Águas, pra que te quero?
por Herton Escobar
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Um estudo publicado ontem na revista Nature faz um diagnóstico científico do “estado de saúde” dos rios do nosso planeta. A água é o elemento mais essencial à vida. E apesar de 70% da superfície da Terra ser coberta por esse líquido, só 3% da água do planeta é doce (do tipo que nós gostamos), e menos de 1% está disponível para consumo humano, correndo pelos rios ou caindo do céu na forma de chuva. O resto é gelo, neve e oceano.
por Herton Escobar
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Um estudo publicado ontem na revista Nature faz um diagnóstico científico do “estado de saúde” dos rios do nosso planeta. A água é o elemento mais essencial à vida. E apesar de 70% da superfície da Terra ser coberta por esse líquido, só 3% da água do planeta é doce (do tipo que nós gostamos), e menos de 1% está disponível para consumo humano, correndo pelos rios ou caindo do céu na forma de chuva. O resto é gelo, neve e oceano.
Vale dizer também que 70% do nosso corpo é água. Isso mesmo… água! Simples assim. Ela está no seu sangue e dentro de cada uma das suas células. É por isso que as múmias são sempre todas magrinhas e ressecadas… Se você passasse seu corpo por um moedor de cana, 70% do que sairia do outro lado seria caldo e 30%, bagaço. (Perdão pela analogia macabra, mas me pareceu bastante ilustrativa.) Basicamente, você é um saco de água ambulante. Imagine só!
Dito isso, o diagnóstico da Nature nos diz que a maioria dos rios da Terra está em péssimas condições. E que, consequentemente, 80% das pessoas no mundo vivem em situação de “risco hídrico”… ou porque não têm água suficiente para consumo, ou porque a água está tão poluída que acaba trazendo mais doença do que saúde.
Os autores principais do estudo são de Nova York, e isso me fez lembrar de um exemplo fantástico de boa gestão (e bom senso) de recursos hídricos, made in USA.
Acredite se quiser, mas Nova York não tem uma única estação de tratamento de água. Zero. A água que sai das torneiras para abastecer seus 8,2 milhões de habitantes vem direto da natureza, escoada por tubulações que descem das montanhas Catskills, 200 quilômetros ao norte da cidade, sem necessidade de tratamento. Recebe apenas uma injeção de cloro, para cumprir a legislação, e uma pitada de flúor, para fortalecer os dentes. Nada mais.
Nos restaurantes de lá, quando o cliente pede água, é comum o garçom perguntar: “Bottle or tap?”, garrafa ou torneira? A qualidade é a mesma; só muda o preço. A da torneira é de graça, claro. Na cidade ícone do capitalismo mundial, água limpa ainda é o bem de consumo mais precioso de qualquer cardápio.
A receita secreta da Big Apple, que metrópoles no mundo inteiro tentam copiar, é a conservação. Na década de 90, quando a economia regional melhorou e o crescimento populacional começou a ameaçar o abastecimento de água da cidade, Nova York se viu diante de duas opções: construir estações de tratamento ou proteger suas represas da poluição. Fez as contas e optou pela segunda. Comprou terras no entorno dos reservatórios e passou a financiar programas de boas práticas agrícolas na zona de influência do manancial.
Se você já ouviu falar de “pagamento por serviços ambientais”, mas não sabe exatamente o que significa, o conceito é exatamente esse: em vez de pagar uma empresa para despoluir a água, a cidade paga a natureza para mantê-la limpa. Ou melhor: compra terras e paga aos proprietários que vivem em torno dela para não poluí-la. E assim a natureza continua fazendo o que sempre fez de graça: captar a água da chuva, filtrá-la no subsolo e jogá-la de volta na superfície, limpinha e cristalina para nós.
“Preferimos manter nossa água limpa em vez de limpá-la”, disse-me Kathryn Garcia, então diretora de Projetos Estratégicos do Departamento de Proteção Ambiental da prefeitura de Nova York, quando estive lá para fazer uma reportagem sobre isso dois anos atrás. A opção não poderia ter sido mais acertada.
As águas dos Rios Hudson e East, que cortam a cidade, também são exemplo de qualidade. Não são potáveis, mas são limpas o suficiente para se navegar e até nadar nelas. Nova York trata 100% do seu esgoto antes de lança-lo nos rios, comparado a 66% da cidade de São Paulo e 37%, da região metropolitana.
Aí não tem preservação que dê conta.
Aí não tem preservação que dê conta.
Fonte: Estadão, 01/10/2010
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