A economia do fundo do poço
Paul
Krugman
24/11/2014 11h34
Seis anos atrás, o Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) chegou ao fundo do poço. Vinha cortando a taxa de
fundos federais, a taxa de juros que usa para orientar a economia, em ritmo
mais ou menos frenético, em uma tentativa mal sucedida de conter a recessão e a
crise financeira. Mas por fim chegou ao ponto em que nenhum outro corte era
possível, porque os juros não podem ser inferiores a zero. Em 16 de dezembro de
2008, o Fed determinou que sua meta para a taxa de juros de referência dos
Estados Unidos ficaria entre zero e 0,25%, onde continua até hoje.
O fato de que tenhamos passado seis anos vivendo
com juro zero é tanto espantoso quanto deprimente. O que é ainda mais espantoso
e deprimente, se você quer saber, é o quanto o nosso discurso econômico vem
demorando para se enquadrar às novas realidades. Tudo muda quando a economia
está no fundo do poço - ou, para usar o jargão correto, em uma armadilha de
liquidez (nem pergunte). Mas, por muito, muito tempo, ninguém que tivesse o
poder de direcionar a política econômica parecia acreditar nisso.
O que quero dizer ao afirmar que tudo muda? Como
escrevi muito tempo atrás, em uma economia que está no fundo do poço, "as
normas usuais de política econômica já não se aplicam: virtude se torna vício,
cautela é risco e prudência é insensatez". Os gastos do governo não
concorrem com o investimento privado, mas na verdade o promovem. Os dirigentes
de bancos centrais, que em geral gostam de cultivar a imagem de inflexíveis
guerreiros contra a inflação, precisam fazer o exato oposto, convencendo os
mercados e investidores de que forçarão uma alta da inflação. A "reforma
estrutural", que em geral significa facilitar o corte de salários, tem
mais chance de destruir do que de criar empregos.
Tudo isso pode soar loucamente radical, mas não é.
Na verdade, é o que a análise econômica convencional diz que acontecerá quando
as taxas de juros chegarem ao zero. E é igualmente aquilo que a história nos
diz. Se você tivesse prestado atenção às lições do Japão pós-bolha, ou, aliás,
às da economia dos Estados Unidos nos anos 30, estaria mais ou menos preparado
para o mundo invertido de política econômica em que vivemos desde 2008.
Mas, como eu disse, ninguém queria acreditar nisso.
No geral, as autoridades econômicas e as pessoas muito sérias tendem a operar
com base em instintos e não em análise econômica cuidadosa. Sim, elas às vezes
encontram economistas credenciados que emprestam apoio às suas posições, mas
usam esses economistas do mesmo modo que um bêbado usa um poste de luz: para
apoio, mas não iluminação. E o que os instintos dessas pessoas tão sérias vêm
lhes dizendo, ano após ano, é que elas devem temer - e fazer - exatamente as
coisas erradas.
Assim, não nos cansamos de ouvir que os deficit
orçamentários são o nosso mais premente problema econômico, que as taxas de
juros disparariam repentinamente a não ser que impuséssemos austeridade fiscal.
Eu poderia ter lhes dito que isso era tolice, e de fato o fiz, e a verdade é
que a disparada dos juros tantas vezes prevista nunca se concretizou - mas as
demandas de que cortássemos já os gastos do governo terminaram por nos custar
milhões de empregos e danificaram profundamente a nossa infraestrutura.
Também ouvimos repetidamente que imprimir dinheiro
- o que não era exatamente o que o Fed estava fazendo, mas isso não importa -
levaria a uma "degradação monetária e inflação". O Fed, para seu
crédito, resistiu a essa pressão, mas outros bancos centrais não o fizeram. O
Banco Central Europeu (BCE), especialmente, elevou suas taxas de juros em 2011
para evitar uma ameaça inflacionária não existente. Mais tarde a instituição
reverteu a decisão, mas jamais conseguiu recolocar as coisas nos trilhos. A
esta altura, a inflação europeia fica muito abaixo da meta oficial de 2%, e o continente
está flertando com deflação escancarada.
Será que todos esses apelos equivocados são coisa do passado? A era da economia no fundo do poço não terá chegado ao fim? Não conte com isso.
Será que todos esses apelos equivocados são coisa do passado? A era da economia no fundo do poço não terá chegado ao fim? Não conte com isso.
É verdade que, com a queda no índice de desemprego
dos Estados Unidos, a maior parte dos analistas antecipa que o Fed volte a
elevar as taxas de juros, em algum momento do ano que vem. Mas a inflação é
baixa, os salários são fracos e o Fed parece compreender que elevar os juros
cedo demais seria desastroso. Enquanto isso, a Europa parece mais longe que
nunca de uma decolagem econômica, e o Japão ainda luta para escapar à deflação.
Oh, e a China, que para alguns de nós começa a lembrar o Japão do final dos
anos 80, pode entrar para o clube do fundo do poço mais cedo do que você
imaginaria.
Assim, as realidades da política econômica na zona
do juro zero, ainda que contrariem as intuições, devem continuar relevantes por
ainda muito tempo, o que torna crucial que as pessoas influentes compreendam
essas realidades. Infelizmente, muitas delas não o fazem ainda; um dos aspectos
mais notáveis do debate econômico dos últimos anos vem sendo a completa recusa
daqueles cujas doutrinas fracassaram no teste da realidade a admitir seus
erros, quanto menos aprender com eles. Os líderes intelectuais da nova maioria
do Congresso ainda insistem em que vivemos em um romance de Ayn Rand; as
autoridades alemãs ainda insistem em que o problema é que os devedores não
sofreram o suficiente.
Isso é um mau presságio. O que as pessoas que estão
no poder não sabem, ou, pior, o que elas pensam saber mas na realidade não
procede, pode certamente nos prejudicar.
Tradução
de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman é prêmio Nobel
de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e
professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da
atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos
científicos publicados.
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