Atalhos de sentimentos
Querendo encontrar a habibti Ludmila, Horácio seguiu para o show que rolava na praça Tereza Batista, no Pelourinho. Ele ensaiou um texto para entregar a ela, esperava vê-la dançar o chorinho do grupo Mandaia, e sabe que ela não estaria nem aí em ter que colar os pedacinhos depois que tudo acontecesse. Imaginou ela imersa num frenesi, numa catarse musical descolada pela guitarra de Armandinho Macedo. Pela necessidade de expor seu animal esquecido, explorar os timbres dos seus instrumentos e gestos impossíveis, tendo seu interior logo tomado pelo fogo continuaria ganhando presentes de palavras escritas por Horácio durante o carnaval que viveriam, poemas rasgados que seriam entregues no seu endereço, que dizemos hoje e-mail. Eles vestem-se de estímulos intensos permitindo o encontro sem preocupações com o cárcere do racional.
Horácio chegou a um estado que até sua intuição balança fora de prumo. Está à mercê de atitudes irracionais, freando e acelerando. A poesia o transformou num adolescente de cara pintada, suas dimensões o atrapalham, tudo em volta parece tropeçar nele, e ele culpa o resto do mundo por se sentir diferente de tudo e todos. Essa é uma circunstância que o deixa em evidente vulnerabilidade, um tanto tenso ignora o pior, mas isso o deixa pensativo a respeito do que fazer para sair desse mundo desgovernado. De uma certeza ele parece ter, não sabe como se portar ao lado de Ludmila, se vê um molusco desajeitado, um besouro cascudo com fome de verde, quer soltar seu cão para que atravesse a rua correndo o risco de ser atropelado.
Uma idéia intrusa lhe convida insistentemente: decorar um texto deixar-se preencher por um personagem shakespeariano, e apresentar-se na medida de sua volúpia para Ludmila. Quer subir no palco, mas sem pintura, sem guarda-roupa característico de personagem, nada mais precisaria para se realizar. Seria o próprio poeta amante, a se dedicar a usar uma das mais fatais armas da conquista, a poesia. Horácio pensou que também ouviria da platéia um contraponto: “... não vai funcionar, mulher gosta de uma boa pegada, em dado momento ela quer mais é ‘aquilo’, o que ela não tem lhe atrai”. Essa afirmação teve um tamanho certo de provocação, fundamento, como dizem os paraenses e perturbou Horácio pela ênfase no popular, quando os outros caíram na gargalhada de pilha.
Jamir, um conhecido, que estava próximo dessa prosa, já conturbada pelo burburinho da galera dá sua visão e enquadra o caso: “ela precisa de um macho, passei cinco anos de terapia para entender o que significa isso”.
Para Horácio, Ludmila quer mais é ser ouvida, sair um pouco de sua vida normal, quase defeituosa, parar no acostamento para ser acolhida, levada por aventuras nesse momento de caos, para que possa desabar na poesia da vida permitindo-lhe “explodir” em suas vontades não realizadas, permanecer viva e fluir em seus caminhos easy rider.
Na saída do show, uma rápida despedida. Horácio chama Ludmila que já se afastava, e ela ao abraçá-lo diz cuidadosamente no seu ouvido: “tchau meu ‘amiguinho’”. Horácio recebe a palavra carregada de significado, todo verbo com uma sutil vontade de dizer mais, embora já note o sentido do seu lugar no caminho dela se definindo, sua vontade do poeta renegado devia parar por ali, e que não seja o bastante atrevido para levá-la nos braços adiante. Roubá-la para outro mundo. Seu primeiro plano com ela: dançar olhando em seus olhos claros, verdes no mínimo e castanhos no melhor ângulo de proximidade.
Horácio responde: até “amor adolescente” – referindo-se a maneira como ela distinguiu pela sua experiência o que está passando, seus “amores paralelos” - seu “amor clandestino” e o seu “amor adolescente” -, amores que estariam invadindo a sua vida sem cuidar de resultados.
Ludmila agora deixa à mostra a estrela que Horácio lhe presenteou, e chama a atenção dele revelando ter gostado da pedra depositada em prata italiana sobre seu busto. Uma peça com um certo significado para eles. Imagina Horácio que caiu bem no pescoço dela, um lindo objeto e adequado aquela mulher que ele continua amando mesmo que “a distância e o tempo digam não”, há uma razão permitindo entre eles que aproximem os atalhos do coração.
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