sexta-feira, maio 22, 2015

Desenvolvimentismo: Um modelo de exportação de commodities.

Amazônia: velhos e novos instrumentos de saque

"Hoje, a grande preocupação dos mandantes da Amazônia é a construção de mais e mais portos para acelerar o saque(...) Para incentivar este modelo de exportação de commodities, modernizam-se portos, constroem-se hidrelétricas e linhões que conduzem a energia rumo aos centros onde se articula a entrega da região ao poder multinacional". O comentário é de Egydio Schwade em artigo publicado por Cimi, 18-05-2015.
Egydio Schwade é um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do CIMI e vive na Amazônia.
Eis o artigo.
No inicio da invasão europeia, os índios eram tolerados porque os portugueses e espanhóis necessitavam deles para localizar as riquezas de seu interesse e como mão-de-obra para explorá-las. Mas, na medida em que o invasor foi criando os seus próprios instrumentos para localização e exploração das mesmas, foi dispensando os donos da casa e ficou agressivo, criando leis e instrumentos de dominação. Dentre as leis, a injusta lei da propriedade privada da terra é simplesmente arrasadora para os povos indígenas. A brutalidade contra os povos indígenas vem crescendo desde o início da colonização até hoje. No início atingia as comunidades enquanto retirava principalmente os homens das aldeias para escravizá-los aos interesses de exploração das riquezas descobertas e nas fazendas. No período moderno, uma classe desses descendentes europeus procura simplesmente despojar os povos indígenas de seus territórios tirando-lhes todas as condições de sobrevivência cultural e física.
Em meados do século XX, todos os rios já haviam sido explorados e foi preciso ir território adentro para descobrir e espoliar os últimos depósitos das riquezas amazônicas. Agora, os espoliadores já dispõe de todos os instrumentos, leis favoráveis, mapeamento das riquezas e maquinário para explorar o território, dispensando qualquer colaboração autóctone para transpor os obstáculos que se apresentam. Assim, todos os governos, ditatoriais e democráticos, começam a romper as florestas e o alto dos rios e igarapés como se fossem “vazios demográficos”. A entrega dos empreendimentos novos na Amazônia à empresas, ficções criadas pelo homem, e por isso sem consciência e sem responsabilidade, alivia, aparentemente, a ciência congênita ou consciência dos mandantes dos crimes atuais. E o almoxarifado da Amazônia começa a ser conhecido e saqueado em todas as suas dimensões: terra, rios, peixes, seixo, minerais, madeira, plantas medicinais, fontes energéticas. A gente que está aí “não existe mais”, e se existe não deveria existir, porque é apenas “estorvo do desenvolvimento”!
Zona Franca de Manaus, “vaca sagrada” dos governantes de hoje, foi um dos instrumentos modernos mais eficazes criados para desapropriar o povo amazônico. Em 1976 acompanhei o drama das populações indígena e seringueira do Acre quando a Ditadura Militar entregou os seringais à empresários sulistas, dispensando a mão-de-obra das famílias e comunidades ali existentes e pressionando-as a saírem sem rumo. Em longa caminhada entre o alto rio Purus e o Envira e na margem dos mesmos, encontrei famílias perplexas e sem destino. Tentei convencê-las sobre os seus direitos. No dia seguinte, o barquinho do “marreteiro” em que viajava foi cercado por jagunços dos novos donos do Seringal Califórnia, já transformado em fazenda.
Armados ameaçavam com xingamentos e apelavam para as novas leis criadas através da SUDAM para o (des)envolvimento da Amazônia. Dias depois, quando numa favela de Feijó formada por famílias seringueiras já expulsas, contava das frutas que havia comido na minha passagem por seringais abandonados por eles, todos caíram em pranto. Um ano depois, subindo outro rio, o Juruá, me defrontei com dezenas de canoas com tolda improvisada, descendo o rio rumo Manaus. O refúgio final de toda esta gente foi a Zona Franca de Manaus.  Ali, já despejados de seus direitos, ficaram meros ”invasores”. 90% dos bairros de Manaus foram criados por famílias despejadas do território da Amazônia. Vi as barracas desses “invasores” formando bairros como Compensa,AlvoradaFlores, até os mais recentes.
Muitos manauaras, descendentes dessas vítimas, que vivem hoje sobre o asfalto e o cimento e da “nova” educação imposta pelas autoridades, ainda não se deram conta a que serviu a Zona Franca, projeto espoliador dos direitos de seus pais e cremadora do seu futuro, achando que a sua expulsão do interior foi um benefício que as ditaduras lhes prestaram. Simultaneamente, com a Zona Franca, instalou-se por todo o território amazônico o agronegócio devastador da biodiversidade pela monocultura eurocêntrica e contaminadora do território mediante o uso de agrotóxicos.
As hidrelétricas começaram a barrar os rios. A população remanescente, já exígua, se tornou impotente para resistir à esses “monumentos da insanidade humana”: BalbinaBelo MonteJirauSanto Antonio. E hoje já são poucas as comunidades que dão respaldo aos Munduruku em sua resistência contra os projetos hidrelétricos ameaçadores do mais belo sistema fluvial do mundo: o Tapajós.
Mineradoras e garimpos ferem por toda a parte o ecossistema e agridem as leis do país, invadindo territórios indígenas e saqueando sem controle as riquezas minerais e ameaçando a gente que resiste em seus domínios. A propósito leia-se: “Mineração E Violações De Direitos: O Projeto Ferro Carajás S11D, DA VALE S.A. Relatório da Missão de Investigação e Incidência de Cristiane Faustino e Fabrina Furtado.” Nos apontem pelo menos um posto ou centro sério de controle mineral em toda a região amazônica?
Hoje, a grande preocupação dos mandantes da Amazônia é a construção de mais e mais portos para acelerar o saque. Estive há poucas semanas em Santarém, hoje um dos alvos principais, e constatei in loco, a virulência dos saqueadores para acelerar a construção de portos para a exportação de commodities: madeira, soja, minérios. E eles vêm do mundo inteiro. A Cargill já controla o principal porto da cidade. Mas, o mais ousado projeto é dos chineses que pretendem construir em Santarém, além de um porto, uma estrada de ferro Santarém-São Paulo. Desde o Império praticamente não se construiu mais nenhuma estrada de ferro de interesse do povo brasileiro: para sua locomoção e para transporte de seus produtos. Mas quando se trata de saquear a Amazônia, há dinheiro para tudo. Está aí a estrada de ferro Carajás-São Luiz de propriedade da Vale do Rio Doce, ex-estatal, praticamente doada pelo Governo FHC a donos privados.
Para incentivar este modelo de exportação de commodities, modernizam-se portos, constroem-se hidrelétricas e linhões que conduzem a energia rumo aos centros onde se articula a entrega da região ao poder multinacional. E toda essa modernização, apoiada pelas autoridades locais e distantes, só tem uma finalidade: agilizar o saque do almoxarifado Amazônia. Os interesses das grandes empresas vão prevalecendo com muito custo econômico para o país e sem os consequentes benefícios sociais. Todos estes empreendimentos são construídos sem consulta séria à população afetada, no caso, comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas e sem atender a proteção ambiental. Aos pobres atingidos por estes projetos, como ao povo do Antigo Testamento, em sua impotência, resta apenas pedir a maldição de Deus para as pessoas que comandam empresas iniquas e constroem obras da maldade.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), responsável pela autorização da atividade portuária, “70% da movimentação de embarcações na Amazônia hoje é para o transporte de minério de ferro, seguido dos produtos metalúrgicos e da soja”.
Em todo esse processo, de 1540 até hoje, uma coisa permanece constante: o perfil espoliador de todos os mandantes, dos colonos portugueses aos dirigentes atuais. Nada construíram realmente visando o povo local e regional. Suas cabeças continuam poluídas com o mesmo sentimento da Família Real Portuguesa: saquear, saquear, exportar e exportar. Veja a mais recente descoberta. O Governador do Amazonas José Melo descobriu que a água da Amazônia também pode servir como mercadoria de exportação. Enquanto isto, o seixo dos rios, necessário para a sobrevivência da vida subaquática foi espoliado para a construção dos arranha-céus da Zona Franca de Manaus. E a alimentação, fácil e sadia, das comunidades amazônicas vai desaparecendo. Nos últimos 40 anos o peixe diminuiu em tamanho e quantidade. Da mesma forma as florestas. As deliciosas frutas restantes na floresta devastada que antes alegravam grandes e pequenos e eram acessíveis, sem dinheiro, agora viraram mercadoria, sumindo paulatinamente da mesa do povo empobrecido da Amazônia.

quarta-feira, maio 20, 2015

"megaempreendimentos para viabilizar o estúpido crescimento econômico custe o que custar"

Negócio da China de ‘obrar’ aqui é um risco desgraçado, artigo de Beatriz Carvalho Diniz

Publicado em maio 20, 2015 por 
Foto de Beatriz Carvalho Diniz
 [EcoDebate] A China quer construir uma estrada de ferro através da floresta amazônica. O percurso proposto é de 5.300 quilômetros no Brasil e Peru, começando perto do Porto do Açu, no estado do Rio de Janeiro, passando por Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre. A ferrovia cortaria florestas de maior biodiversidade no mundo, ligando a costa atlântica brasileira com a costa peruana do Pacífico, para reduzir custos de transporte de petróleo, minério de ferro, soja e outras commodities que a China importa. É de chorar de joelhos só de pensar no insustentável modo chinês de obrar seus megaempreendimentos para viabilizar o estúpido crescimento econômico custe o que custar.
Os prováveis impactos sobre o meio ambiente, populações tradicionais e indígenas são fortemente preocupantes. Não podemos ser pegos de surpresa já com a decisão tomada pelas ôtoridades, em nome de todos os brasileiros, de fechar esse negócio da China. A natureza não tem fronteiras, um grande estrago feito aqui tem consequências mundo afora, e estamos no momento mais grave que a humanidade já enfrentou exatamente porque extrapolamos limites. Todos precisamos de florestas em pé, para captura de carbono, para manter fontes de água doce, para regular o clima globalmente.
A informação que o ministério das Relações Exteriores divulgou é que a China fará no Brasil investimentos de aproximadamente 50 bilhões de dólares. Parece ótimo, né? Só que não necessariamente. Tanto pelos problemas ambientais e sociais que a construção e a operação da ferrovia devem gerar, quanto pela governança frouxa que marca as construções gigantescas por aqui [licenciamentos contestados, condicionantes não cumpridas], causa insegurança jurídica [suspensão de licenças, paralisação de obras] e faz de obras atrasadas oportunidade de “tirar vantagem”[aditamentos de contratos, aumento de preços].
Precisamos saber mais. O primeiro ministro chinês Li Keqiang, em turnê por países da América Latina, incluindo Brasil [18 e 19/05], traz para a região um plano com vários projetos pesados de infraestrutura. Um canal na Nicarágua, uma estrada de ferro na Colômbia, essa monstruosa ligação Brasil/Peru. De acordo com o jornal inglês The Guardian, o investimento chinês na América Latina deve sair do Banco de Desenvolvimento da China. As obras seriam executadas por empresas locais e chinesas. E o interesse da China é também criar negócios para suas empresas siderúrgicas e de engenharia atingidas pela desaceleração da economia por lá.
Os chineses são colecionadores de degradações do meio ambiente, poluidores número 1 no planeta. Muito espertos, querem garantir o crescimento econômico lá às custas do meio ambiente e da qualidade de vida aqui. Os desafios logísticos dão a dimensão da grandeza dos impactos, como construir por entre florestas densas, pântanos, deserto, montanhas e áreas em que há conflitos, traficantes de drogas, madeireiros, mineradores. É a velha “estratégia” de europeus e norte-americanos lidarem com países “pobres” na versão BRICS.
O presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang, nem disfarça: “O quintal dos Estados Unidos está se transformando no da China. E não só o Brasil, mas toda a América Latina”. Ui, é de doer… Ainda mais doído é o modo distorcido de exaltar a presença chinesa no Brasil. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, espera que nosso país possa se tornar uma plataforma de produção local de bens industriais chineses. Que futuro próspero, hein, produzir bugigangas e vender aqui mesmo para os chineses faturarem.
Grande demais para passar despercebido, o projeto de construção da estrada de ferro Brasil/Peru é avaliado como tremendamente controverso pela diretora da Iniciativa para o Investimento Sustentável América China-América Latina, Paulina Garzón. Ela alerta para os erros do passado, de desconsiderar estudos de impacto ambiental e consultas à população local, e sugere que seria inteligente estabelecer um processo robusto de diálogo com stakeholders desde o início, pois é possível que a ferrovia seja o centro das atenções das organizações da sociedade civil da América Latina.
O título da matéria do The Guardian diz tudo: China’s Amazonian railway ‘threatens uncontacted tribes’ and the rainforest ou em tradução livre Ferrovia amazônica da China ameaça tribos isoladas e a floresta tropical. Aliás, nela foram citadas as obras da Transamazônica, de Belo Monte e de Carajás como exemplos da pouca preocupação com os impactos sobre o meio ambiente e as pessoas em empreendimentos brasileiros de infraestrutura. E do jeitinho como é “vantajoso” obrar por aqui, capaz do BNDES financiar o aparentemente lindo investimento chinês com todo apoio dos governos federal e estaduais e do congresso. Vamos mesmo chancelar mais esse “negócio da China” no Brasil?
Leia a matéria do The Guardian China’s Amazonian railway ‘threatens uncontacted tribes’ and the rainforest http://www.theguardian.com/world/2015/may/16/amazon-china-railway-plan?utm_medium=twitter&utm_source=dlvr.it
Veja o pouco que nos informa o Subsecretário-geral de Política do ministério das Relações Exteriores embaixador José Graça Lima, encarregado do Itamaraty sobre as relações com a Ásia e a Oceania, no G1 { http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/05/china-investira-us-50-bilhoes-no-brasil-diz-itamaraty.html
Saiba mais sobre a “promessa” da China que o governo brasileiro acha que é milagrosa {https://br.noticias.yahoo.com/primeiro-ministro-chin%C3%AAs-chega-ao-brasil-pacote-investimentos-195033074–business.html
E, mais recente, leiam, ainda, a matéria 1Brasil e China vão construir ferrovia do Atlântico ao Pacífico1
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-05/brasil-e-china-vao-construir-ferrovia-que-ligara-brasil-ao-pacifico
Beatriz Carvalho Diniz é Consultora de Comunicação e Sustentabilidade. Criativa de Eco Lógico Sustentabilidade, conteúdo produzido com amor, sem fins lucrativos, desde 2009.
Publicado no Portal EcoDebate, 20/05/2015

o ódio ao outro se estabelece em nossa sociedade no âmbito do extermínio da própria política

Blog da Marcia Tiburi

Como Conversar com um Fascista?

Sobre um desafio teórico-prático.
O genocídio indígena, o massacre racista e classista contra jovens negros e pobres nas periferias das grandes cidades, a homofobia, o feminicídio, a manipulação das crianças, em poucas palavras, o ódio ao outro se estabelece em nossa sociedade no âmbito do extermínio da própria política. Sabemos que é preciso exterminar a política para que o capitalismo selvagem (tendencialmente, sempre selvagem) se mantenha. É preciso exterminar o desejo de democracia pelo autoritarismo efetivado na prática diária. Para exterminá-la é preciso que o povo a odeie e é isso o que o autoritarismo é e faz.
O autoritarismo é um modo de exercer o poder, mas é também um ideário, uma espécie de regime de conhecimento. Como visão de mundo, ele é fechado ao outro. Ele opera pelo discurso e pela prática sempre bem engrenadas que se organizam ao modo de uma grande falácia, ao modo de um imperativo de alto impacto performativo: o outro não existe e se existe deve ser eliminado. Ora, dizemos regime de conhecimento pensando na operação mental da negação do outro, mas o conhecimento como gesto na direção do outro é justamente o que é destruído pelo autoritarismo que se basta com máscara sem rosto do conhecimento transformado em ideologia, ou seja, em ofuscamento da verdade social.
Tudo o que não presta
Nada do que possamos chamar de conhecimento pode ser concebido fora do seu registro ético-político.  Se o registro do conhecimento funciona pela negação do outro, ele nega a si mesmo. Sem o outro, o conhecimento morre. O enrijecimento é uma prova da morte do conhecimento que se torna cegueira ideológica. A ideologia é a redução do conhecimento à fachada, como que sua máscara mortuária. O conhecimento, que deveria ser um processo de encontro e disposição para a alteridade que o representa, sucumbe à sua própria negação. Daí a impressão que temos de que uma personalidade autoritária é também burra, pois ela não consegue entender o outro e nada que esteja em seu circuito.
A propaganda é o método que a sustenta a negação do outro. A propaganda fascista, a propaganda do ódio, que prega a intolerância, que afirma coisas tão estarrecedoras, como fez o famoso deputado Heinze  ao dizer que “quilombolas, índios, gays, lésbicas”, são “tudo o que não presta” é a destruição do conhecimento, como relação com o outro, que está na base do desejo de democracia. Autoafirmação de ignorância, assinatura da estupidez. Mas é, ao mesmo tempo, a destruição da política por um discurso antipolítico de um agente que deveria ser político, mas que está voltado para o instinto de morte antipolítico.
Em casos como o desse discurso podemos falar em uma prática discursiva “tanática”, exemplo perfeito da “tanatopolítica” contemporânea. Típico discurso fascista. Mas a quem esse discurso convence? Eis uma questão que precisamos nos colocar até para poder combater esse discurso ou para criar alternativas para a sobrevivência de uma política democrática, para uma política melhor, para um poder da diferença, um poder compreensivo que acolha a tradição dos oprimidos. Quem fala o que fala, sem nenhuma responsabilidade, por um lado deve ser legalmente questionado, por outro, é preciso colocar em jogo a questão das condições de possibilidade que, na cultura, fazem surgir falas como essa. Como alguém pode se autorizar ao discurso fascista que é fomentado por sua propaganda? De outro, quem é suscetível à propaganda? Se a propaganda fascista que é um tipo de discurso – e uma verdadeira metodologia de alienação social – continuar vencendo, não teremos futuro. Em que direção devemos agir diante desse estado de coisas?
Experimentum Crucis
É neste contexto que podemos nos colocar a questão da qual proponho que façamos um “experimentum crucis” teórico-prático: como conversar com um fascista? Digo isso pensando que podemos avançar para além do discurso da denúncia e da queixa. Quem se sente atacado nem sempre deve contentar-se com a posição de vítima. Colocar-se na posição de vítima é um perigo e é muito diferente de ser sujeito de direitos. É uma péssima estratégia em tempos em que o poder está em mãos perversas que adoram imolar vítimas no altar do Estado e do Capital. A vítima, dizia um sábio alemão que lutou contra o fascismo, sempre desperta o desejo de proscrever. Empoderamento é a saída. Contra a posição da vítima, podemos pensar na posição do guerreiro sutil, aquele que desafia o poder desde a sua interioridade, desde seu núcleo duro, para desmontá-lo estrategicamente. Neste ponto, em bases sutilíssimas, podemos falar de diálogo e a questão “como conversar com um fascista?” se torna um emblema do desafio democrático.
Quem luta por direitos sabe que a conversar é impossível. Mas da possibilidade de perfurar a blindagem fascista depende o recuo do fascismo infelizmente a cada dia renovado pelo fomento da propaganda fascista dos políticos antipolíticos e dos meios de comunicação de massa. O diálogo é, neste caso, a “metodologia democrática” básica que poderia operar em situações privadas ou públicas. Ele parece impotente diante do ódio. Ele parece delicado demais. Mas o diálogo em si mesmo é um desafio. Um desafio micropolítico, cuja colocação em cena pode nos ajudar a pensar no que fazer, no como agir em escala macropolítica. Estamos no terreno de uma estratégia teórico-prática. Esse desafio tem três tempos:
1-    o tempo do outro, tempo apavorante enquanto o outro é sempre o desconhecido, aquele que ameaça em algum sentido a “minha” ordem;
2-    o tempo da abertura de si que implica perceber-se como um outro, o que só se dá ao nível do imaginário e do discernimento, pois jamais teremos acesso ao sentir e pensar do outro, assim como ele não terá do nosso, senão pela exposição cuidadosa do que sentimentos e pensamos;
3-    o tempo interminável, a saber, o da permanência na experiência do diálogo, ou seja, a manutenção qualificada da metodologia. Em outras palavras, permanecer no lugar do diálogo como insistência no encontro. Não ceder ao ódio, permanecer tentando entender e, ao mesmo tempo, oferecer certo desentendimento como oportunidade ao outro de entender a diferença. Nesse sentido, o diálogo é resistência.
O diálogo não é a conversa entre iguais, não é apenas uma fala complementar, mas a conversa real e concreta entre diferenças que evoluem na busca do conhecimento e da ação que dele deriva.
Para que o diálogo ocorra é preciso haver isso que chamamos de abertura ao outro. A abertura existe na mentalidade democrática, ela está aberta ao outro em função de experiências cognitivas e culturais. Não existe no caso de uma personalidade autoritária que está fechada ao outro, também por motivos cognitivos e culturais, motivos que incidem na formação da experiência pessoal e coletiva. A conversa com a alteridade que vai além dos argumentos tem um ponto decisivo no âmbito afetivo. Não do sentimento, apenas, mas do modo como nos “afetamos”, no sentido do que fazemos uns com os outros. Se o democrata está aberto ao outro, seu grande desafio pode ser mostrar como produzir essa abertura ao outro em nossa sociedade. Daí o sentido crucial do lema “como conversar com um fascista?” que se torna, na contramão, um imperativo experimental democrático que precisa ser antecipado na conduta de quem quer produzir democracia hoje.
Não podemos apenas nos queixar que essa abertura não existe, mas pensar em como deve ser produzida. Em outras palavras, a questão pode ser a de como apresentar a experiência do outro a quem ainda não o concebeu? Penso nesse caso, em uma didático-política e em uma estético-política. Infelizmente, não temos as instituições convencionais agindo nessa direção. As instituições negam o outro. Precisamos, portanto, mudar as instituições, ou criar instituições capazes de contemplar o outro.
Sabemos que nossos povos nativos eram e são abertos ao outro, assim como sabemos que o colonizadores não eram e que os “ruralistas” de hoje não são. Sabemos que os machistas e sexistas, que os exploradores e manipuladores em geral, também não são. Na base de todos eles está o princípio do fascismo como ódio aos diferentes. Os diferentes que devem ser excluídos. O fascismo produz opressão de um lado, de outro, seduz para a forma autoritária de viver garantindo aos que vivem esvaziados de pensamento, ação e afeto, que o mundo está bem como está. O fascismo cancela, ao nível do discurso exposto nas mídias, nos púlpitos e palanques que constroem opiniões públicas e mentalidades coletivas, a chance de pensar no que estamos fazendo uns com os outros que poderia nos garantir uma vida mais prazerosa. Precisamos revitalizar esta pergunta como pergunta coletiva capaz de orientar nosso diálogo. O fascismo também colonizou os prazeres pelo estético-moralismo que é o consumismo ao qual foi reduzida a antiga e emancipatória categoria ética da felicidade.  Mas não devemos aderir a isso só porque as coisas se apresentam assim hoje.
Treino para o ódio
Dizemos há séculos “o poder corrompe” como se tivéssemos sido treinados para essa citação formal, sem que saibamos muito sobre seu conteúdo. Assim como muitos dizem “tudo o que não presta” imitando uns aos outros no gesto espetacular de falar por falar. A fala por imitação se funda na citação. O autoritarismo é “citacionalista”. Repete ideias lançadas no âmbito da propaganda fascista, ela mesma viciosa e repetitiva. O autoritarismo depende da sua repetibilidade, pois ele é uma máquina de produção de subjetividade pelo discurso. Daí a importância da falação odiosa. Não pensamos no que dizemos. Para entender o conteúdo do que dizemos precisamos entender a forma com que dizemos. E isso é muito complicado. O diálogo é mais ainda por que não nos ocupamos em prestar atenção no que pode ser um diálogo, ele mesmo um modo de conversar cheio de potências. Não fazemos a sua experiência na microfísica do cotidiano que poderia nos dizer algo sobre nossa potência de transformação em termos macrofísicos.  Precisaríamos pensar mais, é verdade, mas vivemos no vazio do pensamento, ao qual podemos acrescentar o vazio da ação e o vazio do sentimento.
Atualmente, como em todas as épocas em que o autoritarismo é a prática de extermínio da política, os cidadãos são chamados diariamente ao treinamento do ódio. Sabemos que nenhum afeto é totalmente espontâneo, que nenhum sentimento é natural. O treino para o amor ou para o ódio se dá pela repetição dos discursos. É preciso repetir e aderir, copiar, imitar. Falar por falar. Repetir o que se diz na televisão e nos meios de comunicação. Ficar muito tempo ouvindo a mesma coisa para dize-la de qualquer jeito. Ou dizer sem sequer saber o que se diz. No gesto do mero “compartilhar” sem ler que se tornou fácil (tanto quanto o “comprar com um clique” pela internet) sabemos que estamos na mera reprodutibilidade da informação que nada quer dizer. Fugimos do pensamento analítico. Fugimos do discernimento que ele exige.
Ora, a fuga do pensamento produz o seu vazio. Ela o retroalimenta. Só a interrupção do círculo vicioso do pensamento vazio é capaz de mudar o rumo autodestrutivo nos âmbitos micro e macropolíticos. O ódio é o afeto capitalista que fomenta a morte diabólica do diálogo. Política é produção simbólica. É sinônimo de democracia como laço amoroso entre pessoas que podem falar e se escutar não porque sejam iguais, mas porque deixaram de lado suas carapaças arcaicas e quebraram o muro de cimento onde suas subjetividades estão enterradas.
A política como perfuração de muros ideológicos depende da persistência da resistência. Depende de aprendermos o que pode ser um diálogo enquanto guerrilha metodológica que precisa ser mais forte do que o ódio nesse momento. Não acabaremos com o ódio pregando o amor, mas agindo em nome de um diálogo que não apenas mostre que o ódio é impotente, mas que o torne impotente.
Então precisamos começar a conversar de um outro modo, mesmo que pareça impossível.

sexta-feira, maio 15, 2015

A minha visão é pessimista porque existem desajustes de natureza macro

'Crise da economia brasileira tem mais de 30 anos'

Para Wilson Cano, docente da Unicamp, a indústria brasileira
perdeu competitividade com a adoção da política neoliberal a
partir dos anos 1990.


Caio Zinet
O Brasil cresce mal desde meados dos anos 1980, a avaliação é do professor do Instituto de Economia da Unicamp, Wilson Cano. Para o docente, a indústria de transformação perdeu peso na composição da riqueza do país nos últimos 30 anos em decorrência da crise anos 1980 e da adoção de políticas neoliberais que diminuíram a autonomia do Estado brasileiro no manejo da política econômica.

“A crise dos anos 1980 pegou pesado o Brasil porque perdemos o rumo da história e deixamos de pensar no longo prazo. A crise fiscal e financeira do Estado foi de tal profundidade que nos desestruturou fiscal e financeiramente. Nossa crise tem mais de 30 anos, não é uma crise que começou há 2 ou 3 trimestres. É uma crise estrutural que nos fez chegar no ponto em que estamos”, afirmou o professor durante debate organizado pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA).

Durante a década de 1980, os Estados Unidos elevaram a taxa de juros dos seus títulos de dívida pública. A maior taxa de retorno garantida pelo governo americano atraiu a atenção de diversos investidores no mundo que deixaram de alocar seus recursos em outros países.

Como efeito, a taxa de câmbio brasileira se apreciou, o que diminuiu a capacidade de competição das exportações da indústria. Paralelamente a esse processo, o neoliberalismo se tornou uma política hegemônica no mundo com a desregulamentação do mercado financeiro, a abertura comercial das economias nacionais e as privatizações de empresas públicas.

“Nos anos 1990 nós tivemos a introdução do regime de política econômica neoliberal no Brasil que teve um resultado desastroso. Queimamos entre 1995 e 2001, a bagatela de US$ 200 bilhões nas nossas contas externas o que mais que dobrou a nossa dívida externa. Crescemos um pouco mais do que nos anos 1980, contudo, os nossos indicadores macroeconômicos atingiram níveis cruéis principalmente porque afetaram uma coisa absolutamente fundamental na economia, em especial no capitalismo, que é a taxa de investimento e nós de lá para cá não recuperamos os nossos níveis de investimento médio”, afirmou Cano.

Como parte da política neoliberal, o Brasil assinou uma série de compromissos internacionais que para o Cano tiraram a autonomia do país em manejar sua taxa de juros e de câmbio, fatores essenciais para garantir a competitividade e o desenvolvimento da indústria nacional.

“O Brasil pode crescer mais? Eu diria que não se nos mantivermos atados a essa circunstância estrutural da ordem neoliberal. Simplesmente porque o país não tem como manejar a política de comércio exterior porque assinou acordos e termos com a Organização Mundial do Comércio (OMC), com Basileia, e prometeu manter a taxa de juros dita necessária”, afirmou.

“Diante desses compromissos é impossível a qualquer dirigente nacional formular um plano nacional de desenvolvimento econômico. Eles serão um grande embusteio se disserem que mantidas essas condições externas e internas vão poder manipular a taxa de investimento e fazer com que a economia volte a crescer a taxas elevadas porque não pode. Não pode porque o Estado não controla nem a taxa de juros, nem o câmbio”, completou o docente da Unicamp.

Para o professor, os governos petistas adotaram políticas importantes e “corajosas” de combate à desigualdade tais como o bolsa família e a politica de valorização do salário mínimo. Apesar disso, a economia continuou a ser regida pelos cânones do neoliberalismo.

“Tivemos uma série de outras atitudes de ampliação de direitos sociais, tivemos mais fiscalização do Ministério do Trabalho que é responsável por um pedaço do aumento da formalização do emprego. Mas nos mantivemos dentro dos cânones centrais da ordem neoliberal: abertura comercial e a desregulamentação financeira. Essas são as duas questões chaves da política macroeconômica neoliberal”, concluiu Cano.

Indústria

A indústria brasileira foi a que mais sentiu os impactos das políticas neoliberais adotadas nos últimos 30 anos isso porque um dos principais efeitos dessa política foi a apreciação da moeda brasileira ante o dólar norte-americano.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a participação da indústria de transformação no PIB cresceu vertiginosamente entre 1947 e 1985 saltando de 11,8% para 27,2%.

Nos últimos 30 anos, entretanto, a indústria de transformação perdeu significativamente sua importância para a economia brasileira voltando quase ao patamar de 1947. Atualmente o setor responde por apenas 13% da riqueza gerada no país.

Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Luis Oreiro, a apreciação cambial é o principal fator que explica a queda da importância da indústria para a economia brasileira. Isso porque uma moeda local forte torna as exportações menos competitivas e permite a entrada de importados a um preço mais barato.

Ele chama atenção para o fato do crescimento da demanda por produtos nos últimos anos ter sido atendida em grande medida por indústrias de outros países em um processo que ele chama de “substituição de importação às avessas”.

“De 2006 a 2013, o coeficiente de penetração das importações passa de cerca de 13% para quase 22% no último trimestre de 2013. Isso nos mostra que ocorreu no Brasil uma espécie de substituição de importações às avessas, ou seja, estamos substituindo produção doméstica por importações”, afirmou.

Para o professor Wilson Cano, a perda de importância da indústria no PIB nacional é preocupante porque o segmento é um importante dinamizador de outros setores porque gera um progresso técnico que pode ser apropriado por outros segmentos da sociedade.

“Na história do mundo só se desenvolveram países que tiveram dois propósitos fundamentais. Primeiro fazer uma profunda transformação do Estado nacional e através dessa transformação conduzir a política econômica no rumo do desenvolvimento. A segunda questão é que esse desenvolvimento quase que se pode traduzir em industrialização porque o progresso técnico está na indústria e não em serviços ou em agricultura”, afirmou.

Para ele, o desenvolvimento da indústria tem impactos diretos sobre os outros setores porque a tecnologia desenvolvida pela e para a indústria acaba sendo utilizado por outros setores como serviços e agricultura.

“A introjeção de progresso técnico na indústria não tem como beneficiário único e exclusivo a indústria, pelo contrário. Foi pela industrialização que a Inglaterra no século XIX pode modernizar toda a sua agricultura mecanizando o campo graça aos avanços que houve no processo de industrialização”, analisou Cano.

Estado desestruturado

Para o professor de economia da FEA-USP, Roberto Vermulm, a recuperação da indústria passa pela adoção de uma série de medidas macroeconômicas, mas também de políticas micro voltadas para atender segmentos específicos da indústria priorizando o desenvolvimento de setores com mais tecnologia.

“Toda política industrial é por definição setorial porque os padrões de concorrência, de desenvolvimento tecnológico são diferenciados. A política industrial não pode ser a mesma para todos os setores e mais do que isso ela também tem hierarquia. Existem setores mais importantes que outros. Não vou dizer que uma indústria eletrônica tenha a mesma importância numa política de desenvolvimento do que uma que é receptora de progresso técnico como a têxtil”, afirmou.

O docente acredita que o Estado tem um papel crucial para fazer a indústria recuperar sua força. Ele, entretanto, não está otimista porque acredita que o desmonte do Estado promovido ao longo dos últimos 30 anos tirou parte da capacidade de atuação.

“A minha visão é pessimista porque existem desajustes de natureza macro, que é condição necessária, mas não suficiente para retomada do desenvolvimento industrial. Nesse momento o estado seria fundamental, mas ele não está preparado, o Estado está desestruturado. Repensar o futuro implica em um reposicionamento político e institucional”, afirmou.

"muitos governantes ainda não dão prioridade à erradicação da fome"

'Agricultura atual não é sustentável', afirma
diretor-geral da FAO

"Cultivar e preservar". Esse terá de ser o modelo da agricultura nos próximos anos, o que exigirá uma mudança profunda nos modelos de produção. A afirmação é do brasileiro José Graziano da Silva, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que deixa claro que, hoje, o campo "não é sustentável". Candidato à reeleição em meados do ano, Graziano promoveu uma reforma interna na entidade e recolocou aerradicação da fome como sua prioridade. Mas insiste que o desafio ambiental será uma exigência.
A entrevista é de Jamil Chade, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 14-05-2015.
Eis a entrevista.
Qual o motivo de a fome no mundo ainda atingir mais de 800 milhões de pessoas?
Por falta de vontade política. Infelizmente, muitos governantes ainda não dão prioridade à erradicação da fome e da miséria. Mas as coisas estão melhorando. Em primeiro lugar, é preciso dizer que a tendência da fome no mundo é de queda. De 1990 até 2014, o número absoluto de pessoas subalimentadas caiu de 1,015 bilhão para 805 milhões. Freamos o crescimento e reduzimos o total. A proporção de pessoas com fome também caiu cerca de 40% nesse mesmo período, de 19% para 11%.
E por que a fome continua?
Diversos fatores explicam a persistência da fome. O principal é a falta de acesso adequado a alimentos. Significa dizer que, no geral, não falta comida: faltam recursos às famílias pobres para produzi-la ou comprá-la. Daí a importância de medidas que favoreçam o acesso - caso do Bolsa Família e da alimentação escolar - e que deem aos agricultores familiares crédito, assistência e a acesso à terra.
Então não existe de fato uma falta de alimentos no mundo?
No nível agregado, não. Nos últimos 70 anos, a população mundial triplicou, mas a oferta per capita de comida aumentou em 40%. Tivemos um aumento significativo da produção a partir dos anos 70 graças à Revolução Verde, à introdução de sementes de trigo e arroz melhoradas e ao uso intensivo de insumos e recursos naturais. No ano passado o Papa Francisco esteve na FAO e lembrou como, em 1992, o então Papa João Paulo II já falava no "paradoxo da abundância": de um lado, alimentos suficientes; do outro, persistência da fome. O paradoxo segue.
O modelo agrícola atual é sustentável em termos ambientais?
Não, não é. Somos herdeiros da Revolução Verde, que intensificou o uso de insumos químicos e maquinário. Não podemos esquecer que a Revolução Verde ajudou a salvar a vida de centenas de milhões de pessoas no sudeste asiático, quando a fome era uma calamidade decorrente da falta de alimentos. Isso não pode ser minimizado. No entanto, o uso intensivo de recursos naturais também contribuiu para o avanço do desmatamento, a degradação de solos, a contaminação da água e a perda de biodiversidade e de recursos genéticos. Esses fatores mostram, claramente, os limites desse paradigma.
Que tipo de reformas deveria ocorrer no modelo agrícola para garantir sustentabilidade?
Hoje, não basta produzir alimentos, é preciso fazê-lo conciliando produtividade com sustentabilidade, resiliência às mudanças climáticas e inclusão social. Esses são os alicerces da agenda do desenvolvimento sustentável no século XXI. Não há um caminho único a seguir.
Muito se falou que o Brasil poderia ganhar com a agricultura. Mas os preços de commodities tiveram uma queda enorme. O Brasil precisaria pensar em um novo modelo agrícola?
O Brasil ganha com a agricultura. Ela é um dos motores de crescimento do País. A próxima safra de grãos deve atingir a marca histórica de 200 milhões de toneladas. Segundo dados do Ministério da Agricultura, o saldo da balança comercial agropecuária está na casa dos US$ 80 bilhões desde 2011. E, embora os preços das commodities agrícolas estejam em queda, eles subiram muito entre 2000 e 2011 e seguem acima da média histórica. As previsões de médio prazo indicam que isso deve continuar. A valorização do dólar frente ao real também favorece as exportações brasileiras. Além disso, a demanda mundial por alimentos continuará crescendo: segundo as previsões da FAOo planeta terá de produzir 60% mais de alimentos para alimentar a população em 2050. O Brasil ganhou mercados e liderança internacional na área de agricultura. Não devemos abrir mão desse espaço.
E quais são os desafios ?
O desafio agora - do Brasil e do mundo - é aumentar a sustentabilidade desse entrelaçamento e alavancar a produtividade dos pequenos produtores, além da logística de escoamento. É um desafio mundial, mas o Brasil, por estar na frente em esferas técnicas e sociais, tem muito a contribuir - já está contribuindo. Somos referência em agricultura tropical. Inúmeras tecnologias e variedades desenvolvidas pela Embrapa como plantio direto, integração lavoura-pecuária e sementes melhoradas estão sendo adaptadas e transferidas a outros países.
O sr. é candidato único à reeleição na FAO. Quais seriam as prioridades para um segundo mandato?
O desafio é consolidar o processo de transformação que está em curso. Vamos no caminho certo. Ao mesmo tempo, vamos aprimorando nossa forma de trabalhar. Essas não são questões meramente internas. Esse conjunto permitirá à FAO dar uma contribuição mais decisiva para superar os desafios do nosso tempo. O ano de 2015 é chave para isso. Marca o fim dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e o início da era dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em 2015, a FAO também comemora seu 70.º aniversário. Nos seus primeiros 70 anos, a FAO deu uma contribuição importante ao aumento da produção agrícola no mundo. Agora, queremos erradicar a fome. E acredito que o mundo está pronto para assumir esse compromisso.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/542603-agricultura-atual-nao-e-sustentavel-


PARA LER MAIS:


  • 15/04/2015 - Agricultura familiar deverá ter plano com mais recursos
  • 07/05/2014 - "Alimentação não é questão de caridade ou de assistência social", afirma dom Morelli
  • 05/05/2014 - "Erradicar a fome não é uma opção, é uma necessidade imperiosa, se queremos ter um futuro". Entrevista especial com José Esquinas-Alcázar
  • 08/05/2014 - FAO projeta mudanças no comércio de alimentos
  • 26/05/2014 - Na FAO, Graziano aposta em políticas adotadas no Brasil
  • 24/02/2014 - Para chefe da FAO, compra de terras ameaça soberania de países africanos
  • 25/02/2015 - ‘Aumento na produção agrícola mundial não é sinônimo de fim da fome’, afirma FAO
  • 25/02/2014 - O cerco contra a fome
  • 09/05/2014 - FAO: mudanças climáticas desafiam políticas de combate à fome
  • 02/02/2015 - Falta d'água ameaça segurança alimentar no Brasil, diz chefe da FAO

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  • Desperdício e perda de alimentos. revista IHU On-Line, Nº. 452
  • Alimento e nutrição no contexto dos Objetivos do Milênio. Revista IHU On-Line, N°. 442
  • quarta-feira, maio 13, 2015

    Belo Monte, Altamira: indígenas enfrentam uma explosão da extração de madeira ilegal em suas terras


    Terras indígenas no arredor de Belo Monte sofrem com roubo milionário de madeira

    Publicado em maio 13, 2015 por 
    desmatamento
    Foto de arquivo
     Enquanto a construção da polêmica usina de Belo Monte passa por sua fase final, indígenas vizinhos ao empreendimento enfrentam uma explosão da extração de madeira ilegal em suas terras.
    É o que denunciam o Ministério Público Federal (MPF) e ONGs que atuam na região do em torno de Altamira, no Pará.
    Para estas instituições, as obras da usina – a terceira maior hidrelétrica no mundo – estão diretamente ligadas ao aumento da degradação, devido ao forte crescimento populacional que provocaram na área.
    A situação é mais grave na Cachoeira Seca, terra indígena do povo Arara já reconhecida pela Funai (Fundação Nacional do Índio), mas que aguarda por homologação do Ministério da Justiça. A própria Funai reconhece que o quadro é crítico em um relatório de março ao qual a BBC Brasil teve acesso.
    A reportagem é de Mariana Schreiber, publicada por BBC Brasil, 11-05-2015.
    O Instituto Socioambiental (ISA) faz uma estimativa, segundo a entidade, “conservadora”, de que o equivalente a R$ 400 milhões em madeira teriam sido roubados dessa terra indígena apenas em 2014 – são ipês, jatobás e angelim-vermelhos, cujo mercado principal costuma ser as indústrias no Sul e Sudeste do país.
    O ISA acredita que o aumento da extração estaria atendendo também a uma crescente demanda em Altamira, cidade cuja população saltou 50% após Belo Monte, para 150 mil pessoas.
    Desde 2011, a organização monitora a degradação da área, combinando análises de imagens de satélite, trabalho de campo e sobrevoos de fiscalização.
    A estimativa é de que a área explorada ilegalmente por madeireiros dentro da Cachoeira Seca mais do que dobrou, passando de 4.700 hectares em 2013 para 13.390 hectares em 2014 ? equivalente a 1.080 estádios Maracanã, no Rio de Janeiro.
    O território total da Cachoeira Seca é de 733,7 mil hectares e equivale a quase cinco vezes a cidade de São Paulo.
    Apenas no ano passado, o ISA calcula que mais de 700 km de estrada foram abertos na terra indígena, de modo que os madeireiros estão hoje a apenas 30 km da aldeia Iriri, base dos Arara.
    “Atualmente, a situação está descontrolada. Já tem cinco anos que estou na região. Antigamente, os caminhões de madeira só andavam à noite. Agora é dia e noite”, afirma Juan Doblas Pietro, analista de geoprocessamento do ISA.
    Cachoeira Seca é considerada uma região de conflito interétnico – apesar de a Funai ter declarado a área como terra indígena, centenas de não indígenas (pequenos produtores rurais, fazendeiros e ribeirinho) ainda vivem ali. A retirada desses grupos deveria ter sido realizada até 2011 e é uma das exigências legais para que Belo Monte possa começar a operar. Até hoje, porém, o governo pouco avançou nesse processo.
    A Funai já alertava para o risco de aumento da degradação das terras indígenas na região antes do início das obras.
    Em outubro de 2009, a instituição emitiu um parecer favorável ao empreendimento, mas ressaltou que ele seria viável apenas se fossem cumpridas as condicionantes detalhadas no documento ? medidas para reduzir os impactos socioambientais de Belo Monte.
    No caso de Cachoeira Seca, o parecer projetava impacto de “maior gravidade” para a extração de madeira ilegal na região.
    Com objetivo de evitar que os efeitos negativos esperados se concretizassem, o governo federal deveria retirar os não indígenas e homologar a terra dos Arara antes do início das obras, em 2011.
    Já a Norte Energia deveria ter construído um sistema de proteção com 21 postos e bases de vigilância em 11 terras indígenas afetadas, além de contratar 112 funcionários para os mesmos.
    Até hoje, nenhuma dessas condicionantes foi cumprida. Mesmo assim, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) concedeu a licença de instalação para início das obras em 2011.
    A BBC Brasil teve acesso a um relatório encaminhado em março deste ano pela Funai para o MPF do Pará. Nele, o órgão faz uma diagnóstico da situação atual dos Arara.
    O documento afirma que, “desde 2010, a pressão de invasores e a disputa por recursos naturais nas imediações da Terra Indígena Cachoeira Seca têm se intensificado devido ao aumento populacional ocorrido na região de Altamira a partir da instalação (…) de Belo Monte”.
    Ainda segundo o relatório, isso “intensificou a vulnerabilidade deste grupo Arara a todas as ameaças não indígenas. Os sentimentos de medo, insegurança, instabilidade, solidão e desamparo acumulados ao longo dos anos de fugas constantes ainda são evidentes nos discursos dos indígenas moradores da Aldeia Iriri”.
    “Esses sentimentos são agravados pelo fato de até a presente data o processo de regularização fundiária da Terra Indígena não ter sido finalizado e ainda haver madeireiros e pecuaristas explorando sua área tradicional, ameaçando sua sobrevivência física e cultural”, acrescenta o documento.
    O relatório conta que os Arara aceitaram o contato da Funai em 1987, após anos de fuga e conflitos com grupos indígenas e não indígenas. Desde então, sua população cresceu de 35 integrantes para 90.
    Até 2009, seu contato com o exterior se dava principalmente por meio de um funcionário da Funai. A partir de 2010, porém, o grupo, de recente contato com brancos, que mal falava português, passou a ter que negociar diretamente com a Norte Energia.
    Para contornar a insatisfação dos indígenas com o empreendimento, a empresa passou a estabelecer acordos diretamente com integrantes desses povos, distribuindo bens como lanchas, carros e cestas básicas nos últimos anos. Na avaliação da Funai, essas ações da Norte Energia “tiveram um impacto devastador na organização social e cultural dos Arara”.
    A procuradora Thais Santi, do MPF de Altamira, diz que Cachoeira Seca se transformou num “polo de extração ilegal de madeira”. Ela destaca que houve aumento da presença de não índios na região, e foram encontradas serrarias funcionando dentro da terra indígena. Em sua opinião, faltou vontade política ao governo para concluir a regularização fundiária.
    “Nunca se afirmou que seria fácil o processo de desintrusão (retirada dos não indígenas) da Cachoeira Seca. E a decisão do Governo Federal foi por implementar a usina a despeito de todas as dificuldades que os Estudos de Impacto Ambiental apontaram”, critica.
    Processo de regularização
    Para a regularização fundiária da Cachoeira Seca, o governo precisa realizar o recenseamento da população não indígena e identificar quem tem direito à indenização e quem entrou depois do reconhecimento da área pela Funai, em 2008. É preciso fazer ainda uma avaliação das benfeitorias para calcular o valor a ser indenizado.
    O processo está sob coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República. Questionada sobre o não cumprimento da condicionante, a Secretaria respondeu que “o governo federal tem buscado o máximo de acordos possíveis com os ocupantes não índios da Terra Indígena, de forma a garantir que a remoção dessas ocupações ocorra com o mínimo de conflito possível”. O órgão não respondeu porque as obras de Belo Monte foram iniciadas mesmo sem a conclusão desse processo.
    Em entrevista à BBC Brasil, a responsável pela Coordenação Geral de Monitoramento Territorial da Funai, Tatiana Vilaça, disse que a desintrusão é essencial para conter a extração de madeira ilegal porque a presença de centenas de moradores não indígenas na região dificulta a identificação dos criminosos.
    “Nós temos indícios de que sim, eles (os madeireiros) estão bastante próximos da aldeia. Eles se locomovem muito. Sem a regularização (fundiária), você faz uma brincadeira de gato e rato”, constatou.
    Segundo a coordenadora, o processo de recenseamento dos não índios é demorado porque a área é muito grande e sua equipe na região é pequena. Além disso, ela diz que esses servidores são constantemente ameaçados, o que exige que o trabalho seja interrompido para acionar apoio policial.
    A Funai espera concluir o levantamento fundiário neste ano e iniciar o processo de indenização e retirada dos não indígenas em 2016. A princípio, a licença de operação de Belo Monte não pode ser concedida até que a desintrusão esteja concluída. A Norte Energia solicitou a licença em fevereiro ao Ibama, que ainda analisa o pedido.
    A Funai informou que até agora foram localizadas 650 ocupações no interior da terra indígena. A demora da conclusão da desintrusão provoca apreensão também nesses grupos.
    A liderança ribeirinha Melania da Silva Gonçalves, 47 anos, presidente da associação dos extrativistas do rio Iriri, acusa o governo de “descaso”.
    Ela chegou com sua família à região há 43 anos e ali teve seus filhos e netos. Sem acesso formal à terra, Gonçalves conta que as cerca de 50 famílias ribeirinhas têm dificuldades de acessar benefícios como aposentadoria.
    “Já tivemos reunião em Altamira, em Brasília, Funai, Ministério da Justiça, e a resposta é uma só: não tem para onde ir, não tem terra ainda. A gente tem muito medo de ir para algum lugar que não queremos”, disse.
    Desmatamento em queda
    Os números do governo apontam para a redução do desmatamento (corte de vasta área de floresta para agropecuária) na Cachoeira Seca nos últimos anos. Um dos fatores que explicam essa queda, além da repressão do governo, é a incerteza fundiária da região, afirma Juan Pietro, do ISA.
    “O pessoal que antes abria fazenda, pastos em terra indígena, não abre mais porque é especulativo. Dada a situação atual na Cachoeira Seca, ninguém quer comprar, é fria. Então eles migram para (a extração ilegal de) madeira, que está bem melhor, em termos de facilidade, lucro”, observou.
    O governo ainda não tem dados para 2014 sobre esse tipo de degradação, que é monitorada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por meio de satélites, num sistema chamado Detex.
    O diretor de combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Francisco de Oliveira, informou à BBC Brasil que, nos dois anos anteriores, a extração detectada na Cachoeira Seca pelo sistema não passou de quatro quilômetros quadrados (400 hectares).
    Ele considera improvável que tenha havido um crescimento tão expressivo da extração de madeira ilegal no ano passado, como apontado pelo ISA, mas reconhece que a instituição pode ter meios de detectar melhor o problema.
    “Considerando que a terra indígena é uma área grande, se você tirar uma árvore ali outra acolá, mesmo que isso signifique um volume grande de madeira saindo da terra indígena, essas (extrações) muito isoladas você não vai pegar com o Detex. O ISA tem gente andando lá dentro, então identifica um terceiro nível (de extração)”, opina.
    Norte Energia
    Questionada pela BBC Brasil sobre o descumprimento da condicionante que previa a instalação de um sistema de proteção com 21 postos e bases, a Norte Energia disse que as “primeiras Unidades de Proteção Territorial foram concluídas em de maio de 2012″, recusando-se a informar as datas de entrega.
    A empresa disse também que está discutindo com a Funai “a instalação de um Centro de Monitoramento Remoto que substituirá os 12 postos de vigilâncias, cujas obras não foram iniciadas”.
    De acordo com a Funai, a empresa entregou apenas oito unidades de proteção que apresentavam falhas estruturais ? devido à necessidade de novas obras, elas até hoje não puderam ser usadas.
    A empresa informou que, até o momento, “investiu R$ 212 milhões nas comunidades indígenas”, valor que inclui tanto ações previstas em acordos diretos com os índios, quanto o cumprimento de condicionantes.
    A empresa não quis comentar as críticas da Funai ao modo como a empresa se relaciona com os indígenas, nem responder quantas lanchas e carros distribuiu entre os esses povos.
    A Norte Energia reúne empresas privadas e públicas e tem como maior acionista o grupo estatal Eletrobras (quase 50%). O consórcio está investindo R$ 29 bilhões na usina, quase 80% financiados pelo BNDES, e terá receita de R$ 62 bilhões em 35 anos com a venda de energia.
    Obra prioritária do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Belo Monte terá potência instalada de 11.233 MW, o que a torna a terceira maior hidrelétrica do mundo.
    A empresa quer ligar a primeira turbina no segundo semestre de 2015, mas apenas em 2019 a hidrelétrica deve entrar totalmente em operação.
    Fonte: (EcoDebate, 13/05/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial do EcoDebate na socialização da informação.

    sexta-feira, maio 08, 2015

    o que fazem, no fim das contas, é “tirar do negócio”...


    O império dos robôs nos pensamentos de Stiglitz e de Marx

    Como o auge dos robôs afetará o capitalismo? Joseph Stiglitz e Karl Marx nos proporcionam algumas ideias.

    Branko Milanovic
    Spencer Cooper/Flickr
    É sempre inspirador falar com Joe Stiglitz....

    Numa conversa que tivemos em Paris, após sua participação na Conferência INET (The Institute for New Economic Thinking), ele observou que a elasticidade do intercâmbio entre capital e trabalho maior que 1, uma suposição habitual do livro de Piketty “O Capital No Século XXI”, combinada com um progresso tecnológico que não caia do céu, mas que se desenvolva em resposta aos preços dos fatores de produção, levaria a um processo explosivo que só poderia terminar com o capital se fazendo dono de toda a renda líquida de um país. Como?

    Suponhamos que temos um tipo de juros R (de um 5%, por exemplo, como Piketty costuma supor), e um salário W. Suponhamos que, com essa proporção dos preços dos fatores, investir em processos mais intensivos se torna rentável (em processos, isso é, que reduzem o custo por unidade do produto). Assim, os capitalistas substituirão trabalho com capital e as proporções C/T e C/produto crescerão. Posto o intercâmbio de T por C é maior que 1, R só terá uma ligeira queda, enquanto os salários W crescerão ligeiramente. Ainda que os preços dos fatores, sendo rígidos, não variem muito, teriam que seguir se movendo até o ponto de fazer ainda mais atrativos os processos de intensificação do capital. Desse modo se daria um novo ciclo de forte investimento em capital, o qual, de novo, faria crescer as proporções C/T e C/produto, com mínimos efeitos nos preços.

    Isso continuaria ciclo após ciclo, até que o produto inteiro possa ser produzido praticamente usando somente capital e, por acaso, uma ínfima quantidade de trabalho. Tanto R quanto W seguiriam quase como no começo, mas em vez de, ponhamos como exemplo, 100 máquinas e 100 trabalhadores, o que teríamos ao final seriam 100 robôs e um trabalhador. Quase todo o produto pertencerá aos proprietários do capital. O alfa de Piketty está próximo a 1.

    A partir daí, em minha interpretação, o que Stiglitz sustenta é que a elasticidade do intercâmbio superior a 1 combinada com progresso tecnológico endógeno conduz finalmente a um equilíbrio explosivo. Esta é uma interpretação minha, e é bem possível que Stiglitz não esteja de acordo, ou que eu tenha perdido algum fator em meio a esse raciocínio.

    A verdade é que, após falar com Joe, de volta ao hotel, pensei em outra coisa. Não seria isso, num certo sentido quase o contrário, e noutro sentido muito similar àquele processo apontado por Marx como o crescimento da “composição orgânica do capital”, que haveria de levar à eutanásia do capitalista (usando uma expressão de Keynes a partir duma perspectiva marxista)? Em Marx, parte-se da ideia de que mais processos de intensificação de capital são sempre mais produtivos. De forma que os capitalistas tendem a acumular mais e mais capital e a substituir o trabalho (de modo muito similar ao que acabamos de ver no exemplo de Stiglitz). Isso, numa perspectiva marxista, significa que cada vez há menos trabalhadores e que esses, obviamente, produzem cada vez menos mais valia (absoluta): e essa mais valia minguada, em comparação com uma crescente massa de capital, significa que la taxa de benefício cai.

    Como o auge dos robôs afetará o capitalismo? Joseph Stiglitz e Karl Marx nos proporcionam algumas ideias.

    O resultado é idêntico, se aplicamos o processo visualizado por Marx na forma clássica e supomos que a elasticidade do intercâmbio é menor que 1. Então, simplesmente, R tende a cair em cada ciclo sucessivo de investimento intensivo em capital, até que se aproxime do zero. Como escreveu Marx, cada capitalista individual tem interesse em investir em processos mais intensivos em capital, a fim de vender mais barato que os outros capitalistas, mas quando todos fazem o mesmo, a taxa de benefício cai para todos. De modo que o que fazem, no fim das contas, é “tirar do negócio”, ou mais exatamente, se moverem até uma taxa zero de benefício.

    Quais são as semelhanças e as diferenças entre os dois resultados? Nos dois casos, o trabalho será substituído pelo capital numa proporção extrema, de forma que, em ambos, o grosso da produção será realizada por robôs. O emprego será insignificante. Em Marx, o equilíbrio final se daria com um R próximo a zero e um W (a hipótese de Marx) em nível de subsistência – evidentemente, com um enorme “exército de desempregados” como resultado. No caso de Stiglitz, os capitalistas terminariam com um R igual, e embolsando todo o produto líquido. No equilíbrio de Stiglitz, o único trabalhador subsistente terá um salário maior, mas ninguém mais terá emprego.

    A renda líquida, no cenário de Marx, será baixa, porque só o trabalho produz “novo valor”, e se são poucos os trabalhadores que tem emprego, o “novo valor” será baixo (independente de quão alta seja a taxa de mais valia que os capitalistas consigam extrair). Para visualizar a ideia proposta por Marx, imaginemos milhares de robôs trabalhando numa grande fábrica e somente um trabalhador controlando todos eles, considerando apenas um ano de vida útil para todos os robôs: isso significa que será preciso trocar os robôs frequentemente, e traria enormes custos anuais em desvalorização das máquinas e reinvestimento nelas. A composição do PIB seria muito mais interessante. Se o PIB total é 100, poderíamos ter um consumo igual a 5, um investimento líquido igual a 5 e uma desvalorização igual a 90. Viveríamos num país com um PIB per capita de 500 mil dólares, mas 450 mil dólares seriam de desvalorização.

    Para ver como isso funciona, imaginemos que se alguém tem uma renda de 1.100 dólares anuais e a utiliza para comprar um computador portátil que custa 1.000 dólares e cuja vida útil, como todo mundo sabe, é de um ano. Cada ano ele terá que gastar a maior parte de sua renda para substituir esse computador, e a renda líquida disponível continua pequena. Para tornar as coisas ainda piores, suponhamos que, com cada ano que passa, na medida em que esse alguém compita com outros que têm outros computadores portáteis, necessitará incrementar esse gasto em 5%, e sua renda líquida vai baixando, ainda que a pessoa viva em meio a uma montanha de computadores portáteis.

    No cenário pensado por Stiglitz, em certos sentidos, tem uma aparência muito similar: teríamos as mesmas fábricas imensas, infestadas por milhares de robôs, mas seu produto marginal seria elevado e todo produto líquido seria apropriado pelos capitalistas.

    Para o trabalho, em ambos os casos, não restará quase nada, pelo simples motivo de que praticamente ninguém tem emprego. Uma utopia bastante negativa, seja como for. Mas não totalmente: no caso de Stiglitz, poderíamos carregar os capitalistas com impostos e usar esses recursos para ter potenciais trabalhadores felizes, desfrutando de muito ócio, vendo televisão e brincando com jogos divertidos, em seus computadores portáteis. No cenário descrito por Marx, a renda líquida seria baixa, ainda que nos levasse a viver num mundo repleto de complicadas máquinas. Logo, não haveria muito o que redistribuir. Qual deles vocês preferem?
    ___________

    Branko Milanovic é um economista sérvio-estadunidense. 

    Especialista em estudos da relação entre desenvolvimento e desigualdades, professor do Graduate Center da City University of New York (CUNY) e investigador titular no Luxembourg Income Study (LIS). Anteriormente, foi economista chefe do Departamento de Investigação do Banco Mundial. 

    Artigo divulgado na revista Bitácora, do Uruguai.

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    • 12 Horas até o Amanhecer
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    • A Árvore da Vida
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