O Fator Onipresente e a
Cegueira da Causa
Ensaio
Filosófico sobre o Pensamento Econômico e a Noção de Diferença
A estrutura do pensamento causal
Toda
explicação causal se funda num contraste. Não se pode falar em “causa” onde não
há diferença, pois o pensamento causal pressupõe variação: algo muda quando um
fator está presente e não muda quando ele está ausente. Essa distinção —
herdada das formulações de John Stuart Mill[1]
e aprofundada por filósofos da ciência como Karl Popper[2]
e Mario Bunge[3] —
constitui a base empírica da racionalidade moderna.
Dizer,
portanto, que “todo fator que é onipresente não pode ser a causa de alguma
coisa” é afirmar que a causalidade é um jogo de diferenças observáveis. Um
fator que nunca muda, que permeia todos os contextos, não explica nenhuma
transformação particular — ele pertence à ordem do ser e não à do devir. A
causalidade só se revela quando há variação dentro de um campo estável de
condições.
A tradução econômica do princípio
Na
ciência econômica, o raciocínio causal é o motor da teoria: busca-se
compreender por que certos fenômenos — crescimento, recessão, desigualdade,
inovação — ocorrem. No entanto, a tentação de atribuir causalidade a fatores
estruturais onipresentes é constante. Muitas escolas de pensamento incorrem
nesse equívoco lógico: o marxismo ortodoxo, ao tratar “as relações de produção”
como causa universal; o neoclássico, ao tomar “o mercado” como princípio
explicativo absoluto; e o keynesianismo vulgar, ao elevar “a incerteza” a um
axioma permanente.
Quando
um conceito se torna onipresente, ele perde poder explicativo. O “capitalismo”,
por exemplo, enquanto sistema global, é o campo ontológico da economia moderna
— mas não explica, por si, por que certos países crescem mais, empresas inovam
ou mercados colapsam.
O erro da onipresença causal
Do
ponto de vista epistemológico, o erro do pensamento econômico reside muitas
vezes em confundir totalidade com causalidade. A totalidade fornece o contexto
— a rede de condições estruturais dentro das quais os agentes operam —, mas a
causalidade exige uma diferença mensurável dentro dessa totalidade. Assim, a
ciência deve identificar o que varia dentro do que permanece. A variação é o
pulso da causa.
O campo ontológico e o campo
diferencial
Em
termos filosóficos, podemos distinguir dois níveis do real econômico: o campo
ontológico, que representa as condições gerais e universais (escassez,
racionalidade limitada, tempo e espaço institucional), e o campo diferencial,
onde operam as causas efetivas — mudanças de política, inovação tecnológica,
variação de expectativas. A causalidade pertence ao segundo campo.
A implicação metodológica
Da
expressão analisada, deriva-se uma orientação metodológica fundamental: evite causas onipresentes; busque causas
diferenciais. Um modelo econômico que inclui “a cultura”, “o mercado” ou “a
racionalidade” como causas universais incorre num erro lógico. Modelos
frutíferos isolam mecanismos específicos, condições contextuais e momentos de
ruptura — identificam onde o fator realmente faz diferença.
Consequências para o pensamento
econômico contemporâneo
A
economia moderna, pressionada pela complexidade global, precisa distinguir o
que é condição de fundo planetária (clima, capitalismo global,
interconectividade tecnológica) do que é causa dinâmica observável (políticas
públicas, decisões empresariais, inovações localizadas). A análise causal exige
identificar como e onde essas forças se diferenciam. Não é “a globalização” que
causa prosperidade, mas a forma específica de inserção de uma economia nesse
processo.
A sabedoria da diferença
A expressão “todo fator que é onipresente não pode ser a causa de alguma coisa” é uma lição epistemológica e ética. Ensina que a compreensão verdadeira nasce da diferença, não da totalidade. Na economia, isso significa abandonar causas universais e abraçar causas situadas, transformações marginais e mecanismos concretos. A onipresença é o silêncio do ser; a causa é o gesto do devir.
[1] MILL, John Stuart. A System of Logic, Raciocinative and Inductive.
London: Cambrige University Press, 2011.
[2] POPPER, Karl Popper.
The Logic of Scientific Discovery.
London: Harper, 2a. ed., 1965.
[3] BUNGE, Mario. Causality and Modern Science. New York: Dover Publications,
1979.
Nenhum comentário:
Postar um comentário