quarta-feira, julho 03, 2013

Uma nova classe trabalhadora brasileira

Uma nova classe trabalhadora

Em artigo para livro '10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma' (Boitempo, 2013), a filósofa Marilena Chauí afirma que uma nova classe trabalhadora se constituiu no país num momento em que políticas econômicas e sociais avançaram em direção à democracia, mas as condições impostas pela economia neoliberal determinaram a difusão da ideologia da competência e da racionalidade do mercado. Com isso, ela se tornou propensa a aderir ao individualismo competitivo e agressivo difundido pela classe média.
1. Surpresas
Alguém que, nos anos 1950 e 1960, conhecesse as terríveis condições de vida e de trabalho das classes populares brasileiras e, naquela época, tivesse viajado por uns tempos pela Europa, seria duplamente surpreendido. Primeira surpresa: veria operários dirigindo pequenos carros (na França, o famoso “dois cavalos” da Renault; na Inglaterra, o “biriba” da Morris; na Itália, o Cinquecento da Fiat), passando as férias com a família (em geral em alguma praia), fazendo compras em lojas de departamento populares (na França, o Prixunic; na Inglaterra, o Woolworths e a C&A), enviando os filhos a creches públicas e, quando maiores, à escola pública de primeiro e segundo graus, às escolas técnicas e mesmo às universidades. Também veria que os trabalhadores tinham direito, assim como suas famílias, a hospitais públicos e medicamentos gratuitos e, evidentemente, possuíam casa própria. Era a Europa do período fordista do capitalismo industrial, portanto da linha de montagem e fabricação em série de produtos cujo custo barateado permitia o consumo de massa. Mas era, sobretudo, a Europa da economia keynesiana, quando as lutas anteriores dos trabalhadores organizados haviam levado à eleição de governantes de centro ou de esquerda e ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social, no qual uma parte considerável do fundo público era destinada, sob a forma de salário indireto, aos direitos sociais, reivindicados e, agora, conquistados pelas lutas dos trabalhadores. Segunda surpresa: a diferença profunda entre, por exemplo, a situação dos trabalhadores suecos – desde os salários e direitos sociais até os direitos culturais – e a dos espanhóis, portugueses e gregos, ainda submetidos a ditaduras fascistas e forçados a emigrar para o restante da Europa em busca de melhores condições de vida e de trabalho.
Entretanto, não passaria pela cabeça de ninguém dizer que os trabalhadores europeus haviam ascendido à classe média. Curiosamente, é o que se diz hoje dos trabalhadores brasileiros, após dez anos de políticas contrárias ao neoliberalismo.
2. A catástrofe neoliberal
Diante da classe trabalhadora que descrevemos acima, não foi por acaso, em meados dos anos 1970, quando o déficit fiscal do Estado e a estagflação abriram uma crise no capitalismo, que os ideólogos conservadores ofereceram uma suposta explicação para ela: a crise, disseram eles, foi causada pelo poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos operários, que pressionaram por aumentos salariais e exigiram o aumento dos encargos sociais do Estado. Teriam, dessa maneira, destruído os níveis de lucro requeridos pelas empresas, desencadeado processos inflacionários incontroláveis e provocado o aumento colossal da dívida pública.
Feito o diagnóstico, também ofereceram o remédio: um Estado forte para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos populares, controlar o dinheiro público e cortar drasticamente os encargos sociais e os investimentos na economia, tendo como meta principal a estabilidade monetária por meio da contenção dos gastos sociais e do aumento da taxa de desemprego para formar um exército industrial de reserva que acabasse com o poderio das organizações trabalhadoras. Tratava-se, portanto, de um Estado que realizasse uma reforma fiscal para incentivar os investimentos privados, reduzindo os impostos sobre o capital e as fortunas e aumentando os impostos sobre a renda individual e, assim, sobre o trabalho, o consumo e o comércio. Finalmente, um Estado que se afastasse da regulação da economia, privatizando as empresas públicas e deixando que o próprio mercado operasse a desregulação, ou, traduzindo em miúdos, a abolição dos investimentos estatais na produção e do controle estatal sobre o fluxo financeiro, a drástica legislação antigreve e o vasto programa de privatização. Pinochet, no Chile, Thatcher, na Grã-Bretanha, e Reagan, nos Estados unidos, tornaram-se a ponta de lança política desse programa.
Com o encolhimento do espaço público dos direitos e a ampliação do espaço privado dos interesses de mercado, nascia o neoliberalismo, cujos traços principais podem ser assim resumidos:
1. A desativação do modelo industrial de tipo fordista, baseado no planejamento, na funcionalidade e no longo prazo do trabalho industrial, com a centralização e verticalização das plantas industriais, grandes linhas de montagens concentradas num único espaço, formação de grandes estoques orientados pelas ideias de qualidade e durabilidade dos produtos, e numa política salarial articulada ao Estado (o salário direto articulado ao salário indireto, isto é, aos benefícios sociais assegurados pelo Estado). Em contrapartida, no neoliberalismo, a produção opera por fragmentação e dispersão de todas as esferas e etapas do trabalho produtivo, com a compra e venda de serviços no mundo inteiro, isto é, com a terceirização e precarização do trabalho. Desarticulam-se as formas consolidadas de negociação salarial e se desfazem os referenciais que permitiam à classe trabalhadora perceber-se como classe e lutar como classe social, enfraquecendo-se ao se dispersar nas pequenas unidades terceirizadas, de prestação de serviços, no trabalho precarizado e na informalidade, que se espalharam pelo planeta. Desponta uma nova classe trabalhadora cuja composição e definição ainda estão longe de ser compreendidas.
2. O desemprego torna-se estrutural, deixando de ser acidental ou expressão de uma crise conjuntural, porque a forma contemporânea do capitalismo, ao contrário de sua forma clássica, não opera por inclusão de toda a sociedade no mercado de trabalho e de consumo, mas por exclusão, que se realiza não só pela introdução ilimitada de tecnologias de automação, mas também pela velocidade da rotatividade da mão de obra, que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas. Como consequência, tem-se a perda de poder dos sindicatos, das organizações e movimentos populares e o aumento da pobreza absoluta.
3. O deslocamento do poder de decisão do capital industrial para o capital financeiro, que se torna o coração e o centro nervoso do capitalismo, ampliando a desvalorização do trabalho produtivo e privilegiando a mais abstrata e fetichizada das mercadorias, o dinheiro, porém não como mercadoria equivalente para todas as mercadorias, mas como moeda ou expressão monetária da relação entre credores e devedores, provocando, assim, a passagem da economia ao monetarismo. Essa abstração transforma a economia no movimento fantasmagórico das bolsas de valores, dos bancos e financeiras – fantasmagórico porque não operam com a materialidade produtiva e sim com signos, sinais e imagens do movimento vertiginoso das moedas.
4. No Estado do Bem-Estar Social, a presença do fundo público sob a forma do salário indireto (os direitos econômicos e sociais) desatou o laço que prendia o capital à força de trabalho (ou ao salário direto). Esse laço era o que, tradicionalmente, forçava a inovação técnica pelo capital a ser uma reação ao aumento real de salário1 e, ao ser desatado, três consequências se impuseram: a) o impulso à inovação tecnológica tornou-se praticamente ilimitado, provocando expansão dos investimentos e agigantamento das forças produtivas cuja liquidez é impressionante, mas cujo lucro não é suficiente para concretizar todas as possibilidades tecnológicas, exigindo o financiamento estatal; b) o desemprego passou a ser estrutural não só pela introdução ilimitada de tecnologias de automação, mas também pela velocidade da rotatividade da mão de obra, que se torna desqualificada e obsoleta muito rapidamente em decorrência da velocidade das mudanças tecnológicas, ampliando a fragmentação da classe trabalhadora e diminuindo o poder de suas organizações; c) o aumento do setor de serviços também se torna estrutural, deixando de ser um suplemento à produção, visto que, agora, sob a designação de tecnociência, a ciência e a tecnologia tornaram-se forças produtivas, deixando de ser mero suporte do capital para se converter em agentes de sua acumulação; com isso, mudou o modo de inserção social do conhecimento científico e técnico, de maneira que cientistas e técnicos se tornaram agentes econômicos diretos. A força e o poder capitalistas encontram-se no monopólio dos conhecimentos e da informação.
5. A transnacionalização da economia reduz a importância da figura do Estado nacional como enclave territorial para o capital e dispensa as formas clássicas do imperialismo – colonialismo político-militar, geopolítica de áreas de influência etc. –, de sorte que o centro econômico, jurídico e político planetário encontra-se no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial, que operam com um único dogma: estabilidade monetária e corte do déficit público.
6. A distinção entre países de Primeiro e terceiro Mundo tende a ser acrescida com a existência, em cada país, de uma divisão entre bolsões de riqueza absoluta e de miséria absoluta, isto é, a polarização de classes surge como polarização entre a opulência absoluta e a indigência absoluta.
3. A mudança a caminho
Em política, há ações e acontecimentos com força para se tornar simbólicos. é assim que podemos contrapor dois momentos simbólicos que marcaram a política brasileira entre 1990 e 2002: o primeiro nos leva de volta ao “bolo de noiva”, que inaugurou a era Collor; o segundo, à pergunta singela feita pelo recém-eleito presidente da república aos âncoras do Jornal nacional da Rede Globo, na noite de 28 de outubro de 2002.
No final da campanha presidencial de 1989 e na fase de transição entre novembro de 1989 e janeiro de 1990, um fato novo marcou a política brasileira: em primeiro plano, tanto nos discursos como nos debates e na prática, veio a economista Zélia Cardoso de Melo com sua equipe técnica. As decisões fundamentais partiam desse grupo, que se reunia em Brasília num edifício apelidado “bolo de noiva” e de lá vieram medidas econômicas que definiram o governo de Fernando Collor, no qual o discurso político foi suplantado pelo técnico-econômico. Neste, surgia, imperial, uma nova figura: o mercado, cuja fantasmagoria só entraria em pleno funcionamento no período de 1994 a 2002, quando a população brasileira passou a ouvir curiosas expressões, tais como “os mercados estão nervosos”, “os mercados estão agitados”, “os mercados se acalmaram”, “os mercados não aprovaram”, como se “os mercados” fossem alguém!
Na noite de 28 de outubro de 2002, no final do Jornal nacional da Rede Globo de televisão, quando os âncoras falavam sobre as cotações das bolsas de valores, do dólar e do real, e sobre a agitação e calmaria dos “mercados”, o presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, que estava sendo entrevistado, perguntou com um sorriso levemente irônico: “Vocês não têm outros assuntos? Cadê a fome, o desemprego, a miséria, a desigualdade social?”. Essa indagação singela, unida ao pronunciamento feito algumas horas antes, anunciando a criação da Secretaria de Emergência Social, cuja prioridade era o combate à fome, demarcou simbolicamente o novo campo da política no Brasil: os direitos civis, econômicos e sociais são prioritários e comandam as ações técnico-econômicas, pois a democracia é a única forma política em cujo núcleo está a ideia de direitos, tanto de sua criação pela sociedade, como de sua garantia e conservação pelo Estado.
O “bolo de noiva” simbolizou a entrada do país no modelo neoliberal. O pronunciamento e a pergunta do novo presidente da república simbolizaram a decisão de sair desse modelo.
Entre esses dois momentos, intercalam-se os governos de Fernando Henrique Cardoso, que tornaram esse modelo hegemônico ao realizar a chamada reforma e modernização do Estado, isto é, a adoção do neoliberalismo como princípio definidor da ação estatal (privatização dos direitos sociais, convertidos em serviços vendidos e comprados no mercado, privatização das empresas públicas, direcionamento do fundo público para o capital financeiro etc.). Para legitimar essa decisão política, foram mobilizadas as duas grandes ideologias contemporâneas: a da competência e a da racionalidade do mercado.
A ideologia da competência afirma que aqueles que possuem determinados conhecimentos têm o direito natural de mandar e comandar os que supostamente são ignorantes, de tal maneira que a divisão social das classes aparece como divisão entre dirigentes competentes e executantes que apenas cumprem ordens. Essa ideologia, dando enorme destaque à figura do “técnico competente”, tem a peculiaridade de esquecer a essência mesma da democracia, qual seja, a ideia de que os cidadãos têm direito a todas as informações que lhes permitam tomar decisões políticas porque são todos politicamente competentes para opinar e deliberar, e que somente após a tomada de decisão política há de se recorrer aos técnicos, cuja função não é deliberar nem decidir, mas implementar da melhor maneira as decisões políticas tomadas pelos cidadãos e por seus representantes.
Por sua vez, a ideologia neoliberal afirma que o espaço público deve ser encolhido ao mínimo enquanto o espaço privado dos interesses de mercado deve ser alargado, pois considera o mercado portador de racionalidade para o funcionamento da sociedade. Ela se consolidou no Brasil com o discurso da modernização, no qual modernidade significava apenas três coisas: enxugar o Estado (entenda-se: redução dos gastos públicos com os direitos sociais), importar tecnologias de ponta e gerir os interesses da finança nacional e internacional.
Essa ideologia propagou-se pela vida cotidiana brasileira, bastando observar o que acontecia nos noticiários dos meios de comunicação. As cotações das bolsas de valores do mundo inteiro, assim como as das moedas, o comportamento do FMI, do Banco Mundial e dos bancos privados passaram para as primeiras páginas dos jornais, para o momento “nobre” dos noticiários de rádio e televisão, alguns canais chegando mesmo a manter na tela faixas com a variação das cotações das bolsas de valores e das moedas minuto por minuto. A subida ou descida do valor do dólar, do euro e do real, o “risco Brasil”, as falas dos dirigentes do FMI, do Banco Central norte-americano, dos economistas ingleses, franceses e alemães passaram a ocupar o lugar de honra e, nos noticiários matinais, a exibição cotidiana da abertura do pregão da bolsa de valores em Wall Street assumiu a aparência de uma oração ou de uma missa, rivalizando com o que, no mesmo horário, se passava nas rádios e canais de televisão propriamente religiosos.
Ora, o neoliberalismo não é, de maneira nenhuma, a crença na racionalidade do mercado e o enxugamento do Estado, e sim a decisão de cortar o fundo público no polo de financiamento dos bens e serviços públicos (isto é, dos direitos sociais) e maximizar o uso da riqueza pública nos investimentos exigidos pelo capital. A compreensão dessa verdade veio expressar-se na decisão dos eleitores de fazer valer a reivindicação por uma nova forma de gestão do fundo público, na qual a bússola é a defesa dos direitos sociais.
4. Uma nova classe trabalhadora brasileira
Estudos, pesquisas e análises mostram que houve uma mudança profunda na composição da sociedade brasileira, graças aos programas governamentais de transferência da renda, inclusão social e erradicação da pobreza, à política econômica de garantia do emprego e elevação do salário mínimo, à recuperação de parte dos direitos sociais das classes populares (sobretudo alimentação, saúde, educação e moradia), à articulação entre esses programas e o princípio do desenvolvimento sustentável e aos primeiros passos de uma reforma agrária que permita às populações do campo não recorrer à migração forçada em direção aos centros urbanos.
De modo geral, utilizando a classificação dos institutos de pesquisa de mercado e da sociologia, costuma-se organizar a sociedade numa pirâmide seccionada em classes designadas como A, B, C, D e E, tomando como critério a renda, a propriedade de bens imóveis e móveis, a escolaridade e a ocupação ou profissão. Por esse critério, chegou-se à conclusão de que, entre 2003 e 2011, as classes D e E diminuíram consideravelmente, passando de 96,2 milhões de pessoas a 63,5 milhões; já no topo da pirâmide houve crescimento das classes A e B, que passaram de 13,3 milhões de pessoas a 22,5 milhões. A expansão verdadeiramente espetacular, contudo, ocorreu na classe C, que passou de 65,8 milhões de pessoas a 105,4 milhões. Essa expansão tem levado à afirmação de que cresceu a classe média brasileira, ou melhor, de que teria surgido uma nova classe média no país.
Sabemos, entretanto, que há outra maneira de analisar a divisão social das classes, tomando como critério a forma da propriedade. No modo de produção capitalista, a classe dominante é proprietária privada dos meios sociais de produção (capital produtivo e capital financeiro); a classe trabalhadora, excluída desses meios de produção e neles incluída como força produtiva, é proprietária da força de trabalho, vendida e comprada sob a forma de salário. Marx falava em pequena burguesia para indicar uma classe social que não se situava nos dois polos da divisão social constituinte do modo de produção capitalista. A escolha dessa designação decorria de dois motivos principais em primeiro lugar, para afastar-se da noção inglesa de middle class, que indicava exatamente a burguesia, situada entre a nobreza e a massa trabalhadora; em segundo, para indicar, por um lado, sua proximidade social e ideológica com a burguesia, e não com os trabalhadores, e, por outro, indicar que, embora não fosse proprietária privada dos meios sociais de produção, poderia ser proprietária privada de bens móveis e imóveis. Numa palavra, encontrava-se fora do núcleo central do capitalismo: não era detentora do capital e dos meios sociais de produção e não era a força de trabalho que produz capital; situava-se nas chamadas profissões liberais, na burocracia estatal (ou nos serviços públicos) e empresarial (ou na administração e gerência), na pequena propriedade fundiária e no pequeno comércio.
É a sociologia, sobretudo a de inspiração estadunidense, que introduz a noção de classe média para designar esse setor socioeconômico, empregando, como dissemos acima, os critérios de renda, escolaridade, profissão e consumo, a pirâmide das classes A, B, C, D e E, e a célebre ideia de mobilidade social para descrever a passagem de um indivíduo de uma classe para outra.
Se abandonarmos a descrição sociológica, se ficarmos com a constituição das classes sociais no modo de produção capitalista (ainda que adotemos a expressão “classe média”), se considerarmos as pesquisas que mencionamos ao iniciar este texto e os números que elas apresentam relativos à diminuição e ao aumento do contingente nas três classes sociais, poderemos chegar a algumas conclusões:
1. Os projetos e programas de transferência de renda e garantia de direitos sociais (educação, saúde, moradia, alimentação) e econômicos (aumento do salário mínimo, políticas de garantia do emprego, salário-desemprego, reforma agrária, cooperativas da economia solidária etc.) indicam que o que cresceu no Brasil foi a classe trabalhadora, cuja composição é complexa, heterogênea e não se limita aos operários industriais e agrícolas.
2. O critério dos serviços como definidor da classe média não se mantém na forma atual do capitalismo porque a ciência e as técnicas (a chamada tecnociência) se tornaram forças produtivas e os serviços por elas realizados ou delas dependentes estão diretamente articulados à acumulação e reprodução do capital. Em outras palavras, o crescimento de assalariados no setor de serviços não é crescimento da classe média, e sim de uma nova classe trabalhadora heterogênea, definida pelas diferenças de escolaridade e pelas habilidades e competências determinadas pela tecnociência. De fato, no capitalismo industrial, as ciências, ainda que algumas delas fossem financiadas pelo capital, se realizavam, em sua maioria, em pesquisas autônomas cujos resultados poderiam levar a tecnologias aplicadas pelo capital na produção econômica. Essa situação significava que cientistas e técnicos pertenciam à classe média. Hoje, porém, as ciências e as técnicas tornaram-se parte essencial das forças produtivas e por isso cientistas e técnicos passaram da classe média à classe trabalhadora como produtores de bens e serviços articulados à relação entre capital e tecnociência. Dessa maneira, renda, propriedade e escolaridade não são critérios para distinguir entre os membros da classe trabalhadora e os da classe média.
3. O critério da profissão liberal também se tornou problemático para definir a classe média, uma vez que a nova forma do capital levou à formação de empresas de saúde, advocacia, educação, comunicação, alimentação etc., de maneira que seus componentes se dividem entre proprietários privados e assalariados, e estes devem ser colocados (mesmo que vociferem contra isso) na classe trabalhadora.

4. A figura da pequena propriedade familiar também não é critério para definir a classe média porque a economia neoliberal, ao desmontar o modelo fordista, fragmentar e terceirizar o trabalho produtivo em milhares de microempresas (grande parte delas, familiares) dependentes do capital transnacional, transformou esses pequenos empresários em força produtiva que, juntamente com os prestadores individuais de serviços (seja na condição de trabalhadores precários, seja na condição de trabalhadores informais), é dirigida e dominada pelos oligopólios multinacionais, em suma, os transformou numa parte da nova classe trabalhadora mundial.
Restaram, portanto, as burocracias estatal e empresarial, o serviço público, a pequena propriedade fundiária e o pequeno comércio não filiado às grandes redes de oligopólios transnacionais como espaços para alocar a classe média. No Brasil, esta se beneficiou com as políticas econômicas dos últimos dez anos, também cresceu e prosperou.
Assim, se retornarmos ao exemplo do viajante brasileiro na Europa dos anos 1950 e 1960, diremos que a nova classe trabalhadora brasileira começa, finalmente, a ter acesso aos direitos sociais e a se tornar participante ativa do consumo de massa. Como a tradição autoritária da sociedade brasileira não pode admitir a existência de uma classe trabalhadora que não seja constituída pelos miseráveis deserdados da terra, os pobres desnutridos, analfabetos e incompetentes, imediatamente passou-se a afirmar que surgiu uma nova classe média, pois isso é menos perigoso para a ordem estabelecida do que uma classe trabalhadora protagonista social e política.
Ao mesmo tempo, entretanto, quando dizemos que se trata de uma nova classe trabalhadora consideramos que a novidade não se encontra apenas nos efeitos das políticas sociais e econômicas, mas também nos dois elementos trazidos pelo neoliberalismo, quais sejam, de um lado, a fragmentação, terceirização e precarização do trabalho e, de outro, a incorporação à classe trabalhadora de segmentos sociais que, nas formas anteriores do capitalismo, teriam pertencido à classe média. Dessa nova classe trabalhadora pouco se sabe até o momento.
5. Classe média: como desatar o nó?
Uma classe social não é um dado fixo, definido apenas pelas determinações econômicas, mas um sujeito social, político, moral e cultural que age, se constitui, interpreta a si mesmo e se transforma por meio da luta de classes. Ela é uma práxis, ou como escreveu E. P. Thompson, um fazer-se histórico. Ora, se é nisso que reside a possibilidade transformadora da classe trabalhadora, é nisso também que reside a possibilidade de ocultamento de seu ser e o risco de sua absorção ideológica pela classe dominante, sendo
O primeiro sinal desse risco justamente a difusão de que há uma nova classe média no Brasil. E é também por isso que a classe média coloca uma questão política de enorme relevância.
Estando fora do núcleo econômico definidor do capitalismo, a classe média encontra-se também fora do núcleo do poder político: ela não detém o poder do Estado nem o poder social da classe trabalhadora organizada. Isso a coloca numa posição que a define menos por sua posição econômica e muito mais por seu lugar ideológico, e este tende a ser contraditório.
Por sua posição no sistema social, a classe média tende a ser fragmentada, raramente encontrando um interesse comum que a unifique. Todavia, certos setores, como é o caso dos estudantes, dos funcionários públicos, dos intelectuais e de lideranças religiosas, tendem a se organizar e a se opor à classe dominante em nome da justiça social, colocando-se na defesa dos interesses e direitos dos excluídos, dos espoliados, dos oprimidos; numa palavra, tendem para a esquerda e, via de regra, para a extrema esquerda e o voluntarismo. No entanto, essa configuração é contrabalançada por outra exatamente oposta. Fragmentada, perpassada pelo individualismo competitivo, desprovida de um referencial social e econômico sólido e claro, a classe média tende a alimentar o imaginário da ordem e da segurança porque, em decorrência de sua fragmentação e de sua instabilidade, seu imaginário é povoado por um sonho e por um pesadelo: seu sonho é tornar-se parte da classe dominante; seu pesadelo é tornar-se proletária. Para que o sonho se realize e o pesadelo não se concretize, é preciso ordem e segurança. Isso torna a classe média ideologicamente conservadora e reacionária, e seu papel social e político é o de assegurar a hegemonia ideológica da classe dominante, fazendo com que essa ideologia, por intermédio da escola, da religião, dos meios de comunicação, se naturalize e se espalhe pelo todo da sociedade. é sob essa perspectiva que se pode dizer que a classe média é a formadora da opinião social e política conservadora e reacionária.
Cabe ainda particularizar a classe média brasileira, que, além dos traços anteriores, é também determinada pela estrutura autoritária da sociedade brasileira. De fato, conservando as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira é marcada pelo predomínio do espaço privado sobre o público e, tendo o centro na hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos: nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência, e as desigualdades são naturalizadas. As relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade; e, entre aqueles que são vistos como desiguais, o relacionamento toma a forma do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação, e, quando a desigualdade é muito marcada, assume a forma da opressão. A divisão social das classes é sobredeterminada pela polarização entre a carência (das classes populares) e o privilégio (da classe dominante), que é acentuada e reforçada pela adoção da economia neoliberal. Visto que uma carência é sempre particular, ela se distingue do interesse, que pode ser comum, e do direito, que é sempre universal. Visto que o privilégio é sempre particular, não pode unificar-se num interesse comum e jamais pode transformar-se num direito, pois, nesse caso, deixaria de ser privilégio. Compreende-se, portanto, a dificuldade para instituir no Brasil a democracia, que se define pela criação de novos direitos pela sociedade e sua garantia pelo Estado.
Parte constitutiva da sociedade brasileira, a classe média não só incorpora e propaga ideologicamente as formas autoritárias das relações sociais, como também incorpora e propaga a naturalização e valorização positiva da fragmentação e dispersão socioeconômica, trazidas pela economia neoliberal e defendidas ideologicamente pelo estímulo ao individualismo competitivo agressivo e ao sucesso a qualquer preço pela astúcia para operar com os procedimentos do mercado.
Ora, por mais que, no Brasil, as políticas econômicas e sociais tenham avançado em direção à democracia, as condições impostas pela economia neoliberal determinaram, como vimos, a difusão por toda a sociedade da ideologia da competência e da racionalidade do mercado como competição e promessa de sucesso. Uma vez que a nova classe trabalhadora brasileira se constituiu no interior desse momento do capitalismo, marcado pela fragmentação e dispersão do trabalho produtivo, de terceirização, precariedade e informalidade do trabalho, percebido como prestação de serviço de indivíduos independentes que se relacionam com outros indivíduos independentes na esfera do mercado de bens e serviços, ela se torna propensa a aderir ao individualismo competitivo e agressivo difundido pela classe média. Em outras palavras, o ser do social permanece oculto e por isso ela tende a aderir ao modo de aparecer do social como conjunto heterogêneo de indivíduos e interesses particulares em competição. E ela própria tende a acreditar que faz parte de uma nova classe média brasileira.
Essa crença é reforçada por sua entrada no consumo de massa.
De fato, do ponto de vista simbólico, a classe média substitui a falta de poder econômico e de poder político, que a definem, seja pela guinada ao voluntarismo de esquerda, seja voltando-se para a direita pela busca do prestígio e dos signos de prestígio, como os diplomas e os títulos vindos das profissões liberais, e pelo consumo de serviços e objetos indicadores de autoridade, riqueza, abundância, ascensão social – a casa no “bairro nobre” com quatro suítes, o carro importado, a roupa de marca etc. Em outras palavras, o consumo lhe aparece como ascensão social em direção à classe dominante e como distância intransponível entre ela e a classe trabalhadora. Esta, por sua vez, ao ter acesso ao consumo de massa tende a tomar esse imaginário por realidade e a aderir a ele.
Se, pelas condições atuais de sua formação, a nova classe trabalhadora brasileira está cercada por todos os lados pelos valores e símbolos neoliberais difundidos pela classe média, como desatar esse nó?
6. Para finalizar
Se a política democrática corresponde a uma sociedade democrática e se no Brasil a sociedade é autoritária, hierárquica, vertical, oligárquica, polarizada entre a carência e o privilégio, só será possível dar continuidade a uma política democrática enfrentando essa estrutura social. A ideia de inclusão social não é suficiente para derrubar essa polarização. Esta só pode ser enfrentada se o privilégio for enfrentado e este só será enfrentado por meio de quatro grandes ações políticas: uma reforma tributária que opere sobre a vergonhosa concentração da renda e faça o Estado passar da política de transferência de renda para a da distribuição e redistribuição da renda; uma reforma política, que dê uma dimensão republicana às instituições públicas; uma reforma social, que consolide o Estado do bem-estar social como política do Estado e não apenas como programa de governo; e uma política de cidadania cultural capaz de desmontar o imaginário autoritário, quebrando o monopólio da classe dominante sobre a esfera dos bens simbólicos e sua difusão e conservação por meio da classe média.
Mas a ação do Estado só pode ir até esse ponto. A continuidade da construção de uma sociedade democrática só pode ser a práxis da classe trabalhadora e por isso é fundamental que ela própria, como já o fez tantas outras vezes na história e tão claramente no Brasil, nos anos 1980 e 1990, encontre, em meio às adversidades impostas pelo modo de produção capitalista, caminhos novos de organização, crie suas formas de luta e de expressão autônoma, seja o sujeito de seu fazer.
Crônicas paulistanas
Era a manhã de uma quinta-feira, no “bairro nobre” de Higienópolis, em São Paulo. Pelas ruas, uma passeata, alguns folhetos e cartazes: os moradores de classe média “alta” do bairro puseram-se em movimento para impedir a construção de uma estação de metrô em sua vizinhança, alegando que a presença cotidiana de trabalhadores em trânsito traria violência, perigo, sujeira e crime, ameaçando a ordem e a segurança da região.
Era um sábado à noite. Nos aeroportos de Congonhas e Guarulhos, centenas de passageiros enfrentavam uma situação caótica: voos atrasados, alguns cancelados, outros transferidos de um setor para outro dos aeroportos, sem aviso prévio. Muita confusão. Uma parcela dos passageiros, com valises estampando griffes famosas para marcar sua posição de “alta” classe média, manifestou coletivamente seu profundo desagrado e, aqui e acolá, ouvia-se o mesmo refrão: “é isto o presente de grego deste governo. Entupiu os aeroportos com a gentalha que deveria estar nas estações rodoviárias, onde é o seu lugar!”.
Era um domingo à tarde. Precisei ir ao banco para fazer uma retirada de dinheiro.
Para as despesas da semana. Meu genro me deu uma carona, mas ao chegar à agência bancária não lhe foi possível estacionar porque as três entradas para carros estavam obstruídas por um enorme automóvel prateado, cujos vidros escuros impediam-nos de saber se havia alguém ali. Desci no meio da rua e ao me dirigir ao banco voltei-me para o veículo prateado e indaguei em voz bem alta, pois não sabia se, além de escuros, impedindo a visão, os vidros também seriam blindados, impedindo a entrada de algum som:
– Há alguém aí? Vocês vão ao banco? Estão impedindo o estacionamento de outros carros!
Nenhuma resposta.
Entrei na agência bancária e ia começar uma operação quando uma moça, toda faceira, vestida, calçada e maquiada com todas as marcas grã-finas, se aproximou e gritou:
– Não tem educação, não? Vai gritando assim pela rua? Retruquei:
– Você ocupou todo o espaço disponível para o estacionamento dos carros e eu não sabia sequer se havia alguém no seu carro.
Nesse exato momento, entrou um homem (não tão moço quanto ela, mas também coberto de griffes da alta moda) e gritou:
– Você pensa que eu vou estacionar o meu Mercedes em qualquer lugar? Foi a conta. Do fundo das minhas entranhas veio o brado:
– Você é o típico representante da classe média paulistana! Fascista! Você é uma abominação política!
Por alguns segundos ele ficou sem ação, mas a moça não teve dúvidas: me bateu. Voltei-me para ela:
– Você vai passar da violência verbal para a violência física? Você é uma abominação ética!

Os dois se entreolharam perplexos e ele retomou a iniciativa:
– Você é uma velha feia!
Foi a sopa no mel. Repliquei:
– A minha idade é um fato da natureza, é um dado objetivo. Você não pode transformar um dado da natureza num xingamento. Você é uma abominação cognitiva!
Os dois ficaram imóveis por um momento e partiram sem dizer mais nada.
Na verdade, foram derrotados naquilo em que, certamente, são sempre vitoriosos: seu intento, típico de classe média, de fazer valer o “sabe com quem está falando?”. De fato, suas falas procuraram automática e imediatamente estabelecer uma relação de hierarquia, em que eles eram a parte superior e eu, a parte inferior do pedaço: não tenho educação, não sei o valor de um Mercedes, devo mesmo apanhar e sou uma velha feia diante de dois jovens (ele, nem tanto) elegantes e bonitos. O intento era me inferiorizar e me humilhar, isto é, me pôr no meu lugar. Afinal, o que é que estou pensando que sou?
Fonte: Carta Maior | Política, 02/07/2013.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22284

sexta-feira, maio 24, 2013

movimento bastante problemático

Economia verde e financeirização da natureza

Transformar a atmosfera, o oxigênio, os rios, os oceanos, as florestas, os subsolos em mercadorias já é movimento bastante problemático. Permanecer aceitando que os rumos desse tipo de atividade sejam determinados apenas pelo ritmo da especulação financeira é colocar uma verdadeira pá de cal na já exígua credibilidade do conceito de economia verde.

Paulo Kliass
Às vésperas de completarmos um ano da organização da tão badalada “Rio + 20”, realizada em meados de junho de 2012, muito pouco temos a comemorar no campo das mudanças efetivas no modelo que determina, de forma hegemônica, as relações econômicas no mundo globalizado.
O clima de grandes expectativas criadas em torno do evento, que deveria propiciar um balanço de 2 décadas após a realização da Conferência da ONU de 1992, foi por demais otimista. Estava claro que tal animação não correspondia à realidade da crise econômica internacional e da quase impossibilidade de que os países mais importantes do mundo avançassem alguns milímetros na direção de um sistema menos comprometedor do futuro da Humanidade.
“Rio + 20” e a economia verde
A polêmica toda se deu em torno da avaliação de supostos avanços ou recuos que poderiam estar contidos nos termos da declaração final do encontro. O famoso documento “O futuro que queremos” sintetizava os limites da costura possível entre as proposições das delegações oficiais e das representações das associações e entidades da sociedade civil organizada. Ora, como toda peça resultante de evento de natureza multilateral, o documento procurava expressar algum grau de consenso, a ser obtido entre as representações diplomáticas participantes, a respeito dos temas em questão. Assim, o fato de incorporar o conceito de “economia verde” foi muito criticado por correntes vinculadas ao movimento ambientalista, ao passo que o fato do termo sempre estar acompanhado da expressão “no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” era saudado por outros grupos como sinalização de um avanço importante.
O fato concreto é que a Rio + 20 deu-se num contexto de dominação política, social e econômica dos valores associados a um modelo que privilegia a exploração descontrolada e desregulada dos recursos naturais e da força de trabalho, na perspectiva da geração e da apropriação privada dos lucros de tais empreendimentos. Some-se a esse quadro a crença de que a solução do ainda tão idolatrado “mercado” seja sempre o mecanismo mais “eficiente” para a busca das soluções de equilíbrio entre os diversos fatores e atores envolvidos no complexo jogo de interesses do mundo globalizado. 
Toda e qualquer avaliação mais realista e dotada de bom senso deveria levar em consideração os limites de tal conjuntura. Infelizmente, havia - como ainda continua a haver - pouco espaço para avanços expressivos no campo dos consensos diplomáticos. Afinal, nem mesmo os Estados Unidos aceitaram assinar o já antigo Protocolo de Kyoto (já referendado por mais de 170 países), a respeito de um compromisso para redução da emissão de gases comprometedores do efeito estufa. De outra parte, é necessário recordar que a maioria dos países se volta atualmente para a China, na esperança de que o ritmo de crescimento do gigante asiático seja o elemento de salvação para a recuperação da economia internacional.
As diferentes interpretações da economia verde
O termo “economia verde” vem sendo utilizado há mais tempo em vários circuitos: ambientalista, empresarial, governamental, organismos multilaterais, meios de comunicação, entre outros. Como toda novidade que ainda não foi devidamente digerida e serve para cobrir um nível de ansiedade social a respeito de tema que não apresenta soluções fáceis a curto prazo, ele ocupa o vácuo e preenche a carência. Assim a expressão é muitas vezes apresentada com uma verdadeira panacéia para todos os malefícios que o capitalismo tem proporcionado para o meio ambiente em escala planetária. No entanto, os problemas associados ao processo de degradação ambiental são muito mais complexos do que aparentam numa abordagem superficial. Não basta apenas adjetivar a dinâmica econômica de “verde” para que tudo se resolva, como num passe de mágica.
Exatamente por isso ainda existem diversas acepções do conceito circulando pelos circuitos que tratam do tema. De um lado, permanecem algumas interpretações ainda bem intencionadas no campo dos que estão sinceramente preocupados com a deterioração do sistema ambiental. De outro lado, porém, estão aquelas proposições que estão mais preocupadas em oferecer uma alternativa estratégica de sobrevivência para as grandes corporações multinacionais. Assim, a economia verde se amplia no largo espectro que vai desde os ambientalistas mais ingênuos até aqueles que defendem os interesses do grande capital em seu permanente processo de acumulação e reprodução.
Mecanismos de financiamento: do Protocolo de Kyoto aos dias de hoje
A realidade do sistema capitalista apresenta uma característica essencial: sua tendência a universalizar o conjunto dos processos sociais e transformá-los em relações mercantis. Com isso, o sistema econômico nos tempos mais modernos passou a incorporar a dimensão do “meio-ambiente” também como mecanismo de acumulação e de dinamização do mercado. As primeiras tentativas concentraram-se no espaço da emissão de gases do efeito estufa (GEE). Tendo por base as alternativas previstas no Protocolo de Kyoto, começaram a aparecer os “créditos de carbono”, que se converteram aos poucos em mecanismo de transação no interior do mercado financeiro. De acordo com as normas previstas, as empresas que diminuíssem sua quantidade de emissão de GEE teriam direito a lançar tais títulos de crédito de carbono. Estas novas modalidades de papéis passaram a ter seus preços cotados e negociados no mercado. Segundo os padrões atuais, um crédito de carbono seria equivalente à redução da emissão de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2). Portanto, em tese, a cotação de crédito de carbono deveria ser correspondente ao custo monetário do investimento necessário para obter tal redução de gases poluentes.
A intenção subjacente é que estaria em marcha um mecanismo para estimular, inclusive em termos de ganhos econômicos, a substituição de processos de produção considerados “sujos” por novos sistemas produtivos “limpos”. Esse tipo de ação passou a ficar conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e deveria contar com apoio da ONU para fins de regulação e fiscalização, com o objetivo de evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser fonte de ações fraudulentas e sem nenhum tipo descontrole. O aumento da quantidade de títulos emitidos e a ampliação da escala de sua negociação terminaram por consolidar um verdadeiro mercado, com uma série de produtos financeiros associados. Os créditos de carbono passaram a ser cotados nas Bolsas de Mercadorias, com preços no mercado diário, no mercado futuro e demais características do mercado financeiro em geral. Em conseqüência, a exemplo do que ocorre com outros títulos similares, eles estão também bastante sujeitos a muita especulação.
A partir dessa experiência inicial, novos títulos de natureza financeira foram sendo incorporados pelas empresas multinacionais, mas ainda não contam com mecanismos de controle ou regulamentação. Trata-se dos papéis de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual os conglomerados e seus empreendimentos de larga escala buscam obter retornos financeiros a partir de iniciativas que podem reduzir o ritmo de destruição ambiental. É o caso da diminuição de áreas de floresta ou de regiões com atividades de extração mineral. Os mercados financeiros podem facilitar a realização dos negócios e a obtenção de recursos para os projetos, pois todo o processo ocorre por meio de emissões de títulos que têm um valor definido e que são transacionados nos balcões de negócios em todas as principais praças do mundo. No entanto, o problema é que esses papéis – em tese, associados a atividades de “economia verde” - são operados também com base na especulação, a exemplo dos demais títulos financeiros. Ou seja, trata-se um nicho voltado para o meio-ambiente, mas sem quase nenhum lastro no setor real da economia. 
Os riscos da financeirização sem regulação
Em termos mais gerais, o processo de financeirização pode ser compreendido como uma etapa de aprofundamento do processo de mercantilização. Assim, em uma primeira fase, observa-se a transformação generalizada dos recursos naturais, bens, serviços e relações sociais em mercadorias. Tudo passa a ser sintetizado e tratado sob a forma de preços e quantidades, tudo passa a ser analisado segundo a ótica da oferta e da demanda. A mercantilização em larga escala abre novas oportunidades à produção nos moldes capitalistas, ampliando os espaços para os mecanismos de acumulação de capital. 
Em um momento posterior, não apenas a transformação em mercadorias se consolida pelo conjunto de setores e áreas da economia e da sociedade, mas também os instrumentos financeiros associados a elas se espraiam pelos mercados. Um dos aspectos que fascina e intriga no processo de financeirização é sua dupla face. De um lado, a capacidade de criar as condições de geração de recursos para as atividades onde esteja envolvido. 
De outro lado, a sua capacidade de se tornar autônomo em relação ao próprio objeto que foi a razão de seu surgimento. E assim, ele ganha vida independente nos circuitos e searas dos mercados financeiros primários, secundários, terciários e por aí vai. Nos mercados especulativos espalhados pelo mundo, por exemplo, as cotações dos papéis de carbono caíram mais de 90% entre as vésperas da crise de 2008 e os dias de hoje. Ou seja, um movimento no circuito financeiro que tem muito pouco a ver com a realidade concreta dos setores da economia verde.
A resistência dos interesses do financismo em aceitar critérios mais sérios de regulamentação, fiscalização e controle das operações dos mercados de títulos converte-se em um grande obstáculo. As catástrofes observadas a partir da crise financeira não foram suficiente para tanto. Uma das causas foi, sem dúvida, o exagerado grau de financeirização e o descontrole sobre os mercados especulativos. Assim, a insistência na ilusória “liberdade de ação das forças dos mercados” termina por comprometer qualquer busca mais responsável para criação de mecanismos de financiamento de uma economia verde, que seja sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais. 
Transformar a atmosfera, o oxigênio, o gás carbônico, os rios, os oceanos, as florestas, os subsolos, enfim a natureza, em mercadorias já é movimento bastante problemático. Permanecer aceitando que os rumos de empreendimentos nesse tipo de atividade sejam determinados apenas pelo ritmo da especulação na esfera puramente financeira é colocar uma verdadeira pá de cal na já exígua credibilidade do conceito de economia verde.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

domingo, maio 19, 2013

“garantia da governabilidade”

O medo de ousar e a submissão ao capital

A política de rendição aos interesses do capital tem dominado a agenda do governo. Esse comportamento vem ainda antes da eclosão da crise internacional em 2008, na época em que prevalecia a tentativa de vender a imagem do bom-mocismo e quando se aplicavam, de forma mais realista que o rei, as recomendações da ortodoxia do financismo.

domingo, abril 07, 2013

O receituário pode matar o doente...

Inflação ou desenvolvimento: o falso dilema

O sistema oficial de metas prevê uma faixa entre o centro da meta de inflação anual (hoje em 4,5%), com uma banda superior de 2% para cima e 2% para baixo. Ou seja, se a inflação estiver entre 2,5% e 6,5% ao ano, ela pode ser considerada como estando sob controle. Esse, aliás, é o quadro atual.

Apesar de todas as evidências proporcionadas pela história recente quanto à incapacidade do receituário conservador em apresentar soluções razoáveis para a crise econômica, os representantes da banca não se deixam vencer. Eles continuam a implementar políticas ortodoxas nas áreas em que conseguem influenciar os decisores de governo pelo mundo afora. A “troika” representada pelo Banco Central Europeu, pelo Fundo Monetário Internacional e pela Comissão Européia tem sido pródiga em esgotar o arsenal de maldades das experiências de laboratório, inspiradas no ideário neoliberal. Os casos de Espanha, Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e, mais recentemente, o Chipre são típicos desse tipo de tentativa de ajuste que passa por medidas de natureza recessiva.
A todo momento apresenta-se a alternativa de ajuste macroeconômico com foco na redução daquilo que o “economês” qualifica como sendo a “demanda agregada”. De acordo com essa interpretação do fenômeno econômico, os desequilíbrios seriam causados por um excesso de recursos monetários e financeiros na sociedade face à oferta geral de bens e serviços. Além desse fator, contribuiria também o excesso de atividades econômicas influenciadas, direta ou indiretamente, pela presença do Estado. Assim, o caminho para a recuperação da chamada “normalidade” passaria sempre pela redução de recursos disponíveis para famílias e empresas – aquilo que ficou conhecido como arrocho monetário. Os orçamentos públicos ficam reduzidos em suas despesas para áreas de custeio corrente e também para investimentos. A taxa de juros oficial é reajustada para cima. As demissões campeiam no setor público, bem como no setor privado. Em poucas palavras, a atividade econômica produtiva é desestimulada de forma flagrante e o setor financeiro passa a ser privilegiado. 
No entanto, os recursos do Estado continuam sendo dirigidos para socorrer os bancos e demais instituições do mundo das finanças. Seja pelo argumento de que são muito grandes para quebrar (“too big to fail”), seja pelo poder de seus dirigentes em influenciar de forma descarada a tomada de decisões das equipes de governo quanto à prioridade das políticas públicas. A ameaça e a chantagem se cristalizam no terrorismo espalhado pelos meios de comunicação a respeito dos supostos de riscos e dramas caso tal ou qual mastodonte da finança internacional venha a fechar suas portas. É verdade que os tempos recentes têm proporcionado um emaranhado cada vez mais intrincado entre o mundo financeiro e mundo das empresas produtivas. A influência crescente das instituições financeiras sobre a vida das pessoas físicas e jurídicas não permite simplesmente ignorar tal fato. 
No entanto, a ajuda econômica do Estado para impedir a falência de grandes bancos, por exemplo, deveria sempre vir acompanhada de uma maior capacidade de influência e gestão sobre a direção dos mesmos. A realidade, porém, tem caminhado em sentido oposto: os grandes conglomerados privados recebem volumes imensos de recursos públicos - que são escassos para setores essenciais do orçamento – e usam essa ajuda para salvar a pele de seus próprios dirigentes e dos interesses mesquinhos da própria empresa. Em geral, quase não levados em consideração as necessidades do conjunto de seus clientes ou da própria sociedade. Uma inversão completa de prioridades!
Felizmente, tem sido crescente por todos os cantos do planeta a percepção a respeito do equívoco da opção por tal tipo de política econômica. Até mesmo no interior de organismos multilaterais levantam-se vozes contra a apropriação de recursos públicos para salvaguardar apenas os interesses do financismo, em detrimento da busca de soluções que contemplem a retomada do crescimento da atividade econômica, o aumento da taxa de emprego e a melhoria do nível de vida da maioria da população. Mas a marcação dos defensores do “status quo” da ortodoxia é implacável. Inclusive aqui em nossas terras.
O exemplo mais recente ocorreu durante a viagem presidencial à reunião dos BRICS. Bastou uma declaração da Presidenta Dilma, proferida no compromisso diplomático na África do Sul, para que os representantes do financismo já começassem a levantar suas armas contra o uso de políticas alternativas para a manutenção do equilíbrio macroeconômico. A maior parte das colunas de economia dos grandes meios de comunicação não perdeu a oportunidade de tentar desclassificar o discurso da primeira mandatária, argumentando sua suposta incompetência para gerenciar a política econômica de seu governo. Sua fala em Durban foi clara e objetiva:
"Esse receituário que quer matar o doente antes de curar a doença é complicado. Eu vou acabar com o crescimento do país? Isso daí está datado. É uma política superada."
O recado de Dilma não deveria significar, em tese, nada de tão surpreendente quanto à política econômica desenvolvida por seu governo. Mas a estratégia da oposição de direita passa pela tentativa de desgaste, a cada instante, das soluções consideradas heréticas. O foco da polêmica é a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), a ser realizada em meados de abril, quando os interesses da banca privada já pressionam por uma retomada da alta da taxa de juros oficial, a SELIC. Como Dilma já havia manifestado sua discordância com relação às propostas conservadoras para a crise financeira internacional, os economistas da ortodoxia conservadora passaram a afiar suas armas, exigindo que aqui também fosse adotado o caminho que tem inspirado a “troika”, nos casos repetitivos de países afetados pela crise na zona do euro.
Ora, criticar a solução conservadora em termos de opções de política econômica não significa, necessariamente, que se deva ter uma postura irresponsável e passiva no que se refere ao crescimento dos preços. Há um amplo consenso entre os especialistas a respeito do esgotamento das medidas inspiradas nas recomendações do arcabouço neoliberal. Mesmo os economistas que chegaram a confiar nas soluções “mágicas” do mercado até pouco tempo atrás, hoje em dia reconhecem a necessidade de se adotar caminhos que incorporem a retomada da demanda efetiva como saída para a crise. Nesse sentido, apenas o uso do cardápio de aperto monetário, alta de juros e cortes orçamentários não contribui para atenuar a crise e muito menos para abrir caminhos de retomada do crescimento da economia. Foi apenas isso que nossa Presidenta confirmou em sua intervenção na reunião de cúpula. Aliás, em evento com representantes de países que estão conseguindo administrar a conjuntura internacional - marcada pela recessão nos países centrais - logrando apresentar crescimento em seus próprios espaços.
A maior parte dos representantes do saudosismo da época da hegemonia financista não medem palavras para afirmar aquilo que realmente pensam. Além de pressionar para elevar a taxa de juros, propõem que o caminho do “ajuste” passa necessariamente pelas medidas recessivas. “Não tem jeito, vai ter que demitir!” passou a ser um bordão que se mantém na boca de parte dos consultores de bancos e demais instituições do capital financeiro. O detalhe é que nenhum deles coloca o seu cargo à disposição, como seria de se esperar de quem deve oferecer o bom exemplo do caminho a ser seguido. O sacrifício é sempre apresentado como uma medida necessária e uma boa solução, desde que adotado pelo seu vizinho. 
A orientação da política monetária deve apresentar como um de seus objetivos mais relevantes evitar o descontrole da inflação. Até aí, nada demais. Afinal, está mais do que comprovado que os maiores prejudicados com os processos inflacionários tendem mesmo a ser os trabalhadores e os setores de renda mais baixa da sociedade. Isso porque as camadas sociais menos privilegiadas são as que não possuem meios para se proteger da perda de valor da moeda. Para manter a vigilância sobre esse processo não desejado, existe um mecanismo de acompanhamento da evolução dos preços. O sistema oficial de metas prevê a faixa flexível entre o centro da meta de inflação anual (atualmente em 4,5%), com uma banda superior de 2% para cima e 2% para baixo. Ou seja, se a inflação estiver entre 2,5% e 6,5% ao ano, ela pode ser considerada como estando sob controle para a atual conjuntura brasileira. Esse, aliás, é o quadro atual.
Mas o discurso obscurantista não se conforma com uma Presidenta que interprete de forma distinta o fenômeno econômico. E Dilma sabe muito bem que há meios alternativos, que não seja apenas a recessão e o desemprego, para superar as dificuldades econômicas. Há preços que obedecem a sazonalidades e isso pode ser aproveitado para projeção de preços futuros. Existe o mecanismo do depósito compulsório como alternativa à elevação da taxa de juros. Enfim, soluções técnicas existem para serem aproveitadas. Como Dilma ousou afirmar que não se deve mais adotar as receitas do passado, onde a terapia de cura matava o doente, foi duramente criticada. Ora, mas ela apenas disse o óbvio: temer as propostas que estrangulem o crescimento, em nome do estabelecimento da ordem segura para a banca. 
A manipulação da fala presidencial pelos grandes meios de comunicação e o receio de enfrentar uma visão alternativa no debate econômico conduziu, mais uma vez, a um importante recuo por parte do núcleo dirigente do governo. Os representantes do BC foram rapidamente chamados a vir a público e confirmar que não estaria em marcha mudança alguma no combate à inflação como prioridade da ação governamental. Em tese, nada de anormal. As declarações oficiais servem justamente para passar recados, acalmar espíritos, criar expectativas. Porém, o que preocupa é saber se a equipe de Dilma ainda mantém sua disposição em manter a evolução da taxa oficial de juros sob controle. O resultado final da reunião do COPOM vai oferecer a resposta a tal pergunta: a partir de 17 de abril saberemos se o financismo venceu e vai ser beneficiado com uma retomada da alta da SELIC. Ou se Dilma confirmará, por meio de atos de governo, o espírito e o tom de seu discurso.
Tal indagação se justifica à medida que as soluções conservadoras começam a ganhar preocupantes espaços em outras áreas de sua própria equipe de colaboradores. É o caso da continuidade irresponsável das desonerações sem projeto, do evidente favorecimento dos oligopólios nas telecomunicações, do aprofundamento das concessões de portos, aeroportos, ferrovias e demais propostas privatizantes na área de infra-estrutura.
Não existe contraposição entre abraçar o caminho desenvolvimentista e permanecer atento para evitar o descontrole inflacionário. Para tanto, porém, é necessário que a equipe de governo e a Presidenta estejam verdadeiramente convencidas de que as medidas de arrocho monetário e de aprofundamento da recessão não sejam as mais adequadas para o nosso País nos dias de hoje.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior / Colunistas / Debate Aberto, 04/04/2013.

sábado, março 16, 2013

o “quarto poder”

Recuos nas políticas públicas de comunicações

Paulo Kliass
Passados mais de 10 anos de uma grande expectativa criada quanto a mudanças efetivas na condução da política e da economia em nosso país, algumas áreas de foco de ação governamental são mais evidentes por não apresentarem as transformações necessárias e esperadas. Dentre elas, o setor de comunicações talvez seja um dos que mais concentram as energias da frustração e da desesperança.
Parcela significativa das matérias sob jurisdição do Ministério das Comunicações é composta de temas e processos associados ao conceito de “bens e serviços públicos”, a serem explorados diretamente pelo Estado ou transferidos, sob a forma de concessão, ao setor privado. As emissoras de rádio e televisão só podem funcionar se obtiverem a autorização oficial do Estado brasileiro para fazê-lo. As empresas de telefonia também operam uma modalidade específica de serviço público e só podem funcionar se forem portadoras de concessão para esse fim. A operação dos serviços de internet e banda larga também exigem autorização, regulamentação e fiscalização da administração pública federal.
Perspectiva de mudanças e frustração
Para quem imaginava que 2003 significaria um momento de reversão da tendência anterior de consolidação das práticas neoliberais no setor, os anos que se seguiram foram bastante desanimadores. A partir de meados do primeiro mandato de Lula, a opção política foi feita e o recado foi transmitido com todas as cores, para que não pairassem dúvidas a respeito da verdadeira intenção política do governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores. Assim como a condução da política econômica foi entregue ao ex presidente internacional do Bank of Boston, a política de comunicações foi entregue a um fiel servidor dos interesses das Organizações Globo e das grandes corporações do setor. Depois da nomeação de Henrique Meirelles para a Presidência do Banco Central em 2003, Lula nomeia o Senador Helio Costa para o Ministério das Comunicações em 2005. Enquanto o império de Meirelles durou os exatos 8 anos dos dois mandatos de Lula, Helio Costa ficou “apenas” 5 anos no cargo.
Se ocorreu alguma diferença com a chegada da presidenta Dilma na preocupação em atenuar a ortodoxia da política econômica com tinturas heterodoxas, o mesmo não pode ser dito no domínio das comunicações. Ali a opção foi pelo aprofundamento da política voltada ao atendimento dos pleitos do mundo empresarial. A nomeação de Paulo Bernardo para o Ministério antes ocupado por Helio Costa não significou nenhuma mudança expressiva em relação à estratégia anterior para o setor.
Telefonia e internet: empresas intocáveis
A agenda da telefonia não representou grandes avanços em termos de melhoria da qualidade dos serviços ou de redução das tarifas elevadas, mesmo para padrões de comparação internacional. As autorizações concedidas para a fusão das grandes empresas do setor não foi revertida. Muito pelo contrário, houve a continuidade dos níveis de concentração e centralização entre os conglomerados que operavam a telefonia convencional e a telefonia celular. A configuração de práticas de oligopólio não recebeu tratamento mais efetivo por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e tampouco do Ministério. Para se ter uma ideia, as empresas de telefonia fixa e celular sempre estiveram impunemente à frente do desrespeito às regras e direitos dos usuários. Confirmando a tradição, foram as campeãs de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor em 2012, registrando o dobro das notificações de bancos ou cartões de crédito. No quesito da reivindicação histórica pela revogação da assinatura básica, tampouco o governo se movimentou para viabilizar a aprovação de algum dentre os Projetos de Lei que tramitam no interior do Congresso Nacional há vários anos sobre o tema.
Os processos envolvendo a ampliação e o aprofundamento da inclusão digital também foram sendo tocados a um ritmo bastante abaixo do desejável. A conivência dos órgãos reguladores com o desleixo a que os usuários dos sistemas de acesso à internet são tratados pelas empresas do setor chega a ser escandalosa. Um dos exemplos mais gritantes é o direito assistido às empresas para que não cumpram nem mesmo o contratado quanto à velocidade e capacidade de transmissão na rede de banda larga. Por outro lado, pouco se exige em termos de contrapartida das empresas operadoras, no sentido de ampliar a rede de acesso à internet e tornar o sinal acessível em municípios e localidades distantes dos centros urbanos mais adensados.
Já se foram mais de dez anos e o potencial de uso do estoque de fibra ótica da Telebrás permaneceu inutilizado. Isso porque o governo federal tinha condições jurídicas de fazer valer sua condição de acionista majoritário para ampliar a rede física por todo o território nacional. Mas a opção foi pela postura passiva da espera e de não contrariar os interesses dos grandes grupos privados atuantes no setor. Como a maioria dos grupos privatizados pertence a conglomerados americanos e europeus, as diretrizes empresariais determinam a redução drástica de recursos aplicados em reinvestimentos e o aumento da remessa de lucros para ajudar as matrizes a resolveram a falta de perspectiva pela crise internacional. E os órgãos reguladores do Estado brasileiro assistem calados a tal movimento, que na prática tem o sentido de um lento e silencioso sucateamento desse novo e estratégico setor da economia.
Lei do Marco Regulatório: recuo patético
A outra área de comunicações, também essencial para um governo que se pretenda transformador, não está exatamente sob o domínio de Paulo Bernardo. Trata-se das decisões do Estado relativas à sua própria política e estrutura de comunicação. Essa vasta agenda inclui temas tão diversos e essenciais quanto: i) as emissoras públicas de rádio e TV; ii) a descentralização e a democratização das vultosas despesas com publicidade do governo e das empresas estatais; iii) a proibição de formação de conglomerados típicos das oligarquias, cruzando imprensa escrita, falada e televisionada; iv) a responsabilização por abusos de poder, seja na área política, econômico-financeira ou outras; entre tantos assuntos similares. A sensibilidade e a importância da matéria remetem à necessidade da Casa Civil, junto com a Presidenta, se envolver diretamente com a matéria. A Ministra Gleisi Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo, não pareceu se entusiasmar muito com o projeto elaborado ainda na gestão de Franklin Martins. Tampouco a atual titular da Secretaria de Comunicação, Helena Chagas, deu mostras de batalhar pela aprovação do novo marco regulador da imprensa e das comunicações em geral. O resultado foi a declaração patética, onde a equipe governamental oficialmente joga a toalha e lava as mãos: não mais se compromete com a regulamentação do setor.
Em sentido inverso ao processo levado a cabo na Argentina, Uruguai, Equador e Venezuela, o governo brasileiro resolveu recuar e não mais se envolver com o projeto em tramitação no Congresso Nacional. Pressionada pelos grandes grupos empresariais do amplo setor de comunicação, Dilma voltou atrás na estratégia ainda definida no governo Lula e deixou essa área estratégica da economia e da sociedade sem qualquer tipo de controle ou regulamentação. Em nome da hipocrisia da defesa da “liberdade de imprensa e de opinião”, os empresários recusam qualquer tipo de normativa ou ação do poder público para coibir abusos e para fazer valer a vontade da maioria da população.
Na União Européia, vários países dispõem de instrumentos para viabilizar esse tipo de ação regulamentadora. Ao contrário da acusação irresponsável de “lei da mordaça”, trata-se de mecanismo de defesa da democracia da sociedade contra os abusos do chamado “quarto poder”. Estão aí inúmeros exemplos como o de Rupert Murdoch na Inglaterra, onde fica evidente a necessidade da ação do poder público. O caso do “News of the World” e os excessos cometidos só reforçam a justeza dos dispositivos da Lei de Meios, por impedir a centralização do poder econômico em diversos segmentos das comunicações.
Infelizmente, o receio de avançar pelo caminho da transformação social mais efetiva é marca também do setor de comunicações. Não bastassem os recuos em termos de aspectos da política econômica, na questão agrária, na questão ambiental, nas benesses concedidas aos conglomerados da infraestrutura, entre outros, o governo perde mais uma oportunidade de se legitimar junto a amplos setores da sociedade. Para isso, bastaria se empenhar pela aprovação do Projeto de Lei no Congresso Nacional, como faz sistematicamente com outros textos de seu interesse.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

domingo, março 03, 2013

mais um ciclo de acumulação privada às expensas do dinheiro público

Quem dá mais? Brasil à venda - Preços módicos!

O problema não reside no fato de sermos apresentados como a oportunidade do momento. E sim nos custos implícitos do conjunto dessas operações de privatização travestidas retoricamente de “mera concessão”. A sociedade brasileira vai arcar com o ônus de mais um ciclo de acumulação privada às expensas do dinheiro público.
O enredo é vendido, para os incautos e desavisados, como a busca da chave encantada, que serviria de ingresso pleno para o paraíso. Afinal - já pensou que maravilha? - o Brasil estaria sendo muito bem aceito lá fora, sempre atuando como plataforma cordial de ganhos assaz interessantes para o capital financeiro. Mas, na verdade, tudo isso se assemelha muito mais a um grande pesadelo, tendo em vista as conseqüências atuais e futuras, bem perversas, que virão para a maioria de nosso povo. Refiro-me a essas viagens dos representantes do governo da Presidenta Dilma pelos 5 continentes, na tentativa desesperada de vender as vantagens de nossas terras como a grande alternativa de investimento sólido e seguro para o capital internacional. 
Tudo se passa como se estivéssemos no interior de uma roda do tempo, voltando às últimas décadas do século XIX. A economia brasileira se apresenta completamente dependente da exportação de produtos primários - em especial, a produção de café. Os poucos e localizados surtos de tentativa de industrialização terminam sendo abafados pelos interesses do setor agrário exportador. O movimento abolicionista enfrenta a dura oposição e os fortes obstáculos do “establishment”, pois o fim da escravidão e a introdução do trabalho assalariado significariam a explosão dos custos de produção e inviabilizariam a economia nacional. (sic)
Naqueles tempos, o ingresso na era da economia urbano-industrial também estava a exigir um investimento maciço em infra-estrutura. Como a capacidade de poupança nacional era bastante reduzida, em função da inexistência de remuneração para aqueles que exerciam o trabalho produtivo, a estratégia envolveu a atração de investidores e empresas estrangeiras. Estando o pólo dinâmico do capitalismo internacional localizado na Inglaterra, para cá vieram as corporações como “Light and company”, “Bond and company”, e todas as “railways” que tivemos o direito de acolher. O foco era a geração e a transmissão de energia elétrica, além da organização e exploração econômica dos transportes urbanos (bondes) e interurbanos (trens).
As semelhanças com o Brasil do século XIX
Corta para 2013. A dependência de nosso modelo de política econômica frente à exportação de produtos primários (agricultura e extrativismo mineral) permanece a mesma. O processo de desindustrialização de nossa economia é um fato objetivo e o governo pouco ou quase nada faz para reverter essa tendência destruidora do patrimônio nacional, dos empregos e da renda interna. A prioridade cega e irracional concedida aos interesses do agronegócio e a política da valorização cambial sufocam a indústria que tenta produzir em nosso território. A inundação dos manufaturados importados é justificada como resultado inevitável das chamadas “leis de mercado”, uma suposta fatalidade à qual deveríamos nos acostumar e adaptar. O governo se encarrega de reduzir o “custo Brasil”, ao promover a desoneração irresponsável da folha de pagamentos e generalizar as isenções de tributos para o capital.
Os problemas de nossa infra-estrutura são bem conhecidos há muito tempo. As décadas de ajuste econômico conservador e neoliberal, o processo de privatização e a prevalência da lógica do financismo não podem mais ser utilizadas como desculpa para a inatividade ao longo dos últimos 10 anos. Se no final dos anos 1800 não tínhamos quase nada em termos de transpores e energia, hoje em dia temos muito por construir no conjunto do parque de infra-estrutura. Porém, a exemplo do passado, mais uma vez incorporamos a lógica do neo-colonialismo e saímos por aí, passando o pires pelo mundo afora.
O “road show” e as concessões ao capital internacional

O chamado “road show” protagonizado por estrelas do primeiro time de Dilma é a manifestação mais simbólica da incorporação da lógica da dependência e da submissão. A página do Ministério da Fazenda na internet apresenta a versão em inglês da apresesentação do Ministro Mantega e da publicação impressa a ser distribuída aos interessados. Os títulos sugestivos são, respectivamente, “The Brazilian Economy and Investment Opportunities” e “Infrastructure in Brazil: projects, financing instruments, opportunities”. O problema não reside no fato de sermos apresentados como a oportunidade do momento. E sim nos custos implícitos do conjunto dessas operações de privatização travestidas retoricamente de “mera concessão”. Afinal, tendo em vista as condições que oferecemos para lograr tal objetivo a qualquer preço, a sociedade brasileira vai arcar com o ônus de mais um ciclo de acumulação privada às expensas do dinheiro público.
Essa rodada global, patrocinada por nossos representantes, pontua os elementos positivos do desempenho econômico brasileiro ao longo do período recente e o potencial de crescimento futuro de nossa economia. Até aí, nada de novo. Os grandes investidores internacionais conhecem muito bem as oportunidades abertas para quem se interessa em vir para cá e aplicar os seus recursos. E esse cenário de ganhos continua válido, mesmo depois da corajosa e necessária mudança de postura de nossa Presidenta, que determinou a seus assessores a redução da taxa oficial de juros, a SELIC. A diferença é que a maior parte dos interessados agora deveria estar motivada tão somente pelos ganhos derivados da atividade produtiva ou na área de serviços.
A apresentação menciona a necessidade de um montante total de US$ 235 bilhões, a serem investidos ao longo dos próximos anos em programas de concessão de infra-estrutura. A distribuição desses valores de acordo com os projetos setoriais é a seguinte: i) logística: US$ 121 bi; ii) petróleo e gás: US$ 74 bi; e iii) energia elétrica: US$ 40 bi. Os principais projetos detalhados são:
a) Rodovias: 7.500 km.
b) Ferrovias: 10.000 km.
c) Portos: 159 unidades.
d) Trem de alta velocidade: 511 km.
e) Aeroportos: 2 internacionais.
f) Petróleo e gás: 3 rodadas de leilão para exploração de reservas.
g) Energia elétrica: 33.000 MW de geração e 23.200 km de linhas de transmissão.
As facilidades oferecidas ao investidor estrangeiro
Além disso, o documento procura convencer o investidor estrangeiro a respeito das vantagens em aplicar seus recursos por aqui. Para tanto são ressaltados justamente os aspectos mais negativos e conservadores da política econômica do governo. Ou seja, aquelas medidas que se destinam a beneficiar apenas os interesses do capital em detrimento das necessidades da absoluta maioria da população. E dá-lhe receituário típico das demandas dos colunistas de economia dos grandes meios de comunicação, sempre a serviço dos interesses das associações de empresários e do financismo.
Com todo o orgulho, o texto em inglês reforça o compromisso do governo em reduzir as despesas e o déficit com a previdência social, bem como busca assegurar a continuidade da política de redução dos gastos correntes de forma geral. A apresentação exibe com toda a satisfação o êxito da política de obtenção de superávit primário, de forma sucessiva ao longo dos últimos anos. Por outro lado, tranquiliza os gestores dos fundos de investimento quanto à continuidade da definição da taxa de câmbio baseada no pressuposto da liberdade cambial. Finalmente, o texto reforça a tendência irreversível para com a desoneração tributária (em especial a da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos) e com a redução de impostos de uma forma geral. Em poucas palavras, o recado é claro: podem vir que o retorno do investimento está tranqüilo, pois o Estado vai cumprir com seu papel de assegurar seus ganhos.
Não bastasse essa ladainha toda, o governo ainda anuncia medidas que concretizam tais compromissos, com mais pacotes de benesses. Depois do grande “lobby” exercido pelos representantes do capital, Dilma recua e aceita elevar as taxas de retorno previstas para os projetos de concessão. Ou seja, em total oposição ao discurso a respeito da queda da taxa de juros, sua equipe anuncia que as taxas de lucro dos projetos de concessão de infra-estrutura podem chegar a 15% ao ano. Uma loucura, caso consideremos que a taxa real de juros para uma aplicação em títulos da dívida pública fica em torno de 2% atualmente. O conglomerado empreendedor estrangeiro participa de uma licitação patrocinada pelo próprio Estado brasileiro, para gerir um bem ou serviço público, em uma operação quase sem nenhum risco envolvido, com uma demanda garantida por uma eternidade e ainda tem a autorização e o estímulo do governo para auferir esse tipo escandaloso de retorno financeiro. Um absurdo!
Não bastasse tamanha generosidade, sempre realizada com recursos públicos previstos no orçamento, o governo decide por oferecer aos interessados e vitoriosos nas licitações a engenharia financeira do BNDES. Leia-se: o banco “nacional” de desenvolvimento vai participar com aporte de recursos, a custo praticamente nulo, para que os agentes do imperialismo venham aqui dentro explorar atividades econômicas de natureza pública! Imagine-se o que não vai ocorrer dentro de 30 ou 35 anos, quando da renovação de tais contratos. O segredo desse tipo de empreendimento, como qualquer outro, é determinado por uma conta muito simples: o resultado líquido entre receitas e despesas. Aumentar receitas significa ampliar o número de usuários e, principalmente, o valor das tarifas. Diminuir despesas significa processos mais eficientes, mas também reduzir a qualidade dos serviços oferecidos. Os resultados da privatização de telecomunicações e da energia elétrica estão aí para quem quiser refletir sobre tarifa pública e qualidade do serviço. E também sobre a incapacidade das agências reguladoras exercerem seu verdadeiro papel.
Infra-estrutura: interesse estratégico e soberania nacional
Por se tratar de áreas de interesse estratégico para o País, com elevada sensibilidade econômica, política, social, tecnológica, ambiental e de segurança nacional, esse movimento delicado deveria merecer muita mais atenção e preocupação por parte do governo. Vender dessa forma irresponsável uma parcela essencial de nossa capacidade econômica pode trazer conseqüências irreparáveis no médio e no longo prazos. A crise econômica internacional reduziu as taxas de ganho por todo o planeta. Se o Brasil é efetivamente um dos principais pólos de atração para novos investimentos estrangeiros, nossa postura deveria ser muita mais exigente e seletiva na procura dos interessados. Ao invés de oferecer mundos e fundos, deveríamos sim é colocar nossas exigências em termos de contrapartidas. Isso significaria estabelecer condições quanto a re-investimento dos lucros auferidos, internalização de tecnologia aportada, limitação das taxas de retorno financeiro nos projetos, multas para não cumprimento de cláusulas importantes, entre outros aspectos. 
Em poucas palavras, seria uma excelente oportunidade para demonstrarmos ao resto do mundo que não existe mais espaço para o servilismo nem para o excesso de cordialidade nas relações econômicas com o capital estrangeiro. Que a partir de agora, o Estado brasileiro iria responder - em primeiro lugar - aos interesses nacionais e soberanos, sempre da perspectiva da maioria de sua população. Porém, como o governo não trabalha com um projeto de País nem com uma estratégia de Nação, vamos cedendo e concedendo o futuro para tocar o ramerrame do dia-a-dia.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 28/02/2013.
link: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5991

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

O Protocolo de Kioto é uma ficção.

Capital financeiro e mudança climática



Falta hoje um regime regulatório internacional que permita pensar que a economia mundial poderá reduzir sua pegada de carbono na atmosfera na velocidade exigida. O Protocolo de Kioto é uma ficção. E no setor financeiro é onde estão concentradas forças que se oporão fortemente a um acordo que evite o perigo da mudança climática catastrófica. (Na foto, a nevasca que acaba de atingir os EUA, apenas três meses após a tormenta tropical Sandy). 

Alejandro Nadal – SinPermiso
As forças do capital financeiro dificultarão muito o enfrentamento das mudanças climáticas. Alguns dizem que a estrutura do setor financeiro não facilitará a transição para uma economia de baixo nível de carbono. O problema é mais grave: o sistema financeiro é um potente obstáculo para prevenir uma catástrofe derivada do aquecimento global.
Para avaliar a dimensão do perigo, é importante recordar alguns dados. Na atualidade, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera alcança as 394 partes por milhão (ppm). O CO2 é o gás de efeito estufa mais comum (não é o único, nem o mais potente). Os modelos mais desenvolvidos sobre mudança climática indicam que só abaixo das 450 ppm de CO2 se tem uma probabilidade de manter o aumento de temperatura dentro da classe dos graus centígrados. Os cientistas consideram que esse patamar não deve ser rebaixado caso se queira evitar uma mudança climática catastrófica.
Estudos científicos consideram que para aumentar significativamente a probabilidade de permanecer abaixo deste patamar a economia mundial deveria limitar suas emissões para o período 2000-2050 a 886 gigatoneladas de dióxido de carbono (GtCO2). Na primeira década do século se emitiram 321 GtCO2, de modo que só nos resta um volume disponível de 565 gigatoneladas para o período 2010-2050.
Dados da organização Carbontracker Initiative revelam que se se extraíssem e queimassem as reservas mundiais conhecidas de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) teríamos emissões superiores as 2.795 GtCO2. Ou seja, essas reservas contém cinco vezes mais carbono do que o teto acima mencionado de 565 GtCO2. Extrair e usar essas reservas poderia levar à concentração de CO2 na atmosfera para as 700 ppm, o que mudaria o planeta tal como o conhecemos.
Agora, as reservas de combustíveis fósseis das 200 empresas mais importantes de carvão, petróleo e gás no mundo (empresas cotizadas em bolsas de valores) tem reservas com um potencial de carbono de 745 GtCO2. Isso quer dizer que se estas empresas extraírem e queimarem suas reservas estaremos rebaixando para 180 GtCO2 o volume que nos resta disponível para o período 2010-2050 (as 565 GtCO2 acima mencionadas). O problema é ainda mais sério porque estas cifras não incluem as empresas estatais e tampouco levam em conta as gigantescas reservas de gás natural que existem no xisto nos Estados Unidos e em vários outros países.
O problema é que as reservas nas mãos destas companhias já estão anotadas em seus balanços com um enorme valor monetário. Uma avaliação destas empresas admite que essas reservas serão efetivamente realizadas, o que significa que serão extraídas e utilizadas. Do ponto de vista contábil, ninguém está preocupado se a utilização dessas reservas é suficiente para ultrapassar o perigoso patamar dos graus centígrados. A mudança climática não é um conceito contábil.
Para dizê-lo de outro modo, se existisse uma autoridade capaz de aplicar a restrição das 565 GTCO2 para os próximos quarenta anos, estas empresas somente poderiam queimar umas 150 GtCO2. O restante, carbono não injetado na atmosfera, seria de ativos sem valor e se traduziria em perdas colossais para os investidores que comprometeram recursos nessas empresas.
Essas 200 empresas do mundo da energia fóssil têm um valor em bolsa equivalente a 7,4 trilhões de dólares. Os países com maior potencial de gases de efeito estufa nas reservas de empresas que operam em bolsas são Rússia, Estados Unidos e Reino Unido. E nas bolsas de valores de Londres, São Paulo, Moscou, Toronto e do mercado australiano até 30% da capitalização de mercado está vinculada a combustíveis fósseis.
Estamos na presença de um conflito de dimensões históricas: de um lado está a comunidade científica advertindo para não se queimar essas reservas de combustíveis fósseis e do outro estão as empresas e investidores que tem interesse em realizar seus ativos (extrair e usar essas reservas). Quem prevalecerá? Nos últimos 30 anos, o setor financeiro do mundo foi capaz de dominar a política macroeconômica. Com efeito, as prioridades da política monetária e fiscal do mundo inteiro respondem hoje (inclusive em meio à crise) às necessidades do capital financeiro. Por que seria diferente no que diz respeito às políticas sobre mudanças climáticas?
Hoje carecemos de um regime regulatório internacional que permita pensar que a economia mundial poderá reduzir sua pegada de carbono na atmosfera na velocidade exigida. O Protocolo de Kioto é uma ficção e a única coisa que resta é um “compromisso” para se chegar a um acordo em 2015 que deverá entrar em vigor em 2020. No setor financeiro estão concentradas forças que se oporão com tudo a um acordo que evite o perigo da mudança climática catastrófica.
Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior, Meio Ambiente| 11/02/2013.

sexta-feira, fevereiro 08, 2013

nenhum lugar

Esquecer

Importa o tempo preso numa caixa
Como sussurar no ouvido da procura
Andar só mesmo lendo seu sorriso
Cordas virando uma agonia em vida

Cardo e poeira sobem nos ombros
A sorte que abandona os que amam
Ou tentam achar um oásis sem vento
E secam o leite do que é esquecido

Caem os dias do seu afastamento
Danço como um pássaro que pesa
Porque ter asas pouco interessa
Quando não se chega a nenhum lugar



na tela ou dvd

  • 12 Horas até o Amanhecer
  • 1408
  • 1922
  • 21 Gramas
  • 30 Minutos ou Menos
  • 8 Minutos
  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
  • A Chave Mestra
  • A Cura
  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
  • Amarcord
  • Amargo Pesadelo
  • Amigas com Dinheiro
  • Amor e outras drogas
  • Amores Possíveis
  • Ano Bissexto
  • Antes do Anoitecer
  • Antes que o Diabo Saiba que Voce está Morto
  • Apenas uma vez
  • Apocalipto
  • Arkansas
  • As Horas
  • As Idades de Lulu
  • As Invasões Bárbaras
  • Às Segundas ao Sol
  • Assassinato em Gosford Park
  • Ausência de Malícia
  • Australia
  • Avatar
  • Babel
  • Bastardos Inglórios
  • Battlestar Galactica
  • Bird Box
  • Biutiful
  • Bom Dia Vietnan
  • Boneco de Neve
  • Brasil Despedaçado
  • Budapeste
  • Butch Cassidy and the Sundance Kid
  • Caçada Final
  • Caçador de Recompensa
  • Cão de Briga
  • Carne Trêmula
  • Casablanca
  • Chamas da vingança
  • Chocolate
  • Circle
  • Cirkus Columbia
  • Close
  • Closer
  • Código 46
  • Coincidências do Amor
  • Coisas Belas e Sujas
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  • Comer, Rezar, Amar
  • Como Enlouquecer Seu Chefe
  • Condessa de Sangue
  • Conduta de Risco
  • Contragolpe
  • Cópias De Volta À Vida
  • Coração Selvagem
  • Corre Lola Corre
  • Crash - no Limite
  • Crime de Amor
  • Dança com Lobos
  • Déjà Vu
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  • Deus e o Diabo na Terra do Sol
  • Dia de Treinamento
  • Diamante 13
  • Diamante de Sangue
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  • Disputa em Família
  • Dizem por Aí...
  • Django
  • Dois Papas
  • Dois Vendedores Numa Fria
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  • O Circulo Vermelho
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  • O Contador
  • O Contador de Histórias
  • O Corte
  • O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante
  • O Curioso Caso de Benjamin Button
  • O Destino Bate a Sua Porta
  • O Dia em que A Terra Parou
  • O Diabo de Cada Dia
  • O Dilema das Redes
  • O Dossiê de Odessa
  • O Escritor Fantasma
  • O Fabuloso Destino de Amelie Poulan
  • O Feitiço da Lua
  • O Fim da Escuridão
  • O Fugitivo
  • O Gangster
  • O Gladiador
  • O Grande Golpe
  • O Guerreiro Genghis Khan
  • O Homem de Lugar Nenhum
  • O Iluminado
  • O Ilusionista
  • O Impossível
  • O Irlandês
  • O Jardineiro Fiel
  • O Leitor
  • O Livro de Eli
  • O Menino do Pijama Listrado
  • O Mestre da Vida
  • O Mínimo Para Viver
  • O Nome da Rosa
  • O Paciente Inglês
  • O Pagamento
  • O Pagamento Final
  • O Piano
  • O Poço
  • O Poder e a Lei
  • O Porteiro
  • O Preço da Coragem
  • O Protetor
  • O Que é Isso, Companheiro?
  • O Solista
  • O Som do Coração (August Rush)
  • O Tempo e Horas
  • O Troco
  • O Último Vôo
  • O Visitante
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  • Olhos de Serpente
  • Onde a Terra Acaba
  • Onde os Fracos Não Têm Vez
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  • Operação Valquíria
  • Os Agentes do Destino
  • Os Esquecidos
  • Os Falsários
  • Os homens que não amavam as mulheres
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  • Os Românticos
  • Os Tres Dias do Condor
  • Ovos de Ouro
  • P.S. Eu te Amo
  • Pão Preto
  • Parejas
  • Partoral Americana
  • Password, uma mirada en la oscuridad
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  • Sem Medo de Morrer
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