sexta-feira, outubro 23, 2015

O mundo está se tornando cada vez mais instável, há sinais de uma grande crise financeira em andamento


Crise internacional: dívida de empresas de emergentes quadruplicou

por de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em outubro 23, 2015 por 
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[EcoDebate] Crescem os sinais de que uma grande crise financeira internacional está em andamento. Os impactos sobre os países emergentes pode ser devastador, gerando desemprego, pobreza e insegurança. O mundo está se tornando cada vez mais instável e é aconselhável aprender a esperar o inesperado.
Em fevereiro de 2015, a consultoria Mackinsey publicou um relatório (Debt and, not much, deleveraging) mostrando que as dívidas dos domicílios (famílias), governos, empresas e setor financeiro passou de US$ 87 trilhões no quarto trimestre de 2000 para US$ 142 trilhões no quarto trimestre de 2007 e para US$ 199 trilhões no segundo trimestre de 2014. Em proporção do PIB a divida total passou de 246% em 2000, para 269% em 2007 e atingiu 286% em 2014. Isto quer dizer que a economia internacional está sendo sustentada por uma bolha de crédito que vem crescendo de forma exponencial, chegando a praticamente a 200 trilhões de dólares em meados de 2014, ou cerca de 3 vezes o valor do PIB mundial. Evidentemente esta dívida terá que ser paga em algum momento pelas atuais ou posteriores gerações.
Nos meses de agosto e setembro de 2015 houve uma queda geral do mercado de ações em todo o mundo. A bolsa de Nova Iorque caiu de 18.200 pontos para menos de 16.000 pontos. A bolsa de Xangai caiu de 5.000 pontos para cerca de 3.000 pontos. Todos os maiores mercados de ações do mundo cairam simultaneamente e a quantidade de riqueza que tem sido dizimada é superior a 5 trilhões de dólares. E tudo isto não é o fim, mas pode ser apenas o começo.
A queda dos preços das commodities está implodindo o equilíbrio financeiro dos países emergentes. Um possível colapso de qualquer grande exportador de commodities pode facilmente ser um evento ignitor do desastre, maior do que a implosão do Lehman Brothers em 2008. Os países exportadores tem sido um dos mais afetados. A Rússia tem sido particularmente afetada. Outro país que sofre tremendamente com a queda do preço do petróleo é a Arábia Saudita, cujas reservas internacionais caíram de US$ 737 bilhões em agosto de 2014, para US$ 672 bilhões em maio de 2015, segundo a Bloomberg. Neste ritmo de queda de 12 bilhões de dólares por mês a Arábia Saudita pode ficar no vermelho antes do final da atual década, sendo que as exportações líquidas de petróleo estão caindo em termos absolutos. A receita cai e os gastos internos sobem. O medo da entrada de terroristas acionou os alarmes na Arábia Saudita na década passada, levou suas autoridades a anunciarem, em 2006, a construção de uma cerca que impedisse o contágio das ações violentas em seu território. O avanço do projeto, que inclui um muro de mais de 900 km ao longo da desértica fronteira que separa sauditas de iraquianos, foi lento e andou pouco até junho do ano passado, mas se acelerou quando os jihadistas do Estado Islâmico (EI) ocuparam o norte da Síria e do Iraque e a ideia voltou a ter força. Uma crise econômica na Arábia Saudita provocará certamente uma crise política e social, podendo detonar uma “bomba” não só no Oriente Médio, mas em todo o mundo.
No livro, On Saudi Arabia: Its People, Past, Religion, Fault Lines and Future, Karen Elliot apresenta um quadro de crise econômica e política da monarquia absolutista da Arábia Saudita, com crescimento das tensões e frustrações internas de uma população jovem que não encontra empregos e de uma país que depende da força de trabalho de imigrantes. A combinação do fim das exportações de petróleo com crise política pode ser um barril de pólvora para a Arábia Saudita e todo o Oriente Médio, com consequências imprevisíveis para o resto do mundo. Uma crise séria no reino Saudita pode fazer a guerra na Síria e do Iêmen parecerem eventos pequenos. Em uma avaliação semelhante, o livro “Twilight in the Desert: The Coming Saudi Oil Shock and the World Economy”, de Matthew R. Simmons, considera que a Arábia Saudita está próxima de entrar em um declínio econômico e social irreversível.
Outros países dependentes da produção e exportação de petróleo estão em dificuldades devido a ‘bolha de carbono”. Segundo o instituto britânico Carbon Tracker, a ‘bolha de carbono’ é o resultado de um excesso de valorização pelos mercados globais das reservas de carvão, gás e petróleo detidas por empresas de combustíveis fósseis. Uma análise do desempenho econômico da indústria petrolífera mostra uma situação preocupante. A estudiosa Gail Tverberg, atuária e decrescentista, com base em uma apresentação de Steven Kopits, Diretor da Douglas-Westwood, mostra que as grandes empresas de petróleo, de capital aberto, estão em dificuldade, pois aumentaram as despesas de capital (Capex) – gastos como exploração, perfuração e implantação de novas plataformas de petróleo offshore – mas tiveram a producão de petróleo bruto reduzidas desde 2006. O mercado financeiro esperaria que a produção de petróleo bruto subisse quando o Capex aumentasse, mas Kopits mostra que, de fato, desde 2006, o Capex tem continuado a aumentar, mas a produção de petróleo caiu. As empresas que trabalham com combustíveis fósseis possuem ativos em torno de US$ 6 trilhões. Ou seja, o dinheiro está indo para o “fundo do poço”, mas o petróleo não está saindo na proporção esperada. De fato, são as empresas de energia que estão liderando a queda do mercado acionário. As ações da Petrobras (Petr3.SA) cairam de um pico de mais de R$ 60,00 em 26/05/2008, para R$ 44,3 em 29/11/2009, chegando a menos de R$ 8 em 29 de setembro de 2015. A Petrobras é a empresa mais endividada do mundo e a crise da companhia já afeta toda a cadeia produtiva da indústria brasileira. Só com muitos reajustes da gasolina e do diesel (transferindo os custos para os consumidores) a Petrobras pode melhorar seus balanços.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) no seu último relatório WEO, do inicio de outubro de 2015, reavaliou para baixo as projeções econômicas e mostrou que o endividamento das empresas dos países de mercados emergentes multiplicou por 4 na última década. Entre 2004 e 2014, o endividamento corporativo nas economias emergentes subiu de US$ 4 trilhões para US$ 18 trilhões, ou seja, de 47% para a casa de 73% do PIB, ou 26 pontos percentuais. O cenário piorou principalmente nas indústrias de combustível fóssil. O endividamento corporativo no Brasil cresceu cerca de 15 pontos percentuais do PIB apenas entre 2007 e 2014, a quarta maior expansão da amostra. O FMI alerta sobre a fuga de capitais dos países emergentes.

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A expansão da dívida empresarial — em cuja composição a moeda estrangeira ganhou espaço — foi motivada pelos juros virtualmente zero nos EUA, na Europa e no Japão após a eclosão da crise financeira de 2008. Mesmo com balanços mais fracos, as condições de financiamento ficaram mais vantajosas, pois havia dinheiro abundante para empréstimos, investidores buscando retornos mais elevados do que nas nações ricas, um dólar depreciado e o efeito-euforia com um mercado de commodities ainda robusto. As empresas não só pegaram muito emprestado como conseguiram diversificar o perfil do endividamento nos últimos dez anos. O crédito tomado junto a bancos ainda é dominante (83%), mas a participação das emissões de títulos e bônus praticamente dobrou. Essas condições no mercado internacional, porém, estão cada vez mais no passado, o que antecipa elevação dos custos de rolagem de dívidas existentes e de tomada de novos empréstimos.
Todos esses acontecimentos tornam as economias dos mercados emergentes mais vulneráveis a um aumento das taxas de juros, à apreciação do dólar e a um incremento na aversão global ao risco. À medida que as economias avançadas normalizem a política monetária (voltem a subir juros), os mercados emergentes deverão se preparar para a quebra de grande número de empresas, desencadeando uma crise maior do que a de 2009. A crise das empresas endividadas e a desaceleração das economias de países em desenvolvimento (submergentes) vai fazer com que a economia global cresça em ritmo menor, podendo ser o início de uma bola de neve de recessão generalizada.
No caso brasileiro, os desequilíbrios internos já fizeram o dólar disparar e ultrapassar a barreira histórica dos R$ 4, o maior valor nominal do câmbio desde o lançamento do Plano Real. Isto é muito preocupante pois o passivo externo no país é muito grande. O governo brasileiro se gaba de ter reservas de cerca de US$ 350 bilhões, mas este dinheiro veio do endividamento das empresas. Além do mais o governo aplica as reservas no exterior com juros próximos de zero e paga juros elevadíssimos no mercado interno, com grande prejuízo para a nação. Po exemplo, o programa de swaps cambiais está custando caro. Em 12 meses até agosto de 2015, o BC perdeu R$ 111,6 bilhões com a operação. É o equivalente a 21% do déficit nominal do período, algo em torno de 2% do PIB.
Mas se o Banco Central Americano (FED) iniciar o processo de subida das taxas de juros ainda este ano, o impacto sobre a saída de dólares do Brasil pode ser arrasador, pois, além de tudo, a situação política está agravando a instabilidade econômica. Se vier outro choque externo, ai sim o Brasil vai sentir o impacto da crise internacional. E, com certeza, não será nada agradável.
Referências:
ALVES, JED. A dívida de 200 trilhões de dólares e a próxima crise financeira mundial, Ecodebate, RJ, 13/03/2015
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate, 23/10/2015

quarta-feira, outubro 07, 2015

Boulos: a crise econômica diminui o ritmo da especulação porque os imóveis param de se valorizar


Modelo econômico dos governos Lula e Dilma gerou crise urbana e agravou déficit habitacional, diz Guilherme Boulos

Dezoito anos após seu nascimento em São Paulo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) está se afirmando como um dos novos protagonistas da mobilização popular. Representando 45 mil famílias em dez capitais brasileiras, o movimento já ganhou certa capilaridade e se afirma como o primeiro movimento urbano do país. Para seu principal líder, Guilherme Boulos, o objetivo do grupo não é só “conquistar a moradia, mas reverter o modelo urbano para acabar com o caráter de segregação das cidades brasileiras”.
A entrevista é de Lamia Oualalou, publicada por Opera Mundi, 06-10-2015.
Apontando o crescimento das ocupações por sem-tetos – que triplicaram em 2014 – ele explica que isso não é resultado da crise econômica. Para ele, foi a própria política econômica dos governos Lula e Dilma que provocou a especulação imobiliária. Isso porque apostaram no crédito para a moradia sem nenhuma regulação em relação, por exemplo, aos preços dos aluguéis. “A crise urbana antecedeu a crise econômica no Brasil”, resume.
Formado em filosofia pela USP, o militante, com 33 anos, defende uma “Frente Social”, ou uma “Frente Popular”, para combater o avanço da direita sem apoiar o governo. No entanto, o MTST não compõe a Frente Brasil Popular, fundada no começo de setembro por iniciativa do PT, do PCdoB, da CUT, do MST e da UNE.
Eis a entrevista.
Os movimentos de sem tetos, e especialmente o MTST, ocupam um espaço cada vez maior nos protestos na rua. Por que a questão da moradia é tão crucial?
MTST nasceu em 1997, com a proposta de fortalecer a luta pela moradia digna no Brasil, que tem um dos maiores déficits habitacionais no mundo. Calcula-se que 5,8 milhões de famílias são consideradas sem tetos, ou seja, 20 milhões de pessoas. Além disso, o déficit qualitativo – que representa as pessoas que têm uma casinha, mas sem acesso a serviços públicos ou infraestrutura urbana – atinge mais de 15 milhões de famílias no país. Isso significa que o problema da moradia afeta direta ou indiretamente um terço da população. Em relação à população urbana, a proporção é ainda maior.
Porque que esta luta ganhou mais visibilidade nos últimos dois anos, sobretudo a partir das manifestações de junho de 2013?
Junho de 2013 funcionou como um gatilho, um disparador. A panela de pressão explodiu, deixando escapar as tensões latentes na sociedade brasileira, entre elas a da crise urbana. Não é à toa que junho de 2013 estoura com um tema urbano, que é a mobilidade. A crise da mobilidade tem tudo a ver com a especulação imobiliária. Se você joga as pessoas para mais longe, você agrava o problema de transporte, já que a oferta de trabalho continua no centro.
As pessoas passam pelo menos 4 horas por dia em ônibus lotados para ir ao trabalho. Acrescente a isso os despejos e as remoções provocados pela Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e você entende o crescimento dos sem-tetos. O número de ocupações não para de crescer. Em São Paulo, foram 250 entre 2011 e 2012, e passaram a 680 entre 2013 e 2014, três vezes mais.
Por que a panela de pressão estourou dois anos atrás numa situação de geração de emprego ainda forte e de alta da massa salarial?
Acima de tudo porque o processo que nós vivemos no último período agravou as contradições do modelo urbano. O modelo de desenvolvimento adotado pelos governos do PT, embora seja comparativamente melhor do que as políticas neoliberais puro-sangue dos anos 1990, preservou muitos elementos desta política. A ampliação do mercado interno e do consumo popular através do crédito, que por um lado é positivo, por outro, teve um efeito perverso. Este crescimento foi uma das locomotivas da construção civil, o setor que mais cresceu nos últimos 10 anos – junto com o agronegócio e dos bancos.
O crédito para aquisição ou construção de casa aumentou brutalmente. Em 2005, o estoque de crédito imobiliário era de 4,8 bilhões de reais. Em 2014, atingiu 102 bilhões. Foi jorrado muito dinheiro público no setor da construção. Isso incentivou a criação de empregos e permitiu a alguns segmentos da chamada classe C ascender à casa própria. Mas também estimulou uma especulação imobiliária brutal. Algumas regiões de bairros periféricos que não eram capitalizados pelo mercado imobiliário passaram a ser e esta valorização implicou a exclusão.
Nos últimos sete anos, o valor da terra em São Paulo aumentou de 220%, e no Rio de Janeiro, de 265%, a maior alta do país. Boa parte das capitais brasileiras ficou neste patamar de 150-200%. Isso influi diretamente no valor dos aluguéis. Aquilo que o aumento do salário mínimo, Bolsa Família e o crédito deram para a família trabalhadora com uma mão, o aluguel tirou com a outra. Isso começou a provocar uma expulsão de pessoas, gerando uma onde de periferização, jogando as pessoas para regiões ainda mais distantes.
Quer dizer que o processo de expulsões dos mais pobres para a periferia é anterior à crise econômica?
A crise urbana antecedeu a crise econômica no Brasil. Aliás, este modelo econômico gerou a crise urbana. Ao encher o setor da construção de crédito, empoderá-lo sem nenhuma regulação pública, o sistema aumentou o valor dos aluguéis e agravou o déficit habitacional. Para milhares de famílias não restou alternativa que não a ocupação de imóveis ociosos.
MTST privilegia ocupações nas periferias das cidades e não nos centros. Pode explicar esta escolha?
Primeiro, quero dizer que o movimento acha importante que ocorram ocupações nas regiões centrais, porque o que aconteceu com o modelo urbano foi expulsar os pobres do centro. Tem muitos edifícios ociosos que precisam ser reapropriados pelos trabalhadores pobres, e há vários movimentos que fazem isso no país. Estas ocupações são importantíssimas. A opção do MTST de focar mais nas periferias tem a ver com um projeto de acúmulo de força social para fazer mudanças no país.
Uma ocupação no centro, mesmo com toda sua importância, fica ilhada num ambiente hostil. Na periferia, é diferente porque o processo de ocupação das grandes periferias brasileiras foi historicamente de loteamento clandestino. Então uma ocupação nestas regiões se irradia e se relaciona com seu entorno, conseguindo se articular com outro projeto de reforma urbana para lutar por serviços públicos, saúde, educação, esporte, contra os despejos de comunidades historicamente estabelecidas. Esta luta dá mais horizonte e amplia o processo de organização popular. Para nós, não basta conquistar a moradia, queremos reverter o modelo urbano para acabar com o caráter de segregação das cidades brasileiras.
Qual é sua avaliação da política de moradia do governo?
Primeiro, tem que lembrar que antes não tinha nenhuma política. Há seis anos temos o MCMV (Minha Casa Minha Vida) o que já é um avanço. Além disso, o programa incorporou uma reivindicação histórica dos movimentos que é o subsídio. Em países como o Brasil é impossível resolver a questão da moradia apostando só no crédito.
Boa parte das pessoas que não têm casa não tem condição de contratar um crédito, por ser de baixa renda ou por ter o nome sujo. A única forma de resolver é com subsídio, tratando a moradia como um direito, não como uma mercadoria. O MCMV chega a 95% de subsídios na faixa de renda mais pobre. Dito isso, o programa tem um problema central: ele não foi criado para resolver a questão da moradia no país, mas para injetar recursos no setor da construção civil, que estava ameaçado pela crise a partir de 2008. Neste sentido, a lógica do programa é comprometida por interesses econômicos muito mais do que com perspectivas sociais.
Qual é o impacto do fato que, segundo vocês, o programa atende muito mais ao setor da construção do que a demanda de moradia?
Os principais agentes do programa são as construtoras. Elas têm a prerrogativa de escolher o terreno, gerir a obra, e fazer o projeto. Ou seja, o planejamento urbano passa a ser privatizado. O mecanismo é o seguinte: a construtora tem um terreno, ela faz um projeto atendendo às especificações mínimas que ela submete à Caixa Econômica Federal. Tendo o projeto aprovado, ela recebe os créditos para construir as moradias. A prefeitura municipal indica as pessoas que vão morar lá. O governo paga o mesmo valor por unidade habitacional, independente do tamanho e da localização. Em São Paulo, por exemplo, o valor é R$ 76 mil por apartamento. Suponhamos: a construtora tem um terreno onde ela vai construir mil apartamentos. Ela vai receber R$ 76 milhões do governo para fazer a obra. Se ela fizer a obra aqui no centr o ou no fundão de Itapecerica da Serra, ela vai receber os mesmos R$ 76 milhões. Se ela fizer apartamentos de 39m2, que é o mínimo, ou se ela resolver fazer 60m2, ela vai receber o mesmo dinheiro. Isso significa a produção de apartamentos de baixa qualidade, pequenas, e nas piores regiões.
Assim o MCMV acaba reproduzindo uma lógica de expulsar para a periferia os pobres, uma lógica segregadora. As construtoras utilizam seus piores terrenos para o programa e reservam os melhores para empreendimentos de alta renda.
Apesar disso, vocês consideram que o programa ajudou a melhorar a questão da moradia?
Como já disse, o programa tem o mérito de existir e nós militamos, junto com outros movimentos de moradia, para conseguir o financiamento de sua terceira fase. Mas, na medida em que o MCMV produz casas e não cidade, na medida em que não vem acompanhado de políticas publicas de combate à especulação imobiliária, o programa acaba enxugando o gelo.
Em 2008, um ano antes de ele ser lançado, o déficit habitacional era 5,3 milhões. O último dado que temos, depois de mais de um milhão de casas construídas pelo programa, é de 5,8 milhões; Ou seja, o próprio déficit aumentou, porque o ritmo de construção de MCMV é menor que o ritmo de produção de novos sem-tetos por este modelo de cidade. Por conta de todos estes vícios, o programa acabou sendo utilizado como uma política de periferização e de remoção, isso é inaceitável. Ele representa o aprofundamento de um modelo de cidade excludente.
Que medidas preconiza o movimento para acabar com exclusão urbanas?
São várias. Vou apontar as três principais. Primeiro uma nova lei do inquilinato. Não é razoável que uma questão tão social como o aluguel seja determinada apenas pela lei de oferta e procura. Tem que ter uma regulação que coloque, por exemplo, que o ajuste tenha como teto o índice de inflação. O aluguel aumentou três vezes mais que a inflação nos últimos anos. Isso já existiu na historia do país e existe em outros.
Segundo, temos que retomar uma política de terras públicas no Brasil. A constituição brasileira assegura o direito à propriedade, mas ela exige que esta propriedade cumpra uma função social. Isso não é respeitado. Tem milhares de terras privadas utilizadas apenas para a especulação imobiliária. Imóveis na região central esperando uma operação urbana, uma parceria público-privada para ser vendido melhor. “Esperando” não é a palavra correta: os interesses se articulam com os poderes públicos para conseguir esta valorização. Precisamos ter um combate brutal da especulação imobiliária, as chamadas traves de taxação da valorização imobiliária, que não existe hoje.
Finalmente, necessitamos uma política agressiva de levar o centro para a periferia e trazer a periferia para o centro. Isso significa levar os serviços públicos, a oferta do trabalho para a periferia. É irracional que as pessoas tenham jornadas de oito horas mais quatro no ônibus. Ao mesmo tempo, fazer das regiões centrais lugares de moradia para os trabalhadores mais pobres. O déficit habitacional é 5,8 milhões, como já vimos. O numero de imóveis ociosos é de 5,5 milhões. Ou seja, você praticamente resolveria o déficit se desapropriasse estes imóveis, muitos deles nas regiões centrais, para fazer moradia popular.
Com a crise econômica os problemas de moradia vão se estender?
Por um lado, a crise econômica diminui o ritmo da especulação porque os imóveis param de se valorizar. Mas, por outro lado, a renda das famílias cai brutalmente. Com desemprego, redução salarial, a ocupação de terras por famílias vai crescer nos próximos anos. Estamos só no começo da crise, o ano que vem será um desastre.

quinta-feira, setembro 17, 2015

A financeirização caracteriza a política do capitalismo neoliberal tardio


Financeirização, o ácido que corrói a democracia

Michael Peters argumenta que a dívida tornou-se um procedimento sofisticado de domesticação populacional na contramão de uma postura mais ética

Por: Márcia Junges e Ricardo Machado | Tradução Walter O. Schlupp

Ao pensarmos a biopolítica devemos compreender as radicais mudanças entre o que o conceito representava na Grécia Antiga, depois na Modernidade com o renascimento e, contemporaneamente, em um espaço global marcado pelo neoliberalismo. “O nascimento da biopolítica assume uma forma mais radical com o neoliberalismo como racionalização do governo via meios econômicos, em que sujeitos com direitos são obrigados a ser livres, isto é, fazer opções dentro de um estado limitado onde o bem-estar é reduzido ou modificado a cada viravolta do mercado ou de arranjos semelhantes a mercado”, analisa o professor pesquisador Michael Peters, em entrevista por e-mail àIHU On-Line.
Disto decorre que a relação credor-devedor, longe de ser uma mera operação econômica, trata-se de um processo ético e político capaz de criar um “novo” tipo de sujeito social: o endividado. “Dívida tem prioridade sobre a troca, ao se passar a entender que o capitalismo financeiro e a economia da dívida neoliberal se baseiam e atuam por meio da produção moral de indivíduos endividados. O neoliberalismo é o mecanismo de controle mais eficiente que, através de dívida, mantém sob controle a resistência por parte dos trabalhadores e estudantes”, pondera o professor. “A financeirização é uma nova modalidade de subjetividade que cria normas e valores que estruturam a nossa vida diária. Um aspecto dominante é seu elemento especulativo, onde cada vez mais os cidadãos comuns ‘jogam nos mercados’”, avalia. Ao pensar a situação das populações da União Europeia – UE, Michael Peters critica. “A política financeira e os interesses que impelem o processo financeiro muitas vezes são implementados por organismos não diretamente eleitos pelos cidadãos da UE, nem responsáveis perante eles. O pacto de crescimento, o pacto para o euro e os diferentes memorandos de entendimento parecem sacrificar a soberania fiscal, necessariamente comprometendo também a possibilidade de qualquer cosmopolitismo democrático.”
Michael Peters é doutor em Filosofia da Educação pela University of Auckland, Nova Zelândia. É professor de Educação na University of Illinois. É editor de "Educational Philosophy and Theory" (Blackwell) e "Policy Futures in Education and E-Learning". 
No dia 22-09, às 9 horas, no Anfiteatro Pe. Werner, o professor apresenta a teleconferência A Biopolítica Pós-Colonial no Império do Capital: Linhas foucaultianas de investigação nos Estudos Educacionais, evento que integra a programação do XVII Simpósio Internacional IHU / V Colóquio Latino-Americano de Biopolítica | III Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação. Saberes e Práticas na Constituição dos Sujeitos na Contemporaneidade
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que consiste a biopolítica pós-colonial no Império do Capital?
Michael Peters - "Biopolítica pós-colonial no Império do Capital" foi o título de uma palestra que dei no ano passado em Bogotá, na Colômbia, numa conferência sobre Foucault  organizada pelo professor Carlos Noguera. Usei esse título sintético para sinalizar três linhas de pesquisa segundo Foucault que eu achei mais significativas, especialmente na última década. Tentei rastrear os seguintes pontos: o discurso do pós-colonialismo que data de Edward Said;  a noção de biopolítica na obra de Giorgio Agamben;  e o modo pelo qual Antonio Negri  e Michael Hardt  usam Foucault no seu trabalho. Em cada caso, temos um grande e importante teórico que deu início a um novo discurso e inventou uma nova linguagem para falar sobre o mundo, mas que ainda deve algo a Michel Foucault. 
Edward Said
Said foi significativamente influenciado por Foucault em sua compreensão do colonialismo como discurso, sendo que o trabalho de Foucault sobre a ordem do discurso proporcionou a ele os meios para analisar as relações de poder que existem no Orientalismo: a construção discursiva do Ocidente sobre o Oriente, a qual nos diz muito sobre o Ocidente e sua imagem distorcida. Enquanto o próprio Foucault escreveu surpreendentemente pouco sobre o colonialismo, seus métodos podem ser fácil e proveitosamente aplicados: o colonialismo é o exemplo paradigmático de um sistema de biopolítica que se transformou ao longo dos anos. 
Agamben
Pensando na América Latina e na variação histórica nos processos coloniais entre a Espanha e Portugal, pode-se argumentar que o sistema colonial, como o "campo" de Agamben, envolveu a própria substância do controle da "vida, morte e cópula", como T.S. Eliot  diria, [ou seja], sobre todos os aspectos da vida e da morte. Ao mesmo tempo, a biopolítica do colonialismo passou por muitas transformações diferentes durante sua história de 500 anos na América Latina. No entanto, podemos dizer que abordagens da biopolítica nos ajudam a entender o funcionamento de administrações coloniais.
Antonio Negri e Michael Hardt
Negri e Hardt, em comparação, examinaram formas de capitalismo pós-moderno e as maneiras pelas quais o neoliberalismo serve para inventar e sustentar novas formas de autocapitalização, onde tudo, inclusive o trabalho, é teorizado no lado do capital. Eles também falam com mais otimismo sobre os bens comuns e o desenvolvimento do trabalho imaterial.
Biopolítica pós-colonial no Império do Capital era, então, um termo complexo que incluía três conceitos e três conjuntos de teóricos para resumir as pistas mais promissoras na pesquisa baseada no trabalho de Foucault que leva a uma melhor compreensão do nosso mundo contemporâneo e sua emergência em algo diferente. Na verdade, também fornece um meio para falar sobre os últimos 500 anos da história do mundo de uma forma que Foucault ignorava — a história dos Outros do Ocidente —, história do mundo como história do colonialismo enquanto lógica dominante para tipos evolutivos de ordem mundial. Eu naturalmente não estou dizendo que esta é uma história sem consequências para hoje; implícitas nas relações coloniais são as sementes de instituições de hoje; implícitos no arranjo político são modelos de administrações do Estado, formas de educação moderna, sistemas de transporte destinados a explorar recursos, atitudes sociais, sistemas de classe e assim por diante. Biopolítica realmente serve como abordagem que pode abarcar toda a transformação dos sistemas mundiais.

IHU On-Line - Quais as relações que podemos estabelecer entre a biopolítica num mundo globalizado e a governamentalidade neoliberal?
Michael Peters - Devemos lembrar que as preleções de Michel Foucault no Collège de France sobre Governamentalidade Neoliberal foram intituladas "O Nascimento da Biopolítica", onde ele discute o liberalismo pós-guerra alemão e a reconstrução da economia alemã, de um lado, e o liberalismo da escola de Chicago e o desenvolvimento da teoria do capital humano sob Gary Becker,  por outro. Governamentalidade é um conceito que Foucault usa para analisar a "arte de governar" — racionalidade do governo — com base na produção da subjetividade dos cidadãos, direcionada para o controle biopolítico das populações. Foucault utiliza esse conceito para analisar a sociedade grega antiga, a modernidade e sua forma mais recente na roupagem do neoliberalismo. Ele se refere a um novo tipo de poder exercido pelo Estado para produzir cidadãos autônomos (auto significando si-mesmo, nomos significando lei), ou seja, cidadãos autorreguladores. O nascimento da biopolítica também se ocupa do nascimento do Estado moderno e com a introdução de uma nova forma de conhecimento chamada economia política, que se torna a base para o controle do Estado sob o neoliberalismo.
Nascimento da biopolítica
O nascimento da biopolítica assume uma forma mais radical com o neoliberalismo como racionalização do governo via meios econômicos, em que sujeitos com direitos são obrigados a ser livres, isto é, fazer opções dentro de um estado limitado onde o bem-estar é reduzido ou modificado a cada viravolta do mercado ou de arranjos semelhantes a mercado. Isso envolve a "responsabilização" dos indivíduos, tornando-os responsáveis por si mesmos mediante ênfase sobre a escolha individual na praça. Excelente exemplo disso é o desenvolvimento da teoria do capital humano por Schultz e mais tarde por Becker, da terceira geração da Escola de Chicago,  fornecendo uma análise de educação, crime, casamento e bem-estar social em termos de capital humano, responsabilizando os cidadãos por cuidarem de si próprios, deixando o Estado livre para privatizar todos os ativos estatais, permanecendo como legislador ou regulador do sistema dentro do qual a escolha é exercida [pelo cidadão]. Parece que não há fim para este processo: primeiro, as empresas estatais, depois os ativos estatais são privatizados; segundo, o Estado do bem-estar social [welfare state] é desmontado e as instituições sociais são privatizadas parcial ou completamente; terceiro, parcerias público-privadas são vistas como meio de inserir a lógica da privatização mais fundo no tecido social.
O capital humano, primeiro sugerido por Becker em 1962, muda de investimento do Estado no indivíduo para investimento do indivíduo em si mesmo, com base no tedioso argumento de que a educação, especialmente nos níveis superiores, não é um bem público, mas privado; ou seja, [trata-se de] ganho individual mais para seu próprio avanço com base na educação, sendo que as coisas exteriores [externalities] são mínimas e difíceis de se medir.

IHU On-Line - Como podemos compreender o paradoxo entre o aprofundamento da biopolítica e da governamentalidade e os limites que se apresentam à autonomia do sujeito em nosso tempo?
Michael Peters - Esta análise leva naturalmente à sua terceira pergunta. É fácil ver-se a aplicação do argumento de Foucault, especialmente nos países ocidentais que se afastaram do ensino universitário livre para autofinanciamento e financeirização dos estudantes conduzidos pelo consumidor, onde os alunos assumem dívida para frequentar a universidade e ficam endividados ao longo de seu estudo e carreira. Atualmente, a dívida dos estudantes, por exemplo, nos EUA, expandiu-se para mais de US$ 1,3 trilhão, a segunda maior forma de 'hipoteca' depois da habitação e maior do que a atual dívida no cartão de crédito. Neste sentido, o neoliberalismo em sua última fase, desde meados da década de 2000, representa uma nova etapa na evolução do capitalismo enquanto desenvolvimento da financeirização e da sociedade da dívida. A relação credor-devedor torna-se um processo ético e político de criação de sujeitos endividados e, portanto, de criar um certo tipo de subjetividade com o nascimento da cultura de financiamento. Dívida tem prioridade sobre a troca, ao se passar a entender que o capitalismo financeiro e a economia da dívida neoliberal se baseiam e atuam por meio da produção moral de indivíduos endividados. O neoliberalismo é o mecanismo de controle mais eficiente que, através da dívida, mantém sob controle a resistência por parte dos trabalhadores e estudantes.

IHU On-Line - Em que consiste a economia biopolítica da dívida? Qual é a importância do mecanismo da dívida no capitalismo financeirizado?
Michael Peters - Tanto para as sociedades quanto para os indivíduos, a economia biopolítica da dívida leva a que a dívida e as finanças substituam a força de produção sob o capitalismo industrial, onde a economia global acaba se estruturando em torno de crédito e taxas de crédito. Assim, a atual batalha da Grécia é um exemplo paradigmático de como os direitos e a democracia são dominados por relações de crédito e débito, por decisões tomadas pelos grandes bancos e agências internacionais que emprestam enormes quantias. Como indica David Graeber  (2011) em Debt: The First 5,000 Years [Dívida: Os Primeiros 5000 Anos]:
Todos os estados-nação modernos são construídos sobre gastos deficitários. Dívida passou a ser a questão central da política internacional. Mas ninguém parece saber exatamente o que é, ou como pensar sobre isso... Se a história mostra alguma coisa, é que não há melhor maneira de justificar relações fundadas na violência, para fazer tais relações parecerem morais, do que reformulando-as na linguagem da dívida-acima-de-tudo, porque isso imediatamente faz parecer que é a vítima que está fazendo algo errado (p. 6).
Na Islândia vimos um certo padrão emergindo, em seguida, nos países mediterrâneos europeus Espanha, Irlanda, Portugal, Chipre e Grécia. A crise financeira levou à reestruturação dos bancos, a seus formidáveis resgates pelos governos e às políticas de "austeridade", onde os benefícios sociais são reduzidos, a idade da aposentadoria é aumentada, e a educação, privatizada. O centro global real é naturalmente Wall Street e a City de Londres, que fixam as taxas interbancárias e têm sido condenadas por fraude maciça após a desregulamentação do setor financeiro. O último empréstimo de US$ 85 bilhões para a Grécia, argumentam muitos economistas, servirá para pagar os empréstimos existentes, e sem crescimento e com desemprego elevado, há pouca probabilidade de se colocar a dívida nacional e do governo sobre uma base sustentável.

IHU On-Line - A partir da contribuição de Nietzsche em "A Genealogia da Moral", como se apresentam hoje as novas modalidades de subjetivação em conexão com uma economia geral da dívida?
Michael Peters - A grande contribuição de Nietzsche é a de ter previsto [sic] a antiga conexão entre dívida, culpa e moralidade da punição enquanto pagamento. Diz ele que [o termo alemão para] "culpa" [Schuld] foi derivado de "dívida" [Schulden], e "punição" tornou-se "pagamento", da época do "sujeito legal" no mundo antigo. Seria o prazer do credor, que pode exigir toda espécie de condições para, finalmente, tomar o que lhe agrada, até mesmo tendo, de certa forma, prazer com a violação do endividado? O conceito moral de obrigação, juntamente com a culpa, a consciência e o dever, têm seu início nesta relação contratual, marcada com sangue e tortura. Dívida torna-se uma nova forma de subjetividade. Devemos perguntar quais formas assume o sujeito endividado e como isso configura formas de relação de poder onde a economia moral é a base da economia geral. Podemos ver isso na criação de prisões para devedores nos dias de hoje, onde pessoas pobres são detidas e encarceradas por inadimplência.

IHU On-Line - Em que medida podemos falar de uma financeirização que atinge todos os setores de nossa vida? Quais são suas implicações fundamentais?
Michael Peters - A financeirização da vida começou com o surgimento do cartão de crédito no início dos anos 1950, mas tornou-se extremamente importante em nossa vida como meio de se viver: comprar mantimentos ou mesmo qualquer mercadoria, determinar as taxas de crédito [sic], tomar empréstimos, investir em si mesmo na educação, etc. O cartão de crédito é um método de pagamento baseado na promessa de pagamento. Crédito tornou-se um método de crédito rotativo e, em meados da década de 1960, tinha-se tornado uma característica arraigada de nossas vidas. Na década de 1990 o cartão de crédito era um fenômeno global e agora vemos os primeiros passos rumo a cartões digitais. Claro que todos nós sabemos das consequências de não pagar a dívida, a qual, com juros elevados, pode levar à falência. É uma característica necessária da sociedade de consumo. O cartão de crédito representa apenas um aspecto da financeirização. A financeirização é uma nova modalidade de subjetividade que cria normas e valores que estruturam a nossa vida diária. Um aspecto dominante é seu elemento especulativo, onde cada vez mais os cidadãos comuns "jogam nos mercados." Acabamos de ver as consequências disso com o mercado de ações interno chinês, onde a volatilidade levou a um declínio de US$ 3 trilhões em pouco mais de três semanas. Cada vez mais, novos instrumentos financeiros são inventados, como o surgimento de derivativos financeiros. 
Economia real e economia financeira
Tem-se uma ideia do poder desses sistemas ao se fazer uma comparação entre a economia real produtiva (cerca de US$ 70 trilhões de dólares na escala global) e o mercado de derivados financeiros (US$ 1,3 quatrilhão, cerca de 10 a 14 vezes mais que o PIB mundial). Capital entra na esfera privada, que gira em torno de lucrar com finanças em vez de ativos ou de trabalho próprio de cada um. Negociar títulos lastreados em hipotecas leva à financeirização da casa. O risco torna-se um modo de ser, uma forma de cálculo diário, medido em termos de altos e baixos do mercado de ações ou [em termos] dos próprios fundos de pensões. Chegamos a entender imóvel como investimento e uma forma de capital, ao invés de uma casa, e negociamos para cima ou para baixo. A dívida das famílias é delicadamente equilibrada conforme usamos débito e crédito como meio de prover educação e aposentadoria futura.

IHU On-Line - A partir do conceito de economia da dívida, como analisa a hegemonia da economia sobre a política em nosso tempo? 
Michael Peters - Esta é uma questão importante, porque as obrigações de dívida internacionais, encargos, reestruturação, consolidação escapam das exigências da democracia em nível mundial e conflitam com a vontade das pessoas em nível local. Bancos e agências internacionais de crédito, que atuam em concerto, interferem com as estruturas democráticas nacionais, ignorando as pessoas e passando por cima de governos que tenham atrasado pagamentos. 
Chipre
Por exemplo, a crise de Chipre estava fortemente relacionada a um tipo de capitalismo financeiro neoliberal que é cosmopolita, mas não democrático. A orientação de Bruxelas sempre tem visado o pacto para o euro, que aponta o caminho para a austeridade fiscal institucionalizada, dando prioridade ao pagamento das dívidas. Esses objetivos monetizados também ajudam a desestabilizar a negociação salarial coletiva e a promover cortes nos gastos públicos e nas pensões. Na crise espanhola, a estratégia de austeridade da União Europeia - UE mais parecia ser socorro [bailouts] para os bancos privados mediante garantias estatais para saldar a dívida para com credores estrangeiros, em detrimento de seus próprios recursos [estatais]. 
Esta é uma visão ético-política em que interesses financeiros têm conseguido uma espécie de aprisionamento institucional com a finalidade de socializar as perdas de bancos privados. A política financeira e os interesses que impelem o processo financeiro muitas vezes são implementados por organismos não diretamente eleitos pelos cidadãos da UE, nem responsáveis perante eles. O pacto de crescimento, o pacto para o euro e os diferentes memorandos de entendimento parecem sacrificar a soberania fiscal, necessariamente comprometendo também a possibilidade de qualquer cosmopolitismo democrático. Esta é uma receita para agitação social com forte sentimento anti-UE entrar no discurso político dominante, acompanhada do desejo de autonomia econômica local. Isto certamente também pode ser analisado em termos de sentimentos cosmopolitas com componente ético-político, particularmente quando esses sentimentos populares acabam punindo a relação com o resto da Europa.
América Latina
Na América Latina, a crise da dívida na década de 1980 — a década perdida — também demonstrou o que acontece quando a dívida externa excede a capacidade de ganho e a capacidade de pagamento da dívida. Eu gostaria de ouvir de estudiosos brasileiros se o enorme empréstimo estrangeiro utilizado para financiar a industrialização foi uma estratégia sensata. Essa dívida inchou por um fator de quatro em menos de uma década. Quanto eu saiba, as rendas caíram, o desemprego aumentou, o crescimento estagnou e a inflação brasileira subiu para níveis perigosos. Hoje, a presidente Dilma Rousseff enfrenta uma dívida externa cada vez maior, de quase US$ 350 bilhões, numa combinação de altas taxas de juros e uma taxa crescente de inflação, atualmente acima de 8%. Juntamente com a desaceleração na China (maior parceiro comercial do Brasil) e na Rússia, isso leva os críticos a reavaliar o potencial dos mercados emergentes, dos quais se esperava que "salvassem" o Ocidente, e a refletir sobre o futuro papel dos BRICs. 
Nessas situações de crise financeira, a democracia facilmente pode ser suspensa, revogada ou podada com legislação de emergência. Quão robusta a democracia moderna é perante a finança internacional é uma questão interessante, inclusive porque operam em diferentes ciclos de tempo: uma é instantânea, a outra reage num ciclo eleitoral.

IHU On-Line - Que formas políticas e de resistência surgem a partir do cenário de desterritorialização da dívida?
Michael Peters - A resistência à dívida como movimento popular está aumentando em todo o mundo, motivada pela prepotência, pela natureza fraudulenta de boa parte do sistema bancário internacional, e pela injustiça da dívida com seus cronogramas de amortização. Por exemplo, a Rede Cidadã para Fiscalização da Dívida Internacional – ICAN,  com seu slogan "Não devemos — Não pagamos", entende dívida como mecanismo central do sistema capitalista, que "representa uma ameaça para ativos monetários, mas também baseia seu crescimento no abuso da força de trabalho, da natureza, na violação dos direitos humanos, na conquista de países 'em desenvolvimento' e na relegação do trabalho frustrante a determinados setores, com discriminação de gênero". Trata-se de um movimento internacional antidívida e antiausteridade. Existem muitos movimentos específicos, inclusive o movimento antidívida-de-estudantes nos EUA, além de um número cada vez maior de movimentos internacionais que associam a questão da dívida a apelos por justiça social.  

IHU On-Line - Em que aspectos a recusa do pagamento das dívidas a países credores é uma forma de resistência contra um dispositivo de poder econômico? Nesse sentido, como analisa o caso da Grécia?
Michael Peters - A recusa em pagar a dívida era central para a estratégia da esquerda na Grécia. Um relatório recente do parlamento grego argumenta em termos inequívocos:
Todas as provas que apresentamos neste relatório mostram que a Grécia não só não tem a capacidade de pagar essa dívida, mas também não deve pagar essa dívida; em primeiro lugar, porque a dívida resultante do regime da Troika é uma violação direta dos direitos humanos fundamentais dos moradores da Grécia. Assim, chegamos à conclusão de que a Grécia não deve pagar essa dívida, porque é ilegal, ilegítima e odiosa. 
Muitos economistas têm argumentado sistematicamente que o alívio da dívida tem que ser uma parte importante da recuperação econômica da Grécia. A situação está muito fluida. Como se sabe, o primeiro-ministro Alexis Tsipras pediu novas eleições, a fim de debelar a revolta em suas próprias fileiras e reforçar o apoio ao programa de resgate. Muitos dentro de Syriza  estão questionando sua meia-volta.
Resultado das eleições
Seja qual for o resultado das eleições, uma questão candente é a insustentabilidade da dívida grega e sua incapacidade de pagar, o que sugere que o problema não vai desaparecer e que agora é estrutural, no sentido de que ele não vai ser resolvido pelos resgates em curso. Infelizmente os abutres estão esperando para comprar ativos estatais gregos a preço de banana. Entretanto, os problemas da Grécia não são exclusivos — eles são parte de um problema maior de uma cultura financeira global emergente caracterizada por risco, incerteza, especulação e volatilidade, o que significa que, com a mesma rapidez com que um mercado cai, de repente pode subir novamente montado numa nova bolha. Volatilidade marca o mercado financeiro global, e suas consequências estão castigando a população local, que pode perder tudo muito rapidamente e só conseguirá existir precariamente na marginalidade.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Michael Peters - Num artigo que escrevi alguns anos atrás, “The Crisis of Finance Capitalism and the Exhaustion of Neoliberalism” ["A Crise do Capitalismo Financeiro e o Esgotamento do Neoliberalismo"], relacionei o seguinte:
O colapso sistemático das instituições financeiras globais é, em parte, resultado de uma série de problemas inter-relacionados, que evidenciam as numerosas dimensões da crise do capitalismo financeiro e o esgotamento do modelo neoliberal de desenvolvimento:
1. O fracasso e subsequente recapitalização, nacionalização ou resgate de grandes bancos, o que suscita uma era de "política de austeridade" na Europa;
2. O enorme crescimento do mercado global de derivativos e consequente expansão excessiva dos sistemas bancários nacionais em comparação com a "economia produtiva";
3. O aumento dos níveis insustentáveis de dívida soberana e nacional, resultando em sequestro [de bens de inadimplentes] e políticas de flexibilização quantitativa nos Estados Unidos;
4. A tentativa feita de regulamentar as estratégias de evasão fiscal por parte das empresas multinacionais;
5. A evasão fiscal por indivíduos ricos num sistema de paraísos fiscais e trustes internacionais;
6. O excesso de bônus e ações preferenciais dadas aos CEOs, mesmo quando houve mau desempenho;
7. A forma como a UE (agindo junto com o Banco Central Europeu e o FMI) exerceu pressão fiscal e econômica considerável sobre os governos democraticamente eleitos no sentido de mudar as políticas;
8. O rápido crescimento das novas tecnologias da informação, que produz uma nova complexidade mundial de negociação de alta frequência (HFT) a uma velocidade que escapa do controle eficaz ou regular das agências nacionais e regionais;
9. A perda de confiança e o desalinhamento dos incentivos no âmago da cultura financeira dos mercados de ações;
10. A cultura fraudulenta e criminosa nos níveis mais altos da indústria financeira, onde se inclui a manipulação deliberada da taxa de câmbio Libor, com poucas condenações penais, exceto para esquemas Ponzi e corretagem de insider. 
Posteriormente, escrevi um artigo intitulado “Speed, Power and the Physics of Finance Capitalism” ["Velocidade, Potência e a Física do Capitalismo Financeiro"], onde observei:
A financeirização caracteriza a política do capitalismo neoliberal tardio, permitindo-lhe extrair valor dos bens comuns: invadir a previdência social e o seguro-saúde, privatizar a educação e infraestrutura, monetizar a medicina e o seguro médico, hipotecar maciçamente a dívida dos estudantes, confiscar fundos dos depositantes, tirar recursos das empresas estatais. Estas todas são as formas de enclausuramento [enclosure] que permitem uma pequena mas poderosa minoria saquear o bem comum, da mesma forma como essa elite global saqueou a riqueza pessoal da maioria via bolha imobiliária, com enorme queda nas posses de todas as famílias, exceto de muito, muito poucos. O capitalismo das finanças impõe-se ao capitalismo industrial, mas o que se impõe ao capitalismo financeiro? Esta é a primeira crise planetária de tal magnitude global e está ligada intimamente a uma crise ecológica, social e de desemprego mais ampla. Tanto a escala quanto a velocidade de seu desenvolvimento inexorável pode indicar que nada consegue salvar o sistema, e as coisas devem continuar assim até o colapso final inevitável.  


quarta-feira, setembro 09, 2015

retornemos às palavras dos índios Guarani e Yanomami, que justificam porque estão preocupados com o futuro da humanidade

O fogo da morte no corpo da terra

"Os Guarani e os Kaiowá têm conexão direta com os territórios específicos, consideram-se uma família só, dado que o território é visto por estes indígenas como humano. Eles possuem um forte sentimento religioso de pertencimento ao território, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão religiosa de que foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo", escreve Ruben Caixeta, citando Tonico Benites, em artigo publicado originalmente no catálogo da edição 2012 do Festival do Filme Documentário e Etnográfico e reproduzido por Pise A Grama.
Ruben Caixeta é antropólogo e professor da UFMG, cofundador e coorganizador do forumdoc.bh - Festival do Filme Documentário e Etnográfico.
Eis o artigo.
Enquanto comemoramos os 20 anos de demarcação da Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, constatamos a luta desesperada dos índios Guarani Kaiowá pela sobrevivência num pequeno pedaço de terra no Mato Grosso do Sul. Nos últimos meses fomos sacudidos e chocados por imagens e palavras: de um lado, a terra nos era mostrada como um “ente vivo” que merece respeito e cuidado dos humanos; de outro, a terra era reduzida a objeto a ser usado e transformado em mercadoria pelo homem.
Num artigo publicado em outubro de 2012, José Ribamar Bessa Freire conta-nos que os Guarani, no primeiro século da era cristã, saíram da região amazônica, onde viviam, e caminharam em direção ao sul do continente. Dois mil anos depois, um italiano, nascido em 1948 na Toscana, atravessou o oceano Atlântico com sua família, veio para Porto Alegre, de lá para Curitiba, se naturalizou brasileiro e se instalou, finalmente, no Mato Grosso do Sul, onde encontrou os Guarani, que lá estavam há quase 2 milênios. O italiano, André Puccinnelli, recém-chegado, se tornou governador do Estado em 2007.
A partir de 1915, os índios do Mato Grosso do Sul começaram a ver seus espaços restringidos a pequenas reservas pelo Estado brasileiro, através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), para que as terras indígenas fossem disponibilizadas em prol do avanço das frentes de colonização pastoril e agrícola. Tal como o governador André Puccinnelli, os fazendeiros, pecuaristas e agronegociantes que chegaram ao Mato Grosso do Sul e ocuparam as terras dos índios eram, na sua maioria, provenientes dos estados do sul.
O confinamento dos Guarani em pequenas reservas se intensificou nos anos de 1970: alguns deles foram parar em acampamentos em beiras de estrada, outros se dispersaram no meio dos brancos ou em terras estrangeiras, enquanto aumentavam as fazendas de gado, plantações de cana, soja e outras lavouras de grande extensão.
Numa carta de 17 de março de 2007, os professores e líderes Kaiowá disseram: “o fogo da morte passou no corpo da terra, secando suas veias. O ardume do fogo torra sua pele. A mata chora e depois morre. O veneno intoxica. O lixo sufoca. A pisada do boi magoa o solo. O trator revira a terra. Fora de nossas terras, ouvimos seu choro e sua morte sem termos como socorrer a Vida.” Um aluno Guarani de José Ribamar Bessa, ao entrevistar um velho guarani daaldeia de Cantagalo, ouviu o seguinte depoimento: “Esta terra que pisamos é um ser vivo, é gente, é nosso irmão. Tem corpo, tem veias, tem sangue. É por isso que o Guarani respeita a terra, que é também um Guarani. O Guarani não polui a água, pois o rio é o sangue de um Karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não percebe. É uma pessoa, tem alma. Quando um Guarani entra na mata e precisa cortar uma árvore, ele conversa com ela, pede licença, pois sabe que se trata de um ser vivo, de uma pessoa, que é nosso parente e está acima de nós”.
Os índios Guarani Kaiowá têm sofrido a violência na pele. Os números são alarmantes. Segundo um relatório doConselho Indígena Missionário (CIMI), entre 2003 e 2010 foram assassinados 452 indígenas no Brasil, sendo 250 deles só no Mato Grosso do Sul. Segundo o Mapa da Violência, elaborado pelo Instituto Sangari e pelo Ministério da Justiça, a proporção de suicídios no país é de 4,9 para 100 mil pessoas – número que é 6 vezes maior entre a população indígena do estado do Amazonas e 34 vezes maior entre a população indígena do Mato Grosso do Sul. Entre a população jovem indígena, a taxa de suicídio chega a 446 casos para 100 mil pessoas no Mato Grosso do Sul.
Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a taxa de 12,5 para cada 100 mil pessoas é muito elevada. A conclusão é de que os índices de suicídios dos indígenas no Mato Grosso do Sul “não têm comparação nem no contexto internacional entre os países com taxas de suicídio consideradas trágicas; não resta dúvida de que, neste campo, deveríamos ter condições de formular, de forma rápida e emergencial, políticas e estratégias em condições de enfrentar esse flagelo”.
Enquanto tais políticas não são formuladas e muito menos colocadas em prática pelo Estado, os índios Guarani Kaiowá, desesperados, enfrentam a bala e o poder político e econômico dos fazendeiros num movimento de reocupação de suas terras. Na última década, de forma mais intensa, os Guarani prepararam-se para voltar a habitar as margens de cinco rios: BrilhantesDouradosApaIguatemi e Hovy. Foi o que fez um grupo de 170 índios Kaiowá, que ocuparam há cerca de um ano e meio 2 hectares de mata na beira do rio Hovy, no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul. O lugar é denominado por eles Pyelito Kue-Mbarakay, que significa na língua guarani “terra dos ancestrais”.
No mês de setembro de 2012, o juiz federal Sergio Henrique Bonacheia determinou a expulsão dos indígenas da terra reocupada, alegando que não importava “se as terras em litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima”.
Esse foi o estopim para que os Guarani Kaiowá se mobilizassem e escrevessem uma carta, que teve ampla circulação nas redes sociais, na qual declaravam o desejo de resistência e, ao mesmo tempo, escancaravam as intenções da “nossa” justiça e do nosso tipo de sociedade hegemônica: se seriam de fato expulsos de suas terras, marginalizados em alguma beira de estrada, considerados irrelevantes ou obstáculos ao “progresso e ao desenvolvimento”, então que os fazendeiros e a justiça assumissem sua real face, sua violência e seu desprezo. Eis duas passagens da carta:
1) “(…) avaliamos a nossa situação e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos acampados a 50 metros do rio Hovy, onde já ocorreram quatro mortes, sendo que dois morreram por meio de suicídio e dois em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de 1ano, estamos sem assistência nenhuma, isolados, cercados de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia a dia para recuperar o nosso território antigo Pyelito kue-Mbarakay”.
2) “(…) ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais”.
Depois dessa mobilização, a ordem de despejo foi cancelada ou adiada. O governo corre de um lado para o outro para evitar que a violência manche sua imagem. Não se discute nem se vislumbra tocar nos pontos essenciais que permitem tal violência: o modelo de desenvolvimento em curso, a estratégia de exportação de bens primários (dentre outros, soja e minérios).
Na lógica do crescimento acelerado, para se incluir o Brasil na órbita central do sistema capitalista e financeiro mundial, é preciso “desentravar” terras ocupadas pelos índios, quilombolas, ribeirinhos ou por todos aqueles que não estão dispostos a se render a qualquer custo ao mercado ou a transformar suas terras, rios e florestas em lagos para hidrelétricas, em plataformas de exploração de minério, em pastos para bois ou em lavouras de cana-de-açúcar e soja. Enquanto isso, o governo pretende “apagar as marcas” da violência do sistema capitalista-desenvolvimentista e acalmar movimentos de base e minoritários ao conceder migalhas financeiras e de poder àqueles órgãos responsáveis por proteger e fazer respeitar os grupos minoritários e os direitos difusos: FunaiFundação Cultural PalmaresSecretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Para defender seus próprios interesses, latifundiários e empresas mineradoras se aliam a uma esquerda caduca e erguem uma bandeira cara à ditadura militar: acusam os índios e seus aliados dos movimentos sociais e ambientalistas de estarem a serviço de uma conspiração internacional contra a soberania da nação. Não sem cinismo, calam-se em relação às grandes multinacionais da exploração mineral, das sementes e defensivos agrícolas. Afirmam que as terras indígenas somam 12 ou 13% do território nacional. Omitem que a maior parte dessas terras está localizada na Amazônia, em região de difícil acesso (e, por enquanto, inacessível à exploração mineral e agrícola), e que, para todo o resto do país, apenas 1,5% das terras foram demarcadas para os índios, sendo que, por exemplo, no Mato Grosso do Sul, onde vive boa parte dos Guarani Kaiowá, o território demarcado para os indígenas representa apenas 0,4% da superfície.
A fome dos ruralistas pela terra não tem limite. Depois da tragédia anunciada pela carta dos índios Guarani de Pyelito Kue-Mbarakay, a presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA)Kátia Abreu, assim escreveu na Folha de São Paulo: “É simplificação irreal e equivocada resumir o drama pelo qual passam os 170 índios da etnia guarani-kaiowá a uma simples demanda por terra. […]
Falar em terra é tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder público. […] Mais chão não dá a ele [ao índio] a dignidade que lhe é subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo.” Como já disse Henyo Barreto, não deixa de ser impressionante como o argumento dos ruralistas é expropriatório: a terra é uma questão e necessidade para eles, não para os índios. Mais do que isso, a senadora Abreu está convicta de que os “empreendedores do setor agropecuário” são vítimas: “ocorre aí uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro, desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e outra atrás”. E faz uma ameaça: “Se for da vontade do governo e do povo brasileiro dar mais terra ao índio, que o façam. Mas não à custa dos que trabalham duro para produzir o alimento que chega à mesa de todos nós”.
O que a ruralista está querendo é que os seus pares sejam indenizados se porventura a terra que eles ocuparam dos índios for revertida para uso dos índios. No entanto ela não pronuncia uma palavra sequer sobre a indenização aos índios pelas mortes, expropriações, migrações forçadas e tantas outras sequelas que lhes foram deixadas pelo “empreendedor” agrícola com a conivência do Estado.
Bessa Freire talvez não imaginasse que estava indo além da metáfora quando disse que a relação que o índio tem com a terra é uma relação de “cuidado”, como se cuida de uma flor, enquanto a relação do colonizador ocidental com a terra pode ser descrita com a analogia do estupro: ela deve ser “desbravada”, “desflorada”, “penetrada”.  Uma reportagem do UOL, no dia 5 de novembro de 2012, ouviu de uma índia guarani de 23 anos, da aldeia Pyelito Kue-Mbarakay, que, no final de outubro de 2012, foi coagida por oito pistoleiros para que ela os levasse até os líderes indígenas, e, como se negou, foi vítima de um estupro coletivo.
Alguns dias depois, no Acre, a Polícia Civil prendia Assuero Doca Veronez, acusado de fazer parte de uma rede de prostituição infantil. Assuerro é o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Acre e foi vice-presidente da poderosa Confederação Nacional da Agricultura (CNA), liderada pela senadora Kátia Abreu. A polícia gravou, com autorização judicial, mais de 2,8 mil horas que revelam uma rede intricada de exploração sexual de mulheres, dentre elas meninas entre 14 e 17 anos, sendo que alguns envolvidos chegavam a oferecer mais de R$ 2 mil para ter uma relação sexual com virgens. No dia 5 de novembro de 2012, por determinação do desembargador Francisco Djalma, Veronez foi libertado.
Em julho de 2010, ao lado do ex-governador do Acre, Binho Marques (PT), e dos atuais senadores Jorge Viana (PT) eKátia Abreu (PSD), Assurero Veronez teria dito na inauguração da sede da Federação da Agricultura do Acre: “Eu vejo as imagens da boiada do Acre correndo pelos pastos e eu sinto o meu coração estalar. Eu sinto o peito encher de orgulho e admiração pelo meu país, pelo que nós conseguimos com essa pecuária maravilhosa, construída pelo esforço único e exclusivo dos pecuaristas do Brasil”. E, em seguida, ouvido as elogiosas palavras da amiga Kátia Abreu: “Pode existir alguém no país que conheça de meio ambiente igual ao Assurero. Nunca ninguém mais do que ele. Há 13 anos este homem luta incansavelmente para ver a legislação ambiental modificada. Quero declarar ao Acre a gratidão de 5 milhões de produtores rurais a um acreano de coração, que é o Assurero Doca Veronez”.
A título de contraponto, retornemos às palavras dos índios Guarani e Yanomami, que justificam porque estão preocupados com o futuro da humanidade e porque querem guardar e cuidar bem da terra que lhes foi deixada pelos ancestrais.
Tonico Benites:
Os Guarani e os Kaiowá têm conexão direta com os territórios específicos, consideram-se uma família só, dado que o território é visto por estes indígenas como humano. Eles possuem um forte sentimento religioso de pertencimento ao território, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão religiosa de que foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo. Portanto, eles podem até morrer para salvar a terra. Há um compromisso irrenunciável entre os Guarani e Kaiowá e o guardião/protetor da terra, há um pacto de diálogo e apoio recíproco e mútuo: os Guarani e Kaiowá protegem e gerenciam os recursos da terra e, por sua vez, o guardião da terra vigia e nutre os Guarani e Kaiowá.
David Kopenawa Yanomami:
Se no centro desta cidade [em referência a Nova Iorque, quando por lá passava] as casas são altas e belas, nas suas bordas, elas estão em ruínas. As pessoas que vivem nestes lugares não têm comida e suas roupas são sujas e rasgadas. Quando andei no meio delas, me olharam com os olhos tristes. Isso me dá dó. Os brancos que criaram as mercadorias pensam que são gentes engenhosas e de valor. No entanto, eles são avaros e não têm nenhuma preocupação com aqueles que, dentre eles, são desprovidos de tudo. Como eles podem pensar ser grandes homens e se achar tão inteligentes? Eles não querem saber de nada destes miseráveis que, no entanto, fazem parte deles. Eles os jogam fora e os deixam sofrer sozinhos. Eles nem mesmo os olham, e se contentam, de longe, em lhes atribuir o nome de pobres.
Se destruirmos a terra, será que seremos capazes de recriar uma outra? Quando conheci a terra dos brancos isso me deixou inquieto. Algumas cidades são belas, mas seu barulho não para nunca. Eles correm por elas com carros, nas ruas e mesmo com trens debaixo da terra. Há muito barulho e gente por toda parte. O espírito se toma obscuro e emaranhado, não se pode mais pensar direito. É por isso que o pensamento dos brancos está cheio de vertigem e eles não compreendem nossas palavras. Eles não fazem mais que dizer: “Estamos muito contentes de rodar e de voar! Continuemos! Procuremos petróleo, ouro, ferro!”. O pensamento desses brancos está obstruído, é por isso que eles maltratam a terra, desbravando-a por toda parte, e a cavam até debaixo de suas casas. Eles não pensam que ela vai acabar por desmoronar. Eles não temem cair no mundo subterrâneo. Porém, é assim. Se os “brancos-espíritos-tatus-gigantes” [mineradoras] entram por toda parte sob a terra para retirar os minérios, eles vão se perder e cair no mundo escuro e podre dos ancestrais canibais.
Queremos que a floresta permaneça como é, sempre. Queremos viver nela com boa saúde e que continuem a viver nela os espíritos xapïripë, a caça e os peixes. Cultivamos apenas as plantas que nos alimentam, não queremos fábricas, nem buracos na terra, nem rios sujos. Queremos que a floresta permaneça silenciosa, que o céu continue claro, que a escuridão da noite caia realmente e que se possam ver as estrelas.

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