Sobre banalização
Mario Vargas Llosa palestrará - entrevista
Porto Alegre – O escritor peruano Mario Vargas Llosa, que faz conferência dia 14 no Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, não esperava receber o Nobel da Literatura.
Aos 74 anos, seu nome vinha gradativamente migrando da categoria dos autores sempre cotados para a lista dos injustiçados pela Academia Sueca. A entrevista com a Agência RBS vinha sendo combinada havia mais de mês, e finalmente estava marcada para a manhã de quarta-feira, menos de 24 horas antes de o peruano ser anunciado como o mais novo Nobel de língua espanhola.
À Agência RBS, Vargas Llosa antecipou sobre o que deve palestrar. Confira os principais trechos.
Agência RBS: O senhor pode nos antecipar as linhas mestras da sua palestra?
Mario Vargas Llosa: É uma conferência sobre as orientações e as características da cultura em nossa época, tanto no mundo desenvolvido quanto no subdesenvolvido. Creio que a cultura vem tomando uma orientação cada vez mais superficial, frívola, vem se convertendo sobretudo em uma forma de entretenimento. O que não está mal, em princípio, não é ruim que a cultura seja divertida, mas é sim perigoso se isso significa superficialidade, trivialização, banalidade, se a cultura perde conteúdo, seriedade, se deixa de se contaminar pela problemática mais atual e passa a ser simplesmente uma forma de entretenimento.
Agência RBS: A gradual perda de importância da literatura no cenário contemporâneo seria um sintoma dessa superficialização?
Vargas Llosa: Creio que há duas vertentes nesse fenômeno. Uma é um esforço da cultura para chegar a um maior número de pessoas. No passado, a cultura era um fenômeno restrito a uma minoria social. Felizmente, em nossa época a cultura foi conquistando cada vez mais adeptos e chegando a setores mais amplos da sociedade. Mas, ao mesmo tempo, se a ideia de cultura persegue apenas um objetivo quantitativo, de chegar de qualquer forma ao maior número de pessoas, ela perde de certa forma sua razão de ser e se converte em puro espetáculo, puro entretenimento. Apagam-se um pouco as fronteiras entre o que é preocupação e diversão, seriedade e comicidade. Isso vem ocorrendo não apenas nos campos específicos das artes, mas também com a política. A política também se banalizou. Curiosamente, a extensão da democracia, que foi algo tão positivo, atraiu também uma certa banalização da política, e é isto que está por trás de uma apatia muito grande em participar ativamente na vida política. Esse é um fenômeno que abarca por igual tanto o mundo desenvolvido quanto o em desenvolvimento. Ocorre com a religião e a moral, por exemplo. Essas atividades também sofreram o contágio da banalização, da trivialização.
Agência RBS: Mas isso que o senhor determina como apatia política não é a normalidade democrática, a aceitação de que pela via democrática as transformações se dão de forma mais lenta do que o ímpeto do engajamento imagina?
Vargas Llosa: Mas sobretudo em países como os nossos, em que a democracia é jovem, em que tivemos regimes autoritários que eclipsavam a vida política, a participação, a possibilidade de criticar, de eleger, seria nesses países que, ao contrário, a democracia deveria ser celebrada e atrair uma participação massiva. Precisamente porque a democracia permite a todos os cidadãos intervir de maneira ativa e criativa na tomada das decisões em todos os âmbitos da vida, social, econômico e cultural. E curiosamente esse fenômeno não ocorreu, a não ser de maneira muito transitória, seguido logo depois por uma espécie de decepção, de desencanto, de frustração com essa liberdade, esse pluralismo político, esses governos civis nascidos de eleições que se ambicionam tanto quando vivemos sob ditaduras. Creio que isso é um produto dessa banalização da vida em geral, da cultura no sentido mais amplo da palavra, que tem tal efeito na vida política.
Agência RBS: O senhor ainda mantém, então, a ideia do escritor como um ser político, tanto em sua obra como fora dela?
Agência RBS: O senhor ainda mantém, então, a ideia do escritor como um ser político, tanto em sua obra como fora dela?
Vargas Llosa: Eu acredito que o escritor é um cidadão e tem a obrigação moral de participar da vida cívica. Não que ele precise se comprometer como político profissional, não é a isso que me refiro, mas tem de participar de alguma maneira do debate público, do debate cívico, utilizar as tribunas que um intelectual tem a seu dispor tanto para defender aquilo que acha que tem de defender quanto para criticar o que lhe parece que anda mal. O que eu censuraria seria a abstenção, a indiferença de um intelectual pela vida cívica. Porque se alguém volta as costas à problemática social e política não tem o direito de protestar quando aparecem demagogos, governantes ladrões ou arbitrários. O progresso de uma sociedade é responsabilidade de todos os cidadãos.
Agência RBS: A última década viu o surgimento de governos latino-americanos que representam modelos diferentes da esquerda. Como o senhor analisa isso?
Agência RBS: A última década viu o surgimento de governos latino-americanos que representam modelos diferentes da esquerda. Como o senhor analisa isso?
Vargas Llosa: Creio que o mais interessante é que há hoje em dia na América Latina uma esquerda que está jogando com as regras democráticas. O Brasil é um caso muito interessante, com Lula, pois subiu ao poder alguém que estava muito à esquerda e que logo se voltou para uma linha centrista sem renunciar às ideias de compromisso social, fez uma política de mercado, de apoio à empresa privada. É o que está ocorrendo também no Uruguai, outro caso muito interessante, porque lá subiu ao poder uma esquerda muito radical que está respeitando a democracia, o mercado, a propriedade privada. Na América Latina esse tipo de esquerda deve ser saudada, porque fortalece a democracia, como também a fortalece os governos de direita que respeitem as regras democráticas, como é o caso atual de Chile, Colômbia, Peru. Agora, há uma outra esquerda que é a antidemocrática, revolucionária, em Cuba, Venezuela, Nicarágua. É uma esquerda, digamos, mais pré-histórica, que quer acabar com a democracia, estabelecer ditaduras sociais. Creio que essa América Latina está de saída. A longo prazo prevalecerá uma democracia com uma esquerda e uma direita que tenham aprendido as lições da história: que os problemas não se resolvem com homens fortes, com ditaduras, sejam militares, sejam revolucionárias, mas sim através dos grandes consensos que a democracia permite.
Agência RBS: Em seu livro de ensaios A Verdade das Mentiras o senhor analisou a obra de outros autores. O que o senhor busca enquanto leitor é de algum modo diverso daquilo que o senhor procura como escritor?
Vargas Llosa: A mim não me agradam só os escritores que se parecem comigo, por seus temas, por sua técnica. Também gosto dos autores que estão longe do meu trabalho. Aqui em Princeton (universidade de Nova York) estou dando um curso sobre Borges, que eu admiro muito, mas que creio ser um antípoda do que sou como escritor. Eu não faço literatura fantástica, trabalho de modo mais realista. Borges era contista, não escrevia romance e tinha pelo gênero um desdém. Sou diferente dele, o que não impede que eu o admire.
Carlos André Moreira - carlos.moreira@zerohora.com
Fonte: Clic RBS | 09/10/2010
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