O câmbio será a tua herança
A falsa inserção competitiva da economia brasileira nos anos 1990 cobra o seu preço
As políticas de inserção econômica dos anos 1990 de privatização e exposição à concorrência externa cobram seu preço no momento atual
No debate eleitoral, poucos arriscaram a pele para denunciar os estragos causados à indústria brasileira pela combinação entre câmbio valorizado e juros altos, mantida a ferro e fogo, ao longo dos últimos 20 anos.
No período 2004-2010, turbinada pelos preços das commodities e pelos ganhos de renda dos “novos consumidores”, a economia brasileira avançou a taxas satisfatórias. Antes e depois sacolejou os ossos numa trajetória de crescimento medíocre.
Na origem do desempenho pífio está a desestruturação da indústria manufatureira, cuja “realidade” está exposta de forma dramática nas cifras da balança comercial do setor, que exibe um déficit de 105 bilhões de dólares em 2013.
Nascidas das trombadas ideológicas dos anos 1980 e 1990, as políticas macroeconômicas aviadas no Brasil pelos corifeus da “nova economia” provocaram o “encolhimento” das cadeias produtivas em vários setores da indústria, sobretudo nas áreas têxtil, metalmecânica (com destaque para os bens de capital), química e eletroeletrônica. A perda de elos nessas cadeias significou a redução do valor agregado para um mesmo valor bruto da produção, o que, na prática, representa a eliminação de pontos de geração de renda e emprego.
A modernização restringida – em condições de sobrevalorização cambial e ausência de políticas industriais ativas – implicou um aumento brutal da importação de bens de capital e o abandono da nossa própria indústria de equipamentos. Simultaneamente, ocorreu também a especialização de linhas de produção na indústria de insumos pesados, o que resultou no aumento do coeficiente importado. Essa alta dependência das importações passou a ser estrutural e manifesta-se na produção corrente, mesmo em condições de baixo crescimento.
O arranjo entre câmbio e juros afetou de maneira negativa a distribuição setorial do investimento, porquanto puniu a instalação da nova capacidade para a produção de bens transacionáveis, ou seja, aqueles submetidos à concorrência externa. Os dados sobre o investimento direto estrangeiro mostram uma concentração, nada surpreendente, nos setores não afetados pelo comércio exterior, particularmente nos serviços de utilidade pública, nas áreas escolhidas para a privatização e no comércio. Os ciclos de investimento direto estrangeiro ajudaram, portanto, a elevar propensão a importar e a reduzir a propensão a exportar da economia.
Ao contrário do investimento externo dos anos 60 e 70, que mobilizou, direta e indiretamente, projetos destinados a substituir importações e/ou a estimular as exportações, a nova etapa de “integração externa” aumentou consideravelmente a vulnerabilidade da economia brasileira.
Nas últimas décadas, a combinação juros-câmbio desestimulou os projetos voltados para as exportações, promoveu importações “predatórias” e aumentou a participação da propriedade estrangeira no estoque de capital doméstico. Os fatores acima, como é óbvio, vêm concorrendo para retardar a resposta das exportações à desvalorização do câmbio e para aumentar as remessas de lucros, juros e dividendos ao exterior, sem falar nos gastos com viagens internacionais.
O ultraliberalismo dos mercados e de seus acólitos ignorou o papel estratégico dos gastos de investimento público na coordenação das decisões privadas. O resultado teria sido mais virtuoso se o processo de privatização tivesse almejado a diversificação setorial e o fortalecimento financeiro e tecnológico da grande empresa nacional privada, aumentando a sua capacidade de concorrer aqui e lá fora.
Em artigo escrito com Júlio Sérgio Gomes de Almeida, sugeri que a falsa inserção competitiva da economia brasileira está cobrando o seu preço. Falsa, porque as políticas dos anos 1990 entendiam que bastava expor a economia à concorrência externa e privatizar para lograr ganhos de eficiência micro e macroeconômicos. Percorremos o caminho inverso dos asiáticos, que abriram a economia para as importações redutoras de custos. A abertura estava, portanto, comprometida com os ganhos de produtividade voltados para o aumento das exportações. As relações importações/exportações faziam parte das políticas industriais, ou seja, do projeto que combinava o avanço das grandes empresas nacionais nos mercados globais e a proteção do mercado interno. As importações não tinham o objetivo de abastecer o consumo das populações. Estas se beneficiaram, sim, dos ganhos de produtividade e da diferenciação da estrutura produtiva assentada em elevadas taxas de investimento e nos formidáveis ganhos de escala.
O que está sendo visto e ouvido nos arraiais da “boa economia” revela que ainda prevalecem os que patrocinam as desmoralizadas receitas que levaram a economia global à derrocada de 2008.
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