Não há mais centro e periferia, e o Brasil tem chances
Economista veterana afirma que a emergência Chinesa mudou a divisão internacional do trabalho
Claudia Antunes 12 set 2010-FSP
Entrevista: Maria da Conceição Tavares
do RIO
do RIO
A ascensão da China, com sua demanda por produtos primários, mudou a divisão internacional do trabalho e tornou datada a dicotomia entre indústria e produção de commodities que marcou a trajetória brasileira durante o século 20.
Quem faz a afirmação é a economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do desenvolvimentismo, que propôs a ação do Estado para a industrialização, a fim de superar a desvantagem nas relações de troca com os Estados Unidos -que, ao também produzirem matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços.
"Não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos", afirma Conceição.
Ela deu entrevista às vésperas de ser homenageada amanhã, no Rio, no lançamento do livro "O Papel do BNDE na Industrialização do Brasil", pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado.
Petista, Conceição aposta que Dilma Rousseff mudará a orientação ortodoxa do Banco Central, caso eleita, e diz que o tucano José Serra, amigo com quem escreveu há 40 anos um artigo-marco, "Além da Estagnação", é conservador na área social.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Um dos problemas do período abordado no livro, de 1952 a 1980, é o deficit no balanço de pagamentos. Hoje há essa preocupação de novo. Os riscos são os mesmos?
Maria da Conceição Tavares - Não, naquela altura o problema era a rigidez da pauta de exportações. Só tínhamos produtos primários e o único período em que houve aumento desses preços foi na Guerra da Coréia (1950-1953). Além disso, a substituição de importações não poupava divisas. Ao ampliar o mercado interno, aumentava a demanda [por bens de capital importados]. Hoje há uma indústria montada. O problema é o câmbio.
Mas e a preocupação com a primarização das exportações?
Não tem cabimento, porque a primarização não se parece com a de então. Antes, as relações de troca eram desfavoráveis. Hoje, quem demanda produtos primários é a China, a Ásia toda. Naquela época, os EUA eram nossos concorrentes.
O candidato Serra fala em risco de desindustrialização...
Desindustrialização houve no governo deles. O problema de agora é que o dólar se desvalorizou e todas as moedas valorizaram, exceto a chinesa, que está amarrada ao dólar com controle de capitais. A valorização não afeta as exportações, mas as importações, que estão disparando. Se você deixar entrar à galega, acaba desindustrializando.
Como a sra. avalia as críticas feitas a empréstimos do BNDES para grandes grupos?
O papo de que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública não é verdade. Formalmente, vai para a dívida fiscal, mas não é assim porque no longo prazo os empréstimos retornam, e o retorno do investimento é sempre positivo.
Mas até o [ex-presidente do BNDES] Carlos Lessa diz que o banco deveria ser mais exigente sobre investimentos no Brasil, ao emprestar às grandes empresas...
Nisso, o Lessa discrepa do [Luciano] Coutinho, que tem a visão do que ocorreu no Japão, na Coréia, de escolher as empresas vencedoras para que elas se internacionalizem com poder de mercado. É a única diferença, porque ambos são desenvolvimentistas. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só tem a charanga.
A Dilma e o Serra também são desenvolvimentistas?
Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo. Quer acelerar a contração do gasto público. Se cortar, não se pode fazer nada de política social universal, tem que ficar só com política para pobre. Serra é desenvolvimentista do ponto de vista industrial. O problema dele são os programas sociais, o aumento da Previdência, do salário mínimo, as medidas de alcance social mais profundo que o Lula tomou.
O ministério do segundo governo Vargas [1951-1954] lembra o do primeiro governo Lula, com empresários e monetaristas na economia. É coincidência?
No que diz respeito a Lula, graças a Deus caiu o ministro da Fazenda [Antônio Palocci] e entrou o [Guido] Mantega, que é desenvolvimentista. O Banco Central é problema sempre, porque sua estrutura foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma forma não têm futuro lá dentro. O que tem de fazer com o BC é uma diretoria mista: metade conservadora para agradar aos banqueiros e outra metade para ajudar o desenvolvimento. Conservador no governo Lula foi só a política monetária.
Mas isso num governo Dilma pode mudar?
Com certeza vai mudar. É só esperar e ver.
A conjuntura internacional, em que a China é o grande demandante, favorece o Brasil?
É favorável. Ninguém compete com a Ásia em produtos manufaturados, por isso aqui tem de ter certo controle das importações, mesmo disfarçado. Mas o fato de serem demandantes de matérias-primas faz uma diferença cavalar, sobretudo para a América Latina. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque exportamos para todo mundo.
Mas a China compete com as manufaturas brasileiras em terceiros mercados...
Temos de nos precaver. Mas acho que o Brasil tem chance. Ter recursos naturais como temos, da água ao petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes.
A China tem uma área subdesenvolvida, no campo, ainda tem que desenvolver o mercado interno. Mas tem um solo esgotado. Vai ter décadas importando alimentos, minério e petróleo.
Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A discussão agricultura "versus" indústria é datada. Agora, na eletroeletrônica, por exemplo, não avançamos. Por isso, o BNDES tem política setorial, na farmacêutica, na química.
A China tem uma área subdesenvolvida, no campo, ainda tem que desenvolver o mercado interno. Mas tem um solo esgotado. Vai ter décadas importando alimentos, minério e petróleo.
Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A discussão agricultura "versus" indústria é datada. Agora, na eletroeletrônica, por exemplo, não avançamos. Por isso, o BNDES tem política setorial, na farmacêutica, na química.
A senhora está otimista, então?
Pela primeira vez, porque em geral sou pessimista. Conseguimos passar a crise sem problemas na dívida externa, com reservas, o que nunca aconteceu. Espero não me equivocar, mas, se me equivocar, não estarei viva para ver.
Frase
"O BC é problema sempre, porque sua estrutura foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma maneira não têm futuro lá dentro"
"O BC é problema sempre, porque sua estrutura foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma maneira não têm futuro lá dentro"
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