quarta-feira, abril 15, 2015

A Terceirização ataca os direitos dos trabalhadores e gera as fontes da corrupção “em escala industrial”

Nos governos Lula e Dilma a terceirização saltou de 4 milhões para 12,7 milhões de trabalhadores

Muitos dos que estão pela construção de uma terceira força frente à crise do PT e a reorganização de setores da direita terminam esbarrando na pressão do “mal menor” que ronda o país há vários anos. Os setores críticos ao petismo não gostaram dos ajustes nem da PL 4330, mas fazem questão de, mesmo criticando o governo, colocar esses ataques na conta de uma “onda conservadora” ou “culpa do Eduardo Cunha e do PMDB”.
Na verdade, esta é uma operação do petismo e seus aliados na esquerda para que o PT apareça como “a favor dos trabalhadores” e “contrários aos ajustes” do “seu” governo Dilma. Os deputados federais do PT votaram contra o PL 4330, mas não passou de “jogo de cena”. O objetivo estratégico do PT, LulaDilma e CUT é impedir que surja uma verdadeira “alternativa de esquerda” independente, combativa, classista, uma “esquerda dos trabalhadores” contra a direita, mas também contra o petismo, em favor das reivindicações operárias e populares, como os direitos sociais exigidos nas manifestações de junho de 2013 e os direitos democráticos das mulheres, dos LGBT e oprimidos em geral.
O comentário é publicado por Esquerdadiario.com.br, 13-04-2015.
O que ninguém quer dizer é que já são 12 anos de governo do PT e o trabalho precário se instalou no Brasil como nunca antes. Já são 12 anos de um governo supostamente “dos trabalhadores” e o capitalismo no Brasil continua de vento em popa, apesar de vai-e-vens na economia. Mesmo com a base aliada e a oposição de direita, quem esteve à frente do governo nestes anos todos foi justamente este PT, que contou com o apoio, em todos os seus mandatos, de toda a burocracia sindical.
Terceirização ataca os direitos dos trabalhadores e gera as fontes da corrupção “em escala industrial”
Em 1995, primeiro ano do governo FHC – coalizão entre o PSDB, DEM (ex-PFL), PPS e PMDB, havia 1,8 milhão de terceirizados formais no país. Esse período se caracterizou como a instauração acelerada da terceirização em diversos ramos da economia, incluindo a administração pública.
Porém, nos primeiros dois anos do governo Lula, em 2005, os terceirizados já eram 4,1 milhões, um crescimento e 127%. Pode-se deduzir que Lula assumiu seu primeiro mandato, em 2003, recebendo uma “herança” de menos de 4 milhões de terceirizados. Depois dos dois mandatos de Lula e o primeiro de Dilma Rousseff, o número de terceirizados chegou a 12,7 milhões, em 2013, um aumento de 109% em oito anos. Se FHC e os tucanos foram contra os trabalhadores, os governos Lula e Dilma não ficaram devendo nada.
Segundo estudo da própria Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), esses 12,7 milhões de terceirizados representam (26,8%) do mercado de trabalho formal, recebiam, em dezembro de 2013, 24,7% a menos do que os que tinham contratos diretos (efetivos) com as empresas, trabalham três horas semanais a mais que os efetivos e estão mais suscetíveis a acidentes e morte no trabalho. De cada 10 acidentes de trabalho, no país, oito são com terceirizados.
O caso da Petrobrás é ilustrativo. A presidente Dilma presidiu o conselho de administração da empresa de 2003 a 2010. De 2005 a 2012, o número de terceirizados cresceu 2,3 vezes na Petrobrás e o número de acidentes de trabalho cresceu 12,9 vezes. Nesse período, 14 trabalhadores efetivos (próprios da empresa) morreram em acidentes. Entre os terceirizados foram 85 mortes.
Desse escândalo contra os trabalhadores e as suas vidas ninguém fala, não há manifestações muito menos medidas concretas dos governos petistas. Isso comprova que a terceirização e precarização do trabalho são uma das principais marcas dos governos Lula e Dilma.
A terceirização, além de incrementar a superexploração dos trabalhadores e elevar os lucros dos empresários, concorre diretamente para garantir aos governantes e funcionários políticos a “cobertura legal” para fazer contratos de negócios com centenas de empresas prestadoras de serviços e vendedoras de suprimentos, se constituindo na principal fonte de corrupção, como se vê na Petrobrás, envolvendo empresas privadas “contratadas” de todos os portes. A extensão e profundidade da terceirização explicam o nível de corrupção “em escala industrial” que temos visto nos governos do PT, garantindo novas fontes de lucro para essas empresas e renda “extra” para os funcionários políticos – parlamentares, dirigentes partidários, assessores e governantes.
Os escândalos de corrupção são “maiores” e “mais visíveis” nos governos do PT justamente porque são produtos diretos do avanço da terceirização desde o primeiro governo Lula. Portanto, não se poderá combater a corrupção sem atacar o “sistema” de terceirizações de atividades meio ou atividades fins, como se quer com o PL 4330, nos órgãos públicos e empresas estatais.
E também mostra como as centrais sindicais, principalmente a CUT, mas também os parlamentares e membros do PT (e seus aliados do PCdoB) se calaram diante de tamanha violência capitalista contra os trabalhadores. Na verdade, a CUT, assim como a CTB, sempre defenderam manter a terceirização, exigindo apenas que fosse “regulamentada”, conservando a divisão dos trabalhadores em “efetivos” e “terceirizados”, com direitos e salários rebaixados, tudo para favorecer os capitalistas. Por isso é impossível acreditar no discurso dos burocratas da CUT e do PT de que estão, junto com Dilma, contra o PL 4330 e a terceirização.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, principal sindicato da CUT, vem há anos tentando impor um acordo com os patrões das grandes montadoras de automóveis que significaria, na prática, acabar com as mínimas proteções legais contidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O famigerado ACE (Acordo Coletivo Especial) proposto por esses sindicalistas da CUT e do PT definia que os acordos feitos pelos sindicatos diretamente com as empresas valeria acima dos direitos contidos na CLT.
Ou seja, com essa proposta a burocracia da CUT, durante os governos de Lula e Dilma, tentaram garantir aos patrões mais liberdade para aumentar a exploração dos trabalhadores, entregando conquistas como a limitação da jornada de trabalho, horários de almoço e intervalos, folgas semanais, salários iguais para trabalho igual, férias de 30 dias, entre outras. Como se vê, esses burocratas da CUT e do PT estão cada vez mais amigos dos empresários e da casta política e mais hostis aos trabalhadores, principalmente os terceirizados.
Setores do PSOL preferem apoiar o PT, Lula e Dilma
Mesmo durante as manifestações de junho passado, setores da esquerda, como o senador e ex-candidato a presidente Randolfe Rodrigues, do PSOL, apoiaram o governo Dilma. Nas eleições de 2014, o deputado estadual carioca Marcelo Freixo, e os federais Ivan Valente e Jean Wyllys, todos do PSOL, apoiaram a candidata Dilma, vendendo-a como “mal menor” contra a “direita”, coerente com a resolução da direção nacional do PSOL que liberava sua militância a votar e apoiar Dilma, propondo apenas que “não se votasse em Aécio Neves”. Agora, depois da posse de Dilma e de suas medidas neoliberais, além do empoderamento do PMDB, essa esquerda faz críticas, mas propõe-se participar de uma “frente social” ao lado dos petistas e seus aliados críticos, como o MTST.
O debate que está em jogo não é somente sobre os direitos que não vieram, as reformas que não foram feitas. Se trata de um governo que garantiu a exploração capitalista, que beneficiou os banqueiros e empresários, que privilegiou acordos rifando direitos das mulheres e LGBT, que incorporou na sua base aliada nomes emblemáticos da direita brasileira. Esse é o “mal menor” que a esquerda tem medo de criticar de frente.
No próximo dia 15 de abril as centrais sindicais como CUTCTBNCST e também as antigovernistas CSP-Conlutas eIntersindicais convocam um Dia Nacional de Paralisações contra a PL 4330 e as MPs 664 e 665. Medida correta frente ao cenário nacional, mas tardia diante da magnitude do ataque. Sair dia 15 sem nenhuma ilusão na burocracia da CUTCTB e NCST é condição necessária para construir uma terceira força dos trabalhadores: participar da mesma paralisação, com a mesma bandeira em defesa dos trabalhadores, mas denunciando os burocratas que durante anos foram coniventes com a implementação da terceirização do trabalho e da superexploração capitalista “administrada” pelos governos petistas.
No mesmo dia, está sendo convocado pelo MTSTCUTMSTPSOL e outras organizações menores uma marcha às 17h “Contra a direita, e por mais direitos”. Vejam que o governo Dilma, que é o que mais está atacando, não faz parte do título da marcha. Não é à toa. Para a CUT e o MST participarem isso faz parte do acordo. Para a política do MTST, crítico ao governo, mas defendendo a governabilidade do “mal menor” é melhor falar contra a direita, o “golpismo” e a “onda conservadora”.
E a ala direita do PSOL com Ivan Valente e Randolfe referenda esse bloco difundindo a necessidade de uma frente popular (ou social) contra o “golpismo”. Tudo isso para barrar o desenvolvimento de qualquer via independente, uma esquerda dos trabalhadores.
CSP-Conlutas soltou uma convocatória a este ato onde corretamente coloca o eixo na luta contra o PL 4330 e os ajustes. Participaremos do dia 15 em conjunto com esse programa e marchando sempre com uma posição independente e antigovernista. Seria fundamental, ao mesmo tempo, os trabalhadores debaterem a necessidade de agitar um programa contra os escândalos de corrupção; chega de políticos enriquecendo à nossas custas. Frente à greve dos professores, exigir que todo deputado, juiz e funcionário de grande escalão ganhe o salário de uma professora, e que os políticos sejam revogáveis a qualquer momento, pois nos governos do PT, do PSDB, do PMDB e demais partidos antipopulares sempre há dinheiro para a casta política e os empresários (e muito para corrupção), mas nunca tem para os trabalhadores e os direitos sociais.
É preciso construir uma terceira força dos trabalhadores
Neste caminho, a esquerda precisa de uma vez por todas falar abertamente a verdade do que significaram, para os trabalhadores, os governos Lula e Dilma, e com todas as palavras dizer que eles são sim responsáveis pelo aumento da terceirização e pela retirada dos nossos direitos. E que, agora, quando a crise econômica mostra “sua cara”, Dilma e Lula estão juntos com os demais partidos da base aliada e da oposição burguesa para impor “ajustes”, cortes de verbas sociais, arrocho salarial e perda de renda pela inflação crescente e aumentos salariais rebaixados, demissões, mais terceirização, rotatividade no emprego e insegurança sobre o futuro das famílias.
Não é suficiente nos panfletos e jornais falar de antigovernismo, ou construir um bloco antigovernista que dilua o conteúdo real da situação política no Brasil. O PT, seus aliados, e Dilma tentam enganar a todos com a mentira de que “Eduardo Cunha ou o PMDB” é quem atua como “direita” e “onda conservadora”, mas foi Dilma, obedecendo ordens de Lula, quem concedeu poderes maiores e especiais ao PMDB. Ou seja, e há uma “onda conservadora” ou “reacionária” ela está no próprio governo, nos gabinetes do Palácio do Planalto, em acordo com o PT, Dilma e Lula.
Por mais neoliberais e direitistas que seja o PSDB, não são os tucanos nem uma onda conservadora “de fora” do governo, quem, nestes 12 anos, tem garantido a exploração capitalista, o lucro dos empresários e a retirada de direitos dos trabalhadores. Foi Lula, por oito anos, e Dilma no seu quinto ano, os responsáveis pela situação que gera o legítimo descontentamento social. Encarar esta situação de frente é passo fundamental para construir uma terceira força onde os trabalhadores sejam sujeito político, se organizando com assembleias de base, e possam romper definitivamente com a estratégia petista que está mostrando cada vez mais a sua cara. Para não ser massa de manobra da direita nem do petismo, por uma terceira força independente dos trabalhadores neste 15 de abril e para acumular e organizar forças para que a classe trabalhadora faça valer seu peso social e político, única alternativa real contra qualquer avanço “de direita”.

o Brasil é altamente dependente da energia hidrelétrica

Crise anunciada: Matriz energética brasileira não prevê
possível mudança no ciclo hidrológico. Entrevista especial
com Sergio Margulis

“O grande problema da mudança do clima é que se tem um corte gradual mas significativo nos regimes hidrológicos de chuva, de temperatura, e eventos extremos. O que estamos vendo no Brasil hoje é apenas um aviso prévio do que está por vir, considerando a seca em São Paulo e no Nordeste, as enchentes na Amazônia”, alerta o ex-secretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência – SAE.
“Hoje o Brasil é altamente dependente da energia hidrelétrica, mas nos próximos anos os reservatórios de água estarão vulneráveis aos novos regimes hidrológicos e isso vai gerar um impacto sobre o potencial hidráulico”, adverte Sergio Margulis, ex-secretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência – SAE.
Margulis era um dos responsáveis pela coordenação do estudo “Brasil 2040: Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima”, que pretende verificar quais serão os impactos das mudanças climáticas sobre o ciclo hidrológico nos próximos 100 anos, a fim de pensar estratégias para lidar com os problemas futuros.
O estudo “Brasil 2040: Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima” ganhou notoriedade na mídia nas últimas semanas após a demissão da equipe técnica que estava realizando a pesquisa, após a aposentadoria de Margulis e o início da gestão de Mangabeira Unger à frente da SAE.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-LineMargulis explica que, após as demissões dos técnicos envolvidos com o estudo, a continuidade do projeto é uma incógnita. “Com a nossa saída, fico me perguntando que uso irão fazer desse estudo. Como irão concluí-lo e depois como será aproveitado? Ele será usado mesmo pelo Plano Nacional?”, questiona.
Segundo ele, os resultados do estudo até o momento indicam que “as notícias não são animadoras”, porque sinalizam que “de maneira geral haverá uma redução significativa na disponibilidade hídrica” nos próximos anos. “Isso vai depender da bacia, porque as bacias do Sul terão maiores vazões, enquanto as bacias do Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão reduções significativas. Os impactos serão diferenciados, os quais não se compensam num certo sentido. Então, não vai adiantar chover mais no Sul e achar que será possível gerar mais energia no Sul compensando o Norte e o Nordeste, que terão menos energia. Isso significa que a longo prazo haverá um risco dediminuição de geração de energia hidrelétrica”, explica.
Margulis critica ainda os investimentos que o Estado brasileiro tem feito em relação às construções das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no complexo do Rio Madeira. “Essas hidrelétricas provavelmente não terão o potencial para o qual foram projetadas. Realmente é o caso de se pensar o redimensionamento dessas usinas ou pensar uma nova estratégia. O pessoal responsável pela energia tem que sentar com o pessoal que é responsável pelos estudos sobre mudanças climáticas, porque as novas usinas não estão sendo projetadas para durar 10 anos. Elas são feitas para durar pelo menos 50 anos, mas em 50 anos o ciclo hidrológico certamente não será mais o mesmo. Não há dúvida nenhuma sobre isso. Esse é realmente um problema muito significativo”, pontua.
Sergio Margulis é doutor em Economia Ambiental pelo Imperial College London, Inglaterra. Foi economista do Banco Mundial e secretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência – SAE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que contexto surgiu a iniciativa de realizar o estudo “Brasil 2040: Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima”?
Sergio Margulis – Eu fui convidado para ser Secretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência – SAE, pelo ministro Marcelo Neri, que me chamou para dar andamento à agenda de sustentabilidade, que estava meio acéfala. Dos temas mais importantes, achei que aquestão de adaptação à mudança do clima era crítica, porque a parte de mitigação já vem sendo estudada com mais intensidade no Brasil.
A questão da adaptação é absolutamente sinônima de desenvolvimento, quer dizer, de crescimento, de desafios do desenvolvimento de maneira geral, na medida em que o clima irá afetar todos os setores, todas as regiões. Então é uma questão intrinsicamente ligada à questão do desenvolvimento. É um assunto de médio e longo prazo que tem que ser tratado em um nível de planejamento estratégico. Essa foi a concepção e a justificativa original para realizar o estudo.
O estudo tinha como objetivo abordar o problema do ponto de vista econômico. Eu já tinha uma experiência de trabalhar com estas questões, com modelos econômicos bem mais pesados, ambiciosos, modelos que envolvem muitos setores, e a proposta era essa. O projeto sempre foi ambicioso, envolvendo oito das melhores instituições de pesquisa do país e a ideia era ter uma orquestração para que a SAE coordenasse todos os estudos e formulasse uma proposta que idealmente alimentaria o Plano Nacional de Adaptação. Esse Plano Nacional de Adaptação, que a presidente pediu que fosse completo até a Conferência de Paris, passou a ser desenvolvido por um grupo de trabalho interministerial liderado pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia. A nossa ideia sempre foi a de subsidiar do ponto de vista mais técnico a elaboração do plano.
IHU On-Line - Quando o Plano será concluído?
Sergio Margulis – O Plano deve ser entregue em outubro. Ele vem sendo elaborado, mas sempre careceu de uma análise técnica mais substantiva e esse tem sido o problema. O principal estudo que estava sendo feito para subsidiar este Plano era o “Brasil 2040”, que tinha a concepção de alimentar um Plano Nacional. O Plano ainda não está pronto e estamos aguardando para ver como será concluído, mas gostaria de deixar claro que se trata de dois movimentos paralelos: um é o Plano em si, é o documento oficial, que envolve todos os ministérios, tem portaria criando grupo de trabalho, etc. e dá atribuição ao Ministério do Meio Ambiente para ser responsável junto com o Ministério de Ciência e Tecnologia; outra coisa é o estudo “Brasil 2040”, que foi uma iniciativa espontânea da SAE e que deverá ser abraçada pelo Grupo Interministerial. Mas agora, com a nossa saída, fico me perguntando que uso irão fazer desse estudo. Como irão concluí-lo e depois como será aproveitado? Ele será usado mesmo pelo Plano Nacional? Isso é uma incógnita. Mais ainda o papel da SAE.
IHU On-Line - A partir do estudo, que informações já se têm sobre como as mudanças climáticas vão afetar o regime de chuvas e o regime hidrológico?
Sergio Margulis – Para realizar um estudo desses, o primeiro passo é entender o que deve acontecer em termos doscenários climáticos, como vai se comportar o clima no final do século; 2100 é o horizonte de planejamento desses modelos climáticos. Então se projeta até 2100 o que poderá acontecer. Quem faz esse tipo de projeção são os profissionais de meteorologia e de clima através dos chamados modelos climáticos globais. Esses modelos são muito, muito sofisticados e envolvem uma quantidade de variáveis enorme. Poucas pessoas em nível mundial são capazes de desenvolver esses modelos e de entender realmente o que se passa.
Existem mais ou menos uns 33 modelos climáticos globais a nível mundial. As projeções desses modelos indicam um aquecimento global, um aquecimento da Terra, mas eles não convergem em termos da precipitação. Os modelos são bastante díspares sobre onde vai chover mais, onde vai chover menos, e isso é o que introduz uma grande incerteza no entendimento do problema. Para entender o que poderá acontecer no Brasil até 2100, é preciso pegar a maior gama possível de modelos, ou seja, abrir o leque de modelos analisados. Isso foi feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE e estes resultados já são públicos. O INPE só trabalhava, até então, com um modelo climático global e passou a trabalhar com três modelos.
O segundo movimento do estudo é entender o que acontece com os recursos hídricos, porque eles dependem integralmente da pluviosidade, do regime de chuvas. Entender o impacto sobre as vazões e disponibilidade de recursos hídricos é crítico porque em sequência os setores econômicos – abastecimento urbano, agricultura, infraestrutura, energia, regiões costeiras - são afetados pelas mudanças climáticas. Então esse é o segundo movimento e ele praticamente já foi concluído pela Universidade Federal do Ceará - UFC, que em janeiro deste ano fez a apresentação dos resultados preliminares.

"Haverá uma redução significativa na disponibilidade hídrica"

IHU On-Line - Quais as implicações dessas mudanças para a geração de energia a partir de fontes hidrelétricas?
Sergio Margulis – Hoje o Brasil é altamente dependente da energia hidrelétrica, mas nos próximos anos os reservatórios de água estarão vulneráveis aos novos regimes hidrológicos e isso vai gerar um impacto sobre o potencial hidráulico. As notícias não são animadoras: de maneira geral haverá uma redução significativa na disponibilidade hídrica. Mas isso vai depender da bacia, porque as bacias do Sul terão maiores vazões, enquanto as bacias do NorteNordeste e Centro-Oeste terão reduções significativas. Os impactos serão diferenciados, os quais não se compensam num certo sentido. Então, não vai adiantar chover mais no Sul e achar que será possível gerar mais energia no Sul compensando o Norte e o Nordeste, que terão menos energia. Isso significa que a longo prazo haverá um risco de diminuição de geração de energia hidrelétrica.
Hoje o Brasil está investindo nas usinas hidrelétricas da Amazônia, como JirauSanto Antônio, e essas hidrelétricas provavelmente não terão o potencial para o qual foram projetadas. Realmente é o caso de se pensar o redimensionamento dessas usinas ou pensar uma nova estratégia. O pessoal responsável pela energia tem que sentar com o pessoal que é responsável pelos estudos sobre mudanças climáticas, porque as novas usinas não estão sendo projetadas para durar 10 anos. Elas são feitas para durar pelo menos 50 anos, mas em 50 anos o ciclo hidrológico certamente não será mais o mesmo. Não há dúvida nenhuma sobre isso. Esse é realmente um problema muito significativo.
Nosso trabalho era mostrar para o setor de energia que nós estamos diante de um problema energético muito grande, sobre o qual a hora de planejamento é agora, ainda que o problema pareça ser de longo prazo. Não se trata de uma questão do futuro, porque os investimentos estão sendo feitos agora. Mas o estudo que estávamos realizando não é mais considerado importante para o governo, ou pela SAE.
IHU On-Line - Considerando os resultados do estudo, que sugestões podem ser propostas em relação à construção e o funcionamento das hidrelétricas? 
Sergio Margulis – Essa é uma questão que tem de ser repensada, porque a questão técnica é saber se as séries hidrológicas do Brasil continuarão estacionárias. As séries registradas nos últimos 100 anos continuarão valendo, ou nos próximos 50 anos as séries hidrológicas serão outras? O grande problema da mudança do clima é que se tem um corte gradual mas significativo nos regimes hidrológicos de chuva, de temperatura e eventos extremos. O que estamos vendo no Brasil, hoje, é apenas um aviso prévio do que está por vir, considerando a seca em São Paulo e noNordeste, as enchentes na Amazônia. Temos evidências mais do que o suficiente e tudo corrobora para mostrar que estamos vivenciando apenas os primeiros sintomas de uma crise. A melhor coisa que se pode fazer é se utilizar da ciência e, a partir dela, tomar as decisões.

"As séries registradas nos últimos 100 anos continuarão valendo ou nos próximos 50 anos as séries hidrológicas serão outras?"

IHU On-Line - A partir do estudo, que metas o Brasil deveria apresentar na COP-21, em Paris?
Sergio Margulis – As questões que estou mostrando são questões de adaptação, não são questões de mitigação, ou seja, são do Brasil para dentro. Aos EUA, à Coreia do Sul, ao Paquistão, ao Uruguai pouco importa o que o Brasil está fazendo internamente para se preparar para as mudanças do clima. Isso é problema do Brasil: se o Brasil for esperto, ele se antecipa, se o Brasil for bobo, ele espera acontecer para ver o que faz.
Essas questões são absolutamente estratégicas para o desenvolvimento do Brasil, para o potencial de crescimento, para o potencial econômico do país. Essa discussão tem a ver com a COP de Paris na medida em que, agora, a questão de adaptação começa a entrar na pauta das discussões, e o Brasil tem mantido a posição firme de que adaptação é parte do problema climático global.
Os países têm que conjuntamente trabalhar para minimizar as emissões. Isso é um senso comum que interessa a todos, aí sim, o que o Brasil faz interessa ao Paquistão, aos Estados Unidos, ao Uruguai; e ao mesmo tempo ao Brasil interessa saber o que eles estão fazendo, ou seja, é um esforço comum, conjunto, todo mundo tem que estar no mesmo barco. Mas adaptação agora faz parte do acordo global, porque os esforços de mitigação conjunta ditarão as necessidades de adaptação de cada país.
IHU On-line - Fica evidente que se o país não possui uma mudança estratégica, não está preocupado com as questões internas, as questões globais também ficarão de lado?
Sergio Margulis – É um bom indicador: se o próprio dever de casa para as coisas que só interessam ao Brasil não recebem a devida atenção, imagina a atenção que o Brasil pode dar às questões na qual ele é um parceiro internacional, mas aí são deduções. É um processo político complicado, as pessoas entenderem essas coisas talvez não seja tão simples, mas a questão é esta que você falou.
IHU On-line - Além da mudança do ciclo hidrológico, quais os impactos das mudanças climáticas previstos pelo estudo?
Sergio Margulis – São os eventos extremos de toda a natureza em relação ao clima. Haverá ondas de calor, enchentes e secas nunca antes vistas e algumas variações climáticas que são menos óbvias e que são muito sérias. Por exemplo, durante o ciclo da agricultura há certo período de seca. Esses dias de falta de chuva têm um limite: a planta suporta uns 10 ou 12 dias, passando disso, ela simplesmente não germina, sendo possível que haja quebra total de safra apenas porque ao invés de não chover 12 dias, não choveram 16 dias.
Há variações menores de alguns parâmetros climáticos que têm grandes consequências na infraestrutura também. As estradas, por exemplo, são preparadas para suportar certa variação de temperatura, certa incidência de chuvas, etc., e quando se começa a brincar com a variação dessas variáveis, as estradas não estão preparadas, elas começam a não aguentar. Isso é uma questão de engenharia básica e haverá problemas por causa disso. Outro ponto importante é que nas regiões costeiras, inevitavelmente e irreversivelmente, os níveis do mar aumentarão por conta do degelo, ocasionando ressacas de intensidade maior, ou seja, o regime de marés vai mudar e isso não é pouco significativo.
Conforme o cenário, deverão ocorrer mudanças significativas no regime de marés e do movimento do mar na costa, e isso implica mudanças na infraestrutura costeira; por exemplo, o código de construção de edifícios na costa terá que mudar, os prédios não vão estar em cima de uma zona costeira igual a que era no passado.
O porto de Rotterdam na Holanda, que é o porto mais importante do mundo, já está construído a cinco metros de altura do nível médio do mar local, ou seja, eles já estão totalmente preparados para as variações de nível do mar, e aqui no Brasil nem se fala nesse assunto. Ele não existe em nenhum lugar do planejamento de governo, mas a Secretaria de Portos e demais ministérios de infraestrutura se interessaram muito pelo estudo.

"A ciência não pode ainda precisar exatamente que dia, que hora e onde acontecerá o próximo evento extremo. A ciência só demonstra isso: vai acontecer, está acontecendo, estamos tendo sinais preliminares"

Os problemas não são pouco significativos: alguns vão dando avisos prévios e outros serão sempre uma surpresa, uma surpresa atrás da outra. Infelizmente a ciência não pode ainda precisar exatamente que dia, que hora e onde acontecerá o próximo evento extremo. Mas não tenha a menor dúvida, a ciência só demonstra isso: vai acontecer, está acontecendo, estamos tendo sinais preliminares e seria bom aprender que a situação não tende a melhorar.
IHU On-line - Como você recebeu a notícia da demissão de profissionais ligados à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável? Qual foi a causa da demissão de parte do quadro técnico da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, do qual o senhor fazia parte? Qual o impacto dessas demissões para a conclusão do estudo Brasil 2040 e para pensar as estratégias do país em relação às mudanças climáticas?
Sergio Margulis – Eu me aposentei do serviço público. Eu ainda era secretário quando houve a troca de ministros e comuniquei ao ministro Roberto Mangabeira Unger que iria me aposentar. Avisei que estava às ordens para passar informações sobre o estudo que estávamos realizando. Mas o ministro Roberto Mangabeira Unger nunca nos procurou, deixando claro que este assunto não era estratégico para a SAE, que não era importante e tentou frear completamente o estudo.
A primeira coisa que fez foi demitir toda a equipe sem ter feito nenhuma consulta a qualquer uma das pessoas envolvidas no processo. Demitiu da forma menos profissional e ética possível, e esse é um sinal claro de que esta questão não é mais prioritária. Se fosse prioritária teriam o mínimo interesse em conversar com as pessoas, saber o que se fez, qual a importância do estudo.
Não temos a menor ideia do que eles estão pensando. Como há muitas instituições importantes e capacidade técnica altíssima envolvidas nesse estudo, o caso ficou conhecido, as pessoas manifestaram sua repugnância e repúdio à atitude.
Mas tudo bem, cada nova administração define suas prioridades e pronto. Mas, agora, fico pensando se esse estudo que custou uma fortuna vai parar no meio do caminho e ter uma priorização descontinuada. É preciso falar com o Ministro para saber o que a nova equipe está pensando. A única coisa que posso falar é que eles mandaram cinco pessoas embora, demitiram sem conversar e não pediram, jamais, nenhuma conversa conosco para se inteirar do estudo, para saber qual era o encaminhamento.
Por Patricia Fachin

colapso no abastecimento de água expõe as fragilidades de um crescimento econômico predatório


Água: crônicas de uma crise anunciada. A sede do progresso e o progresso da sede, por André Antunes

Publicado em abril 9, 2015 por 
Risco de colapso no abastecimento de água expõe as fragilidades de um crescimento econômico predatório dos recursos naturais
 Calculadora de sonhos” é o nome de um simulador de consumo desenvolvido pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e divulgado no site da empresa em janeiro, no auge da crise da falta d’água no estado. A ferramenta foi uma tentativa de estimular medidas de economia de água entre a população. A ideia é simples: digamos que o cliente tenha um “sonho” de comprar determinado produto; o que a ferramenta faz é calcular quanto de água ele precisa economizar todo mês para juntar dinheiro suficiente para realizar seu “sonho”. Para usar o exemplo do próprio site da Sabesp, um cliente que consuma por mês mil metros cúbicos de água e obtenha uma redução de 20% no consumo vai deixar de pagar R$ 4.122 de conta de água e passar a pagar R$ 2.149, uma economia de quase R$ 2 mil reais por mês.
Digamos então que esse mesmo cliente tenha um “sonho”: economizar o equivalente ao lucro líquido da Sabesp, que em 2013 foi de R$ 1,9 bilhão. Reduzindo seu consumo em 20%, nosso cliente levaria 950 mil anos para arrecadar essa quantia. Não aguenta esperar tanto tempo? O jeito é ser mais humilde: que tal “sonhar” com o total de dividendos distribuídos pela Sabesp aos seus acionistas em 2013? Aí o tempo de espera é mais curto: são necessários apenas 267 mil anos.
Economizar água não é o melhor caminho para juntar essa fortuna, e a própria Sabesp demonstrou isso muito bem. Embora agora incentive os consumidores a adotar um “uso racional” da água frente à crise, a opção da empresa tem sido por empregar sua racionalidade não para preservar as já escassas fontes de água, mas sim para garantir os seus interesses econômicos. Reportagem da Agência Pública mostrou que a Sabesp assinou com empresas paulistas no ano passado 42 contratos de demanda firme, que estabelecem tarifas reduzidas para aqueles que se comprometem a pagar por um determinado volume mensal mínimo. Desses, 30 foram assinados a partir de março, quando a crise já se avizinhava. A reportagem ainda revelou que no último relatório para investidores, a Sabesp argumentou que “este esquema de tarifas ajudará a impedir que nossos clientes comerciais e industriais optem por passar a recorrer ao uso de poços privados”.
A Sabesp é uma empresa de capital misto desde 1994, quando houve o processo de privatização de 49,7% de suas ações, que a partir de 2002 passaram a ser comercializadas na Bolsa de Valores de São Paulo e Nova York. O restante ficou sob controle do governo estadual. De 2003 a 2013, a empresa distribuiu aos seus acionistas mais de R$ 4 bilhões em dividendos. Só que para muitos que observam a crise atual, esse modelo acabou prejudicando a qualidade do serviço prestado. Pesa contra a empresa a falta de investimentos para reduzir a dependência do Sistema Cantareira, que acabou sendo o pivô da crise.
Mas também não dá para colocar a culpa só na Sabesp. O governo do estado, acionista majoritário da empresa, ainda reluta em admitir a gravidade da crise (embora os jornais venham denunciando que em muitos bairros da periferia de São Paulo falte água em vários dias da semana), mesmo depois do vazamento do áudio de uma reunião da direção da Sabesp, em que o diretor metropolitano da empresa deu o tom da gravidade do problema: “Vamos dar férias para 8,8 milhões de habitantes e falar ‘saiam de São Paulo!’. Porque não vai ter água […] Quem puder compra garrafa, água mineral. Quem não puder vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos”, disse Paulo Massato. Em janeiro deste ano ele chegou a aventar a necessidade de um rodízio de dois dias com água e cinco sem na região metropolitana.
Essa é apenas uma “pitada” de um ingrediente essencial para a receita da crise hídrica que atingiu em cheio o Sudeste de 2014 para cá: a má gestão dos recursos hídricos. Adicione um pouco de estiagem, com uma das maiores secas da história se abatendo sobre a região; acrescente uma boa dose de descaso com as políticas de recuperação da vegetação de áreas de mananciais e, por fim, o ingrediente final: imobilismo político em ano de eleição (afinal ninguém quer falar de assuntos incômodos como uma crise sem precedentes no abastecimento de água em meio a uma campanha eleitoral). Junte tudo isso, misture bem e está pronto o prato intragável que boa parte da população provavelmente vai ter que engolir a seco ao longo deste ano.

Mesmo com chuvas, reservatórios têm níveis críticos
A situação só não é mais alarmante porque tem chovido. Até janeiro, o nível da maioria dos reservatórios das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais seguia trajetória de queda. A partir de fevereiro, a seca aliviou, as chuvas vieram e os reservatórios subiram de nível. As notícias sobre a crise sumiram dos noticiários da grande mídia. Mas não se engane: a situação ainda é bastante crítica. No momento em que esta edição estava sendo concluída, o site da Sabesp informava que o nível do Cantareira – que chegou a 5,1% no final de janeiro – residia no patamar de 17,1%. Só que há aí uma “pegadinha”: em maio e outubro de 2014, a Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela coordenação do sistema nacional de recursos hídricos, deu autorização para que a Sabesp captasse, duas cotas do volume morto da represa, a água que fica abaixo do nível das comportas e precisa ser bombeada. Com isso o volume da represa passou de 982 bilhões de litros para 1,269 trilhões, e a Sabesp começou a divulgar o nível de água remanescente a partir desse aumento da capacidade total do sistema. Assim, a empresa pôde divulgar que o nível do reservatório era de 17,1%, quando na verdade, se considerarmos apenas o volume útil da represa, vemos que já foram retirados 119,2 bilhões de litros de água a mais do que o total que o sistema comporta.
E faz diferença? Faz, se levarmos em conta que o volume morto tem esse nome por um motivo: ele não deveria servir para consumo, e sim para evitar que o sistema entre em colapso. “A altura de captação é decidida com base no cálculo de quanto posso retirar para não matar o sistema. Tirar mais dessa água vai começar a matá-lo. Esse é o risco que estamos correndo”, alerta Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água, movimento formado por diversas entidades que se uniram para cobrar ações de enfrentamento à crise. Para piorar, há indícios de que a água do volume morto pode trazer riscos à saúde. Tanto que o Ministério Público de São Paulo ajuizou duas ações civis públicas contra a Sabesp questionando a captação de água do volume morto no Cantareira e no sistema Alto Tietê, que juntos abastecem mais de dez milhões de pessoas. Isso porque o uso do volume morto ameaça trazer à tona poluentes depositados no fundo da represa, que não são filtrados por sistemas tradicionais de tratamento de água. “Esse tipo de decisão foi adotada pela resistência do poder público em estabelecer medidas de redução de oferta de água ao longo do ano passado, que foi um ano perdido em relação à gestão preventiva”,  critica Marussia.
A situação não é muito diferente no Rio de Janeiro: dois dos quatro principais reservatórios que abastecem o estado a partir da captação de águas do Rio Paraíba do Sul chegaram a utilizar o volume morto em janeiro: o Paraibuna e o Santa Branca. Com as chuvas de fevereiro, os reservatórios subiram de nível, mas ainda estão em situação crítica: o Paraibuna conta hoje com pouco mais de 4% de seu volume útil, sem contar o volume morto; o Santa Branca tem 5,77% de seu volume útil. No total, o sistema que abastece 12 milhões de fluminenses, que conta ainda com os reservatórios Jaguari e Funil, está hoje com 12,88% de seu volume total. No mesmo período do ano passado, a situação era bem melhor: segundo dados da ANA, em março de 2014 o volume total do sistema girava em torno de 40% de sua capacidade.
Já o sistema Paraopeba, que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte, também encontra-se num nível bem abaixo do esperado para essa época do ano: 35%, metade do nível do sistema no mesmo período de 2014. E o problema vai além. No Nordeste, que junto com o Sudeste concentra 75% da água consumida no país, a situação é parecida. De acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), os 391 reservatórios da região têm hoje dez bilhões de metros cúbicos de água, 28% da capacidade total. Segundo o Insa, 50 reservatórios já entraram em colapso e outros 148 estão em estado crítico, com menos de 10% de sua capacidade de armazenamento. Mesmo se nos próximos meses a região receber um volume de chuvas dentro da média histórica, a previsão é de que a situação dos reservatórios piore ainda mais ao longo do ano.
O mar vai virar sertão?
O que mais apareceu até agora como solução foram as campanhas voltadas para fazer com que a população reduza seu consumo de água. E como mostrou uma notícia veiculada no portal G1 no dia 6 de fevereiro, elas podem ter efeitos desastrosos entre a população. Uma enfermeira da cidade de Araçatuba, no interior paulista, registrou um boletim de ocorrência na polícia contra uma motorista que tentou atropelá-la quando ela lavava a calçada de sua casa. A motorista teria gritado à enfermeira que ela estava “acabando com a água do mundo”. O incidente demonstra o grau de penetração desse discurso que aponta como solução para a crise o comportamento individual. Mas a verdade é que uma redução do consumo doméstico seria de pouco impacto numa crise, por mais que campanhas de estímulo à economia da água possam fazer parecer o contrário. Isso porque o consumo doméstico é responsável em média por apenas 10% do volume de água consumido no Brasil anualmente, segundo a ANA. A maior parte da água consumida no Brasil vai para a agricultura, com 70% em média. Mas é bom especificar: o grosso desse consumo não se dá na agricultura familiar, que produz mais de dois terços dos alimentos consumidos no país, e sim para o agronegócio, que produz as commodities cuja exportação mantém a balança comercial brasileira estável.
Segundo Paulo Petersen, assessor da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, o impacto do agronegócio sobre os recursos hídricos não se dá somente do ponto de vista da demanda, mas  do ponto de vista da oferta também. “Ao mesmo tempo em que consome muita água, o agronegócio degrada o solo, sobretudo aqueles onde estão localizadas as nascentes das principais bacias. Boa parte da água que abastece as maiores bacias hidrográficas da América do Sul vem do Cerrado. Ali é a fronteira de expansão do agronegócio, que vem degradando o solo com enorme velocidade”, diz Paulo. Com a substituição da vegetação nativa por monoculturas, continua, o solo dessas regiões perde a capacidade de armazenar água. “Essa é uma agricultura que consome muita matéria orgânica. Isso para solos tropicais é muito importante, porque eles dependem dela para manter sua estrutura, o que é uma condição para absorver a água da chuva. No momento em que você consome a matéria orgânica, esse ‘efeito esponja’ vai se perdendo, o solo vai ficando compactado e a água que cai, ao invés de infiltrar, escorre, provocando erosão”, explica.
Para quem acha exagero atribuir ao desmatamento do Cerrado a falta de água no Sudeste, saiba que tem muita gente que estuda a fundo a questão e afirma categoricamente que as duas coisas estão relacionadas sim. É o caso do professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás, Altair Barbosa. Em entrevista publicada no site do jornal goiano Opção, Altair explica que é no Cerrado que se localizam grandes aquíferos que alimentam importantes bacias hidrográficas do continente sul-americano. Um exemplo é o aquífero Guarani, que alimenta a bacia do Paraná, que por sua vez contém a maior parte dos rios que banham os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, incluindo o Pantanal. Esses aquíferos são grandes reservatórios de água absorvida pelo solo. Com a retirada da vegetação nativa para dar lugar às monoculturas e pastagens, esse processo fica comprometido. O efeito dominó que decorre disso traz sérias consequências para os territórios banhados pelos rios que nascem ali: Altair explica que com a redução na absorção da água da chuva, os aquíferos não vêm recebendo água suficiente, fazendo com que em média dez pequenos rios do cerrado simplesmente desapareçam a cada ano. “Esses riozinhos são alimentadores de rios maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão diminuída e não alimentam reservatórios e outros rios, de que são afluentes. Assim, o rio que forma a bacia também vê seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente”, diz. Altair afirma que a vazão dos rios da bacia do Paraná vem diminuindo ano a ano. Para ele, essa é uma consequência direta da ocupação desenfreada das áreas de recargas de aquíferos do Cerrado pelo agronegócio a partir dos anos 1970. “Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então, esses rios vão desaparecer”, alerta.
Os rios aéreos da Amazônia
Se a água que vem do subsolo está se tornando cada vez mais escassa, o mesmo pode estar acontecendo com a água que cai na forma de chuva. E pelo mesmo motivo: o desmatamento para a abertura de novas fronteiras de expansão agropecuária. Estudos desenvolvidos no bioma amazônico vêm apontando a relação entre a perda de cobertura florestal e as interferências no regime de chuvas em regiões bem distantes dali, como o Sudeste do país. Antonio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), faz, no artigo ‘Futuro Climático da Amazônia’, uma síntese da literatura científica sobre essa questão. Ele aponta que, desde a década de 1970, estudos mostram que a floresta mantém o ar úmido por mais de três mil quilômetros continente adentro, por um processo que chama de reciclagem de umidade. A água que cai na forma de chuva sobre a floresta é absorvida pelo solo e fica armazenada ali ou mais abaixo, nos aquíferos. Dali a água começa seu caminho de volta para a atmosfera, primeiro por meio das raízes profundas e depois através de tubulações nos troncos que levam a água até a copa. A água é liberada na forma de vapor para a atmosfera por meio da transpiração, processo pelo qual a planta regula sua temperatura interna, absorve gás carbônico essencial para a fotossíntese, ao mesmo tempo em que contribui para devolver à atmosfera vapor d’água misturado a gases orgânicos que cumprem papel fundamental no funcionamento da atmosfera e das chuvas. Segundo Nobre, uma árvore grande é capaz de bombear mais de mil litros de água por dia para a atmosfera. Com bilhões de árvores, a floresta é responsável pela liberação de uma quantidade de vapor maior do que a quantidade de água do rio Amazonas. Ele cita estudo da Revista Nature, que apontou que 90% da água que chega à atmosfera oriunda dos continentes vem da transpiração das plantas. Os processos de transpiração e condensação mediados pelas plantas interferem na pressão e na dinâmica atmosféricas, fazendo com que a umidade vinda do oceano penetre no interior do continente florestado. Boa parte da água que entra como vapor sobre a floresta vinda do oceano não retorna ao oceano por meio do rio Amazonas. A conclusão é que a Amazônia estaria exportando esse vapor para outras regiões do continente e irrigando outras bacias hidrográficas que não a do Amazonas. Análise na água da chuva que precipitou sobre o Rio de Janeiro encontrou indícios de que parte dela vinha não do oceano, mas da Amazônia. A essa massa de água que sai da Amazônia na forma de vapor para precipitar em regiões distantes como o Sudeste, Nobre chama de rios aéreos.
Zerar o desmatamento na Amazônia é, portanto, uma tarefa “para anteontem”, defende Nobre. A floresta, que já perdeu 20% de sua cobertura original, corre o risco de desaparecer se a perda chegar a 40%. Se isso acontecer, a alteração no clima será de tal monta que mesmo as florestas intactas tenderiam a dar lugar a outro tipo de vegetação mais adequada a um clima de savana. A demanda é particularmente importante num momento em que os índices de desmatamento da Amazônia voltaram a crescer, depois de apresentarem queda desde 2005. Segundo dados da Organização Não Governamental Imazon, entre agosto de 2014 e janeiro de 2015 foram desmatados 1,7 mil km² de floresta, 215% a mais do que no mesmo período entre 2013 e 2014.
Mineração: alta demanda por água
Nem só de agronegócio se faz um superávit na balança comercial. Tampouco se produz uma seca tão grave. Outro fator importante nessa equação é uma atividade que também desmata, consome muita água e polui: a mineração, setor responsável por um volume de exportações da ordem de US$ 47 bilhões no ano passado. Mas isso tem um preço: segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos pela água aumentaram de forma vertiginosa na última década. De 20 casos em 2003, o número subiu para 104 em 2013, num total de 31 mil famílias atingidas. Um terço dos casos envolvem mineradoras.
A matéria de capa da Poli n° 38 tratou do tema da mineração, e trouxe o relato de um conflito gerado pela Vale na Serra do Gandarela, em Minas Gerais, numa região conhecida como Quadrilátero Ferrífero. Ali é produzido 60% do minério de ferro brasileiro. A serra abriga um enorme aquífero cuja capacidade foi estimada em 1,6 milhão de litros de água potável. Só que para chegar ao minério da Serra do Gandarela, a Vale precisa retirar e descartar uma cobertura de rocha porosa chamada canga, que é justamente a camada que absorve e filtra a água da chuva que vai se acumular no aquífero. Sua retirada inviabilizaria esse processo, colocando em risco o abastecimento de água na região. Organizados em torno do Movimento pela Preservação da Serra da Gandarela, moradores da região vêm desde 2009 lutando contra a instalação da mina.
A mineração utiliza muita água também no transporte, que em Minas Gerais é feito através de quatro minerodutos da Vale que levam o minério das minas até os portos de Ubu, no Espírito Santo, e do Açu, no Rio de Janeiro. “O que é transportado nesses minerodutos é uma polpa de minério e água, que é bombeada da mina até o porto. Quando chega ao porto, essa polpa é desidratada e a água é descartada no mar”, explica o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Eduardo Barcelos. Segundo ele, os quatro minerodutos em atividade hoje em Minas consomem o equivalente a uma cidade de 1,6 milhão de habitantes. “Não dá para debater a crise da água sem falar dos minerodutos. Por que a gente os elegeu como forma de transporte de minério? Por que não pode ser por ferrovia?”, questiona Eduardo. Segundo ele, em 2012 o Brasil “exportou”, na forma de minérios, soja e grãos em geral, carne bovina e suco de laranja, 112 trilhões de litros de água. “Esse modelo extrativista que temos hoje de extração de recursos naturais e exportação de commodities é um debate que precisa ser incluído na crise da água”, diz.
O problema das barragens: o caso do Guapi-Açu
Dos conflitos pela água listados pela CPT em seu relatório, 46% foram causados pela construção de barragens e açudes. Um exemplo é um projeto que tem tudo a ver com a crise da água: a construção de uma barragem no rio Guapi-Açu, em Cachoeiras de Macacu, no estado do Rio de Janeiro. Ali o governo estadual pretende implantar um reservatório sob a justificativa de abastecer de água o leste metropolitano do Rio. O projeto está em pauta desde 2008, quando foi desenvolvido como uma das condicionantes exigidas pelo governo fluminense para o licenciamento do projeto de implantação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) pela Petrobras na cidade de Itaboraí. Com a previsão de que a região receberia um influxo grande de novos moradores e indústrias a partir da instalação do complexo, o projeto foi desenvolvido devido à constatação de que o sistema Imunana-Laranjal, que abastece as cidades de São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e a Ilha de Paquetá, seria insuficiente para suprir a demanda.
Em 2013, o governo do estado emitiu decretos desapropriando os 2,1 mil hectares onde será construído o reservatório e também uma área para reassentar as três mil famílias atingidas. A mobilização do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) conseguiu no ano passado a suspensão da análise do licenciamento ambiental da obra junto ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Este ano, no entanto, com a troca da equipe de governo após as eleições, o projeto voltou à baila. Agora não mais sob a justificativa do Comperj, cujas obras se encontram paradas devido ao escândalo de corrupção na Petrobras revelado pela Operação Lava-Jato, mas sim usando o argumento da crise hídrica. Segundo Eduardo Barcelos, o governo federal já deu sinal verde para a construção da barragem, para a qual serão destinados R$ 250 milhões.
Só que o vale onde se pretende instalar a barragem é dos mais férteis do estado. Um relatório produzido pela Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) sobre o projeto estimou que, com o alagamento da região, deixarão de ser produzidas 55 toneladas de legumes, frutas e hortaliças que abastecem o Ceasa de Irajá, um dos principais entreposto comerciais de alimento da região metropolitana do Rio. “Corremos o risco de um desabastecimento alimentar”, alerta Eduardo. Além disso, ele calcula que a construção da barragem irá desmobilizar uma cadeia produtiva que envolve cerca de 15 mil trabalhadores, do agricultor ao feirante. “Você vai desmobilizar 15 mil empregos diretos e indiretos de uma cadeia de produção de alimentos para gerar de forma temporária 700 empregos na construção da barragem”, destaca.
Para Gilberto Cervinski, coordenador do MAB, a solução passa por políticas de estímulo à recuperação e preservação da vegetação no Guapi-Açu. “O que defendemos é que se crie uma política de apoio a todas as famílias daquela bacia hidrográfica para a recuperação das nascentes, preservação das margens do rio para aumentar a sua capacidade, limpar a água. Isso aumentaria a capacidade de vazão de água de forma permanente”, defende. Eduardo Barcelos concorda. Para ele, o debate sobre a necessidade de recuperação do potencial de oferta de água das bacias hidrográficas tem sido ignorado. “Sabemos que as bacias do Sudeste foram historicamente degradadas por ocupação por pastagens, monocultura de cana e de café. Esses ciclos degradaram as bacias no sentido de remover a vegetação, destruir áreas importantes para reter água”, explica Eduardo. Exemplo disso é o Sistema Cantareira, epicentro da crise em São Paulo: dados da Aliança pela Água dão conta de que o sistema conta hoje com apenas 30% de sua vegetação original. Para ele, é preocupante que o poder público venha focando em soluções para a crise baseadas na construção de grandes obras, como barragens e transposições de rios. “Uma questão que ninguém toca é a ineficiência dos sistemas de abastecimento de água. Na região metropolitana do Rio há em média 35% de perda de água. Nenhuma perspectiva de um programa de redução de perdas foi colocada para  diminuir esses números”, reclama. Em São Paulo esse índice é de cerca de 30%.

Transposição do São Francisco
Diferente do que acontece no Sudeste, a falta de água é um problema crônico no semiárido nordestino. E assim como no Sudeste, o enfoque dado aos grandes empreendimentos domina qualquer debate que possa haver sobre o manejo sustentável dos recursos hídricos e do solo. Ali, a principal solução encontrada para o problema da seca responde pelo nome de Transposição do Rio São Francisco, obra iniciada em 2008 e que deve consumir R$ 8,2 bilhões até o fim de 2015, quando o governo federal prometeu entregá-la. Como explica João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco em Pernambuco, o empreendimento exemplifica bem duas facetas do problema da água dos quais já falamos nessa matéria: a priorização das grandes obras pelo governo e a falta de discussão sobre o uso da água. Ele afirma que embora o projeto tenha sido vendido como solução para o problema do abastecimento das pessoas por conta da seca, na prática o que se viu foi diferente. “Um projeto que retira água do São Francisco através de dois canais projetados para tirar 127 m³ de água por segundo – para você ter uma ideia, o Sistema Cantareira abastece São Paulo com uma vazão de 50 m³ de água por segundo – para proporcionar uma irrigação pesada e o uso pelas indústrias”, assinala João. Segundo ele, um dos locais que devem receber água do São Francisco é a represa do Castanhão, onde foi construído um canal de ligação com o porto de Pecém, no Ceará. “Sabe por quê? Estão construindo uma siderúrgica ali que, sozinha, consome o equivalente a um município de 90 mil habitantes. Para isso a água do São Francisco vai servir, agora para abastecer o povo que hoje está sendo assistido por frotas de caminhão-pipa, não”, reclama.
Outros grandes consumidores da água do São Francisco através da transposição são os chamados perímetros irrigados, grandes fazendas circundadas por canais de irrigação. Nessas fazendas são produzidas frutas para exportação. “Se produz melão, melancia, frutas que são 80% água. Olha que coisa estranha: você vai produzir frutas com uma capacidade de armazenamento enorme de água no semiárido. O uso de água é intensivo, tem que fazer grandes obras hidráulicas, e quem vai consumir isso é a França, o Japão, a Inglaterra. De novo estamos exportando água”, destaca Eduardo Barcelos.
Segundo João Suassuna, o problema do semiárido brasileiro não é exatamente falta de água. A região tem 37 bilhões de metros cúbicos de água represados, o maior volume do mundo em regiões semiáridas. Em 2006, a ANA publicou um estudo chamado Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água, em que propôs que fossem realizadas obras para melhor aproveitar esse volume. A um custo de R$ 3,3 bilhões, o projeto visava ao abastecimento de 34 milhões de pessoas em municípios de até cinco mil habitantes. “A transposição do São Francisco visa ao abastecimento de 12 milhões de pessoas e tem um custo de R$ 8,2 bi. Aí no momento de se elencarem os projetos para serem bancados pelo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], venceu a transposição. Como é possível um negócio desses? Essa é a verdadeira indústria da seca”, ataca.
Déficit de saneamento

O número de pessoas que tem dificuldade em obter água própria para consumo no mundo chega a quase 750 milhões. Um em cada três não tem acesso adequado ao esgotamento sanitário. Essas foram algumas das conclusões de um relatório divulgado pela Unicef no dia 22 de março deste ano, quando se comemora o Dia Mundial da Água. Segundo a entidade, 90% dessas pessoas está em áreas rurais, e são os cidadãos mais pobres e marginalizados que mais sofrem com a privação de água. Segundo o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) pelo Direito à Água e ao Saneamento, Leo Heller, o Brasil tem avançado na ampliação dos sistemas de água e esgoto, mas a situação ainda é crítica: 40% da população não tem acesso adequado à água e 60% não tem  esgotamento sanitário.
Para Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, os números apontam para uma crise ambiental mais profunda em curso, cuja “ponta do iceberg” é a crise hídrica. Ele defende uma abordagem “multiescalar” no enfrentamento do problema. Numa escala maior, está a questão da preservação das bacias hidrográficas que abastecem a população, que hoje enfrenta obstáculos dos quais já falamos nessa matéria, notadamente o avanço da fronteira agrícola que ameaça a integridade de biomas como o Cerrado e a Amazônia, essenciais para a regulação do clima e do regime dos rios.
Em outra escala, está a questão do saneamento. Em 2007 foi aprovada a Política Nacional de Saneamento Básico, que apontou a necessidade de se elaborarem planos de saneamento em nível federal, estadual e municipal. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 71,8% dos municípios não haviam elaborado um plano em 2011. O prazo para que todos os municípios tenham esse plano termina em 2015. “O governo federal não pode se limitar apenas a uma análise burocrática, se recebe ou não o documento. Caso contrário, não se resolvem distorções que já estamos presenciando na execução desses planos de saneamento”, alerta Alexandre. Segundo ele, devido à dificuldade que muitos municípios têm pela falta de corpo técnico para realizar o planejamento nos moldes preconizados pela lei, o que tem prevalecido é a lógica do “copia e cola”. “Você compara planos municipais de municípios diferentes e vê que têm o mesmo conteúdo”, relata. Segundo o IBGE, a grande maioria dos planos municipais contempla apenas um diagnóstico da prestação de serviços de saneamento, e poucos apresentam planos de contingência para eventuais crises. De acordo com o Instituto, no Sudeste, onde está a maior parte dos municípios que possuem um planejamento para a área de saneamento básico, apenas 20% deles apresentaram planos de contingência, que deveriam definir a prioridade para o uso dessa água. A Política Nacional de Recursos Hídricos, que completa 18 anos em 2015, prescreve que a prioridade no abastecimento de água é para o consumo humano. “E na história do país vimos que a prioridade foi para o desenvolvimento industrial”, diz Alexandre.
A ausência de planejamento engendra uma situação em que a população disputa água com as indústrias. Eduardo Barcelos cita um exemplo do Rio de Janeiro, estado onde o uso industrial responde por 37,7% do consumo de água. A Baía de Sepetiba, no oeste da Região Metropolitana do Rio, concentra empreendimentos como o Porto Sudeste, e indústrias como a LLX, Gerdau e Thyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). “Essas empresas foram licenciadas sem a exigência de que buscassem alternativas de fornecimento de água fora da rede. Isso pressiona o abastecimento populacional, porque você não divide o que é uso industrial com determinados mananciais e uso doméstico para outros”, diz. Para Eduardo, isso acaba expondo a fragilidade dos processos de licenciamento ambiental. “É preciso criar diretrizes no licenciamento para que os empreendimentos façam planos alternativos de captação de água que não sobrecarreguem o sistema público: captação de água de chuva, água de reuso do efluente, dessalinização de água do mar. Mesmo que isso custe caro”, diz.
Um dado presente na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) do IBGE aponta uma outra faceta do problema: 45% dos municípios brasileiros não possuíam rede coletora de esgoto em 2008, o que influencia diretamente na qualidade das águas de mananciais utilizados para abastecimento. É o caso da represa Billings em São Paulo, que recebe água poluída dos rios Tietê e Pinheiros. Diante da crise, o governo de São Paulo discute utilizar água da represa para abastecimento da população. “A Billings é maior exemplo do quanto nosso cuidado com a água está equivocado. É uma represa enorme, próxima da cidade, que poderia ser uma fonte de abastecimento e de lazer mas que não é utilizada porque ainda não conseguimos limpar o Tietê e o Pinheiros e continuamos poluindo a Billings sem priorizar investimentos para limpar”, lamenta Marussia Whately, da Aliança pela Água.
Para Alexandre Pessoa, na raiz do problema está a falta de prioridade para a área do saneamento num contexto em que, em nome de um modelo de desenvolvimento que não dialoga com as necessidades socioambientais da população, o Estado, em conjunto com o grande capital, vem atuando na flexibilização da legislação ambiental brasileira. “A lógica das commodities minerais e agrícolas tem cada vez mais flexibilizado a legislação. Isso foi muito exemplificado nas grandes obras portuárias e logísticas realizadas na orla marítima, na construção e projetos de grandes barragens, na revisão do Código Florestal e também na questão da revisão da lei de mineração no país”, diz. Segundo ele, nesse processo, vários direitos têm sido violados. “Quando governo e setor privado têm interesse em implementar um empreendimento, a capacidade de representação da sociedade civil fica extremamente limitada pela não disponibilidade das informações”, afirma.
Desinformação
Ninguém sofre mais com essa desinformação do que as pessoas que só entraram em contato com o problema da crise hídrica pelo que foi publicado na mídia. O caso de Camila Pavanelli é exemplar: espantada com a falta de informações disponíveis sobre a verdadeira situação do abastecimento de água em São Paulo, ela começou a escrever boletins diários sobre a falta d’água no Facebook, que depois se transformaram em boletins semanais. Ali ela passou a coletar, sistematizar e comentar todas as informações sobre a crise que iam saindo na imprensa. “Uma coisa que me espanta muito é como o discurso oficial passou de ‘não falta água’, no fim do ano passado para ‘não haverá rodízio’, agora que o Alckmin foi reeleito. Primeiro se negava que faltava água quando já faltava água e agora se nega que haverá rodízio quando ele já existe”, resume Camila, fazendo referência a várias reportagens sobre bairros que estão há vários dias sem receber água, como Carapicuíba. Para ela, há uma clara discrepância entre o real tamanho do problema e o grau de indignação da população. “Não é porque o povo é alienado. Isso tem a ver com a cobertura da imprensa e com as informações que o próprio governo e a Sabesp divulgam”, afirma. Foi por conta disso que Camila decidiu encerrar suas postagens com uma recomendação que, segundo ela, serve como um convite para que as pessoas “pensem um pouco no que está acontecendo”. Para aqueles cuja “ficha” não caiu, mesmo depois de ler esta reportagem até aqui, fica a dica da Camila: pode entrar em pânico.
Reportagem publicada na Revista Poli n° 39 , de março e abril de 2015
André Antunes – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Publicado no Portal EcoDebate, 09/04/2015

na tela ou dvd

  • 12 Horas até o Amanhecer
  • 1408
  • 1922
  • 21 Gramas
  • 30 Minutos ou Menos
  • 8 Minutos
  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
  • A Chave Mestra
  • A Cura
  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
  • Amarcord
  • Amargo Pesadelo
  • Amigas com Dinheiro
  • Amor e outras drogas
  • Amores Possíveis
  • Ano Bissexto
  • Antes do Anoitecer
  • Antes que o Diabo Saiba que Voce está Morto
  • Apenas uma vez
  • Apocalipto
  • Arkansas
  • As Horas
  • As Idades de Lulu
  • As Invasões Bárbaras
  • Às Segundas ao Sol
  • Assassinato em Gosford Park
  • Ausência de Malícia
  • Australia
  • Avatar
  • Babel
  • Bastardos Inglórios
  • Battlestar Galactica
  • Bird Box
  • Biutiful
  • Bom Dia Vietnan
  • Boneco de Neve
  • Brasil Despedaçado
  • Budapeste
  • Butch Cassidy and the Sundance Kid
  • Caçada Final
  • Caçador de Recompensa
  • Cão de Briga
  • Carne Trêmula
  • Casablanca
  • Chamas da vingança
  • Chocolate
  • Circle
  • Cirkus Columbia
  • Close
  • Closer
  • Código 46
  • Coincidências do Amor
  • Coisas Belas e Sujas
  • Colateral
  • Com os Olhos Bem Fechados
  • Comer, Rezar, Amar
  • Como Enlouquecer Seu Chefe
  • Condessa de Sangue
  • Conduta de Risco
  • Contragolpe
  • Cópias De Volta À Vida
  • Coração Selvagem
  • Corre Lola Corre
  • Crash - no Limite
  • Crime de Amor
  • Dança com Lobos
  • Déjà Vu
  • Desert Flower
  • Destacamento Blood
  • Deus e o Diabo na Terra do Sol
  • Dia de Treinamento
  • Diamante 13
  • Diamante de Sangue
  • Diário de Motocicleta
  • Diário de uma Paixão
  • Disputa em Família
  • Dizem por Aí...
  • Django
  • Dois Papas
  • Dois Vendedores Numa Fria
  • Dr. Jivago
  • Duplicidade
  • Durante a Tormenta
  • Eduardo Mãos de Tesoura
  • Ele não está tão a fim de você
  • Em Nome do Jogo
  • Encontrando Forrester
  • Ensaio sobre a Cegueira
  • Entre Dois Amores
  • Entre o Céu e o Inferno
  • Escritores da Liberdade
  • Esperando um Milagre
  • Estrada para a Perdição
  • Excalibur
  • Fay Grim
  • Filhos da Liberdade
  • Flores de Aço
  • Flores do Outro Mundo
  • Fogo Contra Fogo
  • Fora de Rumo
  • Fuso Horário do Amor
  • Game of Thrones
  • Garota da Vitrine
  • Gata em Teto de Zinco Quente
  • Gigolo Americano
  • Goethe
  • Gran Torino
  • Guerra ao Terror
  • Guerrilha Sem Face
  • Hair
  • Hannah And Her Sisters
  • Henry's Crime
  • Hidden Life
  • História de Um Casamento
  • Horizonte Profundo
  • Hors de Prix (Amar não tem preço)
  • I Am Mother
  • Inferno na Torre
  • Invasores
  • Irmão Sol Irmã Lua
  • Jamón, Jamón
  • Janela Indiscreta
  • Jesus Cristo Superstar
  • Jogo Limpo
  • Jogos Patrióticos
  • Juno
  • King Kong
  • La Dolce Vitta
  • La Piel que Habito
  • Ladrões de Bicicleta
  • Land of the Blind
  • Las 13 Rosas
  • Latitude Zero
  • Lavanderia
  • Le Divorce (À Francesa)
  • Leningrado
  • Letra e Música
  • Lost Zweig
  • Lucy
  • Mar Adentro
  • Marco Zero
  • Marley e Eu
  • Maudie Sua Vida e Sua Arte
  • Meia Noite em Paris
  • Memórias de uma Gueixa
  • Menina de Ouro
  • Meninos não Choram
  • Milagre em Sta Anna
  • Mistério na Vila
  • Morangos Silvestres
  • Morto ao Chegar
  • Mudo
  • Muito Mais Que Um Crime
  • Negócio de Família
  • Nina
  • Ninguém Sabe Que Estou Aqui
  • Nossas Noites
  • Nosso Tipo de Mulher
  • Nothing Like the Holidays
  • Nove Rainhas
  • O Amante Bilingue
  • O Americano
  • O Americano Tranquilo
  • O Amor Acontece
  • O Amor Não Tira Férias
  • O Amor nos Tempos do Cólera
  • O Amor Pede Passagem
  • O Artista
  • O Caçador de Pipas
  • O Céu que nos Protege
  • O Círculo
  • O Circulo Vermelho
  • O Clã das Adagas Voadoras
  • O Concerto
  • O Contador
  • O Contador de Histórias
  • O Corte
  • O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante
  • O Curioso Caso de Benjamin Button
  • O Destino Bate a Sua Porta
  • O Dia em que A Terra Parou
  • O Diabo de Cada Dia
  • O Dilema das Redes
  • O Dossiê de Odessa
  • O Escritor Fantasma
  • O Fabuloso Destino de Amelie Poulan
  • O Feitiço da Lua
  • O Fim da Escuridão
  • O Fugitivo
  • O Gangster
  • O Gladiador
  • O Grande Golpe
  • O Guerreiro Genghis Khan
  • O Homem de Lugar Nenhum
  • O Iluminado
  • O Ilusionista
  • O Impossível
  • O Irlandês
  • O Jardineiro Fiel
  • O Leitor
  • O Livro de Eli
  • O Menino do Pijama Listrado
  • O Mestre da Vida
  • O Mínimo Para Viver
  • O Nome da Rosa
  • O Paciente Inglês
  • O Pagamento
  • O Pagamento Final
  • O Piano
  • O Poço
  • O Poder e a Lei
  • O Porteiro
  • O Preço da Coragem
  • O Protetor
  • O Que é Isso, Companheiro?
  • O Solista
  • O Som do Coração (August Rush)
  • O Tempo e Horas
  • O Troco
  • O Último Vôo
  • O Visitante
  • Old Guard
  • Olhos de Serpente
  • Onde a Terra Acaba
  • Onde os Fracos Não Têm Vez
  • Operação Fronteira
  • Operação Valquíria
  • Os Agentes do Destino
  • Os Esquecidos
  • Os Falsários
  • Os homens que não amavam as mulheres
  • Os Outros
  • Os Românticos
  • Os Tres Dias do Condor
  • Ovos de Ouro
  • P.S. Eu te Amo
  • Pão Preto
  • Parejas
  • Partoral Americana
  • Password, uma mirada en la oscuridad
  • Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
  • Perdita Durango
  • Platoon
  • Poetas da Liberdade
  • Polar
  • Por Quem os Sinos Dobram
  • Por Um Sentido na Vida
  • Quantum of Solace
  • Queime depois de Ler
  • Quero Ficar com Polly
  • Razão e Sensibilidade
  • Rebeldia Indomável
  • Rock Star
  • Ronin
  • Salvador Puig Antich
  • Saneamento Básico
  • Sangue Negro
  • Scoop O Grande Furo
  • Sem Destino
  • Sem Medo de Morrer
  • Sem Reservas
  • Sem Saída
  • Separados pelo Casamento
  • Sete Vidas
  • Sexo, Mentiras e Vídeo Tapes
  • Silence
  • Slumdog Millionaire
  • Sobre Meninos e Lobos
  • Solas
  • Sombras de Goya
  • Spread
  • Sultões do Sul
  • Super 8
  • Tacones Lejanos
  • Taxi Driver
  • Terapia do Amor
  • Terra em Transe
  • Território Restrito
  • The Bourne Supremacy
  • The Bourne Ultimatum
  • The Post
  • Tinha que Ser Você
  • Todo Poderoso
  • Toi Moi Les Autres
  • Tomates Verdes Fritos
  • Tootsie
  • Torrente, o Braço Errado da Lei
  • Trama Internacional
  • Tudo Sobre Minha Mãe
  • Últimas Ordens
  • Um Bom Ano
  • Um Homem de Sorte
  • Um Lugar Chamado Brick Lane
  • Um Segredo Entre Nós
  • Uma Vida Iluminada
  • Valente
  • Vanila Sky
  • Veludo Azul
  • Vestida para Matar
  • Viagem do Coração
  • Vicky Cristina Barcelona
  • Vida Bandida
  • Voando para Casa
  • Volver
  • Wachtman
  • Zabriskie Point