benevolentemente nota que a busca do hedonista pela felicidade é auto-derrotante. Em contraste com os verdadeiros fundamentalistas, os pseudo-fundamentalistas terroristas são profundamente incomodados, intrigados, fascinados pela vida pecaminosa dos não-crentes. Tem-se a sensação de que, ao lutar contra o outro pecador, eles estão lutando contra sua própria tentação.
É aqui que o diagnóstico de Yeats escapa ao atual predicamento: a intensidade apaixonada dos terroristas evidencia uma falta de verdadeira convicção. O quão frágil a crença de um muçulmano tem de ser para ele se sentir ameaçado por uma caricatura besta em um semanário satírico? O terror islâmico fundamentalista não é fundado na convicção dos terroristas de sua superioridade e em seu desejo de salvaguardar sua identidade cultural-religiosa da investida da civilização global consumista.
O problema com fundamentalistas não é que consideramos eles inferiores a nós, mas sim que eles próprios secretamente se consideram inferiores. É por isso que nossas reafirmações politicamente corretas condescendentes de que não sentimos superioridade alguma perante a eles só os faz mais furiosos e alimenta seu ressentimento. O problema não é a diferença cultural (seu esforço para preservar sua identidade), mas o fato inverso de que os fundamentalistas já são como nós, que eles secretamente já internalizaram nossas normas e se medem a partir delas. Paradoxalmente, o que os fundamentalistas verdadeiramente carecem é precisamente uma dose daquela convicção verdadeiramente “racista” de sua própria superioridade.
As recentes vicissitudes do fundamentalismo muçulmano confirmam o velhoinsight benjaminiano de que “toda ascensão do fascismo evidencia uma revolução fracassada”: a ascensão do fascismo é a falência da esquerda, mas simultaneamente uma prova de que havia potencial revolucionário, descontentamento, que a esquerda não foi capaz de mobilizar.
E o mesmo não vale para o dito “islamo-fascismo” de hoje? Não será a ascensão do islamismo radical exatamente correlativa à desaparição da esquerda secular nos países muçulmanos? Quando, lá na primavera de 2009, o Taliban tomou o vale do Swat no Paquistao, o New York Times publicou que eles arquitetaram uma “revolta de classe que explora profundas fissuras entre um pequeno grupo de proprietários abastados e seus inquilinos sem terra”. Se, no entanto, ao “tirar vantagem” da condição dos camponeses, o Taliban está “chamando atenção para os riscos ao Paquistão, que permanece em grande parte feudal”, o que garante que os democratas liberais no Paquistão, bem como os EUA,  também não “tirem vantagem” dessa condição e procurem ajudar os camponeses sem terra? A triste implicação deste fato é que as forças feudais no Paquistão são os “aliados naturais” da democracia liberal…
Mas como ficam então os valores fundamentais do liberalismo (liberdade, igualdade, etc.)? O paradoxo é que o próprio liberalismo não é forte o suficiente para salvá-los contra a investida fundamentalista. O fundamentalismo é uma reação – uma reação falsa, mistificadora, é claro – contra uma verdadeira falha do liberalismo, e é por isso que ele é repetidamente gerado pelo liberalismo. Deixado à própria sorte, o liberalismo lentamente minará a si próprio – a única coisa que pode salvar seus valores originais é uma esquerda renovada. Para que esse legado fundamental sobreviva, o liberalismo precisa da ajuda fraterna da esquerda radical. Essa é a única forma de derrotar o fundamentalismo, varrer o chão sobre seus pés.
Pensar os assassinatos de Paris significa abrir mão da auto-satisfação presunçosa de um liberal permissivo e aceitar que o conflito entre a permissividade liberal e o fundamentalismo é essencialmente um falso conflito – um ciclo vicioso de dois polos gerando e pressupondo um ao outro. O que Max Horkheimer havia dito sobre o Fascismo e o capitalismo já nos anos 1930 – que aqueles que não estiverem dispostos falar criticamente sobre o capitalismo devem se calar sobre o fascismo – deve ser aplicada também ao fundamentalismo de hoje: aqueles que não estiverem dispostos a falar criticamente sobre a democracia liberal devem também se calar sobre o fundamentalismo religioso.
* Publicado originalmente na New Statesman em 10 de janeiro de 2015.
A tradução é de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo

Única certeza: Dilma precisa de melhores conselheiros.


A ilusão de Dilma

A presidenta está enganada se, ao agir como fariam os derrotados, garante tranquilidade ao seu segundo governo
por Mino Carta — publicado 10/01/2015 08:27
                                                                                                                                                                                  Evaristo SA/AFP
Dilma
Dilma, a questão é visceral, a casa-grande sempre a verá como representante da ralé
Volto de viagem, duas semanas de olvido, e sou recebido pelas seguintes informações. Não vou hierarquizá-las ao sabor da sua importância, todas, aliás, me parecem importantes. Se não, vejamos.
O mais inútil dos ministros do primeiro mandato de Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, insuperável em pronunciar asneiras em momentos de tensão pinçados a dedo, foi confirmado na Justiça.
Aldo Rebelo deixa a pasta do Esporte para dedicar-se à Ciência e Tecnologia, a mostrar sua versatilidade. Vivesse ele na França do século XVIII quem sabe figurasse entre os enciclopedistas e passasse à história como indômito iluminista.
O novo titular do Esporte admite desconhecer a matéria entregue aos seus cuidados, mas se habilita a cumprir a tarefa por conhecer a alma humana. Em 2007 foi preso ao carregar uma caixa repleta de papel-moeda, verdadeiro tesouro dos piratas, e prontamente expulso do DEM, onde militava. Evangelizador antes de evangélico, o ministro infunde segurança na perspectiva das Olimpíadas de 2016, evento de hábito favorável a quem aprecia papel-moeda.
Ao assumir a pasta da Defesa, Jaques Wagner comunica à Nação que não carrega uma lanterna para vasculhar o passado, pelo contrário, encara apenas e tão somente as brumas do futuro. Nítida promessa da continuidade da dita lei da anistia, da impunidade dos torturadores e seus mandantes e da prescrição dos crimes contra a humanidade. Notícia preciosa no país que, pretensamente democrático, inova Montesquieu ao alinhar aos Três Poderes clássicos, o militar, provavelmente por dispor de tanques e canhões, argumento decisivo de uma pressão insopitável na terra da casa-grande e da senzala.
A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, exibe toda a sua competência para o posto ao decretar que no Brasil o latifúndio não existe. Pouco importa se a dama em questão não somente ignora que no País 50% das terras agriculturáveis ficam na mão de 1% da população, mas também o tamanho das suas propriedades.
Surgem sinais de que um dos trunfos brasileiros em meio à crise global, o baixo índice de desemprego, começa a ensaiar uma tendência de alta. Com Joaquim Levy na Economia, cabe o temor de que o esboço se torne obra feita e acabada, mais uma conspícua oferenda ao deus mercado.
O ministro das Comunicações aventa novamente a hipótese da regulamentação da mídia, e logo espoucam as reações indignadas dos paladinos da liberdade de imprensa, entendida como aquela atribuída por direito divino aos porta-vozes da casa-grande, e, portanto, credenciados a omitir, inventar e mentir a seu talante. O deputado Eduardo Cunha, pretendente ao cargo de presidente da Câmara, apressa-se a anunciar que, com ele eleito, os propósitos do ministro Berzoini no pasarán.
Isso tudo não me proporcionou uma acolhida alvissareira. As intenções governistas me soam claras: garantir um transcurso mais ou menos tranquilo ao segundo mandato de Dilma. Como se fazer mais ou menos o que a oposição faria, com o useiro apoio da mídia nativa, tivesse o condão de colocar a presidenta a salvo, ao menos em boa parte, da virulência dos ataques daquelas.
A presidenta engana-se. E a quem ela ouve sugiro, por exemplo, a leitura do editorial do Estadão de quinta 8. O que está em jogo é uma questão visceral, pela qual Dilma, faça o que bem entender, representa a malta, assim como seu titubeante partido e quem o fundou, o inextinguível Lula. Não consigo imaginar o que ele pensa neste exato instante. Lá pelas tantas, fui levado a supor, no momento mais agudo do recente embate eleitoral, que criador e criatura haviam se reaproximado. Agora não sei. Única certeza: Dilma precisa de melhores conselheiros.

sexta-feira, janeiro 09, 2015

A Previdência Social está falida no Brasil ?


Análise das desonerações tributárias concedidas ao setor privado e seus impactos sobre os trabalhadores

Publicado em janeiro 9, 2015 por 
Por Leila Leal – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Crescimento econômico, geração de empregos, aumento de salários e dinamização da indústria? Uma análise das desonerações tributárias concedidas ao setor privado e seus impactos sobre os trabalhadores
A Previdência Social está falida no Brasil”. Você certamente já ouviu frases como essa, que são comumente associadas a expressões como ‘rombo’ e ‘déficit’ para tratar da situação das políticas públicas que garantem benefícios como salários e pensões aos trabalhadores no país. Empresários, grande mídia e governo federal reproduzem esse discurso, que, como você verá, é contestado por muitos pesquisadores e militantes. Ao mesmo tempo, o governo federal vem, sobretudo nos últimos quatro anos, intensificado as medidas que diminuem consideravelmente a arrecadação dos impostos que financiam a área de Seguridade Social, composta pela Previdência, a Assistência Social e a Saúde. As iniciativas são apresentadas como formas de incentivar a indústria nacional, aumentar sua competitividade internacional, gerar empregos formais em diversos segmentos e aumentar a remuneração dos trabalhadores com carteira assinada, constituindo uma política de enfrentamento à crise econômica internacional que rejeitaria as “soluções clássicas” das economias capitalistas para momentos assim. Uma das principais modalidades dos chamados incentivos, a mudança da forma de contribuição dos empresários para a Previdência, significou só em 2013 uma perda de R$ 19,04 bilhões na arrecadação do setor, segundo dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip).
Mas, afinal, qual o sentido de se anunciar um rombo inexistente e, ao mesmo tempo, diminuir a receita da Previdência? De que forma as ditas medidas de incentivo vêm impactando a Seguridade Social e os direitos conquistados pelos trabalhadores? E os resultados em relação aos objetivos apresentados, são satisfatórios? Nesta reportagem, a Poli apresenta uma análise das políticas de incentivo ao setor privado no país através da redução ou renúncia ao pagamento de impostos. Pesquisas elaboradas pela Anfip e dados oficiais disponibilizados pela Receita Federal ajudam a entender o lugar de destaque que essas políticas ocupam no modelo de desenvolvimento brasileiro atualmente.
Os ministérios da Previdência Social, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Fazenda, além da Receita Federal, procurados pela reportagem, não concederam entrevistas. Apesar da dificuldade com a publicização de uma avaliação geral das medidas pelos órgãos responsáveis, já durante o fechamento desta edição o vice-presidente da República, Michel Temer, sancionou a Lei 13.043/2014, que amplia vários desses benefícios e torna permanentes os que se encerrariam ao final deste ano, indicando que as desonerações seguem ocupando lugar prioritário nos planos do governo federal.
Custo Brasil?
“O país vai mobilizar suas forças produtivas para inovar, competir e crescer. O mercado grande e pujante, o poder de compras públicas criado pelas políticas inclusivas, a extensa fronteira de recursos energéticos a ser explorada, a força de trabalho jovem e criatividade empresarial constituem trunfos institucionais, de recursos naturais e sociais formidáveis para desenvolver um Brasil Maior”. O trecho é da apresentação do Plano Brasil Maior, “a política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo federal”, publicada em site oficial. Também de acordo com seu site, o Plano Brasil Maior tem como desafios “sustentar o crescimento econômico inclusivo num contexto econômico adverso” e “[fazer o Brasil] sair da crise internacional em melhor posição do que entrou”. Para atingir esses desafios, explica o texto, “o Plano adotará medidas importantes de desoneração dos investimentos e das exportações”, o que vem fazendo desde 2011, quando foi instituído através do Decreto 7.540. A descrição do Plano explica ainda que essas ações têm o objetivo principal de reduzir custos para a produção, acelerando o aumento da produtividade e garantindo às empresas brasileiras condições de competição internacional.
Através de uma série de Decretos e Medidas Provisórias, que foram paulatinamente convertidas em leis, o Plano se estruturou nesses quase quatro anos. Foram instituídas medidas como a redução do Imposto de Renda das empresas; a redução do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para bens de investimento e de consumo; a devolução, aos empresários de setores exportadores, do valor pago em impostos como o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que incidem sobre o faturamento das empresas e compõem as receitas da Seguridade Social (através da criação do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra); a ampliação de regimes tributários com cargas reduzidas para empresas enquadradas como pequenas (como o Simples e o Microempreendedor Individual); a postergação do recolhimento de PIS e Cofins; e a desoneração da folha de pagamentos, medida citada na abertura desta matéria que modifica a forma de contribuição do empresariado à Previdência Social (passando de uma taxa de 20% sobre o total pago nas folhas de salários para uma taxa de 1% ou 2%, a depender do setor, sobre a receita bruta obtida no mês). Em 2011, quando o Plano Brasil Maior foi instituído, a desoneração da folha era uma medida temporária concedida a quatro setores: confecções, produção de calçados, móveis e software. Mas a medida foi sendo ampliada anualmente e, hoje, além de beneficiar 56 setores da economia, é permanente, como determina a Lei 13.043, recentemente sancionada pela Presidência da República.
A ideia central, então, é que a diminuição dos custos com os impostos que financiam (direta ou indiretamente) os direitos dos trabalhadores seria a saída para tornar a economia brasileira mais competitiva no mercado internacional e estimular tanto a contratação de trabalhadores formais como o aumento do salário dos já empregados. O pressuposto dessa proposta, que já se tornou um chavão das entidades representativas do empresariado brasileiro, é o de que o custo do trabalho no país é muito alto. Por essa lógica, é justamente esse custo com a mão de obra (o chamado ‘Custo Brasil’) que torna a produção no país cara e, consequentemente, impede a concorrência com os produtos de outros países e desestimula os empresários a admitirem trabalhadores com vínculos formais. As desonerações, assim, destravariam esse gargalo e garantiriam resultados positivos para a competitividade da indústria, o crescimento econômico e o emprego formal no país.
No entanto, a ideia do ‘Custo Brasil’, base de toda a lógica explicitada acima, está longe de ser um consenso entre pesquisadores da área. Evilásio Salvador, economista e professor de Política Social na Universidade de Brasília (UnB), é um dos que critica essa perspectiva: “Os dois principais argumentos favoráveis às políticas de desonerações são mitos. O primeiro mito é o de que o custo da mão de obra no Brasil seria muito elevado, e que isso dificultaria a competitividade da indústria. Ao analisarmos o custo da mão de obra por hora na indústria brasileira percebemos que está entre os mais baixos do mundo”, defende. E completa: “O outro mito é a relação direta que se faz entre a diminuição de custos com mão de obra e a geração de empregos. Não há comprovação científica disso e nenhuma experiência internacional demonstra que necessariamente as empresas contratem mais por pagarem menos impostos sobre os salários. As empresas contratam mais à medida que tem mais demanda”, explica.
Frederico Melo, economista e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explica que a conta feita pelo empresariado ao apontar o elevado custo do trabalho no Brasil é equivocada: “De tanto que foi difundida, a ideia de que o gasto dos empresários com o pagamento de impostos representa mais de 100% daquilo que é pago aos trabalhadores na forma de salários se tornou senso comum. Mas isso é um mito, e a origem está na forma como se define o salário. Para nós, todo o dinheiro que sai da empresa e vai para o trabalhador individualmente é parte da remuneração do trabalho. Isso inclui salário mensal, o 13º salário, as férias remuneradas, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, as horas extras e até as multas de FGTS quando o trabalhador é demitido. Quando se fala que custo é mais de 100% do salário, está se comparando apenas o salário mensal do trabalhador com as diversas outras verbas que ele recebe. Assim, todas as outras formas de remuneração entram na conta do custo do trabalho e o percentual aparece alto”, descreve. “Na verdade, as obrigações trabalhistas dos empregadores que não fazem parte do salário são os tributos que vão para fundos públicos financiar as políticas sociais ou para as entidades que compõem o Sistema S, somando um percentual de aproximadamente 25%. Então, o custo do trabalho não é alto: a remuneração no Brasil é muito baixa e esse percentual de tributos é relativamente baixo”, completa Frederico. Ele acredita que a redução do custo do trabalho pode trazer algum alívio relativo para a produção, mas muito pequeno e insuficiente para recompor competitividade da indústria nacional.
Objetivos declarados e implícitos: uma radiografia das desonerações
É esse questionamento que está na base de grande parte das críticas à política de desonerações, sustentando a ideia de que, na verdade, não se trata de corrigir um custo excessivo com a mão de obra, que é irreal, mas sim de potencializar lucros do empresariado. A partir dessa perspectiva, os objetivos apresentados da política de desonerações são questionados por pesquisadores. Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) e sociólogo do trabalho, diz que essas medidas precisam ser compreendidas em um contexto mais amplo e estão associadas a outras, como as parcerias público-privadas e a privatização de portos e aeroportos. São, para ele, concessões de benefícios ao setor privado a partir dos fundos públicos, que têm a função principal de ampliar a margem de lucro das empresas: “Desde 2011, o governo federal tem sistematicamente implementado uma série de medidas que beneficiam enormemente as empresas e ampliam as suas margens de lucro. São frentes abertas essencialmente para estimular capital e atender aos interesses das grandes corporações que atuam no Brasil”, analisa.
Exemplificando com a situação das empresas montadoras de automóveis, ele contrapõe à ideia de ‘Custo Brasil’ a noção de ‘Lucro Brasil': “Não há custo elevado do trabalho no país. Nos últimos 12 anos, 94% do emprego formal criado paga até 1,5 salários mínimos. Isso dá U$400, exatamente o que se paga na China. O que existe de fato é o ‘Lucro Brasil’. As montadoras de automóveis sistematicamente faturam recordes de lucros no país e expatriam capital todos os anos. Isso mostra o quanto é falacioso o discurso das entidades patronais. Não há como dizer que custo do trabalho no Brasil é alto quando se tem setores internacionais faturando ‘como nunca antes na história desse país'”, defende. A avaliação é compartilhada por Evilásio Salvador, que diferencia os ‘objetivos declarados’ dos ‘objetivos implícitos’ das políticas de desoneração: “É um conjunto de medidas que têm o objetivo de socorrer o capital, afetado pela crise econômica de 2008. As medidas de desoneração não têm por objetivo as questões explicitamente declaradas. Implicitamente, trata-se de garantir a retomada da taxa de acumulação do capital, atingindo os níveis anteriores à crise”, diz.
Os dados mais atualizados disponibilizados pela Receita Federal (até o fechamento desta edição) incluem o levantamento da arrecadação e das desonerações tributárias até o mês de setembro, inclusive. De acordo com a Receita, em setembro a arrecadação total de tributos foi de R$90,77 bilhões e as desonerações somaram R$8,39 bilhões. As desonerações, assim, representaram 9,24% do que foi arrecadado. Em comparação com o mesmo mês do ano passado, o percentual das desonerações em relação à arrecadação total subiu: em setembro de 2013, foram R$84,21 bilhões de arrecadação e R$6,8 bilhões em desonerações, representando 8,07%. Os dados gerais de 2014 apontam que, de janeiro a setembro, foram arrecadados R$862,51 bilhões e o montante de desonerações chegou a R$75,69 bilhões. As desonerações atingiram, assim, 8,7% das arrecadações, registrando também um aumento em relação a 2013. De janeiro a setembro do ano passado, elas representaram 6,9% do que foi arrecadado (um total de R$806,44 bilhões para R$55,9 bilhões desonerados).
Os números contabilizados pela Receita, que totalizam R$77,8 bilhões em desonerações em 2013, levam em conta apenas os impactos dos incentivos instituídos desde 2010 e consideram, como desonerações, todas as isenções ou reduções de taxas de impostos, abatimentos, concessão de créditos tributários ou anistia em relação a valores devidos. Os valores gerais, portanto, são ainda maiores. Se levados em conta os benefícios já consolidados, instituídos antes de 2010, o montante do que se deixa de arrecadar pelas políticas de incentivo tributário pode representar mais do que o dobro dos valores divulgados pela Receita. É o caso do levantamento divulgado pelo Tribunal de Contas da União, que estimou um custo de pelo menos R$218 bilhões em 2013, considerando os benefícios tributários gerais e relacionados ao financiamento da previdência, sem levar em contra os créditos concedidos.
No bolo geral das desonerações, chama a atenção o crescimento da fatia concedida em relação aos impostos que financiam a Seguridade Social, como os já citados PIS e Cofins, a contribuição patronal previdenciária sobre folha de pagamento e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). É o que aponta Ana Carolina Cordilha, economista e autora do artigo ‘Desoneração da Folha de Pagamentos para Competitividade Espúria?’, publicado pela Anfip, que sintetiza alguns resultados de sua pesquisa de mestrado desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em entrevista à Poli, ela destaca: “Segundo estimativas com base no Ministério da Fazenda, em 2003, 13% do total de incentivos tributários concedidos ao setor privado vinha da renúncia ao Cofins, PIS-Pasep e CSLL, três das fontes principais de recursos da Seguridade. Hoje em dia, este percentual encontra-se na casados 40%”.
Entre esses benefícios concedidos em relação aos impostos que financiam a Seguridade Social, tem se destacado a desoneração da folha de pagamentos, descrita anteriormente. A mudança na forma da contribuição dos empresários à Previdência que, como você leu, começou em 2011 como uma medida temporária para quatro setores, foi sendo paulatinamente ampliada e, agora, com a recente aprovação da Lei 13.043, será definitiva para 56 ramos da economia, tem correspondido a uma parcela cada vez maior de renúncias fiscais pelo Estado. A estimativa da Receita Federal para a renúncia resultante desse benefício em 2013 foi de R$12,28 bilhões. Dados de outro relatório disponibilizado pela Receita ajudam a compreender o aumento de suas dimensões: no documento que cataloga as 21 modalidades de desonerações instituídas em 2014 e faz cálculos dos impactos de cada uma delas para os próximos anos, a desoneração da folha de pagamentos aparece respondendo, sozinha, por R$23,79 bilhões, em um total de R$34,8 bilhões que não serão arrecadados em 2015. As outras 20 modalidades, juntas, representarão um impacto de R$11,01 bilhões em renúncias, menos da metade do impacto da desoneração da folha. Para 2016, a receita estima que a substituição da contribuição previdenciária patronal sobre folha pela contribuição sobre receita bruta significará uma perda de R$27,38 bilhões no orçamento da Seguridade Social, diante de um total de R$41,02 bilhões desonerados. Em 2017, segundo o mesmo relatório, o total de perdas resultantes dessa modalidade será de R$31,65 milhões, para um total de R$46,59 que o Estado não arrecadará.
A Anfip, no entanto, defende que já no ano passado os impactos da desoneração da folha de pagamentos sobre a arrecadação previdenciária foram mais significativos do que o apontado pelos dados da Receita. Segundo o estudo detalhado feito pela entidade, ‘Desoneração da Folha de Pagamentos: Oportunidade ou Ameaça’, em 2013 o total que se deixou de arrecadar para a Previdência com a mudança na forma de contribuição patronal foi de R$19,04 bilhões. Vanderley Maçaneiro, vice-presidente de Assuntos Fiscais da entidade e organizador do estudo, explica que os dados foram obtidos a partir de um cálculo separado dos setores que pagam 1% e 2% de seu faturamento à Previdência e com base em dados de 2008 a 2011 devidamente corrigidos. Ele destaca que a principal preocupação da entidade é com o financiamento da Seguridade Social, e lembra que, de acordo com a Lei 12.546/2011, que instituiu a desoneração da folha, a União é responsável por compensar o Fundo do Regime Geral da Previdência Social no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da medida. “Mas, na prática, isso não foi resolvido.
A perda final para Previdência ficou em R$10 bilhões. Dos R$19,04 bilhões que deixaram de ser arrecadados, o Tesouro repassou apenas R$9,02 bilhões, desequilibrando as contas da Seguridade. São recursos que deixam de financiar a Previdência, a Assistência Social e a Saúde. Os números relativos a 2014 ainda não foram fechados, mas o impacto será ainda maior”, diz.
Impactos sobre os direitos e o orçamento da Seguridade Social
Diante de tantas reduções no financiamento, estaria então correta a tese de que a Previdência Social é deficitária? Pesquisadores ouvidos pela Poli apontam que não, mas entendem que as desonerações nos impostos que financiam a Seguridade podem acabar reforçando esse discurso e a noção de que esse direito ‘não se sustenta’ na economia atual. “A crescente expansão das renúncias à custa das contribuições sociais, e em especial o recente aumento de utilização do canal previdenciário, vem prejudicando o resultado final do sistema, embora este encontre-se inserido dentro de um orçamento ainda plenamente superavitário”, aponta Ana Carolina Cordilha. E ressalta o mecanismo que sustenta esse discurso: “É uma lógica perversa: os recursos são retirados da Previdência para conceder incentivos ao setor privado, provocam piora dos resultados e esta piora é utilizada como argumento para defender a insustentabilidade financeira do regime e consequente necessidade de reformas”, analisa a economista.
Vanderley Maçaneiro reforça essa análise, lembrando que a origem do discurso de que a Previdência brasileira seria deficitária está na realização de uma conta parcial e equivocada, que ignora as definições da Constituição Federal de 1988: “A Seguridade gerou, no ano passado, um superávit de R$ 76,2 bilhões. Ainda assim, há discursos inconsistentes que insistem em dizer que a Previdência é deficitária. Nossa Constituição Federal define que a Seguridade é composta pela Previdência, a Assistência Social e a Saúde e sustentada pelos tributos que financiam as aplicações nas três áreas. Mas, até hoje, se insiste na lógica de analisar a Previdência isoladamente, contabilizando apenas umas das fontes de financiamento – a contribuição previdenciária sobre folha – para todas as despesas com benefícios da Previdência. Assim, o resultado fica negativo. Quem faz esse cálculo não está bem intencionado, porque a Seguridade segue sendo superavitária. E a medida de desoneração da folha vem reforçar esses discursos, pois afeta a fonte de financiamento que é contabilizada”, diz.
Evilásio Salvador lembra que, além da desoneração da folha de pagamentos, todo o conjunto das desonerações dos últimos anos atinge o setor da Seguridade. Como você leu acima, tributos como PIS, Cofins e CSLL são destinados ao financiamento da Seguridade e têm sido bastante reduzidos. Segundo a Constituição, a Seguridade Social é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta pelo pagamento desses impostos; pelas contribuições dos empregadores através da folha de salários, receita ou faturamento; pelos trabalhadores e segurados da Previdência diretamente, através de contribuições com bases nos salários; e pela receita de concursos como loterias e impostação de bens e serviços. É a fatia das contribuições patronais, seja pela folha de salários para a Previdência, seja pelos impostos sobre lucros (PIS, Cofins e CSLL), que vem sendo sistematicamente reduzida. “O volume de renúncia tributária já ultrapassa 4% do PIB, boa parte em tributos que incidem sobre financiamento da Seguridade. Apenas as contribuições sobre folha de pagamento correspondem, em média, a um percentual entre 20% a 24% do total do orçamento da Seguridade. Associando às perdas com PIS e Cofins, o impacto é muito significativo”, alerta o professor.
Ele completa: “Ainda há outras medidas, como desoneração do IPI da indústria automobilística, nos últimos anos, que impactam a Seguridade nos estados e municípios, porque há perda em seus fundos de participação no orçamento geral. Como há gastos mínimos previstos para esses entes federativos na saúde, por exemplo, a redução no IPI impacta a arrecadação da área”, explica. Evilásio destaca, ainda, o mecanismo da Desvinculação das Receitas da União (DRU) que, amparado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, desvia 20% das receitas de contribuições sociais da Seguridade para o Sistema da Dívida Pública, para pagar os juros da dívida. “A DRU tira anualmente um valor que fica entre R$45 bilhões e R$ 50 bilhões da Seguridade Social. São sinais muito trocados, porque se anuncia um déficit inexistente e, ao mesmo tempo, os recursos de financiamento são sistematicamente reduzidos. Como previsto pela Constituição, quando há ausência de recursos próprios da Seguridade, os direitos por ela encampados precisam ser garantidos pelo Tesouro Nacional. Mas isso não seria necessário se o padrão de financiamento previsto pela própria Constituição fosse cumprido. É um mecanismo de fragilização do sistema, que acumula mais argumentos contra a Previdência e os direitos garantidos”, pondera.
É importante destacar que, a partir da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, as contribuições sobre folha de pagamentos, que antes integravam o conjunto de fontes da Seguridade, passaram a ser consideradas contribuições diretamente previdenciárias, o que vedou sua utilização para fins distintos do pagamento de benefícios do Regime Geral da Previdência Social. Assim, a DRU incide nas fontes gerais da Seguridade, mas não sobre as contribuições previdenciárias sobre folha, que por esse motivo foram se destacando entre as arrecadações ano a ano. Com a desoneração da folha, essa fonte, até então ‘protegida’, é também fragilizada. O que segue intocada é a participação dos trabalhadores que, sem flexibilização ou desoneração, contribuem com percentuais de seus salários para a Previdência com descontos de 8% (para quem recebe até três salários mínimos), 9% (incidentes sobre salários de três a cinco mínimos) ou 11% (para quem recebe acima de cinco salários mínimos). Além da chamada ‘regressividade do sistema tributário’ brasileiro, que significa que os impostos gerais recaem com mais peso sobre os segmentos mais pobres da população, as sucessivas desonerações patronais e a rigidez com as contribuições dos trabalhadores indicam que o ônus do financiamento não está tão bem distribuído.
Ruy Braga identifica, aí, uma investida contra os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores: “A desoneração é, a rigor, uma política que prejudica o trabalhador, porque tem impacto sobre a sua própria previdência. Isso evidentemente não pode ser considerado ‘política pró-trabalho’. A justificativa do governo de que isso garantiria o emprego é uma alegação equivocada se pensarmos no médio e no longo prazo, porque teremos efeitos deletérios sobre a aposentadoria e os direitos trabalhistas”, analisa. E propõe: “O governo tem feito política econômica e concessões para empresas com a poupança do trabalhador, e isso é inaceitável. Precisamos de mais seguridade, alargar a base da garantia de direitos, e não diminuir. Isso não pode continuar assim, é uma ameaça ao futuro do mundo do trabalho no Brasil”.
Segundos dados da Anfip, publicados no estudo ‘Seguridade e Previdência Social – contribuições para um Brasil mais justo’, as renúncias de contribuições sociais (Cofins, PIS, CSLL e contribuições previdenciárias) que financiam a Seguridade Social tiveram uma evolução de 155,05% nos últimos cinco anos. O estudo aponta que as desonerações instituídas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), complementadas pelas novas, devem alcançar 4,76% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014. “Em particular, chama a atenção a imunidade concedida ao agronegócio exportador, o que aumenta a demanda de cobertura financeira do subsistema rural. Em 2005, essa renúncia foi da ordem de R$ 2,1 bilhões, sendo que, para 2014, o valor apresenta um crescimento de 119%”, revela a pesquisa.
E os resultados?
Diante do destaque assumido pela desoneração da folha de pagamentos entre as formas de incentivo ao setor privado e seu impacto crescente no financiamento da Previdência, afetando o conjunto da área da Seguridade, a Poli ouviu os pesquisadores, a Anfip e buscou avaliações recentes sobre os impactos dessas medidas em relação aos objetivos declarados do Plano Brasil Maior. Um dos primeiros elementos que chamam a atenção é justamente a escassez de dados e balanços oficiais que comprovem a eficácia das medidas, agora ampliadas. Vanderley Maçaneiro parte daí para apontar que a Anfip ainda não tem uma posição fechada quanto a essa avaliação de resultados. E explica as dificuldades técnicas para se fazer esse tipo de análise: “Em relação ao mérito dessa medida, ainda não temos uma posição tomada. É uma mudança recente e temos muita dificuldade de medir os verdadeiros efeitos. Em agosto de 2011, quando foi instituída, o dólar estava entre R$1,55 e R$1,56. Hoje, está em torno de R$2,40. Só essa mudança na valorização da moeda nacional gera impactos muito grandes na competitividade. Fica muito difícil medir o efeito da desoneração da folha separadamente”, aponta.
Já Fernando Gaiger, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um dos autores do estudo ‘A desoneração da folha de pagamentos e sua relação com a formalidade do mercado de trabalho’, elaborado em 2008, acredita que as medidas tenham tido alguma importância na preservação do trabalho durante a crise. “Quando as primeiras desonerações foram implementadas, ainda havia um momento virtuoso no mercado de trabalho. Isso era na verdade uma medida de política industrial, a despeito dos argumentos estarem ligados à preservação de emprego e ao crescimento da formalidade. Os setores inicialmente desonerados eram aqueles que sofriam muito com concorrência internacional e a intenção era defendê-los. Depois que a economia começou a ter desempenho mais frágil, a desoneração com certeza deve ter tido efeito sobre o mercado de trabalho, pois se diminuiu o custo da mão de obra e com isso se preservou trabalho. O governo deu um tiro na política industrial, em um momento virtuoso, e acabou acertando na preservação do emprego no momento de baixa do ciclo”, opina. Mesmo acreditando nos benefícios da desoneração em relação ao emprego, Gaiger aponta limites nessa política: “Um dos grandes problemas é o câmbio. O segmento empresarial brasileiro é avesso ao risco. A desoneração não vai, por si só, resolver problemas”, aponta.
Clovis Scherer, economista e técnico do Dieese que estuda os efeitos da desoneração, também destaca a imprecisão nas análises mais recentes. Segundo ele, as avaliações mais consistentes são as relacionas aos efeitos das medidas nas contas públicas, para o que há mais dados disponíveis: “O problema maior é que anda não se tem uma avaliação precisa dos efeitos da desoneração em relação aos objetivos propostos. A teoria postula que a redução do custo de trabalho gera produção de mais empregos, um nível de produção mais elevado e um efeito de substituição: no processo de produção, se troca o insumo capital pelo insumo trabalho, porque o último está mais barato. Mas os problemas de competitividade se devem a vários fatores, então isso não significa um resultado imediato”, avalia. E completa: “Ainda estamos em um processo preocupante de perda de competitividade industrial. Se as medidas tiveram impactos, não foram fortes o suficiente para resolver a questão diante de fatores como o câmbio e a conjuntura do mercado internacional. Sobre o emprego, ainda não está divulgada avaliação sólida. Uma preocupação é que o efeito na formalidade não vá ser o desejado, porque há uma segmentação no mercado e a transição do setor informal para o formal não depende só do custo do trabalho”, diz.
A escassez de dados e avaliações oficiais também e questionada pela economista Ana Cordilha, que entende como problemática uma ampliação tão significativa das medidas sem um balanço mais concreto. “Não há evidências de que a política esteja sendo eficiente para atingir os objetivos propostos. A desoneração da folha foi expandida e tornada permanente sem nenhuma divulgação, por parte do governo, de estudos comprobatórios de seus resultados, muito embora coloquem em jogo bilhões de reais da Seguridade Social. Os dados de emprego e balança comercial parecem indicar comportamentos divergentes para os setores desonerados, o que já seria esperado, já que as desonerações atingiram atividades de variadas naturezas nos setores secundário e terciário, com diferentes graus de utilização de mão de obra e de exposição à concorrência internacional, sujeitas, portanto, a condicionantes muito diferentes”, pontua. Ela critica também o pressuposto de que a medida seria suficiente para superar os atuais problemas: “O próprio potencial de eficiência da desoneração da folha é muito limitado, pois emprego e competitividade são variáveis determinadas por um espectro muito mais complexo de fatores, muitos deles exercendo atualmente pressões adversas sobre a indústria – como duas décadas de câmbio sistematicamente sobrevalorizado, taxas de juros reais dentre as mais altas do mundo, baixos níveis de investimento em pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura e sistema educacional deficitários e sistema tributário fortemente calcado em tributos incidentes sobre produção e consumo”, diz, lembrando que há estudos demonstrando que a indústria tradicional é alvo de somente 50% do custo total da renúncia e um terço do total de trabalhadores afetados pela política. “Isso evidencia como a política foi descaracterizada ao longo de sua implementação”.
Em julho, os economistas Alexandre Porse e Felipe Madruga, da Universidade Federal do Paraná, divulgaram uma pesquisa apontando que a desoneração de IPI para montadoras teve impacto muito abaixo do esperado, convertendo um aumento de apenas 0,02% no PIB ao ano e de 0,04% nas taxas de emprego. Neste mês, uma reportagem do jornal Valor Econômico apontou que as empresas favorecidas pela desoneração estão demitindo mais trabalhadores do que contratando. Segundo o jornal, que fez um cruzamento de dados da Receita Federal e do Ministério do Trabalho, em 2012 houve mais demissões que contratações em 12 setores beneficiados. Em 2013, afirma a reportagem, foram 13 setores, que juntos foram desonerados em R$1,91 bilhão. Em outubro, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho, houve redução do emprego formal no país. O Brasil fechou o mês com menos 30 mil vagas com carteira assinada.
O presidente do Conselho Executivo da Anfip, Álvaro Sólon, aponta no artigo ‘Desoneração da Folha de Pagamentos desconstrói a Seguridade Social’ que a medida não pode ser considerada um mecanismo de geração de empregos. “A afirmação de que a desoneração vai aumentar o nível de emprego é contraditória (…). Pelo primado da teoria econômica, se sabe que para criar mais e melhores empregos em uma economia não basta desonerar a folha. É preciso, dentre outros, gerar um crescimento vigoroso e duradouro, aumento do consumo, investimento público casado com uma política fiscal eficiente, uma reforma tributária progressiva que possibilite melhorias na distribuição da riqueza. A experiência internacional não corrobora com os defensores da desoneração da folha de pagamentos. As evidências internacionais apenas reafirmam o que foi colocado, pois nos países onde a desoneração foi implantada não ocorreu incremento do mercado de trabalho (Chile, Argentina e Venezuela são bons exemplos)”, diz o texto.
Ruy Braga concorda que, sem investimentos, as questões de emprego e melhoria da economia nacional não serão resolvidas. “Se não houver investimento e crescimento econômico, não haverá aumento do emprego e desemprego vai fatalmente crescer, como ocorreu de 2012 para 2013. Os dados do IBGE são claros: há um aumento discreto, porém importante do desemprego no país. As medidas de desoneração da folha de pagamento ameaçam direitos e em troca não oferecem garantias efetivas de crescimento e emprego”, avalia. E finaliza, apontado a necessária superação do modelo de desenvolvimento atual para a garantia dos dos trabalhadores: “Temos um modelo de desenvolvimento incapaz de promover ganhos de produtividade. O pouquíssimo que temos de crescimento no país não está alicerçado em aumento do investimento no setor de manufatura, que incorpora os melhores empregos, mas sim em setores da mineração, da construção pesada, do agronegócio e outros que, ao invés de investirem em novas máquinas, tecnologia e inovações organizacionais, aumentam a extensão da exploração do trabalho, pressionam mais os trabalhadores, elevam mais as metas, intensificam ritmo sem contrapartida de intensificação dos salários, comprimem os salários, aumentam a taxa de rotatividade… Ou seja, tudo aquilo que deteriora as condições de consumo da força de trabalho no Brasil. Esse tipo de crescimento combina compressão salarial com um deterioração das condições de consumo da força de trabalho, atingindo sobretudo jovens que estão entrando no mercado. Se não houver investimento em máquinas, tecnologias, um novo ciclo de investimentos capaz de recuperar a manufatura complexa e redesenhar a relação do país com o mercado mundial, não termos efetivamente emprego ou garantias que estejam à altura da classe trabalhadora brasileira.”, critica.
Publicado no Portal EcoDebate, 09/01/2015

quinta-feira, janeiro 08, 2015

“De todos os diagnósticos, a normalidade é o diagnóstico mais grave, porque ela é sem esperança”.

MAIS LOUCOS E PERVERSOS DO QUE NOS IMAGINAMOS

POR: CLARIANA ZANUTTO  /  28/02/2014
FOTOS RODRIGO BRAGA/3FILMGROUP
Foi com seu mestre, o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), que Contardo Calligaris aprendeu que 
o transtorno mais grave que uma pessoa pode ter é ser, digamos, “normal”. Consequentemente, aprendeu também o pupilo que, para ser saudável, o ser humano necessita ter, ao menos, uma neurosezinha aqui e outra ali. Assuntos como esses fascinam tanto Contardo que, aos 65 anos, o psicanalista italiano, nascido em Milão, mas radicado no Brasil desde os anos 1980, assume continuamente o seu maior gosto: trabalhar. Não é fora do comum, portanto, encontrá-lo em seu consultório durante 12 horas diárias e saber que, no tempo restante, além de poucas horas dedicadas ao sono, ele ainda faz exercícios, lê três livros por semana, produz uma coluna semanal para a Folha de S.Paulo e ainda preserva suas idas a cinema, teatro e restaurante. Quer mais? De um ano para cá, ele vem se dividindo entre os roteiros e as gravações da sériePsi, que estreia dia 23 deste mês no canal HBO Brasil – e simultaneamente em mais 22 países da América Latina –, e é baseada em seus livros O conto do amor e A mulher de vermelho e branco. Em foco estão as aventuras de Carlo Antonini (vivido por Emílio de Mello), psicólogo, psiquiatra e psicanalista que tem a vida fora do consultório destrinchada junto com a história de outras personagens que exemplificam diferentes perfis psicológicos.

Membro da Escola Freudiana de Paris há quase quatro décadas, Contardo Calligaris não se importa em chocar seus colegas freudianos e lacanianos ao revelar que gostaria de fazer um ano de pscioterapia junguiana, assim como também não tem problema algum em encarar a sociedade ao expressar que a infância é uma idade totalmente idealizada e que as crianças são seres extremamente cruéis. Completa a descrição dizer que ele é encrenqueiro, intervencionista, gosta de se meter em brigas – claro que não como há 30 anos – e de resolver problemas sobre os quais não foi pedida sua opinião. Enfim, o psicanalista está bem longe de ser a pessoa normal que tanto abomina. Sorte a nossa! Afinal, Lacan não estava errado em dizer que a vida é realmente mais interessante quando há uma neurosezinha aqui e outra acolá.

Por muito tempo você teve oportunidades, mas optou por não adaptar os livros 
O conto do amor e A mulher de vermelho e branco para o cinema ou TV. O que, dessa vez, fez com que você mudasse de ideia? 
É uma pergunta interessante. Primeiro, porque, claro, é uma mudança de ofício, mas, enquanto romancista, eu sou um contador de histórias. Não sou fascinado por nenhum experimentalismo. Então, um seriado é uma maneira de contar uma boa história e, sobretudo, construída ao redor de personagens que têm de ser sólidos, porque eles têm de durar de alguma forma, pelo menos o personagem principal. Isso, no fundo, não é muito afastado do trabalho do narrador e do romancista. Tem uma grande diferença que é de ser um trabalho coletivo; então, é preciso, realmente, se acostumar a isso, porque o romancista é Deus e todo mundo. Não tem problema, mas o escritor de cinema, sobretudo do Brasil, é inserido em um processo muito mais complexo. Agora, ainda por cima do ponto de vista da televisão brasileira, foi uma coisa relativamente nova. Aliás, na verdade, absolutamente nova como tipo de seriado brasileiro. Acho que nunca foi feito algo parecido. Não tem! Então, nasceu essa ideia, e procurei alguém que escrevesse comigo, porque é uma tarefa hercúlea. O roteiro de uma série de 13 episódios tem 800 páginas, não menos do que isso, em várias versões e andando em companhia. Mas, rapidamente, me encontrei com Thiago Dottori, que é o roteirista com quem, aliás, eu continuo trabalhando a segunda temporada.

O que as pessoas que já conhecem o personagem Carlo Antonini vão encontrar de diferente em Psi
Várias coisas. Primeiro, os amores e os amigos são completamente diferentes, porque ele não mora mais em Nova York, voltou para São Paulo. Mas, no fundo, espero que eles encontrem certa permanência que é ele: essa figura um pouco bizarra, um cara que é psiquiatra, psicólogo, psicanalista – geralmente existem casos famosos, mas são poucos. Na maioria das vezes, alguém é ou psiquiatra e psicanalista, ou psicólogo e psicanalista, mas as três coisas são mais raras juntas. E um cara que tem um espírito, pelo menos aventureiro, tanto na sua prática quanto com poucas obediências de qualquer tipo, inclusive, de alguma forma, morais. Não por isso ele seria um devasso – não é nada disso, ao contrário. Mas digo “morais” no sentido em que acha que as escolhas morais são questões próprias, singulares de cada um. E um fascínio com essa profissão. Fascínio no bom sentido, não no sentido de ficar boquiaberto – é um pouco burro –, mas um interesse muito grande pela diferença extrema que, na verdade, é sempre muito menos extrema do que parece. É muito mais próxima, muito mais parecida com a gente. E essa relação com a diversidade da vida acontece na clínica, mas acontece também na sua vida cotidiana, na sua vida amorosa, por exemplo. É um cara que se aventura, faz escolhas amorosas que podem parecer um pouco bizarras.

E você também acompanhou as gravações? 
Totalmente. Mas, em certos momentos, foi complicado... Na segunda temporada, acho que vou ter que levar isso mais a sério porque, fisicamente, a massa de trabalho foi superior, muito superior, ao que eu vagamente imaginava, como número de horas. As noturnas acabam às 4h30, 5h da manhã. Mas, tudo bem, digamos que, às 2h, eu desistisse, mas às 7h30 estava no consultório.

Não podia abandonar nem o consultório e nem as gravações... 
Claro, mas, na segunda temporada, certamente vou, durante a produção propriamente dita, suspender os atendimentos. Não tenha dúvida! Porque, se não, caso eu não suspenda, não tem como. Tem isso. E tem antes e tem depois. Porque você não para de escrever ao longo, sempre tem o “vamos mudar essa cena, vamos fazer aquilo, se muda aquilo tem que mudar o outro e companhia”. Participei muito ativamente de todo o processo de edição. E aí você realmente aprende! E olha que tenho um passado ligado ao cinema, digo, eu fui tudo, até figurante. Fui figurante muito cedo, de Barbarella [filme dirigido por Roger Vadim, em 1968] e de alguns outros horrores cujo título nem me lembro. Já fui gladiador romano, já fui várias coisas quando morava em Roma.

Essa curiosidade do Carlo por situações diferentes, de sair atrás de um problema e tentar resolvê-lo, também existe em você? Sim. Ou, então, quando não tem um problema, criá-lo (risos). Que também é outra maneira de ter que sair atrás de um problema. Sim, sou intervencionista, sou encrenqueiro, sou do tipo que, se tem uma briga, me meto. Sou briguento. Paguei a metade da minha faculdade com uma bolsa pelo boxe. Fui campeão suíço universitário. Só para dizer que sou encrenqueiro.

Nada como uma boa confusão então... 
Gosto de uma pequena confusão, sim. Muito menos agora do que há uns 25, 30 ou 40 anos. Mas ainda entro em alguma confusão. Compro briga, sim. Peito!

E você, assim como ele, também tem repulsa pelo que é normal? 
Também. Aprendi isso com o meu mestre, [Jacques] Lacan. Eu segui, durante muitos anos, as apresentações de pacientes que ele fazia a cada sexta-feira, ao meio-dia, no [Centre Hospitalier] Sainte-Anne, em Paris. Uma apresentação de paciente, você sabe o que é? Um paciente que foi internado, o residente que se ocupa desse paciente tem questões, então, ele é apresentado. Lacan apresentava-o para um público limitado, de pessoas convidadas, autorizadas, digamos que eram umas 70 pessoas, mais ou menos. Fiz isso no Hospital Raul Soares, na Clínica Pinel, em Porto Alegre, em Rosário. Existe cada vez menos, e é uma pena, porque é um instrumento pedagógico incrível. E também porque não existem mais hospitais psiquiátricos no sentido tradicional. Cada vez menos existem. Então, uma vez, Lacan disse sobre um paciente: “Qual é o problema dele?”. O residente falou: “Não consigo diagnosticá-lo”. E Lacan disse: “Ele é absolutamente normal”. Todo mundo deu uma risadinha, e Lacan acrescentou, o que deixou uma espécie de frio entre nós: “De todos os diagnósticos, a normalidade é o diagnóstico mais grave, porque ela é sem esperança”.



Então, a “normalidade” é um transtorno como outro qualquer...
Certamente. Não... Na verdade, é mais grave.
E o que é ser “normal”?
Pois é... Será que as pessoas querem ser normais? Normais ou não julgadas? Eu acho que o neurótico médio – que somos todos nós – sonha, idealiza o louco. Ele acha que o louco é “o cara”. E sonha em ser perverso. Ou seja, em ser alguém que realmente não teria todos os impedimentos que a neurose nos coloca, ou seja, os registros de culpa, as inibições. O que é uma pessoa normal? Uma pessoa realmente normal é uma que tem um registro de experiência miserável, extremamente pobre. Pode ser que seja relativamente pouco sofrido, mas é também dramaticamente desinteressante. Às vezes, quem pode ser normal são pessoas que têm ou tiveram uma insuficiência cultural-afetiva muito grande. Então, não conseguem... Não é elaborar a experiência no sentido de falar as suas experiências, mas sabe aquela coisa que você atravessa a vida, vê as coisas e isso não lhe evoca nada? Tudo acontece como está acontecendo e isso não me evoca nenhuma lembrança. Normal é quem não tem nada disso. É quem tem uma experiência miserável, no sentido de pobre. Um registro de experiência extremamente pobre.

Não tem interesse também? 
É a mesma coisa. Interesse muito limitado. Por exemplo, o sexo parece ser fisiológico. Ausência de fantasias sexuais. O sexo é: “23h30 a gente apaga a luz, está na cama, transa”. Está previsto.

E essa normalidade é atribuída ao quê?
De certo ponto de vista, aquilo pode ser considerado um tipo de saúde mental. Porque você, sem dúvida, tem um nível de tormento individual, de angústia, muito menor do que o neurótico médio. Mas, geralmente, aquele tipo de normalidade é construída de maneira extremamente sólida e eficiente em cima de um vulcão adormecido. 

Pensando dessa maneira, uma neurose é sempre interessante. 
Somos todos neuróticos, em tese. Graças a Deus, realmente normais são muito poucos. Somos todos neuróticos. Mais loucos do que nos imaginamos – loucos, digo psicóticos –, e em certo número, somos todos, enquanto neuróticos, capazes de ser perversos de vez em quando. O problema mais interessante não é o de viver tranquilo, é o de ter uma vida interessante. Isso que é importante. Inclusive, a que uma psicanálise se propõe? Se propõe a tornar a vida de alguém mais interessante. Não garanto que os meus pacientes venham, sei lá, a sofrer menos ou a ter uma vida mais tranquila. Aliás, o que eu espero é que tenham uma vida mais interessante.

Existe algo como uma cura ou alta, do ponto de vista da psicanálise, para os pacientes?
Existe, mas é uma transformação. Porque na medicina, em tese, curar significa trazer você ou levar você a uma espécie de volta à situação anterior. Quer dizer, você está com gripe, você quer ficar como antes da gripe. No campo “psi”, isso não existe. Você tem uma depressão, você não vai poder voltar ao que era antes da depressão. Pode se tornar outra coisa, que não é nem a depressão que você tem agora, nem o que você era antes. O processo é transformador. Então, “curar” é sempre um pouco problemático. E, além do mais, a apreciação é subjetiva, porque, afinal, é o paciente quem vai dizer que está melhor ou que está suficientemente bem para poder, por exemplo, parar um tratamento. A apreciação é dele. Posso verificar que você não tem mais febre, que você não tem mais um tumor. Tudo bem: não tem mais, não está lá. É muito diferente.
Quem faz análise geralmente fala que todo mundo tem que fazer. E quem não faz, fala que não é assim. Como é, na verdade? 
Acho que não é verdade que todo mundo tem que fazer. Acho que é um equilíbrio complicado, uma alquimia complexa. Não sei nem se a gente pode dizer que todo mundo pode fazer. “Poder”, do ponto de vista de ter, sei lá, isso a grande maioria pode, tem a possibilidade de fazer uma análise, mas é preciso uma predisposição subjetiva. É um equilíbrio curioso, porque é tempo, é uma complexidade na vida. Não é necessariamente penoso. Pode ser extremamente interessante; e deveria ser. Teve uma época em que estava na moda pensar que uma análise deveria ser necessariamente um processo penoso e angustiante. Que, aliás, se você não se angustiasse, isso demonstraria que você não estava tocando nas questões importantes. Pode ser um processo divertido – divertido, além de interessante, no sentido de que um paciente e um analista podem tranquilamente rir em uma série de circunstâncias. E não é raro que seja um processo em que o cara espera o dia da sua sessão ansiosamente.

Você faz análise?
Neste momento, não. Minha última análise foi nos Estados Unidos. Faz bastante tempo que não me reanaliso. Deveria acontecer daqui a pouco, aliás.

Como funciona com você?São situações assim, na verdade, na minha idade – não sei se tem muito a ver com idade, mas, enfim – 
houve pessoas com as quais eu fiquei a fim de fazer uma fatia de análise. Porque eu queria ver, queria ouvir uma coisa diferente do que já tinha ouvido. Pessoas que justamente não eram da minha formação. Hoje, provavelmente – coisa que vai chocar a maioria dos meus colegas –, acho que eu faria um ano de psicoterapia junguiana, me interessaria.
Eles ficariam chocados de que forma?
Ah, porque a maioria dos meus colegas freudianos – lacanianos nem se fala – não iria entender; é como se eu dissesse que vou me confessar com alguém de outra denominação. Tipo: “Vou parar de ir à missa. Agora vou à mesquita no domingo”. Ou, então, começo a frequentar a sinagoga no sábado. Em regra, é bem assim.

Você acredita ser mais flexível do que eles?
Não, não. Não é que acredito, eu sei que sou muito mais flexível. Mas eles não chamam isso de flexível, porque parece uma coisa positiva. Acho que eles consideram que tem uma dívida específica com a disciplina. Acho que eu tenho uma dívida com a psicanálise. Com o desejo, sem dúvida, de Freud muito mais do que com a doutrina de Freud. Me interessa tudo o que saiu do desejo de Freud, inclusive Jung, por exemplo. E mesmo coisas que não saíram do desejo de Freud, porque tem um monte de psicoterapeutas. Fiz psicoterapias rogerianas (método de Carl Ransom Rogers, 1902-1987) e companhia, que não são propriamente pós-freudianas, e achei superinteressante.


Uma, das muitas questões discutidas na série, é que ninguém gosta de ser mudado... 
Isso. A gente passa a vida inteira circundado por pessoas que têm o projeto de nos moldar. Na hora, pode até parecer normal, mas é um saco, né?!  E isso continua. Mas na infância e na adolescência é muito mais, inclusive depois, até no trabalho. Você se lembra daquele filme bonito, Mestre dos mares? É uma história de Russell Crowe, que é comandante, e tem esses dois meninos de 13 ou 14 anos que, na verdade, são oficiais a bordo do navio. É um deles que comanda as baterias de bombardeio do navio. Eles são oficiais da Marinha! Um deles perde um braço e fica lá sem braço. Sobrevive. O espectador médio hoje vê aquilo e não entende. Não processa como sendo normal. Você entrava na escola militar de guerra aos 12, 13 anos, fazia os seus cursos, passava, saía. Valeu. Um aprendiz saía de casa aos 7 anos, na França da Idade Média. Se eu era marceneiro, o meu filho se destinava à marcenaria – naquela época, o que se previa era a reprodução; então, aos 7 anos, o meu filho ia aprender a ser marceneiro. Mas não podia aprender comigo, porque eram inteligentes, eles entendiam que não era com os pais que se aprende. Então, eu tinha que mandá-lo para outro marceneiro dentro da confraria, mas não era na mesma cidade. Era 600 km, 700 km... Eu ia rever meu filho dez anos depois, formado. E ninguém morria. Você vai dizer isso para uma mãe hoje?
Você diz em relação à superproteção extrema, não? 
Nós somos totalmente infantólatras e a infantolatria é um dos grandes traços da contemporaneidade. E dizer que as crianças são capazes de grandes crueldades, isso é uma coisa que hoje é quase um escândalo. A criança pode ser extremamente agressiva. Não tenho uma simpatia, a priori, por crianças. Acho que crianças são seres cruéis, extremamente cruéis, capazes das maiores maldades. Freud dizer em 1905 que as crianças tinham uma sexualidade era um negócio! Como? As pessoas não viam as criancinhas se masturbando em casa?

A grande maioria não quer enxergar isso... 
Não quer, absolutamente. A infância continua sendo uma idade totalmente idealizada. Aliás,  continuamos, cada vez mais, tentando criar uma idade durante a qual as crianças, esses seres, não vão ter preocupações de nenhum tipo. Bom, claro que isso funciona como pode, mas a nossa idealização da criança é muito grande, muito forte.

E quem resolve não seguir por esse caminho recebe muitas críticas... 
Sim, claro. Imediatamente. Mas a gente não pode se queixar tanto assim, no fundo, porque, sobretudo a partir dos anos 1970, progressivamente, a sociedade ocidental criou uma espécie de ideologia positiva da diferença. Tanto que a diferença parece ser ou é apresentada como um valor em si. Por exemplo: é bom que o ambiente de trabalho seja repleto de diferenças étnicas e o caramba, pessoas de todos os tipos, porque essa inclusão vai – e agora tem toda uma justificação positiva – ter um efeito positivo na decision making. Porque, claro, vão participar pessoas que pensam, sentem e veem o mundo de maneiras tão diferentes. Isso é realmente muito novo. Se falasse isso em qualquer empresa nos anos 1950 ou 1960, iam achar que você estava louco. Então, certamente a margem de convivência das diferenças aumentou muito. Hoje não é, pelo menos nas grandes cidades do Ocidente, impossível ser homossexual, não é impossível conviver com um casal homossexual. Até os anos 1980, era tipo aquela política Clinton: “Don’t ask, don’t tell”. Mas você não imaginava chegar ao seu escritório e colocar a fotografia de um namorado ou namorada do mesmo sexo em cima da mesa em um porta-retratos. Não, você não ia fazer isso não.


Fonte: http://www.revistadacultura.com.br/entrevistas/conversa/14-02-28/Mais_loucos_e_perversos_do_que_nos_imaginamos.aspx

a altura de Levy tem outro significado: será difícil alguém chegar ao seu ouvido.

A altura do Levy

"Na foto do espantoso novo ministério da Dilma que saiu nos jornais, destaca-se, além do vestido da Kátia Abreu, o tamanho do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ninguém, nem o Rossetto, chega aos seus ombros. O que não deixa de ser simbólico", escreve Luís Fernando Verissimo, escritor, na crônica publicada pelo jornal Zero Hora, 08-01-2015.
Segundo ele, "a altura de Levy tem outro significado: será difícil alguém chegar ao seu ouvido. Alguém preocupado com a incoerência de um governo do PT entregar-se tão despudoradamente a uma ortodoxia de efeito duvidoso. Alguém pedindo clemência para os programas sociais ameaçados, talvez a própria Dilma. Se não fosse esperar demais, até alguém pedindo para ele ler Krugman e Stiglitz de vez em quando. Mas o ouvido de Levy é inalcançável, à prova de palpites".
Eis o texto.
Paul Krugman e Joseph Stiglitz não são donos da verdade, mas são donos de um prêmio Nobel cada um. Os prêmios lhes dão uma respeitabilidade que eles não encontram entre seus pares economistas, pois são os dois mais notórios inimigos da atual ortodoxia – keynesianos nadando contra a corrente da maioria. Para Krugman eStiglitz, o receituário ortodoxo para vencer a crise mundial provocada pelo capital financeiro equivale a receitar gasolina para apagar incêndios. O sacrifício de gastos sociais e as outra formas de austeridade vendidas com o nome de fantasia de “responsabilidade fiscal” já provoca reações de consequências imprevisíveis na Europa. Só quem está gostando da irresponsabilidade social oficializada é o capital financeiro, que pariu a crise e ama a sua cria.
Na foto do espantoso novo ministério da Dilma que saiu nos jornais, destaca-se, além do vestido da Kátia Abreu, o tamanho do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ninguém, nem o Rossetto, chega aos seus ombros. O que não deixa de ser simbólico. Levy domina o grupo fotografado com sua altura como dominará o governo com suas medidas de, sim, responsabilidade fiscal e austeridade. E a altura de Levy tem outro significado: será difícil alguém chegar ao seu ouvido. Alguém preocupado com a incoerência de um governo do PT entregar-se tão despudoradamente a uma ortodoxia de efeito duvidoso. Alguém pedindo clemência para os programas sociais ameaçados, talvez a própria Dilma. Se não fosse esperar demais, até alguém pedindo para ele ler Krugman e Stiglitzde vez em quando. Mas o ouvido de Levy é inalcançável, à prova de palpites. Na própria foto, ele parece estar com a cabeça numa camada superior da atmosfera, respirando outro ar. Certamente não o mesmo ar do pastor Hilton, lá embaixo.
Imagino que o Joaquim Levy tenha lido o Thomas Piketty, nem que seja só por curiosidade. Piketty também nada contra a corrente. Se a questão maior para qualquer pessoa que não seja um verme moral é a questão da desigualdade crescente no mundo, Piketty prova que o capitalismo, do jeito que vai, só agravará o problema. Ele chama a pretensão de que uma economia de mercado sem regulação acabará por “elevar todos os barcos” e diminuir as desigualdades de “um conto de fadas”. Mas esse conto de fadas é o outro nome da ortodoxia econômica que querem nos impingir.

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