----Litost é uma palavra tcheca intraduzível em outras línguas. Sua primeira sílaba, que se pronuncia de maneira longa e acentuada, lembra o lamento de um cachorro abandonado. Para o sentido da palavra, procuro inutilmente um equivalente em outras línguas, embora eu tenha dificuldade de imaginar que se possa compreender a alma humana sem ela.
----Vou dar um exemplo: o estudante tomava banho com sua amiga, também estudante, no rio. A moça era esportiva, mas nadava muito mal. Não sabia respirar embaixo d'água, nadava devagar, a cabeça nervosamente levantada acima da superfície. A estudante estava tão irracionalmente apaixonada por ele e era tão delicada que nadava quase tão devagar quanto ele. Mas como o horário de banho estava quase na hora de acabar, ela quiz dar por um instante livre curso a seu instinto esportivo e dirigiu-se à margem oposta num crawl rápido. O estudante fez um esforço para nadar mais depressa, mas engoliu água. Sentiu-se diminuído, desmascarado na sua inferioridade física, e sentiu a litost. Lembrou-se de sua infância doentia, sem exercícios físicos e sem amigos, sob o olhar excessivamente afetuoso da mãe e ficou desesperado consigo mesmo e com a vida. Ao voltarem para casa por um caminho campestre, os dois se conservaram calados. Ferido e humilhado, ele sentia um irresistível desejo de bater nela. "O que está acontecendo com você?", perguntou ela, e ele a censurou: ela sabia muito bem que havia correntes perto da outra margem, ele a tinha proibido de nadar naquele lado, porque ela corria o risco de se afogar - e deu-lhe um tapa no rosto. A moça começou a chorar e, diante das lágrimas em seu rosto, ele sentiu pena dela, tomou-a nos braços e sua litost se dissipou.
----Ou então um outro acontecimento da infância do estudante: seus pais lhe fizeram tomar lições de violino. Ele não era muito dotado, e o professor o interrompia com uma voz fria e insuportável censuranado-lhe os erros. Ele se sentia humilhado e tinha vontade de chorar. Mas, em vez de esforçar-se para tocar de maneira correta e não cometer erros, eis que ele se enganava deliberadamente; a voz do professor ficava ainda mais insuportável e dura, e ele mergulhava cada vez mais na sua litost.
----Então o que é a litost?
----A litost é um estado atormentador nascido do espetáculo de nossa própria miséria repentinamente descoberta.
----Entre os remédios habituais contra nossa própria miséria, há o amor. Pois aquele que é amado de maneira absoluta não pode se sentir miserável. Todas as fraquezas são resgatadas pelo olhar mágico do amor, sob o qual mesmo um nado desajeitado, com a cabeça fora da superfície da água, pode tornar-se sedutor.
(...)
----Aquele que possui uma experiência profunda da imperfeicão própria do homem está relativamente a salvo dos choques da litost. O espetáculo da sua própria miséria é para ele uma coisa banal e sem interesse. A litost é, portanto, própria da idade da inexperiência. É um dos ornamentos da juventude.
-trecho do "O livro do riso e do esquecimento", livro de Milan Kundera. Círculo do Livro, São Paulo, 1978.
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