Ferramenta para mosquito
Mexo as pernas me afastando de um inconveniente mosquito zombeteiro. A tarde se estende cortada pelos meus deveres e passo o tempo recriando coisas nos pensamentos, o dia vai dando lugar às trocas de luzes do entardecer. Me acompanha um calor forte, clima estranho, que faz transpirar mais, dando a pele uma sensação de umidade viscosa, colante, anfíbia. Toda água do banho se evapora num minuto de mormaço, fico nu, o ar é quente, nem preciso usar a toalha para me enxugar. Arre égua!
O silêncio bordeja como uma companhia, inerente, contribuindo na dinâmica criativa, ele está comigo sem ser convidado. Só o que impressiona meus martelos e bigornas é o tal mosquito, me sinto quase um surdo no espaço que compartilho com o chatonildo, faço gestos indecifráveis sobre o teclado do desktop e num impulso começo a dançar no meio da sala. Um vôo sopitado, dá até para ouvir o zim zim do maldito mosquito que perturba em tréguas meu silencio interior. Reticente, ando devagar até o banheiro, molho as mãos numa sabida técnica infalível aprendida há poucos dias, não por acaso, retorno com as mãos cobertas de água, permitindo superfícies adequadas, aderentes, assim colidindo no extermínio, tornando mais rápida a ação de espremer o irritante inseto sugador de meu sangue, logo, lá está, então, ele entre os dedos, num rápido bote manual, o sucesso da captura, visivelmente eficaz, sem qualquer chance para o escape, nem pela usual mimetização com as variadas entranhas do ambiente, ou pelos vôos no invisível, nas entrelinhas das sombras, rasgos dos objetos ou passagens de cantos, escurinhos camuflantes. Essa foi uma descoberta de uma ferramenta para exterminar os meus mosquitos, só os que convivem no meu espaço. Agora continuo meu olhar na leitura e escrevendo escuto algo.
Estancada a caça ao pernilongo um lindo canto desperta a minha atenção, é clássico, acompanhado por uma música ao piano. Faz parte de um fundo musical de um documentário sobre o século XX. Que século! Diz-se que aconteceu por importância nos últimos 20 anos de uma só vez... Uma bomba tecnológica, incrível transformação do mundo, e ainda em expansão, com efeitos colaterais duradouros sem horizonte palpável de conclusão, pelas profundas alterações no meio ambiente e as incoerentes razões de continuidade dos padrões e contradições que mantém em seu movimento criador-destrutivo. Exegese, busca de paradigmas diferentes, descoberta de outro padrão de transformação da natureza, reaprendizado do viver entre si e para si, de novas formas de relações sociais essenciais a existência, de preservação da natureza vital? Ora, esqueci a água do café no fogo, espere que eu volto. Continue lendo...
“Os homens criam as ferramentas as ferramentas recriam os homens”. [McLuhan]
Nenhum comentário:
Postar um comentário