O Valor da Natureza
Gustavo Souto Maior*
Qual o valor dos serviços prestados pela Natureza ? A princípio é infinito. A economia mundial entraria rapidamente em colapso sem a existência de solos férteis, água de boa qualidade e ar limpo. Porém, "infinito" muito rapidamente pode se transformar em "zero" nas equações utilizadas por administradores públicos e em decisões políticas. Assim, valores mais consistentes e concretos são necessários para se evitar decisões econômicas não sustentáveis, que possam degradar os recursos naturais e os serviços que os ecossistemas geram.
Com esse objetivo, uma equipe de treze pesquisadores, a frente o cientista Robert Costanza, da Universidade de Maryland, estimou o valor econômico de 17 serviços que o meio ambiente pode proporcionar (regulação hídrica, de gases, climática e de distúrbios físicos, abastecimento d' água, controle de erosão e retenção de sedimentos, formação de solos, ciclo de nutrientes, tratamento de detritos, polinização, controle biológico, refúgios de fauna, produção de alimentos, matéria-prima, recursos genéticos, recreação e cultura), em 16 biomas espalhados pelo mundo. Informações dispersas em mais de uma centena de estudos de valoração econômica de bens e serviços ambientais foram agrupadas e analisadas, e ao final o resultado encontrado para o valor médio dos serviços proporcionados pela Natureza, nos ecossistemas pesquisados, foi de US$ 33 trilhões ao ano.
A tentativa de se estimar o valor corrente total dos serviços ambientais em questão tem uma série de limitações, admitidas por Costanza e seus colaboradores. Primeiro, vários biomas e diversas categorias de serviços ambientais ficaram de fora do trabalho, já que não são ainda adequadamente pesquisados e objeto de valoração econômica. O próprio Cerrado, cujos estudos de valoração econômica ainda são muito recentes, não foi considerado. Mais estudos sendo disponibilizados, o valor total aumenta.
Segundo, em muitos casos os valores encontrados são baseados em levantamentos da "disposição a pagar" da sociedade por serviços ambientais, levantamentos esses nos quais se firmam alguns dos métodos de valoração econômica do meio ambiente. Aqui, o perigo é que os cidadãos possam estar desinformados quanto à importância dos bens e serviços ambientais, e assim suas preferências não incorporarem adequadamente preocupações sociais, econômicas e ecológicas, entre outras, o que pode resultar em valores inconsistentes.
Pode-se questionar a tentativa de dar um valor à atmosfera, ou às rochas e ao solo no suporte aos ecossistemas, pois sem dúvida alguma o valor, nesses casos, é incomensurável. Entretanto, como bem aponta o estudo, é de fundamental importância investigar como modificações na quantidade e qualidade dos vários tipos de capital natural e de serviços ambientais podem acarretar impactos no bem-estar humano.
Levanta-se a questão de que a valoração de bens e serviços ambientais é tampouco correta, já que não podemos dar valor a bens "intangíveis", como a vida humana, paisagens, ou benefícios ecológicos de longo prazo. Porém, na verdade valoramos bens e serviços "intangíveis" todos os dias, ao estabelecermos, por exemplo, padrões para construção de estradas, pontes, e similares: nesse caso valoramos a vida humana, já que estamos gastando mais dinheiro em construções que salvarão vidas. A realidade é que a sociedade valora o meio ambiente todos os dias. Qualquer decisão quanto ao uso da terra envolve estimativas de valor, mesmo quando valores monetários não são utilizados.
Argumenta-se que devemos preservar os ecossistemas por razões morais, não lhes cabendo atribuir nenhum tipo de valor econômico. A preservação seria uma questão afeta aos direitos de todas as espécies, tendo a ver com as nossas obrigações morais para com as futuras gerações. Os bens e serviços ambientais seriam fins em si próprios, e não um instrumental para se obter determinado objetivo, no caso o desenvolvimento. Ora, se todos os bens têm direito à existência, presume-se que não é possível optar por um em detrimento de outro, estando, assim, todas as perdas moralmente condenadas. Porém, a realidade é que a sociedade tem que fazer opções. Sendo assim, ciente de que nem tudo pode ser salvo e mantido intacto, é essencial optar entre formas de intervenção que tenham a melhor relação custo/benefício. Nesse ponto é que a valoração econômica de bens e serviços ambientais pode prestar um relevante papel.
Deve-se ter em vista que o desenvolvimento econômico está intimamente ligado a aumentos no nível de bem-estar da sociedade, resultantes da produção e consumo de bens e serviços tradicionais, os quais dependem de diversas funções dos recursos naturais, como matérias-primas, capacidade de suporte de ecossistemas, assimilação de resíduos e biodiversidade. O meio ambiente faz parte da função de produção de grande quantidade de bens econômicos, cuja obtenção seria impossível sem o seu concurso.
Cabe destacar que a economia de bens e serviços ambientais possui características diferentes da economia tradicional. O uso dos recursos ambientais, por exemplo, gera custos e benefícios que pouco são apreendidos em um sistema de mercado, muito embora os recursos tenham valor econômico. Embora o valor econômico dos recursos ambientais não seja observável no mercado por meio de preços, o meio ambiente tem um valor, na medida em que seu uso altera o nível de produção e consumo da sociedade, já que o bem-estar das pessoas é medido tanto pelo consumo de bens e serviços tradicionais, como pelo consumo de bens de origem recreacional, política, cultural e ambiental.
Pelo fato de não serem quantificados e transacionados em mercados, os bens e serviços ambientais têm muito pouco peso nas decisões políticas. Esta negligência pode ter como conseqüência o comprometimento da sustentabilidade da vida na Terra, já que os ativos ambientais não possuem substitutos.
Apesar dos diversos problemas de ordem conceitual e empírica inerentes à produção de uma estimativa dessa ordem, o trabalho de Costanza pode ser importante para se estabelecer uma primeira aproximação da magnitude relativa dos ecossistemas globais, e para estimular debates e pesquisas em valoração de bens e serviços ambientais. Contudo, talvez o maior mérito do trabalho é a comparação que permitiu ser feita entre os valores existentes do Produto Interno Bruto global e o valor econômico médio dos serviços ambientais prestados pelos 16 biomas pesquisados: para o meio ambiente o resultado encontrado foi de US$ 33 trilhões anuais, enquanto que no mesmo ano o PIB global somava cerca de US$ 18 trilhões. Ou seja, o valor dos serviços ambientais era quase o dobro do encontrado para o PIB. Conclusão: os serviços ambientais têm uma posição destacada na contribuição para o bem-estar humano no nosso planeta.
A economia não pode continuar a ser vista como um sistema fechado e isolado, no qual existem fontes inesgotáveis de matéria-prima e energia para alimentar o sistema, onde o processo de produção converte todos os insumos em produtos sem deixar resíduos indesejáveis, e no consumo todos os produtos desaparecem como num passe de mágica, sem deixar vestígios. Ou seja, a economia não pode insistir em considerar o meio ambiente como mero coadjuvante.
*Gustavo Souto Maior é mestrando em Gestão Econômica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário